ACUSAÇÃO
NULIDADE
Sumário

A acusação particular que indica, por remissão para a queixa, os elementos atinentes à data e local do crime, não enferma da nulidade prevista no artº 283, nº 2, alínea b), do CPP98.

Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO CRIMINAL, DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No Proc. ….-.. do T.J. Penafiel foi pela Assistente, B…. (identificada nos autos), deduzida acusação particular e formulado pedido de indemnização cível, contra a arguida C….. (identificada nos autos), requerendo o julgamento da mesma em processo comum, perante tribunal singular, pela prática de um crime de injúrias, p. e p., pelo artigo 181º do C.P. e um crime de difamação, p. e p., pelo artigo 180º do C.P.
Por despacho datado de 31.1.2005, o Sr. Juiz do processo declarou nula, nos termos do artigo 122º do CPP, a referenciada acusação particular, considerando que essa nulidade não era passível de sanação através da nova acusação particular, constante de fls. 47 dos autos, apresentada pela Assistente.
Deste despacho, foi pela Assistente interposto recurso motivado, no qual foram formuladas as seguintes conclusões:
1º Por requerimento a fls... dos presentes autos, em 15 de Julho de 2004, foi apresentada a competente queixa – crime, nos serviços do Ministério Publico, deste Tribunal, pela aqui recorrente contra a arguida C….., imputando-lhe a prática dos tipos legais de crime previsto e punidos nos artigos 180º e 181º do Código Penal.
2º No mesmo requerimento, a recorrente requer a sua constituição como assistente e manifesta o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
3º Notificada por Douto Despacho, nos termos do disposto no nº 1 do art. 285º do C.P.P., a Recorrente deduz, dentro do prazo legal, Acusação Particular e formula Pedido de Indemnização Civil contra a Arguida, melhor identificada nos autos,
4º Sendo que no artigo 1º da Acusação Particular, e por brevidade, deu por reproduzida a queixa-crime apresentada, a qual foi aceite nos precisos termos,
5º Tendo, ainda, referenciado no artigo 2º da referida Acusação Particular “Nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da referida queixa-crime...”
6º - A Acusação Particular apresentada pela Assistente, ora Recorrente foi acompanhada, quanto ao crime de injúrias previsto e punido no artigo 181º do Código Penal, pelo Digníssimo Procurador Adjunto deste Tribunal, conforme Douto Despacho constante de fls. 26 dos autos.
7º Ao abrigo do disposto no artigo 120º do C.P.P., a Arguida veio arguir a nulidade da Acusação Particular, por esta não descrever "a data, hora e local em que os factos ocorreram, remetendo-nos para a queixa-crime apresentada nos Serviços do Ministério Publico, deste Tribunal, pelo que, não poderia a Arguida "apresentar a sua defesa uma vez que não sabe, quando e onde passaram eventualmente os factos alegados pela assistente na sua acusação particular", encontrando-se "cerceada nos seus direitos e garantias podendo requerer caso entenda a abertura de instrução."
8º Notificada a Recorrente para se pronunciar sobre o teor do requerimento referenciado no artigo anterior, a mesma veio, nos termos do disposto no artigo 120º e ss do CPP, sanar a nulidade invocada pela Arguida, apresentando nova petição de acusação Particular, contendo os elementos em falta.
9º. A fls... O Meritíssimo Juiz "a quo", declarou nula a acusação particular deduzida pela Assistente, ora Recorrente, e considerou a mesma não passível de sanação através da apresentação de nova petição de acusação particular não podendo, no entanto, se conformar a ora Recorrente, com o entendimento exposto pelo Meritíssimo Juiz no Douto Despacho recorrido.
10º Aquando do interrogatório da Arguida e da sua constituição como tal (fls. 14 e ss dos autos), foi lida à mesma o conteúdo da queixa-crime apresentada pela Assistente, por escrito, nos Serviços do Ministério Publico, a 15 de Julho de 2004,
11º Da referida queixa-crime apresentada por escrito, consta logo, no seu artigo 1°, a data, hora e local da prática dos factos, dispondo: "Em data que não pode precisar, mas que se situa em finais de Junho do corrente ano, por volta das 23h00, no Lugar de …., Paço de Sousa, nesta comarca".
12º - Tendo a arguida desejado prestar declarações acerca dos factos de que vem acusada, constantes de fls... dos autos.
13º - Todo o circunstancialismo atrás descrito traz implícito o conhecimento por parte da Arguida, da data, hora e local dos factos de que vem acusada.
14º - Pelo que, dispunha a Arguida dos elementos suficientes para produzir a sua defesa.
15º Assim, são os factos constantes da acusação suficientes para configurarem a pratica do crime em questão, tanto mais que a mesma foi recebida e acompanhada pelo Digníssimo Procurador do Ministério Publico, a fls. 26 dos autos.
16º Recebida a acusação, no julgamento há-de fazer-se a prova e tirar dos factos constantes da mesma, as conclusões devidas.
17º - Nos termos da norma vertida no nº 1 do artigo 181° do Código Penal: "Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhes factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido...”, estando assim tipificado o crime de "injurias:
18º Da leitura do referido preceito legal, retira-se que as circunstancias de tempo e lugar não são considerados elementos essenciais e típicos do tipo legal de crime,
19º Tratando-se de um ilícito que conforme nos ensina José de Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal", Parte especial", Tomo I, Jorge e Figueiredo Dias, pagina 629, concretiza-se "em um ataque directo, sem a intromissão de terceiros, à pessoa do ofendido...".
20º - "As circunstâncias de tempo e lugar só revestem significado essencial nos casos em que só em razão dessas circunstâncias o facto seja lesivo do bem jurídico, sendo, nos demais casos, meros elementos acidentais do facto.
Neste ultimo caso, não há situação de surpresa ou violadora das garantias de defesa do Réu, uma vez que a infracção porque vinha pronunciado não era nem podia ser outra." - Acórdão da Relação do Porto, de 89-01-11, MJ,383-611.
21º Afigura-se-nos que, embora na Acusação Particular não conste expressamente a data, local e hora da prática dos factos, o desrespeito das garantias de defesa da Arguida e dos princípios do acusatório e do contraditório, no caso em apreço, não se verifica.
22º No mesmo entendimento, dispõe o Acórdão da Relação de Évora, de 90-05-15, BMJ 397-592, que: " O novo CPP optou pela aceitação de acusações mais ou menos discutíveis, não exigindo, como condição sine qua non da sua validade, uma identificação precisa do arguido e a indicação dos factos suficientes para fundamentar a acusação [art.o 283º, nº 3, als. a) e b)
23º - Dispõe a alínea b) do nº 3, do artigo 283°, por remissão do artigo 285° nº 2, ambos do C.P.P., que: “A Acusação contem, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática... ".
24º - A situação em apreço, não vem cominada, como nulidade, em qualquer das disposições da lei de processo penal e nomeadamente nos artigos 119° e 120°.
25º - Trata-se, pois, de uma irregularidade processual, que “só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado” nos termos do disposto no artigo 123°, nº 1 do C.PP..
26º - Entram na categoria das irregularidades todos os vícios que ataquem os actos processuais e que não sejam expressamente feridos de nulidade, sendo que e como nos ensina Manuel Lopes Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado", 10ª edição, 1999, pag. 301: "Só há nulidades dos actos quando for expressamente cominadas na lei..., tendo nosso CPP assumido ainda "a insanabilidade total de certas nulidades tidas como absolutas, circunscrevendo, porem, o seu número aquilo que considerou a estrutura essencial do processo criminal, mas teve por bem não só admitir prudentemente a não incidência de vícios puramente formais dos actos na validade do processo, como permitir a convalidação de actos anuláveis que pudessem ser aproveitáveis ou que tendo que ser integralmente afectados não implicassem a perda absoluta do processado ulteriormente."
27º - Consagrando-se o principio da legalidade, no domínio das nulidades dos actos processuais.
28º - "Assim, para que algum acto processual relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância das disposições legais do processo penal padeça do vício de nulidade, é necessário que a lei o diga expressamente, de outro modo o acto viciado sofrerá vício menor da irregularidade, submetido ao regime do artigo 123", mas não será nulo." (obra citada, p. 303).
29º - Como se deduz do disposto nos artigos 119º e 120º do CPP, alem de taxativas, as nulidades, "são reduzidas ao mínimo", sendo que "as nulidades quer as insanáveis, quer as sanáveis são taxativas, devendo portanto, estar enumeradas no nº 2 ou em qualquer das disposições especiais da lei processual penal (obra citada, p. 305 e 308).
30º - O facto de a Acusação Particular apresentada pela Assistente não descrever a data, hora e o local onde os factos ocorreram, remetendo para a queixa crime apresentada, em obediência ao disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 283º do C.P.P., por remissão do nº 2 do artigo 285º do mesmo diploma legal, não constitui nulidade mas mera irregularidade processual, nos termos acabados de expor, cabendo nesta categoria "quaisquer vícios de que enfermem os actos processuais que a lei não taxe de nulidade. Dai a grande margem de apreciação que se dá ao julgador nos nº 1 e 2, que vai desde o considerar a irregularidade inócua e inoperante até à invalidade do acto inquinado pela irregularidade e dos subsequentes que possa afectar, passando-se pela reparação oficiosa da irregularidade. Trata-se de questões a decidir pontualmente pelo julgador com muita ponderação pelos interesses em equação, maxime as premências de celeridade e de economia processual e os direitos dos interessados." (obra citada, p. 313).
31º - A alínea b) do nº 3 do artigo 283º do C.P.P., apenas contempla a inclusão, se possível, do lugar e do tempo da prática dos factos, não exigindo que indique obrigatoriamente, tais elementos.
32º - Da análise do requerimento apresentado pela Arguida, requerendo a nulidade da acusação particular, constata-se que o mesmo foi entregue nos Serviços do Ministério Publico, deste Tribunal, em 4 de Janeiro de 2005.
33º- Sendo que, e conforme dispõe a própria Arguida no mesmo requerimento atrás referenciado, a mesma foi notificada da acusação particular apresentada pela assistente, em 12.12.2004.
34º - A irregularidade processual foi arguida tardiamente, numa altura em que o vicio já estava sanado, atendendo ao disposto no nº 1, "in fine", do artigo 123" do C.P.P..
35º - Dispõe ainda, os nº 2 e 3 do artigo 122º do CPP, que a declaração de nulidade determina "quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição... ", aproveitando-se "todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. ", sendo que e como nos ensina Manuel Lopes Maia Gonçalves in "Código de Processo Penal
Anotado", 108 edição, 1999, pag. 311: "Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda pudessem ser salvos do efeito daquela.” ...
O comando do nº 3 insere-se no principio da economia processual que presidiu à feitura do código."
36º - Referindo, ainda, M. Simas Santos e M. Leal Henriques, in "Código de Processo Penal Anotado", I volume, 2" edição, 1999, p. 593: "A preocupação da prevalência da verdade material sobre a verdade formal - pondera Dr. Gil Moreira dos Santos - levou o legislador penal a reduzir - ou a limitar - os casos de ineficácia ou invalidade dos actos procurando aproveita-los enquanto possam servir o fim ultimo da realização da justiça, através da descoberta da verdade material"
37º - Embora por vezes custe fazer tal interpretação e sabendo nós que alguns preceitos do Código Processo com uma redacção menos feliz, tem colocado problemas de interpretação que partem do texto da lei, e certo que uma das garantias da lei penal deve consistir como refere Jescheck (in "Tratado de Direito Penal" - I - pag. 173) em que as leis penais se redijam com a maior clareza para que o seu conteúdo e limites se possam deduzir do texto legal.
38º Por isso, diz Ferrara (in "Interpretação e Aplicação das Leis", pag. 135) "O interprete deve buscar não aquilo que o legislador quis mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mensis legislatoris...o legislador é uma abstracção",
39º - Pensando nós, de todo o modo, que no caso "sub Judice" quer aquilo que o legislador quis, quer aquilo que da lei se pode retirar, aplicando-se ao caso estrito daria resultados diferentes daqueles que retirou o Meritíssimo Juiz, e não o tendo feito pôs em questão todo o direito de que se arrogou a Assistente, e, bem assim a estrita aplicação da lei.
40º A Douta decisão recorrida, ao considerar insanável a nulidade arguida pela Arguida, declarando nula a Acusação Particular deduzida pela Assistente, violou o disposto nos artigos 118°, 122° e 123° do CPP, que a serem correctamente aplicados, deveriam levar a que a presente Acusação particular fosse recebida.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, por outro que receba a acusação particular deduzida pela Assistente.

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O recurso foi recebido sendo-lhe fixada subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Em resposta o Ministério Público, defendeu a improcedência do recurso, alegando em síntese que a acusação deduzida enfermava do vício de nulidade (artigo 283º, nº3/b, do CPP), sanável, não tendo esse vício sido ultrapassado com a apresentação tempestiva da nova acusação particular por parte da Assistente.
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O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se, pela procedência do recurso, em síntese, pelas seguintes razões:
O nº 3 do artigo 283º do CPP, não exige a menção expressa da data, hora e local onde os factos correram, ali cabendo também a possibilidade da sua indicação, por remissão, para outra peça processual, no caso essa remissão foi feita para a queixa-crime apresentada.
O procedimento da Assistente nem sequer configura uma simples irregularidade que, a existir, sempre estaria sanada por força do artigo 123º, nº 1 do CPP.

Cumprido o artigo 417º, nº 2 do CPP, os outros sujeitos processuais não responderam.
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Colheram-se os vistos legais, teve lugar a Conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

Com interesse para a decisão a proferir, consta dos autos o seguinte:
- Em 12.08.2004, foi apresentada pela B….., queixa-crime contra a C…., tendo aquela sido admitida como Assistente.
Dessa queixa-crime constava no seu artigo 1º:
“Em data que não pode precisar, mas que se situa em finais de Junho do ano de 2004, por volta das 23h000, no lugar de …., Paço de Sousa, nesta Comarca”
- Realizado o inquérito foi, em 12.11.2004, ordenada a notificação da Assistente, nos termos e para os efeitos do artigo 285º, nº 1 do CPP.
- Em 23.11.2004, foi apresentado pela Assistente requerimento, deduzindo acusação particular e pedido de indemnização cível nos seguintes termos (no que à acusação – crime respeita):

1° Por brevidade dá-se aqui por reproduzida a queixa-crime deduzida pela assistente, apresentada nos Serviços do Ministério Publico, deste Tribunal, em 15 de Julho do corrente ano, constante de fls... dos presentes autos, a qual é aceite nos precisos termos.
2º Nas circunstancias de tempo e lugar constantes da referida queixa-crime, a denunciada,
3º Com "animus injuriandi", e apontando em direcção à janela onde se encontrava a assistente, começou a insulta-la, dizendo, por diversas vezes, as expressões "Vamos mas é embora porque senão a filha da puta está na janela a ouvir tudo; a filha da puta não vai sair a bem, vão sair a mal, eles têm que sair de qualquer jeito".
4º A denunciada, proferiu tais expressões, em alta voz, com o manifesto ânimo de ofender a honra da assistente e a sua consideração.
5º Ora, tais palavras e expressões proferidas pela denunciada, provocaram, na assistente, desgosto e sofrimento, e consequentemente danos morais.
6º As expressões referidas são em si mesmas e objectivamente ofensivas honra da assistente e a arguida produziu-as voluntariamente com intenção ofender a honra e consideração da mesma.
7º Tais afirmações não passam de uma difamação gratuita e infundada, altamente lesivas da honestidade e dignidade da assistente e constitui matéria
8º A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento consubstanciava crime e era punido por lei.
9º Pelo exposto, cometeu a arguida um crime de injúrias, p. e p. no artigo 181º do C.P. e um crime de difamação p. e p. no artigo 180° do mesmo diploma legal.”
- Em 25.11.2004, foi pelo Ministério público acompanhada a acusação particular deduzida, apenas quanto ao crime de injúrias, e ordenado o cumprimento do disposto no artigo 283º, nº 5 do CPP.
- Em 04.01.2005, foi pela arguida, invocada a nulidade da acusação particular deduzida e pedida a declaração de invalidade de todos os actos à mesma inerentes.
- Em 11.01.2005, foi pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal ordenada a comunicação do referido requerimento à Assistente.
- Essa notificação foi efectuada por via postal registada, com data de 14.01.2005, com o seguinte teor:
“Para querendo, no prazo de 10 dias, vir aos presentes autos, se pronunciar sobre o teor do requerimento, cuja cópia se anexa, uma vez que se trata da invocação de uma nulidade de uma acusação particular”.
- Em 21.01.2005, foi pela Assistente apresentada nova acusação particular onde, no seu artigo 1º se acrescentava (em relação à primitivamente apresentada):
“Em data que não pode precisar, mas que se situa em finais de Junho do ano de 2004, por volta das 23h000, no lugar de …., Paço de Sousa, nesta Comarca”
- Por despacho de 27.01.2005, o Sr. Juiz considerou nula a acusação particular apresentada em 23.11.2004, considerando essa nulidade não passível de sanação através da acusação particular apresentada em 21.01.2005, sendo o seguinte o respectivo teor:
“Veio a arguida C….. invocar a nulidade da acusação particular da assistente B….., dizendo que esta não descreve a data, a hora e o local onde os factos que lhe são imputados se passaram limitando-se a remeter para a queixa que apresentou nos Serviços do M.P.
Aproveitando a notificação feita pelo Tribunal para se poder pronunciar, a assistente B…. remete a juízo nova acusação particular, onde colmata aquelas faltas.
Cumpre apreciar.
Não há duvidas que a acusação particular inicial (fls. 23 e seguintes) não descrevia a data, a hora e o local onde os factos que são imputados se passaram, em desrespeito ao estatuído no art. 283º, nº 3 al. b) do C.P.P., limitando-se a remeter para a queixa que apresentou nos Serviços do M.P., o que já não acontece na segunda acusação (fls. 43 e sgts.).
Todavia, salvo melhor opinião a assistente apenas se poderia valer da reparação do articulado que apresentou se detectasse o vício e o reparasse antes da nulidade ser arguida ou, tendo sido arguida a nulidade, se apresentasse novo libro acusatório dentro do prazo de 10 dias referido no art. 285, nº 1 do C.P.P., altura em que seria possível a sua repetição e aproveitamento, o que não acontece no caso concreto.
De facto, não só o arguido intervém no processo para invocar expressamente a nulidade, como a notificação para a assistente deduzir acusação particular data de 16/11/2004 (fls. 22), tendo a (nova) acusação particular dado entrada em juízo em 21 de Janeiro de 2005 (fls. 43), muito depois, portanto, daqueles 10 dias.
Face ao exposto, nos termos do art. 122º do C.P.P., declaro nula a acusação particular deduzida pela assistente B…. a fls. 23 e seguintes e considero que a mesma não é passível de sanação através da acusação particular de fls. 43 e seguintes.”
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O âmbito do recurso é fixado pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação.
Pese embora a sua extensão (a esse respeito, diga-se que a preocupação de “brevidade” invocada na queixa-crime e que deu azo ás vicissitudes processuais que se lhe seguiram, foi aqui totalmente esquecida pela recorrente), das mesmas extrai-se que a questão de Direito sob apreciação deste Tribunal, se circunscreve ao seguinte:
- Decidir se a acusação particular deduzida enferma ou não da nulidade declarada e, em caso afirmativo, se a mesma não foi, posteriormente, atempadamente sanada.
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O art. 283º,nº 3 do C.P.P. contém a indicação dos elementos que têm de constar da acusação, sob pena de nulidade.
Entre eles se inclui, na al. b): “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
A acusação particular deve conter esses elementos, sob pena de nulidade relativa (sanável com o regime previsto nos arts. 120º e 121º do C.P.P.), tal como manda o art. 285º, nº 2 do C.P.P.
Este regime é a expressão dos princípios que conformam o nosso Processo Penal, nomeadamente do princípio acusatório consagrado no art. 32º, nº 5 da CRP, e do imperativo de assegurar as garantias de defesa expresso no nº 1 deste art. 32º.
Concretizando, a exigência de indicação tão completa quanto possível (ainda que sintética) na acusação dos factos imputados ao arguido, destina-se a assegurar a fixação, perante o Tribunal, do objecto da causa, delimitando a sua actividade cognitória e decisória e possibilita, por outro lado, o conhecimento pelo arguido da actividade criminosa que lhe é atribuída, para que dessa imputação se possa defender da forma que julgue conveniente.
No caso, a acusação particular deduzida indicou, por remissão, para a queixa-crime, os elementos atinentes à data, hora e local do crime, utilizando a seguinte expressão:
“Nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da referida queixa-crime”.
Os elementos, a esse respeito, constantes da queixa-crime são apresentados da seguinte forma:
“Em data que não pode precisar, mas que se situa em finais de Junho do ano de 2004, por volta das 23h000, no lugar de ….., Paço de Sousa, nesta Comarca, a denunciada…”
Não é esta, óbviamente, a forma mais correcta de elaborar uma acusação. Esta peça processual deve ser auto-suficiente, possibilitando uma apreensão completa do seu conteúdo, através da respectiva leitura.
É, pois, de censurar tal prática, incorrecta, de indicação por remissão de tais elementos.
Porém, atribuir à mesma a comissão do vício de nulidade, é uma sanção demasiado severa.
Uma acusação redigida desta forma não impossibilita a delimitação do objecto do processo, nem a compreensão por parte do arguido da actividade criminosa que lhe é imputada.
Os elementos atinentes ao tempo e local dos crimes imputados ao arguido, encontram-se suficientemente referenciados para serem conhecidos por este e por quem o defende, e poderem ser utilizados pelo Tribunal ao conhecer a causa.
Não estamos, pois, perante uma absoluta omissão desses elementos, consubstanciadora da prática da nulidade prevista no art. 283º, nº 2 al. b) do C.P.P.
Não sendo nulidade, essa imperfeição da acusação constitui uma mera irregularidade que, por afectar o seu valor, pode ser objecto de rectificação – art. 123º, nº 2 do C.P.P. – por iniciativa do Tribunal, a partir do momento em que da mesma toma conhecimento.
Esse aperfeiçoamento teve, no caso, lugar e deveria ter sido admitido pelas razões expostas.
O despacho recorrido violou, efectivamente, o disposto nos arts. 283, nº 3, 118º, 122º e 123º do C.P.P.
Tal como anota Maia Gonçalves (C.P. Anotado, 15ª Ed., pag. 572), o regime fixado no Código quanto ás nulidades “denota bem o intuito de reduzir ao mínimo o número de nulidades em Processo Penal, e ele não incluir no seu número quaisquer vícios formais”.
Ou, como se afirma no AC. do STJ de 6/12/2002, CJ III, p. 238, a propósito de um caso similar: “O formalismo explica-se, exige-se e justifica-se enquanto instrumento de um objectivo legítimo de Direito substantivo ou adjectivo. Nunca, para viver por si, para se alimentar a si mesmo, como mera futilidade processual.”
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Nos termos relatados, decide-se:
- Conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, e determinando-se a sua substituição por outro que receba a acusação particular deduzida (no seu formato aperfeiçoado) – e a acusação do M.P. na parte em que acompanhou a acusação particular –, designando-se dia para julgamento, seguindo o processo os seus termos subsequentes, de acordo com a Lei Processual Penal.
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Sem custas, por não serem devidas.

Porto, 11 de Janeiro de 2006
José Joaquim Aniceto Piedade
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins