I - A notificação de um acórdão, proferido por tribunal superior, em recurso, não carece de ser feita ao próprio arguido, bastando-se o art. 425.º, n.º 6, do CPP com a sua notificação ao seu defensor.
II - A intenção de matar integra matéria de facto, arredada do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça.
III - O arremesso de ácido sulfúrico na direcção do ofendido, dificultando de forma assinalável, como é manifesto e dispensa grandes considerações, qualquer tentativa de defesa por banda deste, traduz-se na utilização do “meio particularmente perigoso” a que alude o art. 132.º, n.º 2, al. h), do CP.
Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça:
I. 1. No Juízo central criminal ..., J..., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado,
- pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132º, nº 2, alínea h), 22º e 23º, do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão;
- pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alíneas b) e c), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a assistente BB por um período de 5 anos;
- pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea e) e nº 3, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 8 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na única de 15 anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a assistente BB por um período de 5 anos.
Mais foi condenado a pagar
- ao demandante “Centro Hospitalar ...” a quantia de 13.505,52 euros, a título de indemnização, acrescida de juros moratórios à taxa anual de 4% desde a notificação do pedido;
- ao demandante/assistente CC, a título de indemnização, a quantia de 100.586,08 euros, acrescida de juros moratórios vincendos à taxa anual de 4% contados desde a data do acórdão; o valor que venha a ser por ele despendido em tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que sejam necessários para debelar as sequelas das lesões sofridas na sequência dos factos inscritos nos pontos nºs 25 a 27 do elenco dos factos provados e o valor dos danos patrimoniais sofridos por CC em consequência da perda/diminuição da capacidade de ganho resultante dos factos inscritos nos pontos nºs 25 a 27 do elenco dos factos provados, a apurar em execução de sentença;
- a BB a quantia de 5.000,00 euros arbitrada oficiosamente.
2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão datado de 28 de Setembro de 2021, negou provimento ao recurso e confirmou inteiramente a decisão recorrida.
3. Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do acórdão recorrido e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):
«1. Argui-se a nulidade da não notificação ao recorrente do douto acórdão do TR..., com as consequências legais daí decorrentes, o que imLisboau a violação do artigo 113/10 do CPP, requerendo-se assim a devolução da quantia paga em excesso no valor de 204€.
2. Da expectativa de conhecimento oficioso dos vícios elencados no artigo 410/2 do CPP,
3. estamos na presença de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada, não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.
4. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão.
5. Por último, erro notório na apreciação da prova, é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detetado por uma pessoa comum.
6. Sendo exemplo destes três vícios o facto do tribunal ter feito um erro notório na apreciação da prova quando a admite reconhecer ou dar como provado que um telemóvel que estava partido e esmigalhado, afinal, estava apto a dele tirar fotografias, ou bem sabendo do princípio da livre apreciação da prova do juiz, quando este acha que o ácido é meio idóneo a provocar a morte naquelas condições em que foi apreciada a responsabilidade do aqui recorrente.
7. O recorrente entende não estarmos na presença de um caso julgado quanto à imunidade diplomática que julga beneficiar tendo existido uma incorreta interpretação do artigo 620 e 628 do CPC, por força do artigo 4 do CPP, sido assim violado a norma prevista no artigo 30 e 38 da CVRD, devendo ser considerado que a imunidade diplomática do arguido é irrestrita, não se limitando aos atos criminais praticados no âmbito das suas funções.
8. No que diz respeito ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, sustenta o arguido não ter tido intenção de matar o assistente, nem o ácido sulfúrico, na quantidade, no modo e no circunstancialismo em que foi atirado, ser meio idóneo para atingir tal fim; tendo o tribunal a quo feito uma incorreta apreciação das normas previstas do artigo 131,132, 133, 143,144, 145, 146 e 147 do CP.
9. Por outro lado, ainda que assim não se entenda, o tribunal a quo violou a medida da pena previsto no artigo 40 e 71 a 73 do CP, e artigo 18, 22, 29 e 32 todos da CRP, tendo as penas aplicadas excedido a medida da culpa, onde deveria o recorrente ter sido condenado em penas mais perto dos limites mínimos e não tão perto dos limites máximos.
10. Já em relação à condenação da indemnização ao assistente, esta também se valora como excessiva e não provada com base em prova documental, mas tão só e apenas em prova testemunhal.
11. A pena aplicada ao crime de violência doméstica foi no máximo previsto na lei de 5 anos, pelo que o tribunal a quo violou a medida da pena previsto no artigo 40 e 71 a 73 do CP, e artigo 18, 22, 29 e 32 todos da CRP, tendo as penas aplicadas terem excedido a medida da culpa, onde deveria o recorrente ter sido condenado em penas mais perto dos limites mínimos e não tão perto dos limites máximos.
12. Já em relação à condenação da indemnização à assistente, esta também se valora como excessiva porque a assistente é ... no Hospital ..., tendo assim posses económicas e não dependia do rendimento do seu companheiro.
13. Já quanto ao crime de falsificação de documento entende-se que dúvidas inexistem que a participação do recorrente ocorreu em virtude do mesmo prestar trabalho na Embaixada ... em Portugal, e por isso ser um crime praticado no âmbito das suas funções, devendo assim o tribunal considerar estar dentro das imunidades e por isso não ser condenado por tal.
14. Tendo violado assim o artigo 1, 9, 22, 29, 30, 31, 34,38 e 39 da CVDR.
15. Também aqui as normas foram violadas por a medida da pena em relação à medida da culpa ter sido de novo excessiva.
16. Em relação ao crime de condução sem habilitação legal, o recorrente não poderia ter sido condenado em tal, pois sempre foi titular de uma carta de condução da ... e por isso é que tinha uma licença especial emitida pelo IMTT, devendo ter sido absolvido, quanto mais não seja por aplicação do princípio in dúbio pro reo consagrado no artigo 32/2 da CRP pois o ofício do IMT é dúbio quanto ao facto de o arguido não ter à data em que o dito ofício foi elaborado ou nunca ter tido qualquer título de condução.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências, doutamente suprirão, deverá o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com as pretensões expostas».
4. Respondeu a assistente BB, pugnando pelo não provimento do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):
«1ª O Acórdão impugnado não merece qualquer censura.
2ª Resulta à saciedade das disposições conjugadas no n.º 6, do artigo 425º, n.º 1, do artigo 63º e n.º 10, do artigo 113º, todos do CPP, que a notificação dos tribunais de recurso não têm de ser efetuados pessoalmente ao arguido, podendo ser efetuado na pessoa do seu defensor, ou seja, não impondo a lei adjetiva penal, a notificação pessoal dos arguidos relativamente aos acórdãos dos tribunais superiores proferidos em sede de recurso, resulta que a notificação do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ... foi efetuado de forma válida na pessoa do Ilustre Mandatário do Arguido, aqui Recorrente.
3ª Não obstante a matéria da invocada imunidade diplomática constantemente invocada pelo Arguido/Recorrente, certo é que a mesma já foi objeto de análise e ponderação:
- Em fase de Instrução, tendo sido considerado prática de atos no exercício da vida pessoal do Arguido, pelo que excluído da atividade diplomática e como tal, não beneficiando da referida imunidade. Decisão esta que não foi objeto de recurso, tendo transitado em julgado;
- Foi analisado mais uma vez em sede de habeas corpus, tendo sido proferida decisão idêntica à supra referida;
- Mais uma vez no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ... vem a ser subscrito na integra tal decisão.
Deste modo, não assiste qualquer razão ao Arguido/Recorrente quanto a esta matéria.
4ª O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, fundamentou corretamente, tendo descriminado mesmo nos fatos dados como provados quais as provas que atendeu para os considerar como provados, indicando quais os documentos existentes no processo, bem como, referindo testemunhos e declarações do Arguido, a que acresce a referência exaustiva da legislação a aplicar a cada fato dado como provado, bem como, referindo jurisprudência e doutrina assente em tais matérias.
5ª Não pode assim considerar-se como pretende o Arguido/Recorrente que exista insuficiência para a decisão da matéria de fato dada como provada, ou qualquer contradição entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada.
6ª Não se verificando qualquer contradição no Acórdão proferido, e por maioria de razão não é insanável.
7ª É manifesta a falta de razão Arguido/Recorrente quando pretende atacar a convicção do Tribunal apenas porque difere daquela que ele próprio formou.
8ª O Acórdão proferido mostra-se lógico, conforme as regras de experiência comum fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo princípio consagrado no artigo 127º, do CPP, pelo que aderimos à exaustiva e criteriosa apreciação feita pelo Tribunal a qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
9ª As penas aplicadas ao Arguido/Recorrente não se revelam demasiado severas, não se verificando qualquer violação dos artigos 40º, 42º, 70º e 71º, todos do Código Penal.
10ª Assim, a pena aplicada não é excessiva para o grau de culpa, acrescido das exigências de prevenção geral (muito elevadas, atento o crime em causa) e de prevenção especial, que no caso do Arguido são prementes, pois que após o consumar dos crimes continuou a proferir ameaças para os Assistentes, como o fez durante o desenrolar do Julgamento, ainda após a sua condenação em 1ª Instância e até mesmo após a confirmação da sua condenação em sede de recurso, ameaças que são publicadas na página do mesmo no facebook, bem como, através de perfis falsos que aquele cria.
11ª Pelo comportamento assumido pelo Arguido/Recorrente, antes, durante e após a consumação dos crimes por ele praticados, demonstra claramente a sua não interiorização nem consciência do desvalor da sua conduta delituosa, pelo que inexiste motivo relevante para considerar que se está perante uma ilicitude mitigada, uma diminuição de culpa ou uma diminuição das necessidades de prevenção.
12ª Face ao que não é de considerar uma aplicação especial de atenuação da pena.
13ª A pena aplicada ao Arguido/Recorrente mostra-se justa e adequada não merecendo censura quanto ao seu excesso, caso assim se não entenda a não ser adequada seria por defeito face à gravidade dos danos físicos e psicológicos causados a qualquer dos Assistentes e à completa falta de arrependimento pela prática dos mesmos».
5. Respondeu igualmente o assistente CC, também pugnando pelo não provimento do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (transcritas):
«A) Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao Recorrente nas suas alegações, as quais revelam uma tentativa totalmente infundada de atacar o douto Acórdão, que fez uma ponderada e adequada valoração de todos os princípios basilares do Direito Penal.
B) Diga-se, em abono da verdade - tal como consta ao longo de todo o Douto Acórdão – que as alegações do Arguido Recorrente, sob todos os crimes em causa, mais não são do que as suas próprias valorações e interpretações íntimas, exprimindo, apenas, divergências quanto à forma como foi apreciada e valorada a prova produzida em sede de audiência - prova essa que não mais poderá ser atacada – manifestando o Arguido, apenas, a sua discordância subjetiva do julgamento da matéria de facto e de direito, assim como da subsunção efetuada dos factos ao direito, sobre todos os crimes de que é acusado e condenado,
C) O Arguido não suscita qualquer questão que deva ser aparecida em sede do presente recurso ao abrigo das regras processuais que lhe são inerentes, pretendendo, apenas, sobrepor a sua crença à convicção judicialmente eleita por duas instâncias, convicção essa devida e eximiamente fundamentada.
D) São inabaláveis as decisões e a subsunção dos factos ao direito quanto à idoneidade de o ácido sulfúrico provocar a morte, no contexto dos autos, sendo certo que o Arguido, ao arremessar o ácido sulfúrico sobre as zonas vitais do Assistente ( vias respiratórias, incluindo pálpebras e globos oculares, pavilhão auricular esquerdo, região frontal, couro cabeludo e pescoço, tronco ântero-superior, braço e antebraço direitos e antebraço esquerdo,) representou a morte daquele como resultado da sua conduta, tendo agido com intenção de lhe retirar a vida, o que só não sucedeu porque o Assistente foi de imediato assistido pela Assistente e depois pelo hospital, onde foi de imediato entubado e ventilado por forma a evitar a sua morte, como resulta provado, pelo que não há qualquer contradição insanável da fundamentação e da decisão, como pretende fazer querer o Recorrente.
E) Quanto ao alegado erro notório, como se diz – e muito bem – no Acórdão recorrido, “a discordância, face aos elementos de prova apreciados, entre aquilo que foi dado como provado e aquilo que o Recorrente entende não ter resultado provado da prova produzida – ou que devia ter ficado provado – não se configura como erro notório na sua apreciação”, resultando, das alegações do Arguido, que o mesmo está, apenas, em desacordo, mais uma vez.
F) Quanto à aplicação do artigo 70.º do CP, o Acórdão é cristalino quanto a esta matéria, não podendo o Recorrente abalar - em dois parágrafos - aquilo que é exemplarmente dissertado, em contexto, no douto Acórdão.
G) - Refira-se que a prevenção especial assume aqui uma relevância elevadíssima. Como se diz no Douto Acórdão “o Arguido revelou uma atitude desresponsabilizante face a estes factos, o que, com a apreciação que foi possível fazer à sua personalidade, permite considerar que não se relevará sensível à aplicação de penas não privativas de liberdade.”
H) Acresce que, ainda HOJE, mesmo após condenação, o Arguido continua a ameaçar de morte os Assistentes, o que revela, inequivocamente, a total ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, pelo que andou muito bem o Tribunal a quo em fixar a pena privativa de liberdade, nos termos em que o fez.
I) Finalmente, quanto ao quantum do valor da indemnização a pagar ao Assistente, mais uma vez as alegações do Arguido Recorrente mais não são do que meras opiniões, sendo certo que não se alcança o sentido do que é alegado quanto a esta questão.
J) O Douto Acórdão é absolutamente inabalável quanto a esta questão, não deixando margem para dúvidas de que a quantia foi fixada de forma justa e equitativa, tendo em conta toda a factualidade provada, quanto às lesões do Assistente, à dor que sentiu e ao facto de ter a sua vida irremediavelmente comprometida.
L) O Assistente foi sujeito a variadíssimas intervenções cirúrgicas, perspetivando-se que assim suceda o resto da sua vida, continuando numa luta incansável de recuperação, tendo tido (já depois do julgamento) mais de dez pontos diferentes do seu corpo cirurgicamente intervencionados no âmbito da reconstrução, inclusive, a colocação de um expansor insuflável de silicone no peito, debaixo da pele, bem como se perspetiva, pelo menos, mais três complexas cirurgias plásticas, espaçadas no tempo, de longa e penosa convalescença, para se dar por terminado o processo reconstrutivo, que, sem nunca vir a atingir um resultado idilicamente perfeito, será o máximo que a ciência poderá fazer nos próximos anos para devolver alguma dignidade à imagem do Assistente.
M) No campo da visão a incógnita é maior e as perspetivas não são animadoras, já que recentemente se comprovou que o Assistente perdeu 100% de visão do olho esquerdo (está cego), bem como tem uma redução de 70% de visão olho direito, sendo que, a curto prazo, o Assistente será novamente submetido a um transplante, tendo sido já advertido pelos médicos que, face à gravidade da lesão, poderá mesmo perder o olho esquerdo, o que implica ficar com uma prótese o resto da vida…
N) Os danos não patrimoniais aqui em causa abrangem os prejuízos, como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio e reputação e os complexos de ordem estética, todos de grande dimensão e sobejamente demonstrados nos autos, sendo que a indemnização fixada deverá também ter em conta o sofrimento acrescido do Assistente pela sua condição e angústia da incerteza quanto ao futuro e à possibilidade de poder fazer- lhe face, pela diminuição das possibilidades de trabalhos, como ficou provado.
O) As lesões do Assistente, o sofrimento deste, o grau de culpabilidade do Arguido, a situação económica desde e do Assistente, bem como a intensidade da lesão sofrida, estão provados nos autos, sem qualquer margem (agora processual também) para discussão,
P) Sendo certo que o Arguido, nas suas alegações, não coloca em crise a equidade, a igualdade nem a razoabilidade a que subliminarmente o Tribunal a quo se socorreu para justificar o montante fixado.
Q) Pelo que dúvidas não restam que a quantia fixada a título de danos morais é justa, razoável e equitativa e está de acordo com a jurisprudência que tem sido fixada pelo STJ, que acima se transcreveu.
R) No demais, não se mostra violado qualquer preceito legal, nem desrespeitado qualquer direito, sendo ainda de improceder todas as nulidades alegadas, oferecendo-se o merecimento dos autos quanto a estas questões».
6. Respondeu, também, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação ..., pugnando igualmente pelo não provimento do recurso:
«(…)
O recorrente suscita neste novo recurso, atendendo às conclusões formuladas, as questões colocadas no recurso por si interposto para este Tribunal da Relação, ou seja:
- violação dos direitos da defesa por não ser reconhecido que beneficia de imunidade diplomática, designadamente no que concerne ao crime de falsificação de documento, sendo que não há caso julgado quanto à decisão sobre essa questão;
- o acórdão é nulo por insuficiência de fundamentação;
- o acórdão é nulo por omissão de pronúncia;
- o acórdão enferma dos vícios previstos no art.º 410º, n.º 2 do CPP, ou seja insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova;
- impugnação da matéria de facto, erro de julgamento e irregularidade da prova produzida em violação do princípio in dúbio pro reo;
- alteração do enquadramento jurídico da sua conduta no que concerne ao crime de violência doméstica, que considera ter atuado em legítima defesa/retorsão;
- diminuição da dosimetria das penas parcelares por terem excedido a medida da culpa;
e ainda, a questão prévia
- da nulidade da não notificação ao recorrente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em violação do disposto no art.°l 13°, n.° 10, do CPP.
Quanto à arguida nulidade da não notificação pessoal do arguido:
O arguido encontra-se representado nos autos, pelo mandatário que constituiu, o qual foi notificado do acórdão condenatório.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 10/5/07, in CJ (STJ) T2, pág. 178, a notificação de acórdão condenatório proferido em recurso não tem, necessariamente, de ser feita ao arguido, podendo ser feita apenas ao defensor do mesmo.
Dispõe o artigo 118º, n.º 1 do CPP que: "A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei,"
As nulidades são taxativamente fixadas na lei processual penal e a não notificação ao arguido de um acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação, não se encontra prevista.
Não foi, pois, violada qualquer norma, concretamente o invocado art° 113º, n.º 1 do CPP.
A questão suscitada não constitui nulidade, nem padece de qualquer vício de que cumpra conhecer.
No que se refere às restantes questões que o arguido suscita na motivação de recurso, pronunciamo-nos no sentido de que não lhe assiste razão e que o recurso não merece provimento.
O acórdão recorrido pronunciou-se fundamentadamente sobre todas as questões colocadas na motivação apresentada, demonstrando carecerem as mesmas de validade jurídica.
Nada mais se nos oferece aditar à sólida argumentação do acórdão, com a qual se concorda.
Pelo que se Conclui:
I - Questão Prévia:
1 - A não notificação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ao arguido, tendo-o sido ao mandatário constituído, não constitui nulidade, ou qualquer outro vício de que cumpra parecer.
2 - Assim se decidiu no Ac. do STJ de 10/5/07, in CJ (STJ) T2, pág. 178, ao pronunciar-se no sentido de que a notificação de acórdão condenatório proferido em recurso não tem, necessariamente, de ser feita ao arguido, podendo ser feita apenas ao defensor do mesmo.
II -
3 - A argumentação expendida na motivação de recurso foi já apreciada e decidida de forma fundamentada no acórdão recorrido, com o qual se concorda na íntegra.
4 - Não assiste razão ao recorrente, pelo que não deve ser dado provimento ao recurso.
Não dando provimento ao recurso e mantendo o decidido, nos seus precisos termos, farão V. Excelências, como sempre, Justiça».
II. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso:
«(…)
3. (…)
Reagindo a tal decisão, voltou a recorrer o arguido, desta feita para este Supremo Tribunal de Justiça.
Delimitado o âmbito dos recursos, como é pacífico, pelas conclusões que deles devem constar, são as seguintes as extraídas pelo recorrente (transcrição):
1. Argui-se a nulidade da não notificação ao recorrente do douto acórdão do TR..., com as consequências legais daí decorrentes, o que importou a violação do artigo 113/10 do CPP, requerendo-se assim a devolução da quantia paga em excesso no valor de 204€.
2. Da expectativa de conhecimento oficioso dos vícios elencados no artigo 410/2 do CPP, 3.Estamos na presença de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada, não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.
4. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão.
5. Por último, erro notório na apreciação da prova, é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detetado por uma pessoa comum.
6. Sendo exemplo destes três vícios o facto do tribunal ter feito um erro notório na apreciação da prova quando a admite reconhecer ou dar como provado que um telemóvel que estava partido e esmigalhado, afinal, estava apto a dele tirar fotografias, ou bem sabendo do princípio da livre apreciação da prova do juiz, quando este acha que o ácido é meio idóneo a provocar a morte naquelas condições em que foi apreciada a responsabilidade do aqui recorrente.
7. O recorrente entende não estarmos na presença de um caso julgado quanto à imunidade diplomática que julga beneficiar tendo existido uma incorreta interpretação do artigo 620 e 628 do CPC, por força do artigo 4 do CPP, sido assim violado a norma prevista no artigo 30 e 38 da CVRD, devendo ser considerado que a imunidade diplomática do arguido é irrestrita, não se limitando aos atos criminais praticados no âmbito das suas funções.
8. No que diz respeito ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, sustenta o arguido não ter tido intenção de matar o assistente, nem o ácido sulfúrico, na quantidade, no modo e no circunstancialismo em que foi atirado, ser meio idóneo para atingir tal fim; tendo o tribunal a quo feito uma incorreta apreciação das normas previstas do artigo 131,132, 133, 143,144, 145, 146 e 147 do CP.
9. Por outro lado, ainda que assim não se entenda, o tribunal a quo violou a medida da pena previsto no artigo 40 e 71 a 73 do CP, e artigo 18, 22, 29 e 32 todos da CRP, tendo as penas aplicadas excedido a medida da culpa, onde deveria o recorrente ter sido condenado em penas mais perto dos limites mínimos e não tão perto dos limites máximos.
10. Já em relação à condenação da indemnização ao assistente, esta também se valora como excessiva e não provada com base em prova documental, mas tão só e apenas em prova testemunhal.
11. A pena aplicada ao crime de violência doméstica foi no máximo previsto na lei de 5 anos, pelo que o tribunal a quo violou a medida da pena previsto no artigo 40 e 71 a 73 do CP, e artigo 18, 22, 29 e 32 todos da CRP, tendo as penas aplicadas terem excedido a medida da culpa, onde deveria o recorrente ter sido condenado em penas mais perto dos limites mínimos e não tão perto dos limites máximos.
12. Já em relação à condenação da indemnização à assistente, esta também se valora como excessiva porque a assistente é ... no Hospital ..., tendo assim posses económicas e não dependia do rendimento do seu companheiro.
13. Já quanto ao crime de falsificação de documento entende-se que dúvidas inexistem que a participação do recorrente ocorreu em virtude do mesmo prestar trabalho na Embaixada ... em Portugal, e por isso ser um crime praticado no âmbito das suas funções, devendo assim o tribunal considerar estar dentro das imunidades e por isso não ser condenado por tal.
14. Tendo violado assim o artigo 1, 9, 22, 29, 30, 31, 34,38 e 39 da CVDR.
15. Também aqui as normas foram violadas por a medida da pena em relação à medida da culpa ter sido de novo excessiva.
16. Em relação ao crime de condução sem habilitação legal, o recorrente não poderia ter sido condenado em tal, pois sempre foi titular de uma carta de condução da ... e por isso é que tinha uma licença especial emitida pelo IMTT, devendo ter sido absolvido, quanto mais não seja por aplicação do princípio in dúbio pro reo consagrado no artigo 32/2 da CRP pois o ofício do IMT é dúbio quanto ao facto de o arguido não ter à data em que o dito ofício foi elaborado ou nunca ter tido qualquer título de condução.
4 – O Ministério Público no Tribunal da Relação ... apresentou resposta ao recurso, em que pugna pela confirmação da decisão recorrida, assim concluindo (transcrição):
(…)
5 – O demandante/assistente CC também respondeu ao recurso, concluindo, na defesa da sua improcedência (transcrição):
(…)
6 – Também a assistente BB respondeu ao recurso, considerando dever ser-lhe negado provimento, concluindo, como segue (transcrição):
(…)
7 – Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso interposto, salvaguardada a questão prévia que segue, devendo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.
8 – Questão prévia. Da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação ..., no que se refere aos crimes de violência doméstica agravado, falsificação de documento e condução de veículo automóvel sem habilitação legal, por que também foi condenado o recorrente.
Como já se deixou expresso, o acórdão ora objecto de recurso confirmou integralmente a decisão da 1ª instância, patenteando-se uma situação de dupla conforme total.
Assim sendo, e preceituando o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P. que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, resulta não ser admissível o recurso interposto para o S.T.J., na parte relativa aos crimes de violência doméstica agravado, falsificação de documento e condução de veículo automóvel sem habilitação legal, uma vez que o arguido havia sido condenado, pela prática desses ilícitos penais, nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão e 8 meses de prisão, respectivamente.
E essa irrecorribilidade abrange todas as questões que com essas infracções criminais se prendam.
É basta a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que consagra tal entendimento, de forma pacífica e reiterada ao longo do tempo.
Considere-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.º 81/14.0YFLSB.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt):
Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.
Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade) e da não consumação (tentativa).
No mesmo sentido, ainda os acórdãos de 02-12-2015 (Proc. n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt), de 13-04-2016 (Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Pires da Graça, in www.stj.pt), ou de 02-05-2018 (Processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt).
E, do passado mês de Setembro, o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha):
Cabe recordar, brevitatis causa, o art. 400, do CPP, que estatui, no seu n.º 1: “1 - Não é admissível recurso:
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) relativas aos crimes em que as penas parcelares foram fixadas em medida não superior a 8 anos de prisão. E, tal como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/03/2018, “5. Como tem sido afirmado na jurisprudência do STJ, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito.”
Consignou-se ainda no sumário daquele acórdão: “2. O regime de recursos para o STJ definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias.”
Acresce que, tal como se realça no texto daquele acórdão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/2013, de 4 de Abril, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art. 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.”
Pelo exposto, e nesta parte, deverá ser rejeitado, por legalmente inadmissível, o recurso interposto pelo arguido, a tanto não obstando o despacho que, sem restrição, o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.º 2 e n.º 3, e 420.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.
9 – Fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento das suscitadas questões atinentes ao crime de violência doméstica, designadamente quanto aos invocados vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. (em apreciação oficiosa), à medida da pena principal e à sanção acessória aplicadas pela prática deste crime e à indemnização à assistente BB (conclusões 2 a 6, 11 e 12 da motivação do recurso), ao crime de falsificação de documento, sua punibilidade e medida da pena aplicada (conclusões 13 a 15) e ao crime de condução sem habilitação legal, e sua punibilidade (conclusão 16).
10 – Fora de discussão e conhecimento pelo Tribunal ad quem afigura-se estar ainda a questão da reivindicada imunidade diplomática do recorrente (conclusão 7), por se tratar de matéria, imunidade de jurisdição penal, definitivamente decidida em 1ª instância, tal como reconhecido pelo Tribunal da Relação ... no acórdão ora sob censura, e aqui, tanto na perspectiva da verificação do caso julgado formal, como na constatação de não beneficiar o recorrente de imunidade diplomática e de imunidade de jurisdição penal, a não ser para condutas exercidas no desempenho das suas funções, em que, manifestamente, não se integram os actos a que se refere o processo, realizados, como aí se refere, exclusivamente no âmbito das suas relações particulares, sem qualquer conexão com as funções diplomáticas que exercia.
11 – Restam, pois, por apreciar a alegada nulidade decorrente da falta de notificação ao arguido do acórdão do Tribunal da Relação ... de que vem interposto o recurso (conclusão 1), o enquadramento jurídico dos factos provados (conclusão 8) e a medida das penas, parcelar, pelo crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e única, a que o recorrente foi condenado (conclusão 9).
12 – Da invocada nulidade por falta de notificação ao recorrente do acórdão recorrido.
Considera o recorrente que por não lhe ter sido pessoalmente notificado o acórdão ora em recurso, no que entende ser uma violação do disposto no artigo 113.º, n.º 10, do C.P.P., tal constitui uma nulidade.
Afigura-se que assim não será.
Em primeiro lugar, a lei não exige a notificação pessoal do arguido das decisões proferidas em sede de recurso pelos tribunais superiores, bastando que o seja o seu defensor.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, página 1149, em anotação ao artigo 425.º, com a epígrafe acórdão: A Lei n.º 59/98 previu ainda que o acórdão seja notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao MP, devendo entender-se que essa notificação é feita na pessoa do defensor e dos representantes do assistente e das partes civis (acórdão do STJ, de 10.05.2007, in CJ, Acs. do STJ, XV, 2, 179 e acórdão do S.T.J., de 6.2.2002, in SASTJ, n.º 58,49) – destaque meu.
E foi esse o procedimento seguido, tendo sido notificado do acórdão em causa o ilustre mandatário do recorrente.
Por outro lado, e tal como se refere na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação ...:
(…)
Dispõe o artigo 118º, n.º 1 do CPP que: "A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei,"
As nulidades são taxativamente fixadas na lei processual penal e a não notificação ao arguido de um acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação, não se encontra prevista (nem nos artigos 119.º e 120.º do C.P.P., nem em qualquer outra disposição legal, acrescente-se).
Há que concluir, por conseguinte, inexistir nulidade, sequer irregularidade, no que toca ao procedimento de notificação do acórdão do Tribunal da Relação ... ao arguido que foi efectuada, de forma válida, na pessoa do ilustre defensor do ora recorrente.
13 – Do enquadramento jurídico dos factos provados.
Diz o recorrente na conclusão 8 da sua motivação de recurso: No que diz respeito ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, sustenta o arguido não ter tido intenção de matar o assistente, nem o ácido sulfúrico, na quantidade, no modo e no circunstancialismo em que foi atirado, ser meio idóneo para atingir tal fim; tendo o tribunal a quo feito uma incorreta apreciação das normas previstas do artigo 131,132, 133, 143,144, 145, 146 e 147 do CP, sendo que já na conclusão 6 aludira à compreensão do Tribunal a quo sobre o ácido e a sua idoneidade para provocar a morte como ilustrativa dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova que considera afectarem a decisão recorrida.
Sem perder de vista que os vícios constantes do art. 410º, nº 2, do CPP apenas podem ser conhecidos oficiosamente e não quando suscitados pelos recorrentes, pois que sendo o STJ um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no art. 410º, nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais (cfr. acórdão de 13.12.2017 do S.T.J., processo n.º 152/14.2GAMTR.G1.S1, 3ª Secção), do que está o recorrente ciente, cfr. conclusão 2 da sua motivação de recurso (Da expectativa de conhecimento oficioso dos vícios elencados no artigo 410/2 do CPP), teria sido conveniente que se concretizassem, para que se percebesse, os apontados vícios, ao invés do refúgio na abstracção da sua enunciação teórica, que se patenteia, sendo certo que, na economia do acórdão recorrido, nenhuma dessas realidades se constata.
Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 434.º do C.P.P., o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, estando, pois, afastada do domínio de cognição do S.T.J. a valoração a que as instâncias procederam sobre a prova produzida e examinada.
Assim sendo, a discordância que o recorrente manifesta relativamente à matéria de facto não pode de novo ser apreciada pelo S.T.J., sendo essa a perspectiva com que o recorrente contesta a intencionalidade da acção e a idoneidade do meio, e não sob o ponto de vista do direito.
A matéria de facto está fixada, não sendo susceptível de modificação, mantendo-se incólume, tanto mais que, reafirme-se, da decisão sob recurso não emerge qualquer dos vícios a que alude o artigo 410.º do C.P.P.
De qualquer modo, a subsunção jurídica efectuada no acórdão recorrido, sancionando a decisão da 1.ª instância, mormente, no que respeita a verificação da qualificativa da al. h) do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, não suscita qualquer censura.
Remete-se, pois, para os considerandos e fundamentos tecidos no acórdão recorrido (que, pela extensão, se dispensa de reproduzir) que permitem aquilatar da justeza e bem fundado do decidido quando se considerou, confirmando a decisão da 1ª instância, que a conduta que se provou ter sido prosseguida pelo recorrente traduz a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132.º, n.º 2, alínea h), 22.º e 23.º, do Código Penal.
14 – Da medida das penas, parcelar pelo crime de homicídio qualificado, tentado, e única.
Questiona ainda o recorrente a medida das penas aplicadas, mas, como já se viu, apenas aquelas a que foi condenado em quantum superior a 8 anos de prisão resultam passíveis de reanálise, encontrando-se estabilizadas as demais.
Abrangidas por tal possibilidade estão, assim, a pena de 12 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132.º, n.º 2, alínea h), 22.º e 23.º, do Código Penal, e a de 15 anos de prisão aplicada em cúmulo jurídico da anterior com as demais penas a que foi o recorrente condenado (3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 2, alínea a), n.º 4 e 5, do Código Penal, 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea e), e nº. 3, do Código Penal, e a de 8 meses de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro), sem embargo de não vir expressamente posta em causa a medida da pena única aplicada.
Com efeito, em parte alguma do recurso, seja no seu segmento expositivo, seja nas conclusões, se refere o que quer que seja a propósito da pena única de 15 anos de prisão a que foi condenado o recorrente.
E sobre a pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado, na sua forma tentada, a opinião do recorrente encontra-se condensada na conclusão 9, em que se refere: Por outro lado, ainda que assim não se entenda, o tribunal a quo violou a medida da pena previsto no artigo 40 e 71 a 73 do CP, e artigo 18, 22, 29 e 32 todos da CRP, tendo as penas aplicadas excedido a medida da culpa, onde deveria o recorrente ter sido condenado em penas mais perto dos limites mínimos e não tão perto dos limites máximos.
Antecipando, o entendimento do Ministério Público, na linha, aliás, da compreensão havida nas instâncias anteriores, é o de que, também nesta parte, não suscita reparo a decisão do Tribunal a quo.
Tenha-se presente, desde logo, a moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, de um limite mínimo de 2 anos, 4 meses e 24 dias de prisão ao limite máximo 16 anos e 8 meses de prisão.
E considerem-se os fundamentos aduzidos no acórdão ora sob recurso, por si, e pelo reporte à decisão proferida em 1ª instância, de que se destaca:
(…)
Percorrendo o acórdão recorrido verifica-se que o julgador da 1ª instância considerou para a determinação das penas parcelares concretas:
(…)
Tendo em consideração a extensão das lesões infligidas ao assistente e a incomensurável gravidade das mesmas, a índole permanente das sequelas, a intensidade das dores por ele sofridas, a insensibilidade patenteada pelo arguido relativamente ao seu sofrimento, o grau de ilicitude da conduta subsumida ao crime de homicídio qualificado na forma tentada é reputado como sendo extremamente elevado;
(…)
Demonstrou-se que o arguido agiu sempre com dolo directo (n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal), logo bastante intenso;
Da história de vida do arguido respiga-se a existência de hábitos de trabalho (a um nível claramente diferenciado, em tempos mais recentes), a sociabilidade, a solidariedade e a partilha de responsabilidades com a assistente na educação dos filhos;
O arguido é tido como uma pessoa calma, tranquila, simpática, afável e reservada, sobretudo quanto à sua vida privada, à qual não fazia referência em contexto laboral.
O arguido contextualiza os factos mencionados em no regresso de uma deslocação que terá feito à ... durante cerca de 1 mês, sendo aquela tida, na cultura daquele país, como sendo de extrema humilhação para a pessoa que a vivencia.
Preso preventivamente desde Novembro de 2019, o arguido tem mantido uma conduta ajustada aos normativos institucionais, sem averbamentos disciplinares.
O arguido mostra-se sobretudo preocupado com a situação dos filhos, presentemente confiados à progenitora, mas com os quais pretende no exterior, manter relações de proximidade e continuar a exercer o seu papel parental. A nível profissional pretende retomar as mesmas funções junto da Embaixada, caso lhe seja dada possibilidade nesse sentido;
Conta com apoio por parte de familiares, amigos e colegas, que o visitam regularmente e não alteraram a sua opinião sobre o arguido, continuando o mesmo que continua a beneficiar de uma imagem positiva entre a sua rede relacional.
O arguido tem noção do dolo e do bem jurídico implicado no crime de que está acusado, revela uma boa capacidade reflexiva e crítica, mas igualmente, valores conservadores e tradicionais sobre o casamento e alguma dificuldade em equacionar alternativas que não se adequem às suas crenças pessoais.
A atitude do arguido aponta para um desgaste relacional e para a falta de estratégias alternativas para lidar de forma adequada com uma situação de frustração contínua no contexto familiar.
Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
Do prisma das necessidades de prevenção geral, cumpre ponderar que o respeito pela vida humana é um valor primordial do nosso ordenamento jurídico e, porventura, o mais valioso de todos e aquele que mais importa preservar e acautelar. Nessa medida, aquelas necessidades reputam-se como sendo especialmente intensas, traduzindo, ao fim e ao cabo, o vigoroso sentimento de repúdio que o crime de homicídio gera na comunidade.
(…)
Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta e de forma correcta, os factores relevantes para a determinação das penas parcelares, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Cumpre apenas se realce que o recorrente não revelou interiorização alguma do desvalor das suas condutas delituosas.
Daí que, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que a pena encontrada (ainda que musculadas, vero é) se mostrem desadequadas, por excederem a medida da respectiva culpa.
No que tange à pena única, que o tribunal a quo fixou em 15 anos de prisão, por força do estabelecido no artigo 77º, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo a pena única aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Ensina Figueiredo Dias, em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 290/292 que, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72º, nº 1 (correspondente ao actual artigo 71º, nº 1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Mais acrescenta o Mestre que, para se encontrar a pena única “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, conforme tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos, Ac. do STJ de 25/11/2009, Proc. nº 490/07.0TAVVD.S1, consultável em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, a moldura da punição será de 12 anos de prisão a 18 anos e 8 meses de prisão.
Como se salienta no Ac. do STJ de 18/06/09, Proc. nº 334/04.5PFOER.L1.S1, que pode ser lido no mesmo sítio, parafraseando o Exmº Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.
A propósito, diz na decisão recorrida:
Da análise global dos factos pelos quais o arguido vai condenado ressalta uma imagem de extrema gravidade (o agente actuou sempre com dolo directo, com total menosprezo pela vida e integridade física e moral dos assistentes, cabendo aqui salientar a natureza profundamente reprovável dos sentimentos revelados no cometimento do crime de homicídio qualificado na forma tentada), sendo que tudo leva a crer que se trataram de ocorrências isoladas na vida do arguido, desencadeadas (e potenciadas) pela descoberta da relação mantida pelos assistentes.
Desse modo, tem-se por ajustada à factualidade dos autos, a fixação da pena do concurso de crimes em 15 anos de prisão.
Inexiste conexão entre os ilícitos praticados.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, estamos face a crimes de homicídio (em que se tutela a vida humana), violência doméstica (em que o bem jurídico protegido é a saúde, abrangendo a saúde física, psíquica, emocional e moral, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, sendo que este bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela dessa dignidade, projectada numa relação de afectividade ou coabitação, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos – assim, Plácido Conde Fernandes, Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal, Revista do CEJ, nº 8, 1º semestre de 2008, pág. 305), falsificação de documento (em que se protege a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental) e condução de veículo automóvel sem habilitação legal (em que o bem jurídico tutelado é a segurança de circulação rodoviária e indirectamente a tutela de bens jurídicos que se prendem com essa segurança, como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais cfr. Ac. R. do Coimbra de 05/04/2017, Proc. nº 42/16.4GECVL.C1, consultável em www.dgsi.pt), sendo que, por se não verificar identidade dos bens jurídicos violados e bem assim considerando a sua natureza nos casos do homicídio, na forma tentada e violência doméstica, se tem de considerar como significativa.
O recorrente agiu sempre com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso. No que concerne à sua personalidade, importa ter em conta a inexistência de condenações penais anteriores, a confissão (muito) parcial, a postura de não interiorização das condutas delituosas (com discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizante, o que contra ele se radica), bem como o curto lapso temporal em que os crimes foram praticados, assim como o que provado se mostra quanto às suas condições de vida, de onde resulta ser o ilícito global agora em apreciação não determinado por alguma propensão ou tendência criminosa.
As exigências de prevenção geral e especial são muito fortes, conforme já explicitado.
Desta forma, cumpre concluir que a pena única de 15 anos de prisão se apresenta conforme aos critérios estabelecidos nos nºs 1 e 2 do artigo 77º, do Código Penal, situando-se entre os limites fixados na lei, mostrando-se adequada à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pelo recorrente.
(…)
Patenteia-se, como se vê, uma análise cuidada e objectiva da situação vertente, configurando-se correctas a ponderação e a valoração da ilicitude do facto e da culpa do agente, e respectivos graus, das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, bem como das exigências de prevenção geral e especial, havendo que concluir, como tal, que tanto a pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, como a pena única a que foi condenado o recorrente, respeitam os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo justas, adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, não se descortinando fundamento para que sejam as mesmas reduzidas.
15 – Nestes termos, e pelo que antecede, emite-se parecer no sentido de 1) dever ser rejeitado, por legalmente inadmissível, o recurso interposto pelo arguido AA, no que concerne aos crimes de violência doméstica agravado, falsificação de documentos e condução de veículo automóvel sem habilitação legal, e 2) dever ser julgado improcedente o recurso, na parte restante, que se prende com a medida da pena parcelar aplicada pelo crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e com a pena única imposta».
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou qualquer resposta.
III. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.
1. No essencial, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:
A) (Questão prévia): nulidade decorrente da não notificação ao recorrente do acórdão recorrido;
B) Vícios do acórdão, elencados no nº 2 do artº 410º do CPP;
C) Imunidade parlamentar/ caso julgado;
D) Qualificação jurídica dos factos apurados:
D.1) Intenção de matar /Meio particularmente perigoso:
D.2) Falsificação de documento/ imunidade parlamentar;
D.3) Condução de veículo sem habilitação legal;
E) Excessividade das penas aplicadas;
F) Excessividade dos montantes indemnizatórios fixados.
2. Naturalmente, há também que conhecer, como questão prévia, a “irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação ..., no que se refere aos crimes de violência doméstica agravado, falsificação de documento e condução de veículo automóvel sem habilitação legal, por que também foi condenado o recorrente”, suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
E, bem assim e como terceira questão prévia, há que conhecer da (ir)recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., no que concerne aos montantes indemnizatórios fixados.
IV. As instâncias deram por fixada a seguinte matéria de facto (transcrição):
A) FACTOS PROVADOS COLHIDOS NO DESPACHO DE PRONÚNCIA:
1. O arguido e a assistente viveram, como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de mesa, leito e habitação, desde data não concretamente determinada, mas que se situa no ano de ano de 2007.
2. Igualmente desde data não concretamente determinada, mas que se situa no ano de 2011, o arguido e a assistente fixaram a residência comum na Rua..., ....
3. Desse relacionamento, nasceram EE, nascido em .../.../2011 e DD, nascida em .../.../2018.
4. Em data não concretamente determinada, mas que se situa no ano de 2011, quando a assistente se encontrava grávida de EE, o arguido, no decurso de uma discussão que mantinha com aquela, desferiu-lhe uma bofetada na face, provocando-lhe dor e sofrimento.
5. Em data não concretamente determinada, mas que se situa no ano de 2018, quando a assistente estava grávida de DD, o arguido desferiu-lhe murros na face e pontapés nas pernas – assim lhe provocando dor e sofrimento –, ao mesmo tempo que lhe dirigia a expressão “vou-te matar”.
6. Em data não concretamente determinada, mas antes do mês de Agosto de 2019, o arguido, no decurso de uma discussão que mantinha com a assistente, dirigiu-lhe expressão idêntica à referida no ponto n.º 5.
7. Em data não concretamente determinada, mas que se situa em Agosto de 2019, a assistente, por conta das condutas supra descritas, anunciou ao arguido que queria colocar termo ao relacionamento que mantinha, o que o mesmo não aceitou, continuando ambos a residir na mesma habitação.
8. No dia 27 de Setembro de 2019, cerca das 03h00m, quando a assistente se encontrava já deitada com os filhos, a dormir, o arguido, pegou no telemóvel dela e acedeu ao seu conteúdo.
9. Seguidamente, deslocou-se ao quarto e desferiu uma bofetada na face da assistente – fazendo com que a mesma acordasse – e disse-lhe que a iria matar.
10. Após, ao aperceber-se que a assistente estava já acordada, o arguido, de modo não concretamente determinado, partiu o telemóvel daquela, momento em que os filhos acordaram.
11. Acto contínuo, ao aperceber-se que a assistente tinha pegado em DD ao colo e que pretendia abandonar o quarto, o arguido deslocou-se para a porta daquela divisão e tentou fechá-la à chave para impedir que aquela saísse mas a mesma logrou abandonar a divisão com a filha.
12. O arguido, rasgando fotografias que se encontravam expostas na habitação, deslocou-se à despensa, de onde retirou um frasco de desengordurante e, em seguida, atingiu-a com o conteúdo do mesmo e disse-lhe que a ia matar.
13. Após, ao aperceber-se que a assistente se deslocava na direcção da porta da habitação, o arguido foi atrás dela para impedir que a mesma conseguisse abrir a porta da habitação, levando a que um vaso existente no hall da habitação se partisse.
14. Acto contínuo, o arguido pegou num pedaço de vidro desse vaso e, fazendo um movimento com o referido objecto na sua direcção da assistente, acertou-lhe na zona do nariz.
15. Em virtude da conduta descrita no ponto n.º 14., a assistente sentiu dor e sofrimento e ficou com lesões nas zonas atingidas.
16. Nesse momento, a assistente (que trajava apenas roupa interior), logrou abandonar a residência na companhia da filha e ir para casa de vizinhos.
17. Durante a manhã do dia 27 de Setembro de 2019, a horas não concretamente determinadas e por um número indeterminado de vezes, o arguido contactou a mãe da assistente.
18. O arguido dirigiu um email ao Centro Hospitalar .../Hospital ..., imputando à assistente envolvimentos amorosos com pacientes do hospital e solicitando que a mesma fosse expulsa do quadro clínico daquele estabelecimento de saúde.
19. O arguido, ao longo da tarde do dia 27 de Setembro de 2019, enviou através do seu endereço electrónico, para o endereço electrónico da assistente, e-mails em que fez constar o seguinte:
• pelas 14h11m: ”Vais ter que pagar a casa até quando tiver tudo pago, prepara-te para o calvário que aí vem. Vais ter que arcar com essa dívida de casa até quando tiver pago. Se quiseres sair podes sair ninguém me vai obrigar a assinar os papeís.”;
• pelas 14h57m: “Okay. Vamos a isso, podes constituir melhores Magistrados e Advogados do Mundo. Podes rir a bandeiras desfraldadas, prepara-te para o calvário que aí vem”;
• pelas 15h01m: “Disse à FF que se provocares e tentares me agredir verbal e fisicamente terei que agir em legítima defesa e será fatal não vou nem tirar nem vírgula. Estás te a rir porque a tua máscara caiu, és uma puta sem vergonha, disfarçada em mulher séria. Estamos e estaremos cá para ver”;
• pelas 15h04m: “Vou provar-te que sempre fui Homem com “H”, apesar de ser reservado, pouco falador e extremamente altruísta. Terão acesso às tuas conversas armada em mulher sério quem não te conhece que te compra por um bom preço, és uma vaca desavergonhada, malandra, puta disfarçada”;
• pelas 15h10m: “Tenho a alma e consciência tranquila. Já constitui advogado tenho provas inequívocas em como puseste às vidas dos nossos filhos em perigo. És uma puta desavergonhada, tinhas tentado ficar com aquele tosco que esteve no ..., mas, como vive muito longe, aproveitaste este drogado, aryisya de café, preparam-se para o calvário que aí vem. Ou Eu ou Vocês. Tenho dito e redito convicção.”;
• pelas 15h16m: “Estou te a escrever para guardares a sete chaves, cavaste a tua sepultura. Dure o tempo que durar. És nojenta, bandida, malandra, puta disfarçada, interesseira, exploradora, pessoa de má índole”;
• pelas 15h22m: “Aquilo do hospital tinha um texto rascunho, foi sem querer, ainda que foi para todo o Mundo ver e conhecer a tal puta disfarçada em mulher séria.”;
• pelas 15h30m: “Como és distraída julgavas também que eu fosse a mesma coisa. Sempre fui um homem tento até ao pormenor, mal começaste a tua putaria que começaste com publicações de fotografias seni-nuas nas redes sociais, porquanto, falavas na calada da noite com vários homens ao mesmo tempo dritada na nossa cama, quando recebias um “like” ou mensagem de outro tosco do ... até a tua fisionomia mudava daí que eu comecei a desgostar de ti, de há 1 ano a esta parte, aliás, já tinha visto mensagens que trocavas com outro português drogado que morava ba Expo, e tantos e quantos encontros que marcante com pessoas estranhas que conheceste nas redes sociais. Tenho nojo de ti, vergonha e estou mais do que arrependido, raiva e ódio à mistura”;
• pelas 15h30m: “Vou odiar-te até à morte”;
• pelas 15h31m: “Maldita hora meus dois filhos maravilhosos nasceram duma mãe vaca disfarçada”;
• pelas 15h35m: “Se tu reparares se não fosses distraída quando me perguntavas se eu te amava às vezes, não te respondia, doutras vezes só te dizia sim por dizer, da última vez disse na cara que nunca te amei porque putas como tu amaram muitos homens, cada vez que estão com um homem dizem “amo-te mais que udo” quando me dizias que me amavas falava com os meus botões, vai pa o caralho és malandra, bandida e puta disfarçada. Vou odiar-te até à morte.”;
• pelas 15h40m: “Estou com toda esta raiva de ti ódio à mistura é mais por causa dos nossos filhos, falta de respeito e falta de amor próprio sem dó e piedade para com Crianças inocentes. És pária humana, pessoa de muito má índole. Tenho nojo de ti, vou odiar-te até à morte”;
• pelas 15h41m: “Não te quero nunca mais e nem te quero ver nem na próxima Reencarnação.”;
• pelas 16h03m: “Estou muitíssimo arrependido de ter conhecido e perdido 12 anos com uma vaca, malandra, calculista, pessoa de muito má índole, exploradora, calculista, interesseira puta disfarçada em mulher séria. Vou odiar-te até à morte e desejo-te toda a infelicidade do Mundo.”;
• pelas 16h05m: “Certeza absoluta que vais ser mais do que infeliz, a tua vida vai ser infeliz, arrependida e vais te querer suicidar. Deus há de fazer a devida justiça Divina.”;
• pelas 16h17m: “A falar mal de mim com um Drogado disfarçado em cantor de tasca que mal conheceste? És uma puta desavergonhada. Vais ser infeliz para o resto da tua vida.”;
• pelas 16h20m: “Não foi por minha causa é que te cortaram duas vezes? Mais vale morreres depois da DD nascer, seria melhor ao invés de ter uma mãe puta que nem pena dela tem vai misturar espermas de dois homens depois para ela mamar. Quando tiveres que paga tudo isto irás te arrepender sua vaca.”;
• pelas 17h00m: “Quem é que acaba uma relação em Agosto como tu dizes já ama uma pessoa mais que tudo em Setembro? Só putas ao cubo como tu.”.
20. O arguido, através do número ...57, enviou à assistente mensagens escritas com o seguinte teor:
• “Vou vos reduzir às cinzas, neste Mundo até Segunda-Feira se Deus quiser ou Eu, ou Tu ou Drogado um de nós terá que entregar a alma ao Criador”;
• “Por causa de falta de respeito aos nossos filhos inocentes esta situação vai se mexer com a vida deles, terão consequências nos estudos”;
• De ti eu já não queria nada de há 1 ano a esta parte confirmaste o que já sabia de que eras uma puta disfarçada, mal começaste a postar fotografias semi-nuas chamei-te a atenção para parares e quando falavas com os amantes também te chamei atenção resmungaste daí falei com os meus botões deixa estar vou deixar de pensar nesta puta e pensar única e exclusivamente nos nossos filhos”
• “Como viste e constataste “in loco”, deixei de gostar de ti porque já sabia que eras Mulher vulgar, puta ao cubo disfarçada em Mulher séria”;
• “Vou acabar contigo e com o drogado por uma questão deste teu comportamento vai ter que alterar a vida dos meus filhos”;
• “És calculista, interesseira, exploradora, adoras usar as pessoas e deitá-las no lixo, estás enganada, neste Mundo ou Eu ou Tu”;
• “Um de nós terá que desaparecer”;
• “Podes ir apresentar queixas na INTERPOL sua vaca, puta, nojenta, vagabunda, bandida mal cheirosa”;
• “Ninguém me tenta usar, explorar e deitar fora, tenho dito e redito”;
• “Outros ficarão para contar a história”;
• “Vou te infligir danos materiais irreparáveis”;
• “Não é por minha causa, é mais por causa dos meus filhos, sobretudo do EE”;
• “Ou Eu ou Tu ou o Drogado um de nós terá que desaparecer deste Mundo”;
• “És uma puta desavergonhada, vagabunda, bandida, malandra, calculista, interesseira, intriguista, pária humana, bastarda”;
• “Vou te mandar para o Inferno e daí é que é o teu respectivo lugar;
• “Amanhã vais chorar e se conseguires chorar”;
• “Estou preparadíssimo para te infligir danos materiais irreparáveis”;
• “Podes constituir os melhores advogados do mundo e se tiveres tempo de o fazer”;
• Tiveste coragem sem dó nem piedade de dares mama à DD a tua filha, leite da tua mama misturado com esperma de droga”;
• “Terás que pagar isso a um preço muitíssimo elevado”;
• “Ou Eu, ou Tu ou o Drogado”;
• “Um de nós terá que desaparecer deste Mundo”;
• “Sua vaca desavergonhada”;
• “Nojenta”;
• “Porca”;
• “O EE já sabe que és puta”;
• “A DD há-de saber”;
• “Já disse tudo ao EE”;
• “Expliquei-lhe que és Mulher de muitos homens”;
• “Ficou triste contigo”;
• “E disse-me logo até nem conseguiu jantar”;
• “Juro por tudo o que me é sagrado”;
• “Já estraguei toda a tua roupa cá em casa”;
• “Pus ácido Sulfúrico”;
• Quando vieres amanhã nem vais acreditar”;
• “Estou disponível/disposto a morrer”;
• “Mais vale morrer do que isto que aconteceu com os meus filhos inocentes”;
• “Já te disse que nem vais acreditar”;
• “Estou preparadíssimo para morrer”;
• “Aliás, desde ontem tenho estado preparadíssimo para morrer”;
• “Ou Eu, ou Tu um de nós terá que desaparecer deste Mundo”;
• “Por causa da falta de respeito, humilhação sem dó e nem piedade aos meus filhos inocentes”;
• “Estou disponível/disposto a morrer para não assistir os sacrifícios que os meus filhos terão que que se submeter sobretudo o EE terá que conviver com outra família, conhecer 2 ou 3 homens na vida sem saber o que fazer, ter irmão que não são nada”;
• “És pior espécie humana, vespa, pária humana”;
• “Vou morrer por causa dos meus filhos para não assistir essa humilhação, falta de auto-estima, maldade à mistura, etc”;
• “Ou Eu ou Vocês um terá que desaparecer deste Mundo tão cedo quanto seja possível e conveniente”;
• “A minha decisão é irreversível”;
• “Contei tudo ao EE que é uma puta mal começares a falar com um Homem tendo família em casa, em menos de 1 mês já estás a dormir com esse Homem”;
• “Perguntou-me: “GG está a dormir connosco?”;
• “Disse-lhe que não já tens outro Homem drogado com quem andas a dormir ficou triste e a chorar”;
• “Amanhã vai ser um dia ou Eu ou Tu ou o Drogado um de nós terá que desaparecer deste Mundo”;
• “EE a chorar e a dizer “a GG já não gosta de nós”;
• “Isto vai te custar a vida”;
• “Juro-te”;
• “Tudo o Drogado vai proar de ti será o meu resto até a tua cona mal cheirosa”;
• “Aquilo que te vou fazer não é porque quero ficar contigo, ou senti ferido não jamais, eu já tinha acabado contigo há sensivelmente 1 ano, nunca e nunca, é mais por causa dos meus filhos inocentes, não tiveste doze de consideração para os teus próprios filhos bebes inocentes isto vai te custar à vida. Juro por tudo”;
• “Se te reparares quando me dizias “amo-te” não te dizia “também de amo” nunca te amei sempre soube que eras puta disfarçada em mulher muito séria como se diz na ... “Cara di Seriedade Buda Simola”;
• “O tempo deu-me toda a razão, aliás, raras vezes me engano. Modestamente”;
• “Já tinha acabado contigo há sensivelmente 1 ano, depois das publicações à puta das tuas fotografias da falta de respeito nunca mais senti nada por ti”;
• “Não vou assinar papéis nenhuns ao banco, sozinha não consegues em desfazer da casa e muito menos vendê-la, somos com proprietários”;
• “Todo terá que ser com o meu consentimento podes constituir advogados do outro Planeta”;
• “Nem ninguém neste Mundo ne consegue obrigar a assinar os papeís, és ingrata, calculista, interesseira, intriguista, exploradora vou te mostrar o que é que é bom para a tosse”;
• “Sua puta disfarçada em mulher séria”;
• “Vaca, cabra, vulgar, vespe, pária humana”;
• “Nesta casa não consegues fazer nada mais nada sem mim e sem o meu consentimento”;
• “Nem com uma arma apontada à cabeça vou assinar qualquer papel”;
• “Podes sair e vais ter que sair se quiseres e se saires terás que arcar com as despesas da casa”;
• “Estavas a pressionar porque doutro lado tinhas muita pressão mal conheces um homem e já queres viver com a pessoa”;
• “Vou contigo até às últimas consequências, diz aos teus advogados para estudarem bem Direitos Reais”;
• “Estou disponível a morrer para não assistir os sacrifícios dos meus filhos inocentes”;
• “Rogo a Deus se morrer como tudo indica, se ficares grávida do drogado era bom que fossem gémeos e que morresses durante o parto”;
• “De há 1 ano a esta parte já não sentia nada por t, não arranjei ninguém não me envolvi com ninguém porque efectivamente, tenho respeito primeiro pelos meus filhos porquanto tenho noção do que é ter e viver com uma família e respeito ao meu corpo, mesmo assim fakava de ti como sendo a minha “companheira” o EE e a DD como sendo os nossos queridos prioridades das nossas prioridades disse tudo ao EE em como eles nunca foram as tuas prioridades e acabaste de provar por 3 motivos: Primeiro porque mal conheceste um Homem Drogado e queres ir viver com ele, na mesma casa compartilhando a mesma cana com os teus filhos pequenos filhos de outro Homem sabendo que tens pai dos teus filhos. Segundo não se apresenta namorado aos filhos num curto espaço de tempo. Terceiro nem sequer pensaste nas alterações que irão ocorrer na vida do EE doente mesmo em condições normais seria muita confusão na cabeça duna Criança terá que andar de casa em casa, vê se a pressa com que o EE quando está em casa da tua mãe quer vir para casa quanto mais se tiver que andar em 3 casa? És pior espécie humana”;
• “Nunca tiveste valores morais construtivos, pensas que tens Rei na barriga só percebes de ... e nada mais”;
• “Arrependido de te ter conhecido e ter perdido 12 anos contigo e agravante dos meus filhos inocentes saírem da ventre mais podre do Mundo”;
• “Por tua causa desgostei de Ser Humano – Mulher”;
• “Nem sequer tenho desejo de nada”;
• “De há 1 ano a esta parte estou desiludido com Mulher por tua causa, cheguei à conclusão que todas mais todas são iguais em todos os aspectos”;
• “Vou odiar-te até à morte”;
• “És ingrata, calculista, interesseira, intriguista, exploradora, egocêntrica, bandida, malandra, puta disfarçada e porca nojenta”;
• “Não quero que fiques com nenhuma recordação minha e vice-versa”;
• “Quero apagar-te da minha vida duma vez por todas, infelizmente, os meus filhos inocentes saírem do ventre mais podre do Mundo. Pior espécie humana”;
• “Traidora, falsa, malandra, deslumbrada, complexada, xenófoba, desequilibrada mental e mal cheirosa”;
• “Vou odiar-te até à morte, não pela separação mas sim pelo abandono dos meus filhos inocentes sobretudo o EE”;
• “Estando de vida ou de morte vais pagar e sentir dor no fundo da tua alma”;
• “Já tens todas as peças para entregares aos teus Advogados, Magistrados e afins”;
• “Vais sentir muita dor, arrependida, magoada, frustrada e será muitíssimo tarde”;
• “O comportamento em relação ao EE? Ele percebe das coisas, está muito magoado contigo”;
• “Porque se sentiu traído, puseste um homem que mal conheces à frente deles, os meus filhos não te irão perdoar”;
• “Nem tentes ensinar o Pai Nosso ao Vigário aí está como burra ao cubo só percebes da tua área e julgas que o EE já não percebe das coisas”;
• “Quando me perguntou tive que lhe dizer a verdade”;
• “Ou achas que ele já não percebe das coisas?! Valha-me Deus!”;
• “Não contes só com a tua pouca inteligência limitada/confinada a uma única área”;
• “O meu filho EE sente abandonado, até está a chorar ele é que começou com a conversa de que queres ir para outra casa, falou dos 3 quartos, etc”;
• “A chorar”;
• “Eu sabia dessa história de casa com 3 quartos?!”;
• “Puta de merda só contas com a tua inteligência”;
• Vais ver o que Deus irá fazer dentro de tão pouco tempo”;
• “Não quero nenhuma ligação contigo nem nunca mais”;
• “Vou odiar-te até à morte”;
• “A DD com apenas 1 ano e 3 meses tiveste coragem de te envolveres com um outro Homem???!!! E amamenta-la e ela a beber parte do esperma dum outro homem que não seja o pai biológico”;
• “Terás/carregarás um calvário em tão pouco tempo por causa desse pecado imperdoável”;
• “Digo traidora”;
• “Vou ter nojo de ti até à morte”;
• “Era bom que morresses desfeuta em pedaços ba rua”;
• “Hás-de ser a mulher mais infeliz do mundo, se Deus quiser quando tiveres a sofrer o favor de te lembrares do pecado que fizeste aos teus próprios filhos sem dó nem piedade”;
• “Os meus filhos terão que conviver com um outro Homem que não seja o pai biológico deles, irmãos que são nada, irás arcas com desgostos, desabores, frustrações, desilusões, etc”;
• “Tudo de mal neste mundo se Deus quiser irá acontecer contigo”;
• “Por teres destruído lar dos teus filhos”;
• “Os meus filhos terão que andar de casa em casa, conhecer pessoas reles, drogados, frustrados, etc tu nunca serás feliz se Deus quiser”;
• “Queira Deus que tudo o que de por houver no Mundo te sej concedido”;
• “Não te esqueças todos que saíram e destruíram os seus próprios lares nunca foram felizes e não vais fugir à regras, certeza absoluta que vais ser infeliz”;
• “Podes fazer, de maneira tão baixo reles, calculista em que destruíste o lar dos teus filhos, irás sentir na pele, na alma e no coração”;
• “És pior espécie humana”;
• “Vou contigo até Às últimas consequências nem que tenha que morrer”;
• “Aliás, desde antes de ontem estou preparadíssimo para morrer por causa dos meus filhos inocentes infelizmente foram humilhados, desprezos, ignorados e destruídos”;
• “Vou destruir todas as coisas que te comprei”;
• “Não quero que fiques com nenhuma recordação minha”;
• “Vou odiar-te até à morte”;
• “Só do EE ter que sair de casa, e de ter que conviver com aqueles reles para mim é fatal”;
• “Quanto ao teu novo Homem para mim é uma alegria porque demonstra o teu nível reles, de baixa categoria”;
• “Se fosses meter alguém do meu nível ficava afectado”;
• “Digo um pouco abalado”;
• “Tenho estado triste é mais por causa dos meus filhos inocentes”;
• “Terão que conviver com aqueles reles, pessoas muito baixo nível, desprezível”;
• “O meu único e maior arrependido é termos 2 filhos os meus filhos merecem outra mãe”;
• “Merecem outra mãe não uma pessoa como tu, tão reles, de muito baixa qualidade e categoria”;
• “A única dor que eu tenho de momento”;
• “Do resto sinto um enorme alívio de ter saído duma exploração, maldade à mistura, aluada à mentira”;
• “Vou ficar com muita vergonha até ao fim da minha vida se não morrer antes, do mundo ver o padrasto dos meus filhos”;
• “Só de pensar nisso prefiro morrer”;
• “Se não morrerem primeiro”;
• “Não quero manter nenhuma relação contigo nem quando o poder paternal for regulado vamos ter que receber e entregar os nossos filhos através de uma terceira pessoa”;
• “Com o teu novo companheiro?”;
• “É melhor andarem escoltados a partir de hoje”;
• “Nem fazes a mínima ideia de que sou e serei capaz de fazer”;
• “Como já te disse sou um homem morto”;
• “Só falta ir para o cemitério”;
• “És uma vergonha de mulher em todos os aspectos”;
• “De há 1 ano a esta parte tenho nojo de ti”;
• “Sentia vergonha de estar ao teu lado”;
• “Quem no seu perfeito juízo quereria uma mulher tão exposta como tu?! Só um Drogado”;
• “Um chulo, bunda mole, etc”;
• “Sinto um alívio porquanto tinha vergonha de dizer que eras minha Mulher e mãe dos meus filhos inocentes”;
• “Porque efectivamente, o teu corpo está à olho nu nas redes sociais para todo mundo ver”;
• “És puta do Povo”;
• “Alguma vez iria continuar continuar a sentir algo por ti?! Nem a mão de Deus Padre!”;
• “Se te reparares da última vez que fomos ao “Krystal” estavad de calções curtos ripo “Djakas das Dinamarca” mal chegámos tinha vergonha de estar ao teu lado tive que ficar horas afio a falar com a ex-mulher do meu falecido tio jogador do ...”;
• “Mal saí dentro fui me encostar ali ao cantinho com o meu amigo em frente à nossa mesa onde estavam as minhas sobrinhas só para não te apresentar as pessoas com aqueles calções tipo puta da Península Nórdica”;
• “Mas, efectivamente, quero deixar de partilhar o mesmo espaço contigo e de te ver quase sempre, se resolvermos o assunto da casa não te quero ver nem nunca mais, assumo do EE e da DD falamos por mensagem, se não se importares e fizeres o favor”;
• “E se quiseres fazer da outra maneira estás á vontade, como julgares conveniente. Continuo e continuarei com o mesmo grau de ódio, até à morte, por tudo o que fizeste sobretudo nem tiveste dó e piedade da nossa filha de apenas 1 e 3 meses de te envolveres com outro Homem que não seja o pai biológico. Jamais te perdoarei nem na próxima Reencarnação”;
• “Rogo a Deus e faço votos que sejas a mulher mais infeliz do mundo de todos os tempos”;
• “O teu grau/nível de putaria transcende todos os limites, porquanto, ninguém se envolve com um outro Homem em apenas 13 dias, muito menos quando se tem um(a) filho(a) de apenas 1 e 3 meses, és cruel, servilista, moral, pessoa de muito má índole, desprezível, simplesmente irresponsável. Cada vez que me lembrar da nossa filha DD metido no meio disto penso em suicidar-me, provaste ser a pior mulher do mundo em todos os aspectos. Jamais te perdoarei.”;
• “És a pior puta da história da Humanidade, pária humana”;
• “Vou odiar-te até à morte”;
• “Nem se eu morrer primeiro não quero que estejas no meu funeral, não vales nada, és pior ser humano e pior mulher do Mundo de todos os tempos. Vou odiar-te para sempre”;
• “Não por teres destruído a tua própria família para uma aventura sexual com um Drogado cheio de doenças infeto-contagiosas, não é isso não, a minha raiva/ódio eterno tem que ver com tamanha ignorância, maldade à mistura aliada à acção do Diabo de tu te envolveres com um outro Homem que não seja o pai biológico da tua filha de apenas 1 e 3 meses?!!! És realmente uma víbora! Incrível! No dia que esta tua aventura terminar certeza absoluta que vai acabar mal, porquanto, nunca funcionou não serás excepção, já é regra ninguém destroe um lar de há muitos anos para logo a seguir ser feliz é de todo impossível, porque efectivamente, Deus existe, a minha dor, raiva e ódio infinito é de teres pensado única e exclusivamente nos teus caprichos sexuais sem no entanto teres em conta consequências graves para a tua filha biológica de apenas 1 e 3 meses”;
• “És insensível, Deus há-de te castigar vais te arrepender de teres desrespeitado a inocência da tua filha biológica em detrimento de um Drogado, Frustrado, Cantor de tasca e desequilibrado mental, e achas que te vai tratar muitíssimo bem?! Quantas namoradas que já teve e tem tido?! Vais ser a seguir a outra vítima, da forma como tu saíste dum casamento de 10 anos para se meter com ele achas que tens algum valor para ele?! Fala com os seus botões olha essa puta/vaca, a tua frente claro que o discurso/interesse é outro por seres médica é só isso, imaginemos se fosses um simples vendedor de loja? Iria querer fiar contigo tendo tu 2 filhos? Nunca, essa vossa relação está baseada e assente no interesse material e achas e acreditas piamente que vai funcionar?! A mais a mais esses putos cantores/drogados têm um nível de promiscuidade enorme quem sabe do Estado de Saúde do teu “Bebé”? E acredita que está a 100% tudo bem? Estás enganada aí é que te vais começar arrepender”;
• “Essa gente está mais do que infectado, não perguntas porque é que as outras não ficaram com ele? Além de instabilidade emocional, são interesseiros, calculistas como tu, etc, o que está em causa não por teres acabado a relação sob pretexto infundado acabaste/destruíste o teu lar de há 12 anos sem no entanto pensar nos teus próprios filhos, ou seja, nas consequências/instabilidade que possam trazer na vida dos teus filhos biológicos carregados 9 meses, porque efectivamente de hoje em diante terão que andar de casa em casa, a tua nova casa, a casa da tua mãe, a minha casa, a casa da HH, com o agravante de conhecerem e conviverem com 2 tipos de homens no papel de pai. És a pior vespe que alguma vez existiu na face do Planeta Terra”;
• “Qual Mulher decente que acaba uma relação de há mais de 10 anos tendo uma filha de apenas 1 e 3 meses para logo a seguir se envolver sexualmente com um outro Homem?! E acha que tem algum valor significativo para esse homem?! Nunca, para essa pessoa és simplesmente puta, traiçoeira, fraco de espírito, servilista moral e cabra”;
• “És uma vergonha mundial, muitíssimo arrependido de te ter conhecido e ter perdido 12 anos contigo em vão!”;
• “Já sabia que estavas numa relação com uma dessas pessoas reles, porque quando tentava falar contigo no meio de tantas conversas desmesuradas no fim só dizias é “irrevogável” quer dizer, já estavas envolvida com drogado/artista de tasca suposto narcotraficante e consumidor crónico de estupefacientes”;
• “Só de imaginar os meus filhos inocentes no meio desse perigo todo fico sem vontade de viver”;
• “Mas, tenho que ter força e Deus há-de me dar foras saúde e longa vida para no entanto a assistir o desmoronar de tudo isto, podes apressar tudo, casa, carro, casamento como tudo indica nada disso vai durar será Sol de Pouca dura”;
• “Foste traidora/criminosa ao menos que fosse daqui a uns meses ou 1 ano, mas como és tão vulgar seria de todo impossível, quando os nossos amigos comuns souberem irão ficar estupefactos, porque efectivamente, falavam de ti com honra e prazer, mas eu lhes dizia “não é bem assim”;
• “Vai cair que nem bomba, terei forças para aguentar tamanha tristeza, sofrimento, falta de respeito e de consideração porque, efectivamente, há um desfasamento enorme entre nós sem falsa modéstia, vergonhoso no meio de tudo isto é que temos 2 filhos”;
• “Vai sua vaca!”;
• “Vai te juntar às pessoas do teu nível social”;
• “Bandidos de brincos, rastas, drogados, frustrados, narcotraficantes disfarçados em artistas de tasca, reles, etc”;
• “Pena é que as pobres almas do EE e DD terão que conviver com tudo isto”;
• “Era bom que morresses durante o parto, mas antes de morreres para sofreres até dizer chega”;
• “Quem é que acaba uma relação menos de 1 mês entra logo a seguir na outra?”;
• “É preciso ser puta ao cubo”;
• “A raiva e ódio que eu tenho de ti não por termos separado era expectável mais dia menos dia porque efectivamente eras insuportável, mal educada, bruta, mas temos duas crianças inocentes”;
• “Se fôssemos só nós os dois já te tinha deixado há mito tempo desde há 2 anos mal começaste com as tuas publicações vergonhosas”;
• “Mas, ponderei vários factores porquanto não estava em jogo única e exclusivamente nós os dois, temos duas crianças ninguém gostaria de viver e crescer com padrasto ou madrasta”;
• “És realmente reles, puta desavergonhada”;
• “Ao ponto de dizeres ao teu amante em como te queria violar;
• “Como não fosse eu a fazer-te mulher e foste por duas vezes cortada ao meio para retirarem os nossos filhos”;
• “O teu corpo e a tua cona mal cheirosa eram novidades? Grande novidade?”;
• “Devem ser novidades para o tei chulo antes de te envolver contigo”;
• “Mas, como é um chulo lambe espermas é bom que saiba fui que te fiz mulher e te ter engravidado por duas vezes”;
• “Odeio-te!”;
• “Tive motivos para te deixar de vez, mas como não se tratavam de traições como foi no teu caso ponderei e passei para a frente porque efectivamente, família está acima de tudo, para quem tem noção real de família”;
• “Não te estou a pedir para voltarmos nem nunca mais, só te estou a chamar à razão da tamanha crueldade em relação aos nossos filhos inocentes”;
• “Vai afetá-los para muito tempo, já estás na outra relação em menos de 1 mês, não te vou querer nunca mais fodas sou maluco ou quê?”;
• “Só que fazias as coisas na calada da noite estavas me a pressionar para saíres de casa por forma a puderes comprar outra casa, meses depois fingires aparecer com o teu chulo, drogado o teu estilo preferido como se fosse uma relação nova, só que Deus sabe como é que estava envolvido até ao pescoço as coisas foram me parar às mãos”;
• “És uma puta desavergonhada”;
• “Como eu sempre te disse és uma egocêntrica, calculista, interesseira puta disfarçada em mulher séria, quer dizer que acabámos dia 10 de Agosto e foste te meter com o drogado dia 12 Segunda-Feira?!”;
• “Já tinha pressão do drogado como és servilista moral tiveste que desfazer a tua própria família ponto em perigo vida dos teus próprios filhos”.
21. Em data não concretamente determinada, mas que se situa após o dia 27 de Setembro de 2019, o arguido, utilizando ácido sulfúrico, produziu estragos em peças de vestuário da assistente.
22. No dia 28 de Outubro de 2019, o arguido deslocou-se à estação de comboios das ... e, ao avistar a assistente, deslocou-se na sua direcção e abordou-a, visando retirar-lhe o telemóvel que a mesma tinha na sua posse, o que não logrou conseguir.
NUIPC 1440/19....
23. No dia 10 de Novembro de 2019, a assistente deslocou-se à residência referida no ponto n.º 3., na companhia do assistente (seu actual companheiro) visando ir buscar bens pessoais seus, não se encontrando o arguido então na residência.
24. O arguido chegou à habitação referida no ponto n.º 2. na companhia do filho e, ao tentar abrir a porta, apercebeu-se que a mesma estava trancada por dentro, com a corrente de segurança colocada.
25. Nesse momento, o arguido, visando arrombar a porta, começou a desferir pontapés na mesma, ao mesmo tempo que dizia que os iria matar nesse dia.
26. Acto contínuo e através do espaço entre a aduela e a respectiva porta que era franqueado pela colocação da corrente de segurança, o arguido, do interior de um frasco que trazia consigo, arremessou ácido sulfúrico para o interior da habitação e na direcção do assistente.
27. O arguido atingiu o assistente na zona da face (incluindo pálpebras e globos oculares, pavilhão auricular esquerdo, região frontal, couro cabeludo e pescoço), tronco ântero-superior, braço e antebraço direitos e antebraço esquerdo, o que lhe determinou a necessidade de internamento na Unidade de Queimados do Hospital ....
28. Em virtude dessa conduta, o assistente sofreu:
• queimadura e edema palpebral bilateral;
• quemose límbica marcada ODE;
• isquemia límbica poupando os meridianos verticais mas muito generalizada;
• opacidade querática, sem visualização da iris/pupila;
• defeito epitelial total ODE;
• edema dos lábios;
• fibroscopia com edema das aritenoides;
• queimaduras na face, com predomínio na hemiface esquerda;
• sinais de queimadura nos olhos;
• lábios edemaciados; e
• queimaduras na região cervical superior.
29. O arguido apenas cessou a sua conduta porque a assistente conseguiu fechar a porta da residência, trancando-a por dentro e impedindo que o arguido conseguisse voltar a introduzir a sua chave.
30. Em data não determinada, mas que se situa após o dia 10 de Novembro de 2019, o arguido, através da aplicação “Messenger” da rede social “Facebook” para o assistente mensagens destinadas à assistente, com o seguinte conteúdo:
• “Sua putéfia já que agora fumas e consomes drogas pesadas, não te esqueças que tens dois filhos inocentes.”;
• “Sua putéfia da merda”;
• “Essa história vai ter que acabar a partir de manhã quando te ofereceste voluntariamente para seres namorada/amante do Drogado Compulsivo, Chulo, Porco, Javardo, Nojento, Sujo, Miserável e Desprezível esqueceste-te que és mãe e tens 2 almas inocentes?! Putéfia da merda.”;
• “A partir de amanhã vou acabar com essa palhaçada”;
• “Sua putéfia, os dois filhos são nossos, não são filhos da tua mãe, queres levar vida de solteira aos 35 anos com 2 filhos menores?”;
• “Puta da merda”.
31. No dia 18 de Novembro de 2019 o arguido, deslocou-se ao “Hotel ...”, sito na Rua..., ..., em ... e exibiu o documento referido no ponto n.º 34., tendo-se hospedado no referido hotel como “II” e ali pernoitado.
32. No dia 19 de Novembro de 2019, o arguido tripulava o veiculo automóvel de matricula n.º 06-...-... na Avenida ..., em ....
33. O arguido não tinha título que o habilitasse a tripular veículos na via pública, em Portugal.
34. Nesse mesmo dia, o arguido tinha consigo um documento com o n.º R ... que tinha aposta na capa as inscrições “República ...” e “Passaporte” e nele estava a fotografia do arguido, com a identificação de “II”, constando do referido documento que o mesmo teria sido emitido pela Embaixada ..., uma assinatura do Embaixador ... em Portugal e a assinatura de “II”.
35. O documento referido no ponto n.º 34. apresentava, no campo destinado à data de nascimento da página 2 - onde se encontra inscrito “1983” - e no campo reservado à data de validade da prorrogação constante da página 4 - onde se encontra inscrita a data “2029” -, uma sobreposição de traços no preenchimento dos algarismos das dezenas dos anos, correspondendo os originais, respectivamente, a 1953 e a 2019.
36. Na página 3 do documento referido no ponto n.º 33. e no campo destinado à entidade emissora consta um selo branco sem qualquer referência à Embaixada ... em .... Na página 4 do documento em causa estavam apostos dois carimbos.
37. Tais inscrições, carimbos e selos brancos não foram produzidos pelas pessoas neles identificados.
38. No dia 6 de Dezembro de 2019, cerca das 14h40m, o arguido tinha, no interior do veículo referido no ponto n.º 32.:
• Um jerricã de 5 litros de cor vermelha, que continha no seu interior 4 litros de gasolina, que se encontrava atrás do banco de trás do lado do passageiro;
• uma caixa de fósforos de marca “Quinas”, que se encontrava junto à caixa de velocidades;
• um objecto de marca “Itools”, modelo “16-400mm”, composto por um cabo de madeira, com 56,5cm e uma lâmina metálica arqueada de um só gume, com fio bastante afiado, com 41,5cm, totalizando 56,5cm de comprimento, vulgarmente designado como “catana”;
• um objecto de marca “Ernesto” composto por um cabo em plástico com 10cm de comprimento e uma lâmina metálica de um só gume com fio bastante afiado, com 12,5 cm de comprimento; e
• um objecto de marca “Ernesto”, “Stainess/Steel” composto por um cabo em plástico com 12cm de comprimento e uma lâmina metálica, de um só gume, com fio bastante afiado, com 19,5cm de comprimento.
39. O arguido, no dia 10 de Dezembro de 2019, tinha debaixo da cama do quarto de casal da residência referida em 2., um objecto composto por um cabo e por uma lâmina, com mais de 10cm de comprimento.
40. O arguido, ao agir da forma descrita nos pontos n.os 4. a 22. e 30., actuou com o propósito concretizado de molestar física e psicologicamente a assistente, bem sabendo que a mesma era mãe dos seus filhos, pretendendo atingi-la na sua integridade moral e física e provocar-lhe medo e receio pela sua vida e integridade física, no interior da residência comum e na presença das crianças mencionadas em 2., o que logrou conseguir.
41. O arguido sabia que o ácido sulfúrico com que atingiu o assistente, atenta a sua natureza e características, era potencialmente perigoso e apto a tirar-lhe a vida.
42. Não obstante, não se inibiu de o arremessar contra o corpo de CC, bem sabendo que, uma vez que o atingisse, poderia, com grande probabilidade, causar-lhe a morte, o que apenas não ocorreu por motivos alheios à sua vontade.
43. O arguido quis e conseguiu conduzir o referido veículo automóvel apesar de saber que não estava legalmente habilitado para o efeito.
44. O arguido sabia que o documento que detinha e que exibiu a terceiros não tinha sido emitido pela autoridade competente e que do mesmo não constava qualquer elemento de segurança utilizado nos documentos originais.
45. O arguido, ao exibir, como exibiu, o referido documento a terceiros, actuou com o intuito de ludibriá-los, fazendo-os crer que o arguido era a pessoa cuja identidade se encontrava ali aposta, bem sabendo que tal não correspondia à realidade.
46. O arguido utilizou o referido documento, sabendo que com tal acção punha em causa a fé pública que um passaporte merece e fê-lo com a intenção de se furtar à acção da Justiça.
47. O arguido, ao ter na sua posse os objectos identificados nos pontos n.os 38. e 39. conhecia as características dos objectos descritos.
48. Agiu em todas as condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
B) FACTOS COLHIDOS NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL FORMULADO PELO ASSISTENTE:
49. Antes dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente auferia cerca de € 700/mês como comercial e auferia rendimentos provenientes da escrita, da composição de música e de canto, auferindo cerca de € 600 por espectáculo.
50. Antes dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente era tido como uma pessoa sociável e feliz.
51. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente sentiu, com intensidade crescente, o rosto a arder e, ao levar a mão à cabeça, vieram cabelos agarrados à mão.
52. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente sentiu dores intensas e dificuldades em respirar e sentiu o corpo a desfazer-se, tendo caído de costas para o chão, onde ficou estendido.
53. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27 o assistente pensou que iria morrer e, em pensamento, despediu-se dos seus familiares, sentiu um cheiro intenso e perdeu a consciência.
54. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, a assistente colocou o assistente sobre água corrente.
55. Na sequência dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente pensou que o arguido entrara na habitação e que iria matar a assistente.
56. Ao acordar no hospital, o assistente não se lembrava dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27.
57. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente sofreu queimadura ocular bilateral e queimadura de via aérea (numa extensão de 3% da superfície corporal) e esteve entubado e ventilado entre os dias 10/11 a 28 de Novembro de 2019, tendo sofrido uma traqueobronquite associada ao ventilador.
58. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente foi sujeito às seguintes intervenções:
a. em 14 de Novembro de 2019 - transplante de membrana amniótica no olho direito e no olho esquerdo;
b. a 22 de Novembro de 2019 – desbridamento cirúrgico e enxertia de pelo autóloga na face, pavilhão auricular esquerdo, face anterior do pescoço e região parietal direita, com recurso a anestesia geral;
c. a 19 de Dezembro de 2019 - transplante de membrana amniótica lateral provisória com recurso a anestesia geral;
d. a 12 de Fevereiro de 2020 – colocação de enxertos;
e. a 4 de Março de 2020 – correcção de brida cicatricial antero-lateral esquerda do pescoço e excisão de cicatrizes, com recurso a anestesia geral;
59. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente esteve internado entre 10 de Novembro de 2019 e 23 de Dezembro de 2019, de 10 a 14 de Fevereiro de 2020 e de 4 a 10 de Março de 2020.
60. O assistente irá ser submetido a transplantes de córnea com recurso a anestesia geral.
61. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente tem o rosto desfigurado, tem uma redução da visão de cerca de 95% no olho esquerdo e de 40% no olho direito.
62. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente encontra-se em situação de baixa clínica e aufere o subsídio de doença no valor de € 300.
63. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente ainda sofre dores intensas e usa uma máscara facial para protecção.
64. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente despendeu € 586,08 em facturas de farmácia e na aquisição de máscaras.
65. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente não fecha os olhos para dormir, usando, para o efeito, um adesivo.
66. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente é ajudado por terceiros a comer e a sair à rua.
67. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente deixou de cantar e de auferir o correspondente rendimento.
68. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, o assistente sente-se deprimido e disse que não iria conseguiria viver sem recuperar a visão.
C) FACTOS COLHIDOS NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL FORMULADO PELO DEMANDANTE:
69. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26 e 27, foram prestados ao assistente cuidados de saúde no “Centro Hospitalar ...” nas seguintes ocasiões e cujos custos importaram nos valores infra inscritos:
a. internamento entre os dias 10 de Novembro e 23 de Dezembro de 2019, no valor de € 8.468,21;
b. consultas externas de cirurgia plástica maxilo-facial e de oftalmologia e colocação de penso nos dias 26 e 30 de Dezembro de 2019, no valor de € 127,90;
c. consultas externas de cirurgia plástica maxilo-facial e de oftalmologia e exames nos dias 3, 27, 28 de Janeiro de 2020, 3, 18, 24 e 28 de Fevereiro de 2020, 18 de Maio de 2020 e 3 de Junho de 2020, no valor de € 422,50;
d. internamento entre os dias 12 de Fevereiro e 15 de Fevereiro de 2020, no valor de € 1.313,65;
e. internamento entre os dias 4 de Março e 10 de Março de 2020, no valor de € 1.313,65;
f. consultas externas de oftalmologia, análises e fármacos entre os dias 6 de Julho e 27 de Agosto de 2020, no valor de € 514,96;
g. consulta externa de oftalmologia, no dia 7 de Setembro de 2020, no valor de € 31,00;
h. episódio de ambulatório a 9 de Julho de 2020, no valor de € 1.313,65.
D) FACTOS COLHIDOS NA CONTESTAÇÃO:
70. Os assistentes mantinham entre si uma relação amorosa.
71. Na ocasião referida no ponto n.º 24., o arguido sentiu-se afrontado pela presença do assistente na casa em que habitava.
72. O assistente publica textos no “facebook” e participou numa manifestação.
E) CONDIÇÕES DE VIDA E ANTECEDENTES CRIMINAIS
73. O arguido é natural da ..., onde viveu a sua infância e juventude junto dos pais e dos 5 irmãos, sendo o quinto filho da fratria. Era o preferido dos pais pela sua postura tranquila e educada e nunca terá criado problemas ou constrangimentos aos progenitores.
74. A dinâmica familiar era equilibrada, solidária e unida, com relações harmoniosas entre os progenitores entre si e os descendentes, sem registo de separações ou conflituosidade relevante. A família vivia em casa própria e dispunha de regulares de condições económicas decorrentes do trabalho do pai e da mãe.
75. O arguido iniciou escolaridade aos 6 anos, onde fez um percurso regular e investido ingressando na universidade, onde fez estudos superiores em ....
76. Quando acabou o curso fez estágio nas Nações Unidas e veio para Portugal fazer um estágio através da Embaixada .... Na época já teria diversos familiares no país e ficou a viver junto de um irmão mais velho.
77. Terá estagiado em empresas e, posteriormente, feito formação superior em Direito e uma pós-graduação em administração, contabilidade e funções públicas.
78. Durante o período em que esteve a estudar, o arguido trabalhou na construção civil para custear os estudos e as suas despesas pessoais e praticou desporto em clubes de futebol, que deixou com 25 anos, por incompatibilidade com o trabalho.
79. Através da Embaixada ... conseguiu uma colocação para exercer uma função como responsável pela recolha de fundos internacionais e, a partir de 2006, ficou responsável da administração do património, cooperação económica e foi-lhe atribuído também a função de representante e cooperante da .... No âmbito destas funções deslocou-se a vários países e continentes, estabelecendo laços de amizade internacionais e uma vasta rede de contactos pessoais e laborais.
80. Revelou-se uma pessoa disponível, solidária e preocupada em ajudar os estudantes da ... em Portugal, que recorriam ao seu apoio.
81. Nesta fase vivia sozinho num apartamento e terá tido um relacionamento temporário com uma advogada, do qual nasceu uma filha, actualmente com 15 anos, mas com a qual nunca viveu em comum.
82. Em Agosto de 2007, quando já se encontrava com um modo de vida estável e estabelecido, conheceu a assistente, então uma jovem estudante que pretendia formar-se em ..., mas que não disporia de meios económicos para o efeito.
83. A relação entre ambos e a disponibilidade económica do arguido, permitiu que a ex-companheira se formasse em ... e fizesse especialidade em .... Desta relação nasceram os dois filhos supra referenciados, tendo o arguido assumido desde o início um papel parental de proximidade e apoio àqueles, assegurando parcialmente as funções maternas, enquanto a companheira se dedicava ao curso e posteriormente ao trabalho.
84. À data dos factos, o arguido encontrava-se separado da companheira, mas continuava a estar com os filhos ao fim de semana e a visitá-los regularmente, assegurando igualmente as despesas destes e as responsabilidades familiares com estes.
85. O arguido ganhava cerca de € 1600 mensais e cerca de € 3.000 em despesas de representação e continuava a viajar frequentemente em trabalho.
86. O arguido é tido como uma pessoa calma, tranquila, simpática, afável e reservada, sobretudo quanto à sua vida privada, à qual não fazia referência em contexto laboral. Num período mais recente os colegas de trabalho apenas se aperceberam que o arguido tinha uma atitude mais calada e reservada que o habitual e algum desleixo com as roupas, embora o mesmo tivesse mantido o mesmo profissionalismo e cordialidade com terceiros.
87. O arguido contextualiza os factos mencionados em no regresso de uma deslocação que terá feito à ... durante cerca de 1 mês, sendo aquela tida, na cultura daquele país, como sendo de extrema humilhação para a pessoa que a vivencia, ainda que, pelas características pessoais reveladas pelo arguido ao longo dos anos, não fosse expectável um tipo de reactividade por parte do arguido.
88. Preso preventivamente desde Novembro de 2019, o arguido tem mantido uma conduta ajustada aos normativos institucionais, sem averbamentos disciplinares.
89. O arguido mostra-se sobretudo preocupado com a situação dos filhos, presentemente confiados à progenitora, mas com os quais pretende no exterior, manter relações de proximidade e continuar a exercer o seu papel parental.
90. A nível profissional pretende retomar as mesmas funções junto da Embaixada, caso lhe seja dada possibilidade nesse sentido
91. A presente situação jurídico-penal está a ser encarada com estranheza pelos amigos e conhecidos. Conta com apoio por parte de familiares, amigos e colegas, que o visitam regularmente e não alteraram a sua opinião sobre o arguido, continuando o mesmo que continua a beneficiar de uma imagem positiva entre a sua rede relacional.
92. O arguido tem noção do dolo e dos bens jurídicos, revela uma boa capacidade reflexiva e crítica, mas igualmente valores conservadores e tradicionais sobre o casamento e alguma dificuldade em equacionar alternativas que não se adequem às suas crenças pessoais.
93. A atitude do arguido aponta igualmente para um desgaste relacional com a ex-companheira ao longo dos anos e para a falta de estratégias alternativas para lidar de forma adequada com uma situação de frustração contínua no contexto familiar.
94. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
De igual modo, foi considerada como não provada a seguinte factualidade (mais uma vez, transcrita):
• Na ocasião referida no ponto n.º 4., o arguido desferiu um número indeterminado bofetadas na face da assistente;
• Nas ocasiões referidas nos pontos n.os 5. e 6. o arguido, no decurso de uma discussão que mantinha com a aquela, dirigiu à assistente as expressões “puta” e “cabra”.
• A assistente tentou gritar, momento em que o arguido colocou a sua mão na boca daquela para a impedir de conseguir os seus intentos, ao mesmo tempo que lhe dizia que a iria matar naquele dia.
• Nesse momento, ao aperceber-se que a assistente tinha abandonado o quarto, o arguido, disse-lhe para sair da residência, ao mesmo tempo que seguiu no encalço dela pela casa.
• Na ocasião referida no ponto n.º 12., a assistente foi atingida na zona dos olhos;
• Seguidamente, de modo não determinado, o arguido atingiu os braços da assistente, provocando-lhe dor e arranhões.
• Na ocasião referida no ponto n.º 13., a assistente estava com a filha ao colo
• O golpe referido no ponto n.º 14. atingiu a assistente na zona do peito.
• Seguidamente à ocasião referida no ponto n.º 15. o arguido deslocou-se para junto do filho que se havia apercebido do sucedido, tentando evitar que o mesmo saísse de casa juntamente com a assistente.
• Nas ocasiões referidas no ponto n.º 17., o arguido disse à mãe da assistente “vou matar a tua filha” e “vou-a desfigurar”;
• Os factos referidos nos pontos n.os 23. e 24. ocorreram, respectivamente, pelas 17h15m e pelas 17h30m;
• O arguido disse a frase referida no ponto n.º 25. por um número indeterminado de vezes.
• O arguido arremessou o conteúdo do frasco referido no ponto n.º 26. na direcção da assistente, atingindo-a na roupa;
• O arguido pretendia utilizar os objectos referidos nos pontos n.os 38. e 39. como arma de agressão.
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27. o assistente sentiu que estava a ser esfolado e mergulhado numa fogueira;
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27., o assistente gritou “estou cego”, “estou a morrer”, “ele matou-me” e sentiu espasmos musculares;
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27., o assistente sentiu vómitos e náuseas e um cheiro intenso a sangue e a carne;
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27., o assistente não tem competência ou sensibilidade nos lábios;
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27., o assistente despendeu € 800 em facturas de farmácia e na aquisição de máscaras, sendo previsível que venha a despender outras quantias no futuro.
• Em cada dia de internamento, o assistente sentiu sofrimento;
• O assistente tinha um contrato para publicação de um livro;
• Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 26. e 27., o assistente deixou de escrever, não auferindo rendimentos provenientes dessa actividade.
• O assistente sabia que a relação entre o arguido e a assistente tinha terminado na sequência dos factos referidos no ponto n.º 11.;
• O assistente tinha receio de ir à casa mencionada no ponto n.º 3. e só o fez porque fora escoltado pela PSP.
• Na ocasião referida no ponto n.º 24., o assistente empunhou uma pistola na direcção do arguido e a assistente procedeu da mesma forma usando uma catana;
• Nessa sequência, o arguido arremessou na direcção daqueles os frascos que tinha consigo.
• A abertura da porta que é permitida pela corrente mede um palmo;
• O assistente encontra-se em bom estado de saúde.
Desta forma fundamentou o tribunal de 1ª instância a sua convicção: (transcrição):
“Antes de iniciarmos o excurso sobre os motivos que presidiram à decisão do tribunal sobre a factualidade provada e não provada, cumpre ter presente que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de se dar a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes – enfim da “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O juiz não é uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.
Em processo penal, impõe-se que o tribunal construa os suportes da sua decisão por apelo aos meios de prova validamente produzidos e independentemente de quem os ofereceu, investigue e esclareça oficiosamente os factos em busca da verdade material e, em caso de dúvida intransponível, decida a favor do arguido.
Note-se que o juiz não está processualmente vinculado a efectuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova constantes dos autos ou indicados pelos sujeitos processuais mas apenas a seleccionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa, ou seja, aqueles que serviram de base à selecção da matéria de facto provada e não provada.
A motivação da decisão de facto não pode, pois, constituir um substituto do princípio da oralidade e da imediação e transformar-se numa espécie de documentação da audiência.
É, pois, à luz de tais princípios que se formou a convicção deste tribunal e, consequentemente, se procedeu à selecção da matéria de facto relevante, tendo em vista a prova produzida.
Refira-se, por seu turno, que o juiz não está processualmente obrigado a elencar todos os factos alegados mas apenas aqueles que têm interesse para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes ou que são indispensáveis para a escolha da pena e determinação da medida concreta da mesma, bem como para a verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual.
Daí que não hajam sido elencadas as alegações que, no âmbito dos pedidos de indemnização civil, se revelavam absolutamente irrelevantes para fundar a responsabilidade civil dos demandados.
Por esse motivo ainda, o tribunal empreendeu um esforço para que não constassem dos elencos que antecedem as referências a meios de prova e a meios de obtenção da prova que figuram em alguns dos articulados apresentados ou as simples impugnações, ainda que motivadas, de factos vertidos naquele despacho ou nos pedidos de indemnização cível.
Saliente-se, ainda, que a lei impõe a fixação de factos e não de conclusões, juízos valorativos ou de conceitos de direito, pelo que houve necessidade de extirpar as referências valorativas e conclusivas e as alegações jurídicas que constam do despacho de pronúncia e dos articulados apresentados.
Nestes termos, em algumas situações, procedeu-se uma diferente redacção dos factos mas sem que o sentido ou significado da factualidade descrita no despacho de pronúncia, nos pedidos de indemnização civil ou nas contestações fosse alterado.
Os factos inscritos nos pontos n.os 1 a 3 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações prestadas pelo arguido, no segmento em que o mesmo os admitiu.
A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.º 4 do elenco factual emergiu da conjugação entre as declarações prestadas pelo arguido – no segmento em que, em suma, admitiu que houve discussões entre si e a assistente no período aí mencionado – e a assistente, a qual, em resumo, referiu que, no final da gravidez, aquele lhe deu um estalo. Adiantou ainda que o arguido manifestava a ideia de impunidade.
A apreciação das declarações para memória futura prestadas pela assistente revelou uma pessoa que aparenta estar afectada pelo sucedido, apesar de possuir um discurso vivo e, tanto quanto possível, pormenorizado, o que foi perceptível no relato feito acerca dos factos em causa. Não revelou quaisquer indícios de efabulação ou de falta de coerência intrínseca. Conseguiu, genericamente, fornecer um relato dotado de precisão, não revelando, no mesmo passo, uma especial animosidade perante a pessoa do arguido.
Adicionalmente, foi tido em conta que a sua versão dos factos foi, noutras situações, secundada por outros meios de prova.
Na confluência destas razões, concluiu-se que as aludidas declarações deveriam ser tidas como merecedoras de credibilidade e, nessa medida, confiáveis.
Com base nos ensinamentos da experiência corrente – dos quais decorre que a inflicção daquele tipo de agressões é objectivamente idónea a provocar dores e padecimentos nas zonas do corpo que são atingidas – formulou-se a convicção de que a assistente suportou dores e sofrimento na sequência desses factos.
O arguido negou estes factos mas a sua versão não foi secundada por outros meios de prova. Refira-se que o facto de a testemunha JJ – que vivia com o arguido e a assistente aquando dos factos – não os ter presenciado em nada desabona a versão da assistente, tanto mais que aquela deu nota da existência de agressões por parte desta àquele, o que é bem revelador do ambiente que então se vivenciava.
Os factos inscritos nos pontos n.os 5 e 6 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada das declarações prestadas pela assistente. Em suma, afirmou que, aos 7/8 meses da sua segunda gravidez, o arguido atacou-a com bofetadas, murros e pontapés e disse-lhe que ia a matar. Mais referiu que, cerca de 3 semanas depois e após ter descoberto que o arguido mantinha uma relação com uma acompanhante, aquele voltou a dizer-lhe essa expressão.
Adicionalmente, com base nos ensinamentos da experiência corrente – dos quais decorre que a inflicção daquele tipo de agressões é objectivamente idónea a provocar dores e padecimentos nas zonas do corpo que são atingidas – formulou-se a convicção de que a assistente suportou dores e sofrimento na sequência dos mencionados factos.
Também aqui a negação destes factos por parte do arguido se apresenta desprovida de credibilidade, na medida em que não foi suportada por quaisquer meios de prova.
Os factos vertidos no ponto n.º 7 foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações da assistente, no segmento em que deu, em suma, conta de que disse ao arguido que queria sair da relação por este ser uma pessoa violenta, sendo que, em Agosto de 2019, tentou colocar a casa à venda e colocar um ponto final na relação, o que o arguido não interiorizou. Continuaram, porém, a viver na mesma casa mas não como casal.
O arguido negou estes factos mas não foram produzidos meios de prova que sustentem essa versão. O facto de o arguido ser, como revelou a testemunha de KK, avesso a falar da sua vida privada permitiu excluir a relevância de outros testemunhos (prestados, vg., por LL ou de MM) em que expressaram a sua convicção acerca do estado dessa relação.
A convicção factos inscritos nos pontos n.os 8 a 11 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações da assistente e do arguido e das mensagens cuja impressão consta de fls. 60 a 61.
Em suma, a mesma deu conta de que o arguido foi buscar o seu telemóvel, “apanhou a mensagem”, acordou-a com uma bofetada (enquanto lhe dizia que iria matar e a apelidava de “puta”), “esmigalhou” aquele objecto e encaminhou-se para a porta do quarto, com o fito de a trancar. Conseguiu, antes disso, pegar na sua filha e, porque o seu filho apareceu no quarto, dele sair.
Por sua vez, o arguido deu, em resumo, conta de que, naquela data e por volta daquela hora queria confirmar a suspeita (que já era pública) de que a assistente o traía, o que conseguiu quando o telemóvel tocou e acedeu às mensagens trocadas entre os assistentes. Referiu que a sua filha foi acordada pela assistente e que esta abriu a porta e saiu. Negou os demais factos.
Face ao conteúdo das aludidas mensagens (melhor apreensível nas mesmas) e tendo em conta o subsequente desenvolvimento fáctico e, sobretudo, a personalidade patenteada pelo arguido ao longo da audiência de julgamento – em que sobressai a desresponsabilização (assente na consideração de que goza de imunidade diplomática) pelos factos e o profundo ressentimento, despeito e ódio que ainda nutre em relação à pessoa dos assistentes –, conclui-se que a sua versão não poderia merecer acolhimento.
A convicção factos inscritos nos pontos n.os 12 a 16 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações da assistente e do arguido e dos testemunhos de NN – vizinha da assistente que lhe abriu a porta –, de OO – mãe da assistente –, de PP e de QQ – agentes da PSP que se deslocaram ao local.
Em suma, a assistente deu conta de que o arguido rasgou fotografias e foi à despensa, onde lhe atirou com um líquido de limpar fornos e repetiu que a ia matar. Fechou depois a porta de saída e pegou num caco de um vaso que caíra, com que lhe desferiu um golpe no nariz. Mais referiu que saiu de casa em lingerie.
NN recordou, em suma, que, pelas 3 da manhã, a assistente (que se encontrava com a filha ao colo, sendo que esta vinha a chorar) tocou à sua porta e pediu para chamar a PSP dizendo que fora agredida. Trajava então roupa interior, sangrava do nariz (sendo que ainda viu pingos de sangue na porta do elevador) e estava muito agitada. Mais referiu que o arguido foi igualmente bater à sua porta, porventura por ter ouvido o choro da criança. Por sua vez, OO afirmou, em suma, que se deslocou a casa da assistente e viu-a com corte por cima do nariz e com a filha ao colo.
Também PP e QQ referiram que avistaram esse corte e que a assistente estava muito assustada e nervosa. Referiram ainda que, na cozinha, viram líquido no chão e o primeiro adiantou também que sentiu um cheiro a detergente.
Estoutros meios de prova foram valorados à luz da experiência corrente e de critérios de normalidade e de razoabilidade/plausibilidade. Os mencionados depoimentos testemunhais foram, no geral, prestados com assertividade, coerência, espontaneidade, sinceridade e de uma forma distanciada, revelando aqueles depoentes a vivacidade que é própria de quem detêm um conhecimento presencial dos factos. Daí que o tribunal tenha reputado tais testemunhos como credíveis, fiáveis e persuasivos.
Adicionalmente, com base nos ensinamentos da experiência corrente – dos quais decorre que a inflicção daquele tipo de agressões é objectivamente idónea a provocar dores e padecimentos nas zonas do corpo que são atingidas – formulou-se a convicção de que a assistente suportou dores e sofrimento na sequência dos factos referidos em 14.. De resto, a assistente – que é médica – deu conta de que tratou a lesão sofrida.
Por sua vez, o arguido deu, em resumo, conta de que agarrou o dito frasco na mão e que o dito vaso era feito de vidro, admitindo que pegou nos cacos e que a assistente trajava então roupa interior.
O arguido negou os demais factos. Pelas razões acima aduzidas – a que acresce o facto de existir uma marca bem visível da agressão, circunstância para a qual o arguido não ofereceu qualquer explicação – concluiu-se pela implausibilidade dessa versão.
Os factos inscritos no ponto n.º 17 foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada das declarações do arguido – em suma, admitiu que enviou mensagens à mãe da assistente e que lhe reencaminhou mensagens desta – e de OO – deu conta de que, pelas 4 horas da manhã desse dia, o arguido a contactou.
Os factos inscritos no ponto n.º 18 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em suma, assumiu esses factos.
Os factos inscritos nos pontos n.º 19 e 20 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações do arguido – que, em suma, assumiu esses factos, descrevendo as mensagens como uma “troca de galhardetes” –, das cópias de e-mails de fls. 48 a 50v., das mensagens de “whatsapp” cujas cópias constam de fls. 69 a 84 – e das declarações da assistente – no segmento em que, em suma, deu conta de que o arguido mandou e-mails para o presidente do hospital em que trabalha (e até para a Secretaria de Estado da Saúde) e que, diariamente e que, por várias vezes ao dia, lhe enviava pelo “whatsapp” mensagens com ameaças.
A este respeito, é ainda de salientar que RR – coordenadora da secção de violência doméstica da ... – referiu, num depoimento escorreito, sincero e descomprometido (e, por isso, tido como merecedor de credibilidade e convincente) –, que viu o conteúdo das mensagens remetidas pelo arguido (que recordou como sendo injuriosas mas sobretudo ameaçatórias) e que ordenou que a assistente passasse a ter protecção policial, tanto mais que o arguido invocava que beneficiava de imunidade diplomática.
Os factos inscritos no ponto n.º 21 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações do arguido – que, em suma, assumiu esses factos, justificando-se que comprara ácido para limpar canos e jantes e que “castigou” a assistente, ao proceder da forma descrita, actuando sobre roupas que lhe comprara para oferecer –, dos fotogramas de fls. 61 e ss. (que o arguido afirmou corresponder ao estado dessas peças de roupa após a sua actuação, confirmando que tal sucedeu no quarto de ambos), das declarações da assistente – afirmou, em síntese, que viu as suas roupas danificadas com ácido em sua casa – e do testemunho de OO – referiu, em resumo, que o arguido lhe disse que pusera ácido nas roupas da assistente, tendo visto um saco com peças de roupas desta (tanto oferecidas como por aquelas compradas) e vestígios de ácido no chão.
A convicção exposta quanto aos factos inscritos no ponto n.º 22 assentou na valoração conjugada das declarações do arguido – admitiu que se encontrou com a assistente e que, ressabiado, lhe desferiu uma bofetada – e de SS (transeunte que se encontrava na estação de comboio das ...) que, em suma, afirmou que viu o arguido agarrado ao telemóvel de uma senhora (sendo que queria com ele ficar, “como se a sua vida dependesse disso”), numa “dinâmica de puxa-puxa”. Mais afirmou que, passado algum tempo, o arguido desferiu uma chapada naquela (avistando o gesto e a mão na cara daquela), o que o levou a intervir (por aquele lhe parecer “virado da cabeça”), sendo que, depois, a assistente lhe explicou que o telemóvel continha mensagens comprometedoras para si.
Este testemunho foi valorado à luz dos mencionados critérios, tendo-se revelado firme, coerente, espontâneo e isento, denotando o depoente conhecimento presencial dos factos. Daí que o tribunal tenha reputado tal testemunho como credível, fiável e persuasivo.
A convicção quanto aos factos inscritos nos pontos n.os 24 a 32 assentou na valoração conjugada das declarações do arguido e dos assistentes, dos testemunhos de OO, de TT (irmã adoptiva do assistente), de UU (irmã da assistente), de PP, de QQ e de VV (agentes da PSP que se deslocaram ao local), do auto de apreensão de fls. 162, dos fotogramas de fls. 170 a 172 e do exame ao conteúdo do frasco de fls. 426, do exame pericial e dos relatórios clínicos de fls. 456 a 460, 632, 634 a 647, 724 a 730 e 733.
Em síntese, o arguido admitiu que não imaginava que os assistentes estivessem naquela casa e que estava com o seu filho quando ali chegou e se deparou com a porta trancada com a corrente. Trazia consigo um saco que continha o frasco com ácido – que disse usar para limpar canos e as jantes da viatura que lhe estava afecta, sendo que estava cheio até ¾ e tinha uma tampa de desenroscar que fechava bem, admitindo que não estivesse bem enroscada –, tintas e diluentes.
Tentou abrir a porta com a chave e bateu à porta durante cerca de 10 minutos. Referiu que, depois, a porta foi escancaradamente aberta, deparando-se, em frente a si, com o assistente a empunhar uma pistola (com o dedo no gatilho e apontada na direcção da sua cabeça mas cujas características não soube descrever) e com a assistente com uma faca grande, razão pela qual, com a mão esquerda (pois segurava o filho com a mão direita), atirou o saco (pegando por debaixo), com aquele conteúdo, na direcção de ambos, não conseguindo perceber quem atingiu.
O assistente, por sua vez e em suma, confirmou que mantinha uma relação com a assistente há alguns meses e que, na data dos factos, foi com aquela a sua casa com a polícia, sendo que os agentes que os acompanhavam se recusaram a lá permanecer depois de constatarem que o arguido aí se não encontrava.
Após terem recolhido e levado para o automóvel uma mala de roupa, voltaram a subir para a casa, colocou o trinco na porta, apercebendo-se depois do barulho na chave da porta e da voz de uma criança, sendo que a assistente, em pânico, diz que se trata do arguido. Em seguida, o arguido disse que iriam morrer os dois, após o que a assistente tentou fechar a porta e aquele desferiu murros e pontapés naquela, ao mesmo que diz “hoje é o dia”, além de alguns insultos a ambos. Viu ainda o brilho de uma lâmina.
Em seguida, o arguido disse “Ai é?”, mordeu a língua, colocou um braço pela brecha e atirou-lhe com algo que lhe bateu na cara e que pensou que fosse água, começando então a arder inexplicavelmente. Mais referiu que se apercebeu da presença de uma criança do lado oposto à abertura da porta e que o arguido disse que os ia matar.
A assistente, em resumo, afirmou que, no dia 10 de Novembro de 2019, pelas 16 horas e 30 minutos, foi buscar peças de roupa (porque precisava) a sua casa com elementos da PSP que depois se recusaram a permanecer, dado que o arguido não se encontrava. Depois de estar ali cerca de 20 a 25 minutos (inicialmente com a porta trancada e chave no trinco e depois com a porta só no trinco), o arguido apareceu (estando o seu filho ao lado dele), desferiu pontapés na porta, disse “hoje acabo contigo” e que iria matar os dois. Viu a catana e tentou fechar a porta mas o arguido, apesar de não ter conseguido entrar, lançou, com a mão esquerda, algo de uma garrafa e o assistente caiu a gritar. Conseguiu então fechar a porta à chave. Já na presença da PSP, o arguido fez um gesto a significar que a iria estrangular e disse que iria acabar o serviço.
PP referiu que, no local, viu líquido corrosivo no chão e nas ombreiras das portas e inclusive no WC e explicou que a abertura consentida pela corrente não permitia inserir a cabeça de uma pessoa. QQ afirmou que viu líquido, principalmente no chão, no aro das portas e nas paredes do hall e na porta do quarto (que se situa a cerca de 1 metro da porta de entrada), sendo que a garrafa estava aberta. VV relatou que avistou marcas de ácido e corrosão nas aduelas das portas e madeiras, numa altura de cerca 1,80m. Referiu ainda que a corrente permitiria uma abertura da porta de cerca de 20 cm´s, na qual caberia a garrafa. Mais acrescentou que o arguido, por diversas vezes, invocou a imunidade de que entendia beneficiar e que, aquando do transporte do assistente para a ambulância, fez um gesto com o polegar a significar que iria degolar, tendo dito que iria ser pior e que usara o ácido por não ter uma arma.
Adicionalmente, foi tido em conta que OO referiu que o arguido lhe disse que mataria quem tivesse que matar para levar a sua filha e que, após os factos em apreço, lhe disse que era só o começo (como se nada se tivesse passado), dizendo-lhe, em chamada telefónica realizada no dia seguinte, que devia ter feito mais, que estava a começar, que nada tinha a perder e que iria terminar o “serviço”, sendo que só sairia daqui para a .... Referiu ainda que viu salpicos no chão e na parede lateral.
UU também referiu que viu marcas de ácido no chão e parede da despensa (a qual se situa a 2,5/3metros da porta) e no chão.
Por sua vez, TT referiu que ouviu, no “Facebook” do assistente (sendo que o respectivo telemóvel estava desbloqueado), mensagens áudio em que era dito que esperava que aquele tivesse ficado cego, que só iria acabar quando estivesse morto e que o iria matar.
Estes últimos testemunhos foram igualmente valorados à luz dos mencionados critérios, tendo-se revelado coesos, convictos, sinceros e isentos (apesar das aludidas relações familiares), denotando aqueles depoentes conhecimento presencial dos factos que respectivamente narraram. Daí que o tribunal tenha reputado tais testemunhos como credíveis, fiáveis e persuasivos.
A valoração concatenada do mencionado auto de apreensão e do aludido exame à garrafa apreendida permite perceber que a mesma continha ácido sulfúrico.
A valoração dos fotogramas de fls. 172 e ss. corrobora as afirmações dos referidos agentes policiais, permitindo perceber a dispersão das manchas de ácido e o modo como o mesmo se espalhou.
A conjugação do fotograma de fls. 426 com a aludida dispersão permite, sempre com o imperioso recurso aos dados da experiência corrente, considerar que o líquido que nela se continha foi esguichado do seu interior (evidenciando-se que aquela garrafa é suficientemente maleável para tanto) e assim expelido para o interior da habitação. E, atenta a quantidade de ácido visível naqueloutros fotogramas, evidencia-se que tal actuação se repetiu por múltiplas vezes.
Anote-se ainda que da concatenação das declarações dos assistentes e do arguido emerge que, apesar de a porta estar no trinco, este, empregando a chave, conseguiu que a mesma abrisse até à amplitude máxima que era consentida pela corrente.
Concatenados estes elementos de prova, há necessariamente que concluir que a explicação do arguido para o sucedido se mostra desprovida de credibilidade.
Além de não ser – como em muitos outros aspectos – corroborada por outros meios de prova, há a salientar, decisivamente, que a sua conduta anterior – em que se destacam as inúmeras mensagens em que afirma que ele ou os assistentes irão desaparecer deste mundo e as constantes ameaças dirigidas à assistente, com prenúncios de fatalidade e de um iminente calvário – e posterior aos factos – as ameaças (efectuadas por meios de gestos e palavras) proferidas e a persistência no intuito de infligir males maiores aos assistentes – indicam, à saciedade, que, ao agir da forma descrita, o arguido não pretendeu reagir a uma qualquer agressão iminente ou mesmo em curso mas antes tirar a vida, pelo menos, ao assistente.
O facto de o assistente ter dirigido ao arguido mensagens de pendor ameaçatório (como este referiu e como o assistente também reconheceu) – num escalar de tensão que se mostra pouco compatível com a postura pacata que exibiu em audiência mas congruente com a atitude activista que denota em “posts” publicados nas redes sociais – poderia, de algum modo, suportar essa versão.
Contudo, refira-se que nenhuma arma foi encontrada em poder de qualquer um dos assistentes e que, segundo VV, o arguido não demonstrou medo de qualquer um deles.
Mais se sublinha que, na ocasião e perante PP, o arguido referiu que fora agredido com um soco no estômago, o que, como bem se vê, é assaz incongruente com versão que entendeu trazer a juízo.
Saliente-se, ainda, que, OO adiantou que o arguido “não pregava um prego em casa”, pelo que se tem como improvável que destinasse o ácido a um uso doméstico como aquele aventou. De resto, há a notar que VV mencionou que não encontrou quaisquer tintas ou diluentes no interior de casa.
Por fim, há a notar que a concentração das manchas de ácido foram avistadas pelas testemunhas nos espaços que se situam em frente à porta para o exterior, o que permite extrair a ilação de que o mesmo foi efectivamente expelido nessa direcção a partir da porta. É que, como facilmente se entenderá, o arremesso do saco nos moldes descritos pelo arguido conduziria necessariamente, pela aleatoriedade inerente a uma tal actuação, a uma maior dispersão desse líquido por diversas áreas e não à concentração numa só zona.
A valoração dos aludidos elementos clínicos permitiu apurar quais as zonas do corpo do assistente que foram atingidas e as lesões subsequentemente sofridas.
A convicção exposta quanto aos factos inscritos no ponto n.º 30 do elenco factual alicerçou-se na valoração conjugada das declarações do arguido – das quais resulta a assunção desses factos, explicando que se tratavam de respostas à assistente – e dos fotogramas de fls. 200v. a 204, em que se reproduzem as mensagens aí referidas.
O facto inscrito no ponto n.º 31 foi tido como demonstrado com base na valoração conjugada das declarações do arguido – que assumiu que esteve no referido hotel, tendo apresentado o “passaporte” infra descrito por “engano” –, do aditamento constante de fls. 439 e do “print” de fls. 440v., o qual é alusivo à referida estadia.
Os factos inscritos nos pontos n.os 32 e 33 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações do arguido – no segmento em que assumiu que, habitualmente, conduzia a referida viatura automóvel, a qual lhe estava atribuída pela Embaixada ... em Portugal (cfr. ainda a este respeito a informação de fls. 585v.) - e do print extraído das bases de dados do IMTT – fls. 1201v. -, de onde resulta que o arguido não é titular de qualquer licença de condução emitido pelas autoridades portuguesas.
O arguido aventou que era titular de uma carta condução especial, emitida no ..., que traria consigo no momento em que foi detido e que fora emitida pelo IMTT. No entanto, no auto de apreensão de fls. 295 (referente ao momento em que foi detido) e no auto de apreensão de fls. 495 (respeitante à viatura em causa) nada consta a esse respeito e o certo é que o arguido jamais fez prova desse facto.
Os factos inscritos nos pontos n.os 34 a 37 foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada do auto de apreensão de fls. 295 – de onde resultou que o arguido tinha consigo esse documento na data aí referida - e do exame de fls. 610 e 610v., realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária ao “passaporte” que o arguido trazia consigo – de onde se extractaram os dizeres, fotogramas, inscrições e datas que nele constavam, bem como as características que evidenciam que se trata de um documento forjado.
O arguido limitou-se a dizer que se tratava de um passaporte das primeiras gamas, mas não ofereceu qualquer explicação para o facto de nele se conter a sua fotografia e um nome que não é o seu.
A convicção quanto aos factos inscritos nos pontos n.os 38 e 39 fundou-se na valoração concatenada das declarações do arguido – que admitiu que detinha esses objectos – e dos autos de apreensão de fls. 468 e de fls. 495.
A atitude interior do arguido (nos pontos n.os 40 a 48 do elenco factual), sendo insusceptível foi tida como demonstrada com base numa inferência que assenta na demonstração dos demais factos provados e sempre sem esquecer o necessário apelo aos dados da experiência corrente e da lógica para a sua compreensão.
Adicionalmente, observou-se que o arguido tem formação jurídica (como, de resto, fez questão de salientar) pelo que estaria bem ciente da ilicitude das suas condutas, tanto mais que amiúde invocava que gozava de imunidade diplomática.
Pertence ao domínio do senso comum a consideração de que arremessar ácido sulfúrico na direcção do rosto e da zona superior do tronco de uma pessoa constitui uma conduta dotada de suficiente aptidão letal. Refira-se, concordantemente que WW – médica anestesiologista que assistiu o assistente – afirmou, em suma, que aquele teria morrido (por asfixia mediante encerramento da via aérea) se não tivesse sido entubado na urgência. Igualmente, o relatório preliminar de fls. 475 e ss. dá nota de que as lesões verificadas são idóneas a provocar-lhe perigo para a vida.
Este último testemunho foi avaliado à luz dos supra mencionados vectores. Constatou-se que foi prestado com convicção, coerência e espontaneidade e de uma forma descomprometida, revelando aquela depoente conhecimento presencial e tecnicamente qualificado dos factos narrados. Daí que o tribunal tenha reputado tais testemunhos como crível, confiável e convincente.
Ademais, é patentemente implausível que o arguido desconhecesse a inerente perigosidade dessa substância química (tanto mais que já a usara para danificar roupas da assistente) ou que jamais tivesse representado a morte como a consequência mais que certa de expelir ácido sulfúrico para a face e zona superior do tronco de uma pessoa.
Recorde-se, de resto, que o arguido já empregara o conteúdo de um frasco de desengordurante para atingir a assistente (cfr. ponto n.º 12 do elenco factual), o que denota que o mesmo, à falta (por inépcia, inexperiência ou por qualquer outra razão) de outros meios mais comummente empregues, encarava essa conduta como um meio suficientemente idóneo de infligir sofrimento a terceiro.
Refira-se adicionalmente que, após os factos, o próprio arguido admitiu que procurou adquirir uma arma (como resulta, de resto, do facto de ter consigo um cartão de um armeiro, onde se mostram inscritas as características de um revólver e a menção à DN da PSP – cfr. 299 – cfr. ainda o aditamento de fls. 434), o que, conjugado com o que disse ao agente VV, evidencia a intenção de, efectivamente, pôr termo à vida do assistente quando outra ocasião para tal se propiciasse, assim logrando o resultado que antes não conseguira obter.
Ainda que se conceda que o arguido foi surpreendido pela presença do assistente em sua casa, é, atenta toda a sequência de factos que precedente (recorde-se as já faladas mensagens e emails) e subsequentemente ocorreram, preclaro que aquele, nesse momento, quis que aquele infausto evento efectivamente ocorresse. Se dúvidas restassem a este respeito, bastaria atentar na sua atitude perante os assistentes nesse mesmo dia (e na presença de agentes da PSP), a qual, além de evidenciar a persistência na intenção de infligir a morte, é, sobretudo, reveladora do intenso sentimento de frustração que decerto experimentou ao constatar que não se verificou aquele pretendido resultado.
Por seu turno, o uso de um documento identificativo falso para se hospedar incognitamente num hotel evidencia um claro propósito de escapar à actuação de forças policiais. Anote-se que, concordantemente, XX e VV deram conta das dificuldades em dar cumprimento ao mandado de detenção, porquanto o arguido não ia ao seu local de trabalho e não respondia a contactos.
Os factos inscritos no ponto n.º 49 foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações prestadas pelo assistente (no segmento em que descreveu a sua actividade profissional e do seu envolvimento no mundo da música e da escrita para terceiros que desenvolvia antes dos factos e os respectivos proventos – sendo que, para este efeito, é dispensável a exibição da respectiva declaração de IRS) e dos testemunhos de TT, de YY, de ZZ, e de AAA (respectivamente, irmã e amigos do assistente), nos segmentos em que, de forma essencialmente concordante e em síntese, deram conta das actividades desenvolvidas por aquele antes dos factos.
Também estes últimos testemunhos foram avaliados à luz dos mencionados vectores. Verificou-se que foram prestados com convicção, coerência e espontaneidade e de uma forma descomprometida (pese embora as relações pessoais que mantêm com o assistente), revelando aquelas depoentes conhecimento presencial dos factos narrados. Daí que o tribunal tenha reputado tais testemunhos como críveis, confiáveis e convincentes.
Os factos inscritos no ponto n.º 50 foram tidos como demonstrados com base na valoração do testemunho de YY, no segmento em que deu conta de que o assistente era uma pessoa com muita vida social e cativante, com muitos amigos e conhecidos.
A convicção quanto aos factos inscritos nos pontos n.os 51 a 55 alicerçou-se essencialmente na valoração das declarações prestadas pelo assistente (as quais foram, em parte, corroboradas pela assistente, que disse ter visto o corpo do assistente todo branco em coagulação e que o colocou sob água corrente), no segmento em que, de um modo impressivo, pormenorizado e congruente (e, nessa medida, em parte dissonante até do que consta no pedido de indemnização civil) com aquele que é o conhecimento corrente acerca dos efeitos do ácido sulfúrico sobre o corpo de um ser humano, relatou o que sentiu (em que se destaca a sensação de que iria morrer e as dificuldades em respirar) e pensou ao ser atingido com esse líquido.
Os factos inscritos no ponto n.º 56 foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do assistente e do depoimento de TT, no segmento em que a mesma asseverou que aquele dizia estar bem.
A convicção quanto aos factos inscritos nos pontos n.os 57 a 60 foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada do testemunho de BBB – médico oftalmologista que segue o assistente – e de WW, dos supra mencionados relatórios clínicos e, bem assim, os relatórios médicos de fls. 1257v., 1258 1516, de fls. 1551 e de fls. 1577 e das facturas juntas e respeitantes aos internamentos, constantes de fls. 1013 a 1019.
Em suma, BBB deu conta das diferentes intervenções oftalmológicas (essencialmente, transplantes de células estaminais) a que o assistente foi sujeito desde Novembro de 2019 e até Setembro de 2020. Referiu ainda que as lesões oculares que o assistente será naturalmente submetido a mais 2 ou 3 novos transplantes (embora estes não tenham um bom prognóstico), a fim de colmatar a irreversibilidade das lesões que ele apresenta.
Aqueloutro testemunho foi avaliado à luz dos supra mencionados vectores, verificando-se que foi prestado com convicção, coerência e espontaneidade e de uma forma descomprometida, revelando aquele depoente conhecimento presencial e especialmente qualificado dos factos narrados. Daí que o tribunal tenha reputado tal testemunho como crível, confiável e convincente.
No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 61, a convicção exposta assentou na valoração concatenada do testemunho de BBB – no segmento em que deu conta da redução da acuidade visual ocasionada pelas lesões, explicando que a mesma é flutuante e pode ser melhorada com recurso a lentes –, da visualização, em audiência de julgamento, da face do assistente e do testemunho de AAA – que deu conta de que viu a face do assistente desfigurada.
Os factos inscritos no ponto n.º 62 foram tidos como demonstrados com base na valoração concatenada das declarações do assistente – no segmento em que deu conta de que está de baixa e aufere cerca de € 300 – e da cópia da informação do ISS. IP de fls. 654.
No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 63, a convicção exposta assentou na valoração concatenada das declarações do assistente – no segmento em que, em resumo, deu conta das dores que ainda sente e do uso de máscara durante cerca de 23 horas diárias (o que sente como uma tortura), explicando que se destina a acelerar o processo de reconstrução e a facilitar o processo de adesão da pele – e dos testemunhos de YY – no segmento em que igualmente deu conta desse facto –, da visualização, em audiência de julgamento, da face do assistente coberta por uma máscara e do testemunho de AAA – no segmento em que relatou o uso desse dispositivo, as queixas de dores sentidas pelo assistente e a toma de analgésicos para as debelar.
Os factos inscritos no ponto n.º 64 foram tidos como demonstrados com base na valoração crítica das facturas cuja cópia consta de fls. 653, de fls. 655 de fls. 1259 a fls. 1261.
Relativamente aos factos inscritos no ponto n.º 65, a convicção exposta assentou na valoração das declarações do assistente, no segmento em que, em suma, deu conta de que recorre a adesivos para forçar o fecho dos olhos a fim de conseguir dormir.
No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 66, a convicção exposta assentou na valoração concatenada das declarações do assistente – no segmento em que, em resumo, deu conta da ajuda que recebe de outras pessoas para andar na rua (já que não distingue o contraste das cores e não conduz) ou comer – e dos testemunhos de TT – no segmento em que, em síntese, relatou a dependência do seu irmão de terceiros para comer, lavar a louça ou cozinhar – e de AAA – no trecho em que, em suma, relatou que acompanhava o seu “cunhado” na rua, já que as dificuldades de visão comprometiam a locomoção.
Quanto aos factos inscritos no ponto n.º 67, a convicção exposta assentou na valoração concatenada das declarações do assistente – no segmento em que, em resumo, deu conta de que sofreu alterações na voz e que deixou de cantar – e de WW – referiu, em síntese, que o ácido chegou mesmo junto às cordas vocais. A constatação de que é assaz plausível que a voz do assistente tenha ficado afectada permitiu concluir que o mesmo deixou de auferir os rendimentos que até então auferia.
Quanto aos factos inscritos no ponto n.º 68, a convicção exposta assentou na valoração concatenada das declarações do assistente – no segmento em que, em resumo, deu conta de que se sente deprimido e que já lhe apeteceu desistir da vida (sentindo que “morreu na data dos factos”) e que irá ser acompanhado em psicologia e em psiquiatria – e dos testemunhos de TT – no segmento em que, em síntese, relatou que o irmão, a dado passo, lhe disse que lhe disse que não se imaginava a viver sem ver –, de YY – no segmento em que, em resumo, deu nota de que o assistente se “fechou” ao contacto com amigos e conhecidos e de AAA – no trecho em que, em suma, relatou que o assistente não está feliz, tem vergonha em se expor, recusa o contacto com amigos e sente-se animicamente pior.
Os factos inscritos no ponto n.º 69 foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada das sobreditas informações clínicas e nas facturas emitidas pelo demandante que, respectivamente, constam de fls. 1013 e ss. e da ref.ª ....
Os factos inscritos no ponto n.º 70 foram admitidos pelo assistente e, com alguma reserva, pela assistente.
A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.º 71 foram tidos como demonstrados com base numa ilação extraída a partir da valoração dos factos tidos como provados (nos pontos n.os 24 a 27) e das mensagens precedentemente remetidas pelo arguido, em que é notório o sentimento de despeito e de extremo ressentimento evidenciado relativamente ao assistente. Acresce ainda que o arguido revelou que a habitação em questão foi comprada com recurso a fundos que lhe pertenciam e que trocou insultos com o assistente, o que, na sua perspectiva, por certo agravou o sentimento de afronta que então experimentou.
No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 72, a convicção exposta filiou-se na valoração conjugada das cópias de publicações de textos na página pessoal da rede “Facebook” do assistente de fls. 1176 e ss. e das declarações por este prestadas acerca da sua participação numa manifestação, a qual foi por este contextualizada pela relação desse protesto com os artigos que escrevia e pelo incentivo de outras pessoas, aspecto que foi secundado por CCC e por AAA.
Quanto à história de vida do arguido, condições de vida e quanto aos traços mais relevantes da personalidade daquele, foram tidos em conta os elementos mais relevantes extraídos do relatório social junto aos autos a fls. 1202. e ss., o qual foi elaborado com base em entrevistas com o arguido e na consulta de documentos.
Os antecedentes criminais do arguido foram colhidos no respectivo certificado do registo criminal, constante da referência n.º ....
No que tange aos factos não provados, a convicção exposta estribou-se na ponderação de que os meios de prova produzidos, avaliados na sua globalidade, de uma forma concatenada e à luz dos falados vectores de apreciação, não permitiam concluir pela veracidade dos mesmos.
Os assistentes e as testemunhas, como se extrai das súmulas dos respectivos relatos, não confirmaram determinados aspectos e detalhes (de cariz não essencial) dos factos narrados no despacho de pronúncia e estes não eram apuráveis por recurso aos meios de prova disponíveis nos autos e/ou a outros que pudessem ser produzidos. Noutras situações, os relatos feitos divergiam da versão ali vertida.
Em concreto, ponderou-se, ademais, o seguinte.
A assistente, nas declarações para memória futura, não deu conta dos demais factos extraíveis do despacho de pronúncia e atinentes à sua relação com o arguido até ao dia 27 de Setembro de 2019 e o arguido não os confirmou, sendo que nenhuma outra prova foi produzida a esse respeito. Nem o arguido nem a assistente confirmaram a veracidade dos demais factos que terão ocorrido nesse dia.
Resulta da concatenação das declarações dos assistentes que o ácido não foi arremessado na direcção da assistente. É que esta encontrava-se por detrás da porta, ao passo que o assistente estava no enfiamento da abertura da mesma, sendo, por isso, patente que o arguido, apesar de “adivinhar” a sua presença no interior da habitação, não a visou com a sua conduta.
Não se apurou que o arguido pretendesse utilizar a catana, as facas, a gasolina e os fósforos que tinha em seu poder para perpetrar agressões. De resto, DDD – amigo do arguido – explicou as razões pelas quais aquele tinha gasolina e fósforos consigo, não havendo, outrossim, qualquer notícia de que o mesmo tenha usado tais objectos com esse propósito.
A própria narração dos factos que foi efectuada pelo assistente não correspondeu às alegações vertidas no pedido de indemnização civil que deduziu.
Nesse conspecto, a inquirição das testemunhas e a valoração da prova documental produzida não permitiu apurar qual o montante ali inscrito a respeito das despesas que terão sido efectuadas (ou acerca daquelas que o virão a ser) ou o sofrimento alegadamente sentido em internamento (pelo contrário, algumas testemunhas deram mesmo conta de que o assistente estava melhor quando estava internado, registando-se que grande parte das intervenções foram feitas sob anestesia geral) e a existência de um contrato de edição de um livro. Refira-se ainda que o assistente revelou que não consegue escrever mas que se socorre de terceiros para fazer “posts”.
Não se produziu qualquer meio de prova que permitisse contrariar o declarado pelo assistente acerca do conhecimento do termo da relação entre a assistente e o arguido e nenhuma outra prova foi produzida a esse respeito.
A prova produzida acerca dos factos inscritos nos pontos n.os 24 a 32 apontou, como vimos, no sentido de excluir a verosimilhança da versão apresentada pelo arguido.
Não se produziu qualquer meio de prova que evidenciasse que o assistente tivesse receio de ir à casa da assistente e que só o fez porque fora antes escoltado pela PSP. O que resulta da conjugação das declarações da assistente e dos testemunhos dos agentes PP e QQ é que fora aquela que insistira pela presença destes.
Não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse, em concreto, determinar a amplitude máxima da abertura consentida pela corrente, reputando, em todo o caso, tal pormenor como irrelevante para apurar a essencialidade dos factos narrados no despacho de pronúncia.
A prova produzida acerca dos factos extraídos do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente permite, como se percebe, excluir a constatação de que aquele se encontra em bom estado de saúde, sendo certo que a participação daquele em eventos públicos/privados (que o mesmo documenta nas suas redes sociais, como profusamente consta dos autos) não permite extrair conclusão diversa, tanto mais que se tratam de momentos esporádicos da sua vida e que, nesse âmbito, as pessoas, em prol da preservação da sua auto-imagem, tendem a esconder o que verdadeiramente sentem e as apoquenta».
V. Decidindo:
A.1. “Questão prévia” suscitada pelo recorrente:
Sustenta o recorrente que, pelo facto de o acórdão recorrido não ter sido notificado pessoalmente ao mesmo (mas, apenas, ao seu defensor), se verifica violação do estatuído no artº 113º, nº 10 do CPP e, em seu entender, uma nulidade, de onde resultará o seu pedido de “devolução da quantia paga em excesso no valor de 204€”.
Contudo, como vem sendo entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, que aqui se acolhe e subscreve, “a lei adjectiva penal não impõe a notificação pessoal dos arguidos relativamente aos acórdãos dos tribunais superiores proferidos em recurso, notificação que, segundo estabelece o n.º 10 do artigo 113º, pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado, como no caso vertente se verificou. Tem sido este o entendimento deste Supremo Tribunal, como resulta, entre outros, dos acórdãos de 3 de Maio de 2007, de 25 de Setembro de 2008 e de 11 de Dezembro de 2014, proferidos nos processos n.ºs 1594/07, 2300/08 e 1049/12.6JAPRT-C.S1, respectivamente, entendimento que, conforme tem decidido o Tribunal Constitucional, não enferma de inconstitucionalidade – entre outros, os acórdãos n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/09, 234/10, 667/14 e 31/17” – Ac. STJ de 22/3/2017, Proc. nº 295/11. 4TAMGR-A.C1-B [1]. Ainda no mesmo sentido, cfr. Acs. STJ de 7/7/2016 e de 6/1/2020, Procs., nºs 05P3802 e 48/09.0GEABT-B.S1, respectivamente [2] e, bem assim, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª ed. 1171.
De outro lado, em matéria de nulidades, vigora na nossa lei adjectiva o princípio da tipicidade, segundo o qual “a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” – nº 1 do artº 118º do CPP.
E, como nos parece claro e resulta da simples leitura dos preceitos em causa, a situação suscitada pelo recorrente não encontra enquadramento nos artºs 119º e 120º do CPP nem é, tão pouco, configurada como nulidade em qualquer outro dispositivo legal.
Porém e fundamentalmente, como supra referimos, a notificação de um acórdão, proferido por tribunal superior, em recurso, não carece de ser feita ao próprio arguido, bastando-se o artº 425º, nº 6 do CPP com a sua notificação ao seu defensor. “E isso porque «o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido» (incluindo o direito ao recurso), «salvo os que ela reservar pessoalmente a este» (art. 63.º, n.º 1), sendo que a notificação da decisão do tribunal de recurso (diversamente da notificação da sentença) não representa um «direito que a lei reserve pessoalmente ao arguido» (art. 113.º, n.º 9 [3]). Tal regime aplica-se, mesmo, ao «acórdão [condenatório] proferido em recurso». E isso, desde logo, porque a lei (arts. 63.º, n.º 1, 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, 421.º, n.º 3, e 425.º, n.º 6, do CPP) não exige a notificação pessoal do próprio arguido e, ainda, porque a não exigem as garantias constitucionais de processo criminal. (…) Por outro lado, também é «a lei» que, segundo a Constituição, deverá «definir os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido em actos processuais» (n.º 6). E a lei processual não exige a presença do arguido na fase processual de recurso, para cuja audiência apenas são convocados «o MP, o defensor, os representantes do assistente e das partes civis» (art. 421.º, n.º 2)” [4].
Em suma: não se verifica qualquer nulidade, decorrente do facto de o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, não ter sido notificado ao próprio arguido/recorrente mas, apenas, ao seu defensor, assim improcedendo a “questão prévia” a este propósito suscitada.
A.2. Questão prévia da “irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação ..., no que se refere aos crimes de violência doméstica agravado, falsificação de documento e condução de veículo automóvel sem habilitação legal, por que também foi condenado o recorrente”, suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em sede de recurso, nos termos do artº 400º (artº 432º, nº 1, al. b) do CPP), sendo certo que, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) do mesmo diploma, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” e, nos termos da al. f) do mesmo dispositivo legal, não é igualmente admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Relembrando:
- O arguido AA foi condenado, em 1ª instância,
- pela prática de de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132º, nº 2, alínea h), 22º e 23º, do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão;
- pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alíneas b) e c), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a assistente BB por um período de 5 anos;
- pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea e) e nº 3, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 8 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na única de 15 anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a assistente BB por um período de 5 anos.
Tais penas foram integralmente confirmadas, em recurso interposto pelos arguidos ora recorrentes, no Tribunal da Relação ....
Consequentemente, sendo recorrível o acórdão desse tribunal, no que se refere à pena parcelar relativa ao crime de homicídio qualificado na forma tentada e à pena única aplicadas ao arguido, não o é no que diz respeito às penas parcelares relativas aos crimes de violência doméstica, falsificação de documento e condução de veículo sem habilitação legal.
E isto, naturalmente, porque estamos perante penas parcelares não superiores, todas elas, a 5 anos de prisão e, de outro lado, porque sendo (natural e necessariamente) não superiores a 8 anos de prisão, foram confirmadas, em recurso, pelo Tribunal da Relação.
Na verdade, como vem sendo entendido por este Supremo Tribunal, “não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos (art. 400º, nº 1, e), do CPP). Para este efeito, este Supremo Tribunal vem entendendo uniformemente que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares (v.g. Acs. de 10-10-2018, Proc. n.º 144/09.3JABRG.G1.S1, 3.ª secção, de 26-09-2018, Proc. n.º 141/15.0GAANS.C1.S1, 5.ª Secção, de 16-05-2018, Proc. n.º 556/16.6PFCSC.L1.S1, 5.ª Secção, de 14-02-2018, Proc. n.º 2736/14.3TDPRT.P1.S1, 3.ª Secção, e de 07-02-2018, Proc. n.º 483/15.4GACSC.L1.S1, 3.ª secção)” – Ac. STJ de 4/7/2019, Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, 3ª sec. (subl. nosso).
“Sendo um acórdão irrecorrível, no âmbito das penas parcelares, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, quer referentes às ilicitudes, responsabilidade criminal ou medida das penas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderão também ser conhecidas pelo STJ” – Ac. STJ de 15/4/2015, Proc. 3/12.2PAMGR.C1S1, 3ª sec. (subl. nosso); no mesmo sentido, o recente Ac. STJ de 21/10/2020, Proc. n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S1 - 3.ª Secção [5].
E, no mesmo sentido ainda, vai o Ac. STJ de 4/7/2019, Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1: “2. Para efeitos do disposto no art. 400º, nº 1, e), do CPP, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. 3. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares. 4. Conexamente, a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP, impossibilita o recurso de decisões da Relação que confirmem decisão condenatória da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que, em caso de “dupla conforme”, o STJ não pode conhecer de qualquer questão referente aos crimes parcelares punidos com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos e da matéria relativa ao concurso de crimes, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso. 5. Não decorrendo da Constituição da República o direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso, as apontadas situações de irrecorribilidade em nada beliscam as garantias de defesa do arguido, nem os princípios da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, n.º 1 da CRP), do procedimento justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP) ou da segurança e confiança jurídicas” (subl. nosso).
No seguimento desta jurisprudência, que se acolhe e subscreve, apenas as questões relativas ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e à determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas serão aqui reexaminadas, rejeitando-se o recurso do arguido, porque inadmissível, no que às demais questões por ele suscitadas diz respeito.
Com efeito, como se refere no Ac. deste STJ de 28/11/2018, Proc. 115/17.6JDLSB.L1.S1, “IV - O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. V - As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo”.
E o Tribunal Constitucional, como é sabido, vem considerando conforme à Constituição da República Portuguesa este entendimento, como claramente resulta do seu Ac. nº 186/2013, de 4/4/2013, publicado no DR II série, de 9/5/2013, onde se decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do nº 1, do artº 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” [6].
A.3) (Ir)recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., no que concerne aos montantes indemnizatórios fixados:
Em 1ª instância, o recorrente foi condenado, entre o mais, no pagamento:
- ao demandante/assistente CC, a título de indemnização, a quantia de 100.586,08 euros, acrescida de juros moratórios vincendos à taxa anual de 4% contados desde a data do acórdão; o valor que venha a ser por ele despendido em tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que sejam necessários para debelar as sequelas das lesões sofridas na sequência dos factos inscritos nos pontos nºs 25 a 27 do elenco dos factos provados e o valor dos danos patrimoniais sofridos por CC em consequência da perda/diminuição da capacidade de ganho resultante dos factos inscritos nos pontos nºs 25 a 27 do elenco dos factos provados, a apurar em execução de sentença;
- a BB a quantia de 5.000,00 euros arbitrada oficiosamente.
No recurso que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente mostra-se inconformado com os montantes indemnizatórios fixados, que qualifica como excessivos.
- No que concerne à indemnização civil devida à assistente BB, o acórdão do Tribunal da Relação ... é, nesse segmento, irrecorrível.
Com efeito,
Nos termos do disposto no artº 400º, nº 2 do CPP, o recurso do acórdão, no segmento relativo à indemnização civil “só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”
A alçada do Tribunal da Relação, em matéria cível, é de 30.000 euros – artº 44º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26/8.
A indemnização atribuída à assistente não ultrapassa metade dessa alçada; logo, o acórdão do Tribunal da Relação ... é, nesta parte, irrecorrível.
- No que concerne à indemnização civil devida ao assistente CC:
O tribunal a quo confirmou, na íntegra e com a mesma fundamentação, o que a este propósito foi decidido na 1ª instância.
Lê-se, com efeito, no acórdão recorrido:
«Face ao explanado pelo tribunal recorrido e ao exposto retro, mostra-se absolutamente correcta a condenação a título de indemnização por danos patrimoniais no montante de 586,08 euros; a condenação no valor que venha a ser pelo demandante despendido em tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que sejam necessários para debelar as sequelas das lesões sofridas na sequência dos factos provados vertidos nos pontos 25 a 27 e bem assim no valor dos danos patrimoniais sofridos por CC em consequência da perda/diminuição da capacidade de ganho resultante dos factos provados vertidos nos pontos 25 a 27, a apurar em execução de sentença.
No que tange aos danos não patrimoniais, face aos factos provados, tendo em atenção a intensidade da culpa do demandado, que agiu dolosamente; a gravidade e extensão dos prejuízos morais suportados pelo demandante; o tempo de recuperação; atendendo também às respectivas condições económicas, entende-se que se apresenta como justa e equitativa a condenação no montante de 100.000,00 euros».
Ora, estatui-se no artº 400º do CPP:
«(…)
2 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
3. Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.
Como já se decidiu no Ac. STJ de 7/9/2016, Proc. 256/10.0GARMR.E1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Pires da Graça, «II - O legislador ao aditar a norma do n.º 3 do art. 400.º do CPP, no sentido de que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, não exclui os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do n.º 2 do art. 400.º do CPP, que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência. III - A dupla conforme do regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP, como que o reverso em termos cíveis, da al. f) do n.º 1 deste artigo em termos penais».
Com efeito – e como bem refere o Cons. Pereira Madeira, “Código de Processo Penal comentado”, 3ª ed. Revista, de Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 1232, «Por força do disposto no artigo 4º do CPP, e uma vez que a acção civil se autonomiza dos destinos da causa penal, importa ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pelas circunstâncias do nº 2 do artigo 400º. A pretendida igualação com o regime de recursos da acção civil importa, com efeito, que os casos de inadmissibilidade previstos no artigo 721º (actual artigo 671º) do Código de Processo Civil na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, nomeadamente o de “dupla conformidade”, previsto no nº 3, sejam aqui aplicáveis».
Estatui-se no artº 671º do CPC:
«(…)
3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».
Ora, como resulta claro da leitura do acórdão recorrido, o tribunal a quo confirmou, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação (que subscreveu), a decisão proferida em matéria cível pelo tribunal de 1ª instância.
Estamos, pois, perante uma situação clara de “dupla conforme” a determinar, por isso, a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, também no que concerne a esta indemnização civil.
Consequentemente, o recurso é rejeitado no que concerne às indemnizações civis fixadas, razão pela qual se não conhecerá da questão supra elencada em III, 1. F).
B) Vícios do acórdão, elencados no nº 2 do artº 410º do CPP:
Estatui-se no artº 434º do CPP que “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.
Como este Supremo Tribunal vem entendendo, de forma uniforme, actualmente, «quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, “de facto e de direito”, à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º b). Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. E é só aqui - com este âmbito restrito - que o Supremo Tribunal de Justiça pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto, o que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação» - Ac. STJ de 10/7/2003, rel. Cons. Pereira Madeira, www.dgsi.pt (subl. nosso).
Com efeito, «a partir de 01-01-99, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP. A partir de então, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentam como plausíveis, devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios. A crítica ao julgamento da matéria de facto, a expressão de divergência do recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas, quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo tribunal são, de todo, irrelevantes, pois ressalvada a hipótese de prova vinculada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto» - Ac. STJ de 20/10/2011, Pr. 36/06.8GAPSR.S1, 3ª sec. (subl. nosso) [7] .
Por fim, e bem recentemente, o STJ revisitou esta questão no seu Ac. de 21/10/2020, Proc. 1551/19.9T9PRT.P1.S1, 3ª sec., mantendo o mesmo entendimento: «II – De acordo com o disposto no artigo 434.º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo da possibilidade de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código. A discussão relativa à matéria de facto e ao modo como as instâncias decidiram quanto aos factos e sobre a valoração da prova produzida, feita pelo recorrente, está, como este Supremo Tribunal vem afirmando, excluída dos seus poderes de cognição, não podendo, pois, constituir objecto do recurso. V - O recorrente impugna perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão de facto da 2.ª instância, apontando-lhe o erro notório na apreciação da prova, vício contemplado no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova. VI – Ora, o STJ tem os seus poderes de cognição estrita e pontualmente fixados no artigo 434.º do CPP, limitados ao exclusivo reexame da matéria de direito, sendo-lhe defeso intrometer-se no reexame da matéria de facto, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.os 2 e 3, do CPP, ou seja, sempre que, além do mais, ocorram os vícios previstos no n.º 2. VII - O recorrente, reeditando os fundamentos que invocou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação suscita o erro na fixação dos factos provados e dos factos não provados, invocando ao mesmo tempo o vício, enunciado no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, do erro notório na apreciação da prova. Ora, neste segmento do recurso que interpõe perante o STJ, o que o recorrente verdadeiramente pretende é impugnar a matéria de facto dado como assente pelo Tribunal da Relação, não aceitando a mesma e pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada. VIII - Na medida em que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP».
E aqui chegados resta dizer que, lida e relida a decisão recorrida (que é, saliente-se, o acórdão do Tribunal da Relação ...), não vislumbra este tribunal que a mesma enferme de qualquer dos vícios enunciados no artº 410º, nº 2 do CPP.
C) Imunidade parlamentar/ caso julgado:
Entende o recorrente “não estarmos na presença de um caso julgado quanto à imunidade diplomática que julga beneficiar tendo existido uma incorreta interpretação do artigo 620 e 628 do CPC, por força do artigo 4 do CPP, sido assim violado a norma prevista no artigo 30 e 38 da CVRD, devendo ser considerado que a imunidade diplomática do arguido é irrestrita, não se limitando aos atos criminais praticados no âmbito das suas funções”.
A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido:
«Violação dos direitos de defesa/imunidade diplomática
Sustenta o recorrente que “nunca”, como na audiência de julgamento, “foi dada a oportunidade ao arguido de demonstrar, quanto mais não seja através da prova testemunhal, que apresentou, que a sua ligação ao estado português não era justificadora do levantamento da sua imunidade diplomática”, pretendendo que desta deveria beneficiar.
Ora, importa se deixe firmado já que essa asserção não tem correspondência na realidade, pois o arguido/recorrente requereu a abertura de instrução para colocar em causa a acusação contra si deduzida pelo Ministério Público – fls. 1.023 e segs – tendo até impetrado a inquirição de nove testemunhas. Só que, neste requerimento nem sequer suscitou a questão do benefício da imunidade diplomática, como poderia ter feito.
Pois bem.
Quanto a esta problemática, explicita-se na decisão recorrida:
Na contestação e em sede de alegações orais, o arguido invocou o seu estatuto de agente diplomático e a inerente imunidade processual (artigo 29.º e primeira parte do artigo 31.º da Convenção sobre Relações Diplomáticas, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 48295, de 27 de Março), alicerçando a sua alegação na circunstância de, não sendo cidadão nacional, ser meramente detentor de título de residência, o que, em seu entender, não enquadraria a excepção prevista no n.º 2 do artigo 38.º daquele Tratado. Mais refutou o entendimento professado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em parecer junto aos autos.
Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (fls. 368v. e ss.) foi, a este respeito, decidido “Em face da qualidade do arguido enquanto agente diplomático impõem-se as seguintes considerações prévias para aferir da verificação, ou não, da imunidade diplomática resultante da Convenção……
Conforme informação colhida junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é a seguinte a situação do arguido:
1. O arguido encontra-se acreditado como membro do corpo diplomático, pessoal diplomático da Embaixada ... em Lisboa, desde 2010, actualmente como ... de Embaixada;
2. O período comum de colocação de agentes diplomáticos é de 4 anos ou muito excepcionalmente, 5 anos;
3. É detentor do título de residência temporária nº ..., emitido a 2/04/2019, válido por dois anos, sendo esta a segunda autorização que lhe é concedida e sendo certo que enquanto agente diplomático está dispensado de requerer autorização de residência;
4. O arguido não requereu novo cartão de identidade diplomático que se encontra caducado há cerca de 2 anos;
5. O arguido adquiriu um imóvel para residência em território nacional, prática que não é comum entre os demais membros do corpo diplomático;
6. Da união de facto entre arguido e uma das vítimas resultaram dois filhos, ambos de naturalidade portuguesa.
Mais importa considerar que o arguido é membro de representação diplomática de país de língua oficial portuguesa, a ..., com especiais laços históricos com Portugal, tal como os demais países lusófonos, laços que motivam com grande frequência a fixação de nacionais desses países ao território nacional, ambiente histórico e afectivo que proporciona aos membros das respectivas comunidades diplomáticas uma ligação ao estado acreditante para além do formalismo da representação diplomática.
Considerando todos estes elementos de facto e circunstância é seguro concluir que o arguido tem residência permanente em território nacional, que em muito ultrapassa as necessidade de desempenho das suas funções diplomáticas.
Pelo exposto, julgo verificada e excepção prevista no artº 38º, nº 1, da Convenção de Viena de relações Diplomáticas.
O arguido apenas goza de imunidade diplomática para actos oficiais da função diplomática que exerce.
Os factos em análise são de carácter exclusivamente pessoal de delito comum, a considerar no âmbito da criminalidade violenta contra pessoas.”.
Não foi interposto recurso deste despacho, tendo o mesmo transitado pacificamente em julgado.
Em sede da providência de “habeas corpus” apresentada pelo arguido contra o decretamento da prisão preventiva, também o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - proferido a fls. 128 e ss. do apenso “A” dos presentes autos e já definitivamente transitado em julgado - apreciou e decidiu a questão agora ressuscitada.
Em apertadíssima síntese, foi considerado que, atenta a facticidade apurada (mormente, o facto de o arguido viver em Portugal com a ofendida, de ser pai de dois filhos portugueses e de habitar, à data, num imóvel por si adquirido em compropriedade com a ofendida e com recurso ao crédito bancário) e tendo em conta a índole dos factos imputados (os quais em nada se relacionam com o desempenho de funções diplomáticas) e respectivo enquadramento jurídico (que foi tido como profundamente atentatório de bens jurídicos de transcendente importância para o ordenamento jurídico nacional), se verificava a excepção à imunidade diplomática prevenida no n.º 2 do artigo 38.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Com esse motivo, o Colendo Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerido “habeas corpus”.
Constata-se que o arguido pretende agora reavivar a discussão sobre a aludida temática, fazendo uso de argumentação com que pretende contrariar o decidido.
Tendo aquele douto aresto e aquelo outro despacho transitado definitivamente em julgado, os mesmos adquiriram a força de caso julgado formal (artigos 620.º e 628.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal).
E, como lapidarmente se inscreveu no n.º 2 do artigo 580.º do Código de Processo Civil, o caso julgado tem como finalidade impedir que “o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Assim, sob pena de violação do caso julgado formal oportunamente formado sobre as referidas decisões, é de concluir que a reapreciação da invocada causa subjectiva de isenção da responsabilidade se mostra inviabilizada.
Vejamos então.
Nos termos do estabelecido no artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do consagrado no artigo 4º, do CPP, “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”, sendo que, como se consagra no artigo 628º, daquele, “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”
Por seu turno, elucida-se no artigo 580º, nº 2, do CPC, que “tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
Como bem assinala o tribunal recorrido, o despacho judicial lavrado na sequência do 1º interrogatório judicial de arguido detido incidiu, entre o mais, especificamente sobre a questão da imunidade diplomática de que o arguido eventualmente beneficiaria, tendo-a negado no caso concreto, sendo certo que, verificando-se a recorribilidade desse despacho dele não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado e, consequentemente, sobre essa decisão se formou caso julgado formal (não seria assim se se verificasse a irrecorribilidade do despacho)».
Entende o recorrente que se não verifica caso julgado nesta matéria, porquanto aquilo que estava em causa no despacho proferido pelo Mº JIC, como no acórdão deste STJ, proferido no mencionado habeas corpus, “era apenas e tão só a aferição se a detenção e a prisão preventiva eram legais”, sendo que a questão que ora se coloca consiste em “verificar se a dita imunidade diplomática obstaculiza à apreciação da responsabilidade criminal do arguido”.
Estatui-se no artº 620º, nº 1 do CPC (ex vi do artº 4º do CPP) que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”. E adianta-se no artº 628º do mesmo diploma que “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
“Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, assim se dispõe no nº 2 do artº 580º do CPP.
Ora, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido que teve lugar em 20/11/2019, pela Il. Mandatária do arguido foi referido que “A defesa não entende que se encontre preenchida a excepção detida no art.º 38º da convenção diplomática porquanto o facto de o arguido ter adquirido um meio de uma habitação não é suficiente para afastar a regra verificada no art.º 29º da Convenção de Viena da Imunidade Diplomática, pelo que continua a pugnar pela manutenção da imunidade diplomática, pelo que se requer a junção aos autos da nota de protesto da Embaixada ...”.
E o Mº juiz de instrução criminal proferiu, de seguida, despacho onde, concluindo que que o arguido “tem residência permanente em território nacional, que em muito ultrapassa as necessidade de desempenho das suas funções diplomáticas”, julgou verificada a excepção prevista no artº 38º, nº 1, da Convenção de Viena sobre relações Diplomáticas e, consequentemente, decidiu que o ora recorrente “goza de imunidade diplomática para actos oficiais da função diplomática que exerce”, sendo que os factos em apreciação “são de carácter exclusivamente pessoal de delito comum, a considerar no âmbito da criminalidade violenta contra pessoas”.
Não foi interposto recurso deste despacho, tendo o mesmo transitado em julgado.
A questão então em apreço não é distinta da ora colocada à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça (como não o era relativamente à mesmíssima questão colocada ao Tribunal da Relação) e consistia em saber se no caso se verificava a excepção prevista no artº 38º, nº 1 da Convenção sobre Relações Diplomáticas, aprovada em Viena em 18 de Abril de 1961: “A não ser na medida em que o Estado acreditador conceda outros privilégios e imunidades, o agente diplomático que seja nacional do referido Estado ou nele tenha residência permanente gozará da imunidade de jurisdição e de inviolabilidade apenas quanto aos actos oficiais praticados no desempenho de suas funções”.
E sobre tal questão recaiu o despacho proferido nestes autos pelo Mº JIC, supra referido, que transitou em julgado.
Portanto, sobre tal questão – verificação, no caso, da excepção prevista no artº 38º da referida Convenção – existe caso julgado, o qual impede nova apreciação da mesma por banda deste Supremo Tribunal.
Mas ainda que assim não fosse – que é – sempre seria de relembrar, como se faz no acórdão recorrido, que este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a mesma questão, no âmbito da providência de habeas corpus que o agora recorrente deduziu.
E fê-lo, em acórdão proferido em 16/1/2020 e transitado em julgado no dia 30/1/2020, nos seguintes termos:
«A CVRD, regulando as relações diplomáticas entre Estados, bem como os privilégios e imunidades diplomáticas de modo a contribuir para “o desenvolvimento de relações amistosas entre nações”, reconhece que “a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim a de garantir o efeicaz desempenho das fumções das missões diplomáticas, em seu carácter de representantes dos Estados” (cfr. Preâmbulo da Convenção).
Nos termos do art. 31.º, da CVRD, “o agente goza de imunidade de jurisdição penal no Estado acreditador”, todavia, por força do art. 38.º, n.º 1, “o agente diplomático que seja nacional do referido Estado [Estado acreditador] ou nele tenha residência permanente gozará de imunidade de jurisdição e de inviolabilidade apenas quanto aos atos oficiais praticados no desempenho de suas funções” (itálico nosso).
(…)
Perante uma necessidade de delimitação do conceito de residência permanente, e sabendo que a CVRD tem em vista não beneficiar os indivíduos mas antes garantir o desempenho das suas funções diplomáticas no Estado acreditador, entendemos que deve ser tido como residente permanente, sem possibilidade de concessão geral de um regime de imunidade no âmbito penal, todo aquele que apresente uma ligação duradoura ao Estado acreditador que ultrapasse largamente o que é exigível para o cumprimento efetivo das funções. Esta ligação permanente deve ser demonstrada através de vários elementos como a aquisição de imóvel para habitação, uma permanência longa no Estado acreditador, o estabelecimento de vínculos duradouros ao Estado acreditador como são os vínculos parentais quando os filhos são nacionais do Estado acreditador
Ora, no presente caso verificamos que o requerente do pedido de habeas corpus apresenta diversos vínculos duradouros com o Estado português que ultrapassam em muito a vinculação necessária para o exercício de funções diplomáticas, e que perdurarão para lá do fim dessas funções no Estado português. O requerente é pai de dois filhos portugueses, e a mãe de seus filhos (ofendida no crime de violência doméstica) reside em Portugal onde trabalha, como ... no Hospital ... (cf. doc. junto a fls. 70 destes autos). Para além disto, adquiriu, juntamente com a mãe dos seus filhos um imóvel (com contrato de empréstimo) onde habitam. Estes elementos por si só demonstram uma ligação ao Estado português completamente independente das funções que veio exercer para Portugal. Assim sendo, e perante um conceito funcional de residente permanente, verifica-se que o requerente possui vínculos duradouros com o Estado português a permitir que se considere que, nos termos do art. 38.º, da CVRD, o requerente apenas goza de imunidade de jurisdição penal para condutas exercidas no desempenho das suas funções».
São considerações com as quais concordamos e aqui subscrevemos.
E assim sendo, há que concluir que, sendo os actos por cuja autoria o arguido foi julgado e condenado completamente alheios ao exercício das suas funções, encontrando-se compreendidos no âmbito da sua vida privada, não beneficia de imunidade diplomática quanto aos mesmos, face à excepção consagrada no artº 38º, nº 1 da CVRD.
Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.
D) Qualificação jurídica dos factos apurados:
D.1) Intenção de matar/Meio particularmente perigoso:
Entende o recorrente que “ainda que se entenda que se fez prova que o recorrente tivesse, anteriormente ao dia da prática deste crime, anunciado o propósito de pôr termo à vida dele próprio, ou de um dos assistentes, isso não implica, necessariamente, que a intenção do recorrente fosse, obrigatoriamente, cumprir a sua promessa de matar naquele exato dia, hora e local”.
A intenção de matar integra matéria de facto, arredada do conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, como bem se assinala no Ac. STJ de 22/4/2009, Proc. 303.06.0GEVFX [8], “estando em discussão a determinação da intenção do agente – intenção de matar –, não cabe no âmbito do presente recurso uma tal reapreciação, por estar em causa matéria de facto, como a jurisprudência tem entendido – cf. a tal respeito, entre os mais recentes, os Acs. do STJ de 10-10-2007, Proc. n.º 3315/07 - 3.ª – (A intenção de matar, enquanto matéria de facto, captada através dos meios de prova que desfilaram perante o tribunal da 1.ª instância, com os quais manteve imediação e oralidade, escapa à sindicância deste STJ); de 17-01-2008, Proc. n.º 607/07 - 5.ª (A intenção de matar é matéria de facto que escapa à censura do STJ enquanto tribunal de revista, pois pertence ao âmbito da matéria de facto o apuramento da intenção de matar, a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial e a aplicação do princípio in dubio pro reo. A intenção de matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal face à diversa prova ao seu alcance e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador); de 03-04-2008, Proc. n.º 132/08 - 5.ª; de 12-06-2008, Proc. n.º 1782/08 - 3.ª; de 16-10-2008, Proc. n.º 2851/08 - 5.ª (O apuramento de existência ou não de intenção de matar é matéria de facto. Não é por ser um facto psicológico que a intenção deixa de ser um facto); de 22-10-2008, Proc. n.º 3274/08 - 3.ª (Se o recorrente nas conclusões que formula, discorda da factualidade assente, nomeadamente de ter sido considerada provada a intenção de matar, encontramo-nos no domínio da matéria de facto, cujo conhecimento está excluído dos poderes do STJ); e de 21-05-2008, Proc. n.º 678/08 - 3.ª” [9]
E a verdade é que, neste concreto ponto, provado ficou que “o arguido sabia que o ácido sulfúrico com que atingiu o assistente, atenta a sua natureza e características, era potencialmente perigoso e apto a tirar-lhe a vida” (ponto 41 da matéria de facto) e que, “não obstante, não se inibiu de o arremessar contra o corpo de CC, bem sabendo que, uma vez que o atingisse, poderia, com grande probabilidade, causar-lhe a morte, o que apenas não ocorreu por motivos alheios à sua vontade” (ponto 42, idem).
De outro lado:
Dispõe-se no artº 132º, nº 1 do Cod. Penal que “se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos”.
E acrescenta-se no nº 2 do mesmo artigo:
“É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
(…)
h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum”.
Utilizar “meio particularmente perigoso” é, no entendimento de Figueiredo Dias [10], “servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de um crime de perigo comum) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes”. Que acrescenta: “Para além do que fica dito, deve sobretudo ponderar-se que a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar (…), em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente” (itálico e negrito do texto).
Vai no mesmo sentido o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque [11]: “O meio ‘particularmente’ perigoso é aquele que tem uma aptidão particular para causar a morte, ou seja, uma perigosidade tal que, para além de dificultar consideravelmente a defesa da vítima, pode atingir terceiros de forma indiscriminada, como por exemplo, gasolina incendiada (…)” [12].
Ora, no caso em apreço, o meio utilizado pelo recorrente para a prática do crime de homicídio, na forma tentada, consistiu no arremesso de ácido sulfúrico, através de uma abertura entre a aduela e a porta de acesso à sua (e da assistente) habitação, que era franqueada pela colocação da corrente de segurança, para o interior da habitação e na direcção do assistente, atingindo-o.
O arremesso de ácido sulfúrico na direcção do assistente dificultou de forma assinalável, como é manifesto e dispensa grandes considerações, qualquer tentativa de defesa por banda do ofendido.
Como se diz no acórdão proferido em 1ª instância e que o acórdão recorrido, nessa parte, reproduziu, “em face das circunstâncias apuradas (em que sobressai o cariz inexpectável da actuação), do poder fortemente corrosivo daquela substância e da quase inviabilidade de uma defesa que pudesse ser protagonizada pelo assistente naquelas concretas circunstâncias, é de concluir que se mostra, pois, preenchido o fundamento fáctico do exemplo-padrão enunciado na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. Como se expôs, tal indicia a especial censurabilidade ou perversidade da conduta requerida para a qualificação do crime de homicídio. E essa indiciação é comprovada pela valoração da imagem global do facto delituoso, a qual inculca, decisivamente, a presença, no cometimento dos factos, de uma culpa e de uma ilicitude especialmente incrementadas e que não são mitigadas ou contrabalançadas por quaisquer outras circunstâncias”.
Não há, pois, como concluir de forma diversa daquela que foi adoptada pelas instâncias: o factualismo apurado integra a prática, pelo recorrente, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea h), 22º, 23º e 73º, do Código Penal.
Improcede, pois, pretensão em contrário formulada pelo recorrente.
D.2) Falsificação de documento/ imunidade parlamentar; e
D.3) Condução de veículo sem habilitação legal:
Atenta a rejeição do recurso, supra determinada, no que aos crimes de violência doméstica, falsificação de documento e condução de veículo sem habilitação legal diz respeito, por ser o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., nessa parte, irrecorrível, irrecorribilidade que, como se disse e ora enfatiza, abrange todas as questões, processuais ou de substância, que quanto a tais crimes tenham sido objeto da decisão (maxime, quanto à qualificação jurídica dos factos), não se conhecerá destas duas questões.
E) Excessividade das penas aplicadas:
Em face da rejeição parcial do recurso atrás referida, apenas se apreciará, aqui, a pretensa excessividade da pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada e da pena única resultante do cúmulo dessa pena com as que foram aplicadas ao recorrente, pela prática dos crimes de violência doméstica, falsificação de documento e condução de veículo sem habilitação legal.
Nos termos do disposto no artº 132º, nº 1 do Cod. Penal, o crime de homicídio qualificado é punido com prisão de 12 a 25 anos.
Por força do disposto nos artºs 22º, 23º e 73º do mesmo diploma, tendo tal crime sido praticado na forma tentada, é o mesmo punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada, isto é, com prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artº 40º, nºs 1 e 2 do Cod. Penal.
No que concerne à determinação da medida da pena, estatui-se no artº 71º do Cod. Penal que a mesma é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente (nº 2) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais do arguido (al. d)), a sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando a mesma deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f)).
Como refere Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 130, “a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento, aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena. (…) Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção de bens jurídicos – e de reintegração do agente na sociedade”.
Na determinação da medida concreta da pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado, o tribunal a quo teceu as seguintes considerações:
«Percorrendo o acórdão recorrido verifica-se que o julgador da 1ª instância considerou para a determinação das penas parcelares concretas:
(…)
• Tendo em consideração a extensão das lesões infligidas ao assistente e a incomensurável gravidade das mesmas, a índole permanente das sequelas, a intensidade das dores por ele sofridas, a insensibilidade patenteada pelo arguido relativamente ao seu sofrimento, o grau de ilicitude da conduta subsumida ao crime de homicídio qualificado na forma tentada é reputado como sendo extremamente elevado;
(…)
• Demonstrou-se que o arguido agiu sempre com dolo directo (n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal), logo bastante intenso;
• Da história de vida do arguido respiga-se a existência de hábitos de trabalho (a um nível claramente diferenciado, em tempos mais recentes), a sociabilidade, a solidariedade e a partilha de responsabilidades com a assistente na educação dos filhos;
• O arguido é tido como uma pessoa calma, tranquila, simpática, afável e reservada, sobretudo quanto à sua vida privada, à qual não fazia referência em contexto laboral.
• O arguido contextualiza os factos mencionados em no regresso de uma deslocação que terá feito à ... durante cerca de 1 mês, sendo aquela tida, na cultura daquele país, como sendo de extrema humilhação para a pessoa que a vivencia.
• Preso preventivamente desde Novembro de 2019, o arguido tem mantido uma conduta ajustada aos normativos institucionais, sem averbamentos disciplinares.
• O arguido mostra-se sobretudo preocupado com a situação dos filhos, presentemente confiados à progenitora, mas com os quais pretende no exterior, manter relações de proximidade e continuar a exercer o seu papel parental. A nível profissional pretende retomar as mesmas funções junto da Embaixada, caso lhe seja dada possibilidade nesse sentido;
• Conta com apoio por parte de familiares, amigos e colegas, que o visitam regularmente e não alteraram a sua opinião sobre o arguido, continuando o mesmo que continua a beneficiar de uma imagem positiva entre a sua rede relacional.
• O arguido tem noção do dolo e do bem jurídico implicado no crime de que está acusado, revela uma boa capacidade reflexiva e crítica, mas igualmente, valores conservadores e tradicionais sobre o casamento e alguma dificuldade em equacionar alternativas que não se adequem às suas crenças pessoais.
• A atitude do arguido aponta para um desgaste relacional e para a falta de estratégias alternativas para lidar de forma adequada com uma situação de frustração contínua no contexto familiar.
• Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
Do prisma das necessidades de prevenção geral, cumpre ponderar que o respeito pela vida humana é um valor primordial do nosso ordenamento jurídico e, porventura, o mais valioso de todos e aquele que mais importa preservar e acautelar. Nessa medida, aquelas necessidades reputam-se como sendo especialmente intensas, traduzindo, ao fim e ao cabo, o vigoroso sentimento de repúdio que o crime de homicídio gera na comunidade.
(…)
Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta e de forma correcta, os factores relevantes para a determinação das penas parcelares, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Cumpre apenas se realce que o recorrente não revelou interiorização alguma do desvalor das suas condutas delituosas.
Daí que, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que as penas encontradas (ainda que musculadas, vero é) se mostrem desadequadas, por excederem a medida da respectiva culpa».
Aqui chegados:
Presentes os critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no artº 71º do Cod. Penal, haveremos de concordar com o tribunal a quo quando afirma que, no caso, o arguido agiu com dolo directo, daí que intenso. Como especialmente intenso é o grau de ilicitude dos factos, reflectido desde logo no seu modo de execução. São elevadas as exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter a confiança da sociedade no bem jurídico-penal violado [13]: o crime de homicídio constitui objecto de manifesta reprovação geral e gera um compreensível sentimento de insegurança, sendo certo que a frequência com que vem ocorrendo eleva as necessidades de prevenção geral; e a vida – como todos, por certo, o reconhecemos - é o bem jurídico mais valioso, aquele de cuja preservação dependem todos os outros. De outro lado, assumem algum significado as exigências de prevenção especial, porquanto, sendo embora certo que o arguido não regista condenações anteriores, certo é igualmente que do factualismo apurado não resulta minimamente que o mesmo tenha interiorizado o desvalor da sua conduta e a gravidade das consequências da infracção cometida. E a verdade é que são muito graves as consequências da sua conduta, traduzidas nas lesões sofridas pelo assistente, algumas deixando sequelas de carácter permanente, e no enorme sofrimento que este padeceu.
Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 169, escrevem:
“(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.
No ensinamento de Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87 - na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”.
Pressente todo este circunstancialismo, havemos de convir que a pena de 12 anos de prisão aplicada ao arguido, se bem que “musculada” (para usar a expressão utilizada no acórdão recorrido), não ultrapassa a culpa do arguido e mostra-se conforme às necessidades de prevenção geral e especial, permitindo ainda uma eficaz reintegração social do arguido, sendo, por isso, de manter.
No que concerne à pena única:
Em cúmulo jurídico das várias penas parcelares aplicadas, o recorrente foi condenado na pena única de 15 anos de prisão.
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º, nº 1 do Cod. Penal – sendo certo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.
No caso, portanto, a moldura penal aplicável parte de um mínimo de 12 anos, não podendo ultrapassar os 18 anos e 8 meses de prisão.
Como se refere no Ac. STJ de de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I - A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização”.
De outro lado, “a proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo” – Ac. STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 74/14.7JAPTM.E1.S1 - 3.ª Secção.
Ora, efectuada uma avaliação global dos factos, ponderadas as exigências de prevenção especial e geral e a situação pessoal do arguido, considerando que estamos perante uma pluriocasionalidade, é nosso entendimento que se mostra justa e adequada a pena única de 15 anos de prisão aplicada em 1ª instância e confirmada na Relação, que assim se mantém.
VI. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Desatender a “questão prévia” suscitada pelo recorrente, relativa à pretensa nulidade decorrente da não notificação ao próprio, do acórdão recorrido;
b) Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, no que concerne aos crimes de violência doméstica, falsificação de documento e condução de veículo sem habilitação legal, nessa rejeição englobando todas as questões, substantivas e processuais, a elas atinentes e suscitadas pelo recorrente, atenta a inadmissibilidade do mesmo face ao estatuído no artº 400º, nº 1, als. e) e f) do CPP;
c) Rejeitar o recurso interposto pelo mesmo arguido, no que concerne às indemnizações civis arbitradas aos assistentes CC e BB, atenta a inadmissibilidade do mesmo, face aos artºs 400º, nº 2 do CPP e 671º, nº 3 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP;
d) negar provimento, no restante, ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando inteiramente o acórdão recorrido;
e) condenar o recorrente em 6 UC’s de taxa de justiça (artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais) e no pagamento de uma importância igual a 3 UC’s (artº 420º, nº 3 do CPP).
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2022 (processado e revisto pelo relator)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)
Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)
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[1] Acessível em www.dgsi.pt.
[2] Também acessíveis em www.dgsi.pt.
[3] Actual nº 10.
[4] Ac. STJ de 20/4/2006, Proc. 06P1433, acessível em www.dgsi.pt.
[5] «De acordo com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º e, em conformidade com o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
Para este efeito, este STJ vem entendendo que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insusceptíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades da decisão (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspectos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (v.g., o respeito pela regra da livre apreciação e pelo princípio in dubio pro reo ou proibições de prova), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares».
[6] Esta jurisprudência do TC tem-se mantido estável e uniforme, do que dá conta, entre outros, o Ac. TC nº 659/2018, de 12/12/2018, confirmando a decisão sumária nº 753/2018, onde se decidiu no sentido apontado pelo Ac. TC nº 186/2013, com citação de abundante jurisprudência daquele tribunal, em conformidade.
[7] No mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 11/2/2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2: «Desta forma, como se referiu no acórdão do STJ de 24-02-2010, Proc. n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, “o ciclo da impugnação da matéria de facto fechou-se no recurso interposto para a Relação com a prolação do acórdão respectivo, entidade essa competente para conhecer da matéria de facto em sede de recurso, nos termos do art. 428.° do CPP (...). A decisão recorrida é o acórdão da Relação e não mais a sentença da l.ª instância. Decidido/confirmado pela Relação o substracto fáctico (...), e não sendo mais possível o recurso no segmento da matéria de facto (porque reapreciado já, em segunda e derradeira instância, cumprido, pois, o constitucionalmente previsto duplo grau de jurisdição em matéria de facto), transitou em julgado” (…). No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito. É, assim, inadmissível a invocação pelo interessado de vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, sem que isso obste a que o STJ deles conheça oficiosamente, se o traçado quadro fáctico no concreto caso assim o impuser, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios».
[8] Acessível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. no mesmo sentido e mais recentemente, os Acs. deste Supremo Tribunal de Justiça de 3/6/2020, Proc. 528/19.9PCSTB.S1 e de 25/9/2019, Proc. 60/17.5JAFAR.E1.S1, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/04/criminal_sumarios_2019.pdf.
[10] “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, I, 37.
[11] “Comentário do Código Penal”, 3ª ed., 514/515.
[12] Neste mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 16/1/2001. Proc. 01P2764, acessível em www.dgsi.pt.: “O derrame de gasolina sobre uma mulher embriagada que se encontra perto de uma lareira acesa e o subsequente empurrão dessa mulher para o fogo, são actos que se configuram como ‘meio particularmente perigoso’".
[13] Como correctamente se assinala no Ac. deste STJ de 13/12/2018, Proc. 83/17.4GAARC.P1.S1, da 5ª secção, acessível em www.dgsi.pt., “a criminalidade contra a vida tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária. Os crimes de homicídio constituem um dos factores que maior perturbação e comoção social provocam, designadamente em face da insegurança que geram e ampliam na comunidade. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade”.