I - As regras em matéria de competência, penal ou outra, têm como finalidade principal permitir saber antecipadamente, ou seja, ex ante, qual o tribunal que há-de decidir ou julgar uma determinada causa. Só assim será possível respeitar o princípio do Juiz Natural (consagrado no art. 32.º, n.º 9, da CRP, segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”) e evitar os riscos da "escolha" ou manipulação da selecção do tribunal.
II - Uma vez determinado o Tribunal de acordo com os critérios legais existentes, a causa não lhe poderá ser retirada, sob pena de desaforamento. Atentar nas regras da competência do Tribunal é assim importante, ou antes, determinante, pois que a violação de tais regras constitui nulidade insanável, excepto no que respeita à competência territorial (que apenas pode ser arguida até ao início da audiência).
III - A competência em matéria penal, tal como definida e estabelecida nas leis de processo e de organização dos tribunais, delimita, pois, a medida da jurisdição, em matéria penal, dos diversos tribunais, rectius, de cada um dos tribunais. O estabelecimento das regras relativas à competência em matéria penal tem uma finalidade essencial que preside e tem de conformar a organização: permitir determinar ex ante o tribunal que há-de decidir um caso penal, evitando-se o risco de manipulação da competência, e especialmente, que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável, respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32.º, n.º 9, da CRP.
IV - A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada, como dispõe o artigo 10.º do CPP, neste diploma e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza dos casos e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e ao mesmo tempo de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.
V - Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o artigo 11.º, n.º 4, al. a), do CPP atribui ao STJ a competência para julgar processos por crimes cometidos por juízes do STJ e das relações e magistrados do MP que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados.
VI - Nestes autos, a qualidade funcional de três dos arguidos, Juízes Desembargadores não apenas à data dos factos mas no início e no decurso do inquérito, determinou o foro próprio e a necessidade de intervenção do STJ, nos termos dos artigos 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/7) e 11.º, n.º 4, al. a), do CPP, bem como a competência deste, por conexão, quanto aos demais arguidos, por força do disposto no art. 27.º do CPP.
VII - A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como "foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.
VIII - A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste STJ, de 24 e Maio de 1989, no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na "Colectânea de Jurisprudência", ano VIII, tomo III, pág. 202).
IX - Se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções, cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.
X - No caso presente, sucede que, entretanto, dois dos arguidos, Juízes Desembargadores, foram desligados do serviço, por despacho do Exmº Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, por via de aplicação de pena disciplinar de demissão, para um, e para efeitos de aposentação compulsiva, para outro, pelo que, deixariam de lhes ser aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que as referidas sanções produzem efeitos imediatos.
XI - Ocorrendo conexão de processos na fase de inquérito, art. 24.º, n.º 1 do CPP (como é o caso dos autos), tendo em atenção a estrutura acusatória do nosso processo penal, pertence ao MP a competência para decidir da apensação e da separação de processos – Neste sentido Acórdão TRG de 29 de Março de 2011, cujo juízo de constitucionalidade foi confirmado pelo Acórdão n.º 21/2012 do TC.
XII - Também é certo não haver obstáculo legal, bem pelo contrário, a que em instrução o JIC e, na fase de julgamento o juiz, oficiosamente ou a requerimento, apense ou separe os processos (in) verificados os apertados pressupostos legais, nomeadamente artºs 24.º, 30.º, do CPP. De outro modo não ficaria afastado o risco da discricionariedade de escolha do tribunal por parte do MP e a eventual violação do princípio do juiz natural, numa sua formulação mais exigente.
XIII - Só que, colocando a questão dentro do instituto da competência por conexão, ordenando a separação do processo quanto a um dos arguidos, Juiz Desembargador, por entender verificada a “cláusula aberta” prevista na al. c) do n.º 1 do art. 30.º do CPP, declarando o STJ incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, e ordenando que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução, temos que a solução a que chegou o Mmo. Juiz Conselheiro de Instrução conflitua com o disposto no art. 31.º, al. b), do CPP, donde resulta que a sua competência se estende “aos processos separados”.
XIV - Importará atentar que, no que para aqui releva, a regra geral na competência por conexão, regulada nos artigos 24.º a 30.º do CPP, é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial.
XV - Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do CPP, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. Consequência da conexão é a apensação, ou seja, a conjugação de processos envolvidos.
XVI - Por outro lado, foram também previstos casos de procedimento inverso, designados de separação de processos, para os casos em que já se mostra operada a conexão, sendo previstas determinadas situações nas quais, verificados certos pressupostos, se admite a constituição de processos distintos, quer em função de determinado segmento de factos (por exemplo factos mais antigos e em risco de prescrição) quer em função das pessoas de certos arguidos e dos factos imputados aos mesmos.
XVII - Verificado e reconhecido o fundamento determinante da conexão processual, a separação de processos apenas poderá ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30.º do CPP.
XVIII - A cessação da conexão e ulterior separação do processo, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do CPP, deverá ser entendida com as maiores cautelas, tendo em atenção que a eficiência, enquanto processo de realização da justiça, estabilização das normas e paz jurídica dos cidadãos, porque tradução do carácter preventivo das normas, só deve ceder na medida em que implique uma compressão dos direitos do arguido, para além do limite temporal razoável definido no art. 6.º da Convenção Europeia e que o nosso legislador constitucional ainda quer limitar aludindo ao mais curto prazo compatível com as garantias de defesa - n.º 2 do art. 32.º da CRP – que não é o caso dos presentes autos.
XIX - Ordenando a separação do processo quanto a um dos arguidos, Juiz Desembargador, por entender verificada a “cláusula aberta” prevista na al. c) do n.º 1 do art. 30.º do CPP, declarando o STJ incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, tal solução conflitua com o disposto no art. 31.º, al. b), do CPP, donde resulta que a sua competência se estende “aos processos separados”.
XX - Assim, mesmo concordando com a argumentação da decisão recorrida, no sentido de que, deixando de ser aplicadas a dois dos arguidos, Juízes Desembargadores, que foram desligados do serviço, as normas de atribuição de foro especial, apenas se firmando a competência deste STJ, por via da regra do foro próprio e do artº 27.º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz Desembargador e mesmo aceitando a separação processual com o fundamento invocado, isto é, com o fundamento de que a abertura de Instrução requerida por alguns dos arguidos atrasaria irremediavelmente o direito do arguido que mantém o estatuto de Juiz Desembargador a um julgamento célere, mesmo assim, mantinha o STJ a competência para a fase de instrução, atento o disposto no artigo 31.º, alínea b), do CPP e com a previsão contida no artigo 32.º, n.º 9, da CRP, garante constitucional de que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.
XXI - A letra da lei é inequívoca quando determina que, separada a parte de um processo referente à conduta de um dos co-arguidos, o tribunal que ordenou a separação processual continua a ser o competente se a separação processual tiver sido determinada por um dos fundamentos invocados no n.º 1 do art. 30.º do CPP.
XXII - Concluindo-se que o artigo 31.º, alínea b), do CPP, consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação, a separação de processos não determina a remessa do processo separado para distribuição, permanecendo ele na mesma secção do mesmo tribunal.
Deste modo, evita-se a inconstitucionalidade do desaforamento ou violação do princípio do juiz natural, assim se prevenindo o risco da discricionariedade na escolha do tribunal (Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, 2000, I-201).
XXIII - O douto despacho recorrido ao determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – constituindo um verdadeiro desaforamento (artigo 39.º da LOSJ), em colisão com a regra de prorrogação de competência do STJ para a apreciação do caso (art. 31.º, al. b), do CPP) ainda que fosse determinada a separação processual – encontra-se ferido de nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. e), do CPP, por violação das regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do CPP, mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecida por lei, expressamente acolhido no artigo 32.º, n.º 9, da CRP.
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, que se encontram em fase de Instrução, foi proferida a 12 de julho de 2021, Decisão que determinou a cessação da conexão processual ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, e declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, determinando, ainda, o subsequente envio do (original) do processo ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
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O Digno Ministério Público e os arguidos BB e CC, não se conformando com a aludida Decisão Judicial proferida a 12 de julho de 2021, vieram interpor o presente recurso, junto da Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça, nos termos dos art.º 399º, 400, nº 1, al. a), a contrario, ambos do Código de Processo Penal.
Da motivação dos recursos, retiram os recorrentes as seguintes conclusões:
A – Ministério Público:
1.º - Nestes autos foi deduzida acusação contra 17 arguidos, dos quais um, AA, com o estatuto de Juiz ……………., sendo que 7 deles (que não o arguido AA) viriam a requerer a abertura de instrução;
2.º - O referido arguido AA foi acusado, em co-autoria material com DD, CC e EE, da prática de um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p.p. no artº 373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, FF) e da prática de dois crimes de abuso de poder, p.p. no art. 382º do C. Penal, por referência ao art. 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, um deles cometido em co-autoria com DD - sendo o comportamento a este imputado o elemento aglutinador de todo o processo e sendo certo também que destes co-arguidos só o arguido CC requereu instrução.
3.º - Remetidos os autos á distribuição para instrução em 12/05/2021, o Senhor Juiz Conselheiro a quem os mesmos foram distribuídos, por despacho proferido a 12.07.2021, de que ora se recorre, e sem que antes declarasse aberta a Instrução e apreciasse da admissibilidade dos requerimentos de abertura de Instrução que determinaram a distribuição dos autos à 3ª secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça para serem tramitados como Instrução, decidiu:
- “Ao abrigo do art.º 30º, n.º 1, al. c), do CPP, determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA;
- Declarar o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos.”
4.º - Ora, o princípio do Juiz natural previsto no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (“nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”) impõe que a fixação do Juiz competente resulte da lei.
5.º - E a competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, determinando-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.
6.º - Assim, enquanto o art.º 10.º do Código de Processo Penal prevê que “A competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária”, o art.º 11.º do mesmo diploma define a esfera de jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça e a Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei nº 62/2013 de 26.08, com as alterações subsequentes - contém normas expressas sobre a fixação de competência segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território e o princípio de proibição de desaforamento, regras contidas nos seus artigos 37º a 39º, regendo sobre a competência em razão da matéria e da hierarquia as previsões contidas nos artigos 40º e 42º da LOSJ, sendo que, quanto à competência criminal do Supremo Tribunal de Justiça, o n.º 3 deste último preceito remete para a respetiva Lei de processo.
7.º - Nestes autos, a qualidade funcional de três dos arguidos, Juízes ………… não apenas à data dos factos mas no início e no decurso do inquérito, determinou o foro próprio e a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 19.º do EMJ e 11.º, n.º 4, al. a), do CPP, bem como a competência deste, por conexão, quanto aos demais arguidos, por força do disposto no art.º 27.º do CPP.
8.º - Proferido o libelo acusatório findo o inquérito, era já conhecida dos autos a situação funcional dos arguidos DD e GG (demissão e aposentação compulsiva, respectivamente), situação que foi objeto de oportuna publicação em Diário da República e que mereceu anotação em sede de despacho final.
9.º - E, aquando da remessa dos autos a distribuição como instrução, era já conhecida a instauração e pendência de um processo disciplinar ao arguido AA.
10.º – Remetidos os autos a distribuição como Instrução, não foi pelo Senhor Juiz Conselheiro de Instrução declarada aberta esta fase judicial e não foram admitidos os requerimentos apresentados, tal como não foi valorada a pertinência da prova requerida e a produzir nesta fase.
11.º – O despacho recorrido não questiona a verificação dos pressupostos processuais de conexão, aceitando a competência atribuída por via das regras legais invocadas e, ainda, ao abrigo das regras contidas nos artigos 24º e seguintes do Código de Processo Penal.
12.º - Tais regras são verdadeiras regras de fixação de competência, excepcionais, correspondentes ao propósito do legislador de evitar a pendência simultânea de vários processos criminais contra as mesmas pessoas, com a consequência de uma infindável apreciação da sua situação processual.
13.º - A previsão do artigo 27.º do Código de Processo Penal, constituindo um desvio às regras normais de fixação de competência, é também uma regra geral de competência, fixada por lei, permitindo determinar ex ante, qual o Tribunal competente.
14.º - Aí, a competência determinada por conexão, seja funcional seja material, quando os processos conexos devessem ser da competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é atribuída ao tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada.
15.º - Esta norma claramente densifica a pretensão do legislador de um julgamento conjunto.
16.º - Verificado e reconhecido o fundamento determinante da conexão processual e fixada a competência, no caso concreto, ao abrigo do artigo 27.º do Código de Processo Penal, a separação de processos apenas poderá ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30.º do Código de Processo Penal.
17.º - No despacho recorrido, sustenta o Senhor Juiz Conselheiro “a quo” que:
- O arguido AA não requereu a abertura da instrução e tal significa que pretende concentrar a sua defesa e refutar a acusação que sobre si impende em sede de audiência de julgamento;
- No entanto, há outros arguidos que requereram a abertura de instrução, o que implica que o seu julgamento (de AA) teria que aguardar o findar da instrução;
- Essa circunstância pode retardar excessivamente o julgamento daquele arguido, razão pela qual é de separar o processo relativamente ao mencionado arguido.
18.º – No entanto, além do arguido AA, há mais arguidos que não requereram a abertura de instrução e relativamente a eles não foi efetuado raciocínio idêntico.
19.º - De facto, e desde logo, não se compreende por que razão(ões) apenas foi separado o processo relativamente ao arguido AA e não o foi quanto aos outros arguidos não requerentes da fase instrutória, por forma a, quanto a estes, poder ser mantida a conexão de processos com o arguido AA (!!!).
20.º - A única explicação que nos ocorre é que certamente se entendeu que a instrução não iria retardar o julgamento desses arguidos não requerentes de instrução, raciocínio que se acompanha, mas que devia valer também para o arguido AA…
21.º - A fase legal de Instrução nunca poderá ser vista como um agravamento para os direitos processuais dos arguidos, sendo antes, e ainda, uma fase complementar de salvaguarda desses direitos e do princípio constitucional previsto no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
22.º - A instrução tem um prazo de duração máximo relativamente curto, sendo que, no caso concreto, e dado que não há arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, o prazo de duração máxima para tal fase facultativa é, de acordo com o previsto no artigo 306º, nº1, do Código de Processo Penal, de quatro meses.
23.º - Tal prazo máximo não permite sustentar que a fase instrutória possa retardar excessivamente um processo de forma a justificar uma separação de processos num processo a que nunca foi, sequer, atribuída natureza urgente.
24.º – E o requerimento de abertura de Instrução não constitui fundamento automático para determinar a separação de processos.
25 º - No caso dos autos, os requerimentos não foram ainda admitidos e, consequentemente, não foram admitidas nenhumas diligências probatórias (sendo certo que apenas foi requerida a inquirição de um total de sete testemunhas!), pelo que qualquer ponderação sobre aquilo que ainda não se sabe se vai ser aceite, e em que termos, sempre seria precoce.
26.º - Ao não conhecer, como não conheceu, daqueles requerimentos de instrução, não podia o Mmo. Conselheiro considerar que uma Instrução ainda não admitida e cujos actos a realizar ainda não foram definidos iria retardar um qualquer julgamento e, muito menos, afiançar que o ia retardar excessivamente, pelo que violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 30.º, n.º 1, al. c), do CPP.
27.º - Por outro lado, a competência para determinar a separação de processos cabe, na fase de Instrução, ao Juiz de Instrução, e, na fase de Julgamento, ao Juiz de Julgamento (Juiz Presidente).
28.º - Dado que, in casu, o Mmo. Juiz “a quo” não interveio em nenhuma dessas qualidades, pois que não recebeu os requerimentos de instrução, declarando aberta a instrução, nem é o juiz de julgamento, nunca poderia o mesmo determinar a separação de processos.
29.º – O despacho recorrido pelo qual é determinada a separação de processos é, verdadeiramente, o primeiro despacho proferido após o trânsito dos autos para a fase de Instrução e foi proferido sem que esta fosse sequer declarada aberta.
30.º – Ou seja, em momento extemporâneo para aquilatar da existência de qualquer um dos fundamentos enumerados no artigo 30.º do CPP.
31.º – Mais: A separação de processos determinará delongas para qualquer um dos arguidos, mesmo para o arguido AA, que caso seja julgado previamente à prolação de uma decisão instrutória no processo separado poderá não beneficiar da mesma sem que para tanto tenha de interpor recurso, o que significará um novo retardamento da definição da sua situação jurídica.
32.º – Acresce que o artigo 31º, alínea b), do CPP, consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação.
33.º - Trata-se de uma verdadeira extensão de competência, sendo inequívoca a letra da lei quando determina que, separada a parte de um processo referente à conduta de um dos co-arguidos, o tribunal que ordenou a separação processual continua a ser o competente se a separação processual tiver sido determinada por um dos fundamentos invocados no nº 1 do artigo 30.º.
34.º - Ou seja, a separação de processos não determina a remessa do processo separado para distribuição, permanecendo ele na mesma secção do mesmo tribunal, conforme a previsão do artigo 31º, al. b), do Código de Processo Penal.
35.º - E a violação das regras de competência do tribunal integra o elenco taxativo de nulidades insanáveis previsto no artigo 119.º do Código de Processo Penal (alínea e)).
36.º - Assim, o douto despacho recorrido é insanavelmente nulo por violar, como supra fundamentado, as regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal, mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por contrariar a previsão do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa.
37.º - De facto, a violação destas normas e a subsequente remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa constitui um verdadeiro desaforamento (artigo 39º da LOSJ), em colisão com a regra de prorrogação de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação do caso ainda que fosse determinada a separação processual (artigo 31º, alínea b), do CPP)
38.º - Assim, a interpretação normativa dada aos artigos 27.º e 31.º, al. b), do CPP, no sentido de que, nos casos de processos conexos da competência do STJ por força da regra estabelecida no art.º 27.º do CPP, a separação de processos nos termos do art.º 30.º do CPP implica que tal competência do STJ não se mantém relativamente aos arguidos do processo separado que não gozem do foro especial previsto no art.º 11.º, n.º 4, al. a), do CPP, tornando-se o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação a esses arguidos sem foro especial e passando a ser competente o tribunal de hierarquia inferior, é também inconstitucional, por violação do princípio do juiz natural previsto no artigo 32.º, n.º 9, da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para efeitos de desaplicação de tais normas, no sentido interpretativo com que foram aplicadas.
39.º – Por último, refira-se que a decisão recorrida contraria todas as regras de razoabilidade exigidas do intérprete e do aplicador da lei, não se mostrando razoável que depois de ter mantido os autos sem declarar aberta a fase de Instrução por um período de tempo de quase dois meses, venha agora o Tribunal alegar que a fase de Instrução retarda o direito de (apenas) um dos arguidos a um julgamento célere.
40.º - Como não será razoável nem será compreensível para o cidadão que o Tribunal da Relação de ………… possa vir a funcionar como instância de recurso relativamente a factos (alguns deles) ali ocorridos e praticados por quem ali exerceu funções de Juiz …………...
41.º - Em face do exposto, a Decisão Judicial recorrida, proferida a 12 de julho de 2021, que determinou a cessação da conexão processual ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, e declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, deve ser revogada/declarada nula e substituída por outra que declare aberta a fase de instrução e se pronuncie sobre os requerimentos de instrução que vêm submetidos á apreciação do tribunal.
*
B – Os arguidos BBe CC:
(A) A decisão impugnada funda-se no facto de dois dos Senhores Juízes …………... acusados (os Exmos. ………….. DD e GG) terem, respectivamente, sido demitido e aposentada compulsivamente, por decisões disciplinares, pelo que, segundo a decisão, deixaram de ver reunidas as condições para ter “foro especial” (sic);
(B) Segundo a interpretação em apreço, a norma do artigo 11.º, n.º 7, do CPP consagra uma espécie de competência “a termo incerto”, do STJ;
(C) Tal interpretação do artigo em causa viola o princípio do juiz natural (artigo 32.º, n.º 9, da CRP) e o do processo equitativo, que determina que “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”;
(D) O princípio do juiz natural obsta ao desaforamento “…quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de excepção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial." – Acórdão n.º 614/2013, do Tribunal Constitucional;
(E) Segundo a tese da decisão em crítica, neste caso, a competência do STJ em matéria criminal fica dependente de o CSM praticar, ou não praticar, acto sancionatório de demissão ou aposentação compulsiva de Juízes …………. providos em Tribunal da Relação;
(F) Tendo o CSM competência legal exclusiva para tramitar e decidir processos disciplinares contra Juízes, cabendo-lhe decidir da sua eventual suspensão a aguardar o resultado de causa criminal, quando os factos apreciados nos dois foros sejam comuns, e podendo tramitá-los de forma mais ou menos célere, de acordo com esta tese fica inteiramente nas mãos deste órgão administrativo, não só a determinação do foro criminalmente competente mas do momento em que o mesmo deixe de ser competente; Ou seja,
(G) A tese em apreço permite o desaforamento concreto, individual e discricionário de uma causa, por vontade e do CSM e no momento em que este o entenda;
(H) Se o fundamento histórico do princípio do juiz natural foi impedir a ingerência do Rei de França nos litígios judiciais, a tese em presença permite a ingerência do CSM no julgamento das causas criminais;
(I) Pelo que, o artigo 11.º, n.º 7, do CPP, assim interpretado, ofende o artigo 32.º, n.º 9 da CRP, gerando inconstitucionalidade material;
(J) Acresce que a decisão impugnada viola, ainda, o próprio artigo 11.º, n.º 7, do CPP e, bem assim, os artigos 38.º e 39.º da LOSJ, que proíbem o desaforamento, apenas o admitindo em casos especialmente previstos na lei;
(K) Tal previsão, designadamente atento o facto de regular garantias fundamentais como o do juiz natural e do processo equitativo, impõe especial previsão em lei formal, expressa e clara, dotada de densidade normativa suficiente, como o exige a reserva de lei; Ora,
(L) Não existe na lei qualquer norma jurídica que especialmente determine que o facto de um Juiz ser demitido ou aposentado compulsivamente faz cessar a competência material fixada ab initio, atenta a sua graduação e o tribunal onde exerce funções;
(M) E nem podia ver, porque o que a decisão recorrida designa de “privilégio de foro”, não é um privilégio do titular do cargo judicial, mas uma garantia da função judicial, ordenada em ordem a proteger a sua integridade e prestígio - e estes valores permanecem mesmo que o titular do cargo deixe de o ter;
(N) Pelo que a interpretação ofende, os supracitados normativos e o princípio da reserva de lei, não tendo qualquer cobertura legal;
(O) Mas viola, ainda, os artigos 11.º, n.º 7, do CPP e 38.º e 36 39.º da LOSJ, na medida em que a competência foi, no caso concreto, fixada no momento em que foi necessário praticar actos jurisdicionais em sede de inquérito, sendo desde então considerada proposta a acção crime em causa;
(P) Outrossim, ao cessar a conexão de processos relativa ao Exmo. ………..AA, com fundamento em a conexão poder retardar excessivamente o seu julgamento, foram os Recorrentes discriminados atenta a forma como escolheram defender-se;
(Q) Assim, o facto de escolherem recorrer à garantia constitucional da instrução, de forma a evitarem o calvário de um julgamento longo, quando a matéria (?) que lhes é imputada é diminuta face à que é imputada a outros co-arguidos e nada tem a ver com a mesma, é feita valer contra eles atento o facto de o Exmo. ………….. AA ter prescindido dessa garantia;
(R) Isto quando, sem prejuízo de não ser indicado um único facto que ligue o Recorrente CC ao Exmo. …………... AA, são ambos acusados em co-autoria, o que atentos os mais elementares critérios de justiça material e de igualdade em Juízo, supõe um julgamento conjunto;
(S) Ao que acresce o facto de a duração e tramitação da instrução estar inteiramente na dependência do juiz de instrução, atenta a faculdade legal de indeferimento dos actos de instrução que lhe sejam solicitados;
(T) E ao facto – totalmente incompreensível – de os presentes autos terem estado parados no STJ durante SEIS MESES no STJ, sem que tal tenha decorrido de qualquer acto dos Recorrentes;
(U) De onde, o fundamento invocado para fazer cessar a conexão não pode colher, estando, por consequência, violado o artigo 30.º, n.º 1, alínea c) do CPP;
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão impugnada e ordenando-se a prossecução dos autos em instrução, através de Juiz de Secção Criminal do STJ e mantendo-se a conexão relativamente ao Exmo. ………AA.
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O Ministério Público respondeu à motivação do recurso apresentado pelos arguidos CC e BB, concluindo que o recurso dos arguidos deve proceder, pelas razoes já invocadas no recurso do Ministério Publico, parcialmente coincidentes com as invocadas no recurso dos arguidos.
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O arguido HH respondeu aos recursos do Ministério Público e dos arguidos BB e CC, concluindo que os recursos devem ser julgados improcedentes, consequentemente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, no sentido da procedência dos recursos do Ministério Publico e dos arguidos, mas pelas razões invocadas no recurso do Ministério Publico, só parcialmente coincidentes com as invocadas no recurso dos arguidos.
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Notificados os recorrentes nos termos do art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, veio o recorrente HH, apresentar resposta, limitando-se a dar por reproduzidas as razões aduzidas na resposta ao recurso apresentada.
*
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
Os presentes autos foram remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, para instrução, na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público contra:
a) DD;
b) GG;
c) AA;
d) CC;
e) FF;
f) II (falecido em ../…/2020 e relativamente ao qual foi, em 11/12/2020, proferido despacho a declarar extinto o procedimento criminal, nos termos dos artºs 127º, nº 1 e 128º, nº 1, ambos do Cod. Penal);
g) HH;
h) JJ;
i) KK;
j) EE;
k) LL;
l) MM;
m) NN;
n) OO;
o) PP;
p) BB; e
q) QQ.
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II.1.2. O inquérito correu termos nos serviços do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no artº 265º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP).
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II.1.3. Deduzida acusação pelo Ministério Público, nos termos e pelos motivos que constam naquele despacho final, foi requerida a abertura de instrução pelos arguidos OO e NN, CC e BB, KK, JJ e HH.
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II.1.4. Distribuídos os autos à 3ª secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça para serem tramitados como Instrução, pelo Senhor Juiz Conselheiro de Instrução, foi proferido despacho, em 20/05/2021 a solicitar ao Conselho Superior da Magistratura, informação sobre a situação funcional dos arguidos DD, GG e AA.
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II.1.5. Em 07/07/2021, foi remetido a este Supremo Tribunal ofício do Conselho Superior da Magistratura a informar que:
O Sr. Juiz ………….. Dr.DD, encontra-se desligado do serviço por via de aplicação de pena disciplinar de demissão, com efeitos reportados a …. de …… de 2019, publicado no Diário da República nº .., 2ª série de …. de …… de 2020.
A Srª Juíza ………. Dra. GG, encontra-se desligada do serviço por via de aplicação de pena disciplinar de aposentação compulsiva, com efeitos reportados a … de ……. de 2019, publicado no Diário da República n.º …., 2ª série de …. de ….. de 2020.
O Sr. Juiz ………… Dr. AA, encontra-se desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação, com efeitos a … de agosto de 2016, publicado no Diário da República nº …, 2ª série de …. de …….. de 2016.
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II.1.6. Após, por despacho proferido a 12.07.2021, o Senhor Juiz Conselheiro de Instrução, apreciando duas questões prévias - competência do Supremo Tribunal de Justiça e necessidade da separação de Processos – decidiu:
a) Ao abrigo do art. 30º, nº1, al. c), do CPP, determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA;
b) Declarar o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos.”
Mais ordenou a extração de certidão integral do processo e apensos, que fosse aberta vista ao Ministério Público para que indicasse a prova da acusação que se reporta ao arguido AA e, subsequentemente, que fosse autuado e criado um novo processo, daí adveniente para remessa para distribuição para Julgamento no Supremo Tribunal de Justiça deste arguido e que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução.
É do seguinte teor a decisão proferida:
« (…) Importa, antes de mais, resolver duas questões prévias à apreciação da admissibilidade dos requerimentos de abertura de instrução, que se encontram interligadas:
a) Competência do Supremo Tribunal de Justiça para a fase de instrução;
b) Necessidade da separação de processos;
A - Da competência do Supremo Tribunal de Justiça:
É notório da leitura da acusação, que elemento aglutinador de todo o processo é o comportamento imputado ao arguido DD: os factos de que é acusado constituem o denominador comum de toda a acusação.
Depois, é possível segmentar factualidade, que envolve outros arguidos.
Tratando-se aquele arguido do eixo central deste processo, as funções que exercia à data dos factos, Juiz ………….., implicaram a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do foro próprio atribuído pelos artºs 11º, nº 4, al. a) e nº 7 do CPP e artº 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/7).
Sucede que, entretanto, a esse arguido foi aplicada a pena disciplinar de demissão, deixando de lhe serem aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que a referida sanção produziu efeitos imediatos.
O mesmo se diga, aliás, em relação à arguida GG, já que tendo-lhe sido aplicada a pena de aposentação compulsiva, igualmente não reúne as premissas necessárias para a atribuição de foro próprio.
Com efeito:
O foro próprio é uma garantia funcional, que se prende de uma forma íntima e indissociável ao exercício de funções como juiz, cessando a partir do momento em que este é desligado do serviço, ou a partir do dia seguinte ao da notificação do arguido nos termos do artº 121º do EMJ, quando a sanção aplicada consista na demissão ou na aposentação compulsiva - artºs 122º, 105º e 106º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Como se pode ler no Ac. STJ de fixação de jurisprudência nº 2/2003, proferido em 19/02/2003 e publicado no DR I- Série- A nº 95, de 23/04/2003, citando o Ac. deste Tribunal de 24 de Maio de 1989, in BMJ 387º, 490, “o foro especial para magistrados tem como objectivo subtrair o magistrado ao vexame perante a população local e defender o exercício da função. Se não está, com efeito, no exercício de funções, não se justifica o foro próprio, dado que este pressupõe o exercício efectivo da função. O foro especial não se destina a dar mais garantias. Ora, na situação, aplicada a pena de aposentação compulsiva, não podendo o arguido exercer a sua função jurisdicional, é por demais evidente que deixa de fazer sentido continuar a conferir-lhe foro especial”.
É, com efeito, essa ligação ao serviço que justifica a atribuição de foro próprio ao magistrado judicial. Dito de outra forma: não estamos perante um qualquermdireito do juiz, perante uma prerrogativa ou privilégio seu, antes face a uma garantia funcional, justificada pela salvaguarda do prestígio e dignidade de quem exerce funções como juiz.
Neste sentido se tem encaminhado, aliás de modo uniforme, a jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Assim, pode ler-se no Ac. STJ de 11/04/2007, Proc. 06P4820, rel. Cons. Santos Cabral: “I - A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como «foro especial», constitui uma garantia, não pessoal, mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. II - Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres. III - A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver essa qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções. IV - Nesta sequência é lógico concluir que, situando-se na qualidade funcional os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados, e sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos. V - O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da condição funcional no momento processualmente determinante. VI - Se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções, cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado” (subl. nossos).
Nesse mesmo sentido, no Ac. STJ de 21/06/2006, Proc. 06P1573, rel. Cons. Henriques Gaspar, já se havia decidido: “(…) III - O critério da determinação da competência não é, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante. IV - Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda aquela qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (v.g. a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso - Ac. de fixação de jurisprudência nº 2/2002, de 19/2/2003, DR I série A, de 23-04-2003), cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade de arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado” (subl. nosso). Ainda neste exacto sentido, cfr. Acs. STJ de 07/05/2003, Proc. 03P1208, rel. Cons. Silva Gaspar, de 28/09/2011, Proc. 22/09.6YGLSB.S2, rel. Cons. Santos Cabral e de 25/2/2015, Proc. 131/11.1TASLV.S1, rel. Cons. Isabel Pais Martins. E ainda neste sentido, naturalmente, aponta o Ac. STJ de fixação de jurisprudência nº 2/2003, proferido em 19/02/2003 e publicado no DR I-Série-A nº 95, de 23/04/2003 (“Compete ao tribunal judicial de comarca a instrução e julgamento de processo crime em que o arguido à data dos factos fosse juiz de direito, e este haja sido, entretanto, condenado disciplinarmente em pena de aposentação compulsiva cuja execução não tenha sido declarada suspensa em recurso contencioso, entretanto interposto, nos termos dos artigos 106º e 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº. 21/85, de 30 de Julho”). De uma forma ainda mais impressiva e acentuando a necessária conexão do exercício de funções à razão de ser do foro próprio, consta da declaração de voto do Sr. Cons. Carmona da Mota, lavrada nesse acórdão de fixação de jurisprudência: “Excluiria a reserva formulada no segmento final do assento. E isso porque, implicando a pena disciplinar de aposentação compulsiva, para o condenado, a «imediata desligação do serviço» (art. 106º do EMJ) - independentemente de recurso ou de suspensão, no âmbito deste, da eficácia do acto recorrido - e fundando-se o «foro próprio» dos magistrados judiciais, como reconhece o acórdão, do «efectivo exercício de funções», dessa íntima conexão entre o «serviço efectivo» e (a razão de ser d)esse «foro próprio» decorre que este, aliás mais uma «sujeição»/«afectação» que um «direito» (e, jamais, uma «regalia»), não possa nem deva coabitar com uma situação - efectiva (e, tendencialmente definitiva) - de afastamento de funções”.
Aqui chegados, é de concluir que, mesmo à data da dedução da acusação, os arguidos DD e GG não reuniam os pressupostos necessários para a aplicação do foro próprio.
Assim sendo, actualmente apenas se poderá afirmar a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, por via da regra do foro próprio e do artº 27º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz …………………, AA.
Ou seja, o único elo de ligação que atribui competência ao Supremo Tribunal de Justiça é o Sr. Juiz ……………., AA.
Todavia, verifica-se que esse arguido é acusado [em coautoria material com DD, CC e EE, na prática de um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p.p. no artº 373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, FF) e na prática de dois crimes de abuso de poder, p.p. no art. 382º do C. Penal, por referência ao art. 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, sendo um, cometido em coautoria com DD] por uma ínfima parte dos factos constantes da acusação, tendo optado por não requerer a abertura de instrução.
B - Da separação de processos:
Na parte que aqui releva, dispõe o artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP, sob a epígrafe “Separação dos processos”, que “Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que: (…) c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos”.
Conforme se referiu, resulta dos autos que o arguido AA não requereu a abertura de instrução.
Sinónimo de que pretende concentrar a sua defesa e refutar a acusação que sobre si impende em sede de audiência e julgamento.
Sucede que outros arguidos requereram a abertura de instrução o que implica que o seu julgamento terá que aguardar o findar da instrução.
Ora, se é certo que da instrução deverão ser retiradas as circunstâncias favoráveis que da mesma poderão advir para o mesmo (cf. art. 307.º, n.º 4, do CPP), também é verdade que o arguido tem direito a ser julgado num prazo razoável (artº 32º, n.º 2, da CRP).
Ou seja: o direito de outros arguidos requererem a abertura de instrução não pode comprimir intoleravelmente o direito de outro arguido poder ser julgado imediatamente. E isto sem beliscar o direito que emerge do referido artº 307º, n.º 4, do CPP, posto que o retirar dos efeitos favoráveis dali advenientes não significa que o arguido não requerente da abertura de instrução apenas possa beneficiar dos mesmos caso aguarde pelo fim da instrução, sem se iniciar o seu julgamento. É que, mesmo iniciando-se a fase de julgamento, também os efeitos favoráveis que advenham eventualmente da decisão final da instrução, deverão ser reflectidos no processo.
Posto isto, é habitual que existindo processos com vários arguidos, alguns deles requeiram a abertura de instrução e outros não o façam.
Mas como conjugar esse facto com o direito dos arguidos que não requereram a abertura de instrução conseguirem ser julgados no menor prazo possível?
A compatibilização dos interesses da unificação de processos com a celeridade processual encontra resposta no referido artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP.
A lei diz que o tribunal “faz cessar” a conexão e “ordena” a separação de algum ou alguns processos “sempre” que a conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos.
Assim, um primeiro apontamento para notar que não estamos perante uma qualquer faculdade: a lei é clara, face ao uso de diversos imperativos - “faz cessar”, “ordena” - sem qualquer excepção - “sempre que” - no sentido de que o tribunal tem uma obrigação de cessar a conexão quando esta “puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos”.
Trata-se de uma tutela do direito a ser julgado no prazo mais curto que for possível. O retardamento excessivo do julgamento por uma qualquer vicissitude alheia ao arguido é uma compressão intolerável desse direito.
Uma segunda nota, para ressaltar que o retardamento é atinente a qualquer um dos arguidos.
Terceira nota, agora para mencionar que a lei não tipifica as causas que desencadeiam esse retardamento. Serão, por isso, todas aquelas que produzem esse efeito.
Uma quarta nota, para realçar que a norma alude a “puder retardar excessivamente”. Ou seja, não é um juízo de certeza. A utilização do termo “puder” aponta para um juízo probabilístico, sopesando as circunstâncias em concreto.
Quinta nota: a utilização do conceito aberto “retardar excessivamente” pretende abarcar uma panóplia de situações concretas da vida que é previsível que protelem o início do julgamento para além do que é razoável.
Feitos estes breves considerandos, cabe agora aferir se no presente processo se verificam tais requisitos legais relativamente ao arguido AA, único elo de ligação para a atribuição de competência a este STJ.
Como referimos, o arguido AA não requereu a abertura da instrução.
Inexistindo um processo unificado os autos seriam remetidos imediatamente para julgamento.
Atenta a conexão terá de aguardar pelo desfecho da instrução.
É, assim, apodítico, que a abertura de instrução em relação a outros arguidos retarda o início do seu julgamento.
Também já assinalámos que se trata de situação recorrente, e daí o estatuído no artº 307º, nº 4, do CPP. Ou seja, o próprio legislador disciplina sobre situações em que um dos arguidos não requer abertura de instrução.
Mas isso não significa que afaste a aplicabilidade do artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP.
São esferas de actuação distintas. Uma relativa aos efeitos que se devem projectar na esfera dos arguidos que não requereram abertura de instrução; outra, destinada a acautelar o direito a um julgamento em prazo razoável.
Importa, assim, aferir, se a abertura da fase de instrução em relação aos arguidos que o requereram é susceptível de implicar um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA, que também exerceu um direito legítimo de não requerer a abertura da instrução.
Tratando-se de um conceito aberto, como referência para aferir de um retardamento excessivo, existem os prazos estipulados na lei para a fase de instrução. Apesar de programáticos, não deixam de consistir numa referência temporal que o legislador considera razoável para findar a referida fase. E na interligação com o artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP, o prazo razoável que o arguido não requerente da abertura de instrução deve aguardar pelo findar da instrução.
Se é previsível que a fase de instrução apenas termine muito para além de tal prazo deverá concluir-se pela existência de um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA.
Ora, considerando o processo em causa, não se poderá deixar de concluir que a fase de instrução se irá estender previsivelmente para além dos prazos legais.
Na verdade, considerando que 7 arguidos requereram abertura de instrução, arguindo várias nulidades e nos seus requerimentos requereram a produção de prova testemunhal e documental, não se afigura previsível que a fase de instrução se contenha dentro dos prazos legais.
Ao que acresce que os factos pelos quais o arguido AA deverá ser julgado correspondem a uma pequena parcela do objecto total do processo, o que significa que o julgamento terá uma menor dimensão do que a instrução.
Tudo apontando para que, se o arguido AA for julgado de imediato, o seu julgamento possa, inclusive, terminar antes da instrução.
Perante a verificação de todos os requisitos vertidos no artº 30º, nº 1, al. c), do CPP, não sobra qualquer espécie de discricionariedade: a lei impõe que o Tribunal ordene a cessação da conexão.
A tal não obsta que existam actos imputados ao arguido AA em comparticipação. Naturalmente que em relação aos mesmos, apenas a sua responsabilidade deverá ser apurada na fase de julgamento, não tendo os factos provados em relação a outros co-arguidos qualquer efeito vinculante neste processo. Nenhuma limitação o artº 30º, nº 1, al. c), do CPP dita em relação a este aspecto, nada na lei determina que a separação não possa ser feita em caso de comparticipação. Aliás, uma vez que a conexão pressupõe muitas vezes a mesma, seria no mínimo contraditório que tal sucedesse.
Os efeitos nefastos que daí derivam são os mesmos que resultam de qualquer outra separação. Existe matéria factual com o mesmo denominador comum que terá de ser discutida em dois processos distintos, com o risco de decisões contraditórias. Mas é um risco de que o legislador estava ciente, optando pela celeridade processual.
Em conclusão, ao abrigo do artº 30º, nº 1, al. c), do CPP, deve cessar a conexão e ser realizada a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA.
Esse processo terá como objecto processual os factos que são imputados àquele arguido a título de autoria singular e na qualidade de comparticipante.
Ora, perante a separação de processos, cessa o único elo de ligação que atribuía competência ao Supremo Tribunal de Justiça.
Ou seja, se em relação ao processo a separar, relativo ao arguido AA, por via do estatuto de Juiz ……………., se mantém o foro próprio/ especial, o que confere competência ao Supremo Tribunal para o julgamento, no que concerne ao processo originário quanto aos demais arguidos, não se verifica nenhuma causa justificante de tal foro especial.
Pelo que não se verificando o disposto no artº 27º, do CPP, significa que o tribunal competente é o Tribunal de Instrução Criminal da 1ª instância.
A tal conclusão não obsta o artº 31º do CPP. É que a sua teleologia não se compadece com situações como a dos presentes autos em que deixam de existir motivos para foro próprio/ especial. O foro próprio atribuído aos magistrados judiciais previsto no artº 19º do EMJ e, no que ora releva, no artº 11º, nº 4, al. a), do CPP é, como acima se referiu, uma garantia funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função (cfr., também neste sentido, António Gama, “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, 2021, Reimpressão, Almedina, pp. 180 e 181, § 16).
Assim sendo, não se afigura razoável nem teleologicamente defensável que o Supremo Tribunal de Justiça, cuja sua principal competência é a de um Tribunal de recurso (de última instância), sendo excepcional a sua competência para funcionar como tribunal de 1ª instância, seja chamado a realizar a instrução e o julgamento dos demais arguidos, em que não estão em causa as exigências do prestígio e resguardo da função. Acresce que estes arguidos poderão assim, em igualdade de circunstâncias com os demais cidadãos que possuam a qualidade de arguidos, beneficiar da garantia, ainda que em abstrato, de dois graus de recurso com intervenção de dois tribunais superiores e de hierarquias diferentes, situação que não possuiriam acaso o processo se mantivesse no STJ.
É, por isso, claro que a finalidade subjacente aos artºs 27º e 31º do CPP não se compadece com a manutenção da competência deste Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos.
Em suma, soçobrando o foro especial em relação à fase de instrução por via da separação, o Supremo Tribunal de Justiça não é competente para a mesma, o que se declara.
Face ao exposto, decido:
a) ao abrigo do artº 30º, nº 1, al. c), do CPP, determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA;
b) declarar o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos.
Extraia certidão integral do presente processo e apensos, após abra vista ao Ministério Público junto deste STJ, para vir indicar a prova da acusação que se reporta ao arguido AA e, subsequentemente, autue e crie novo processo daí adveniente e remeta para distribuição para julgamento neste Supremo Tribunal de Justiça deste arguido.
Oportunamente remeta o processo originário e respectivos apensos para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, para conhecer dos requerimentos de abertura de instrução. DN.
Notifique».
*
II.1.7. É desta decisão – que determinou a separação do processo no que se reporta ao arguido AA e bem assim declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos – de que vem interposto o presente recurso pelo MºPº, considerando que tal decisão viola o disposto nos artigos 30° nº 1 e 31° alínea b) do CPP e, consequentemente, os artigos 39° da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, "LOSJ") e 32° nº 9 da Constituição da República Portuguesa.
Não se conformando com a decisão, recorreram, também, os arguidos BBe CC, por entenderem que tal decisão viola o disposto nos artigos 11° nº 7 do CPP, 38° e 39° da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto,"LOSJ") e 32° nº 9 da Constituição da República Portuguesa.
*
II.1.8. Em 13 de Outubro de 2021, pelo Senhor Juiz Conselheiro de Instrução, foi proferido despacho a admitir os recursos interpostos pelo MºPº e pelos arguidos BBe CC – artºs 411º, nº 1, al. a) e 401º, nº 1, als. a) e b) do
CPP. – a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
*
II. 2. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator: Raúl Borges).
*
II.2.1. Atentas as conclusões formuladas, sustenta, em síntese, o recorrente MºPº que, à luz do artigo 30° do CPP, inexiste fundamento para a determinada separação de processos relativamente ao arguido AA, por um lado, e, por outro, mesmo que se mantivesse tal decisão de separação, ainda assim este Supremo Tribunal de Justiça seria competente para conhecer do processo relativamente aos demais arguidos por força da regra de prorrogação de competência, na medida em que o artigo 31º, alínea b), do CPP consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os prossupostos que determinaram a agregação.
Por sua vez, os arguidos BBe CC, entendem que a decisão impugnada viola o próprio artigo 11.º, n.º 7, do CPP e, bem assim, os artigos 38.º e 39.º da LOSJ, que proíbem o desaforamento, apenas o admitindo em casos especialmente previstos na lei.
*
Da motivação apresentada pelos recorrentes, e designadamente das suas conclusões, acima transcritas, decorre claramente que uma única questão está em causa: a de saber se se justifica ou não, no caso, designadamente em vista do disposto no art. 30º, nº 1, alínea c), do CPP, a separação de processos determinada pela decisão recorrida e, questão diretamente relacionada com esta, se mesmo a manter-se a separação, ainda seria este Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do processo relativamente aos demais arguidos por força da regra de prorrogação de competência, nos termos do artigo 31º, alínea b), do CPP.
Vejamos, pois, as questões suscitadas no recurso:
II. 2.2. Quanto à separação de processos (artigo 30º do Código de Processo Penal)
II. 2.2.1. Como foi já referido, a decisão recorrida, ao abrigo do art. 30º, nº1, al. c), do CPP, determinou a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA e declarou o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos. Mais ordenou a extração de certidão integral do processo e apensos, que fosse aberta vista ao Ministério Público para que indicasse a prova da acusação que se reporta ao arguido AA e, subsequentemente, que fosse autuado e criado um novo processo, daí adveniente para remessa para distribuição para Julgamento no Supremo Tribunal de Justiça deste arguido e que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução.
Considerando que exercendo o arguido DD as funções de Juiz …………..à data dos factos, a competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, implicava a intervenção do STJ, ao abrigo do foro próprio atribuído pelos artigos 11º, nº4, al. a) e nº7 do CPP e art. 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30.07).
Porém, como a este arguido foi aplicada a pena disciplinar de demissão, deixando de lhe serem aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que a referida sanção produziu efeitos imediatos (o mesmo sucedendo em relação à arguida GG, já que, tendo-lhe sido aplicada a pena de aposentação compulsiva, igualmente deixou de reunir as premissas necessárias para a atribuição de foro próprio), entendeu a decisão recorrida que apenas se poderá afirmar a competência do Supremo Tribunal de Justiça, por via da regra do foro próprio e do art.º 27º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz ………….., AA.
Nesta conformidade, fazendo apelo à previsão do artigo 30º do Código de Processo Penal, regra de separação de processos aplicável, exclusivamente, aos casos de conexão processual (inserta como o invocado artigo 27º, na Secção III – Competência por conexão, do título I, Livro I do Código de Processo Penal), entendeu por verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal, por considerar que não tendo o arguido AA requerido a abertura de instrução (presumindo-se que pretenderá concentrar a sua defesa em sede de audiência de Julgamento), ao contrário de outros arguidos que requereram a abertura de instrução (OO e NN, CC e BB, KK, JJ e HH), tal circunstância (a abertura da fase de instrução em relação aos arguidos que o requereram) é susceptível de implicar um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA, que também exerceu um direito legítimo de não requerer a abertura da instrução.
Concluindo ser previsível que a fase de instrução apenas terminaria muito para além do prazo fixado e previsto por lei, entendeu por verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal “Tudo apontando para que, se o arguido AA for julgado de imediato, o seu julgamento possa, inclusive, terminar antes da instrução”, decidindo determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, declarando o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos.
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II. 2.2.2. Não se conformando, o Ministério Público recorre para o Supremo Tribunal, nos termos da motivação que apresenta, argumentando, em síntese:
A previsão do artigo 27º do Código de Processo Penal, constituindo um desvio às regras normais de fixação de competência, é também uma regra geral de competência, fixada por lei, permitindo determinar, ex ante, qual o Tribunal competente.
A competência determinada por conexão, seja funcional seja material, quando os processos conexos devessem ser da competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie é atribuída ao tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada.
Esta referência à hierarquia não tem a ver com situações de recurso, mas com a competência específica dos Tribunais superiores naqueles casos em que detenham competência material primária; isto é, quando julguem em primeira instância, nos casos previstos no artigo 11º, nº 3, alínea a) e nº 4, alínea a) e 12º, nº 3, alínea a). Nestes casos – como no caso concreto - esta regra determina que a competência para o julgamento conjunto seja do tribunal de hierarquia mais elevada, in casu, o Supremo Tribunal de Justiça.
Verificado e reconhecido o fundamento determinante da conexão processual, a separação de processos apenas poderá ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30.º do Código de Processo Penal.
Verificado e reconhecido o fundamento determinante da conexão processual e fixada a competência, no caso concreto, ao abrigo do artigo 27º do Código de Processo Penal, a separação de processos apenas poderá ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30º do Código de Processo Penal.
No douto despacho recorrido considerou-se que o facto de alguns dos arguidos terem requerido a abertura de instrução prejudicava excessivamente o direito do arguido AA que a não requereu, a um julgamento rápido, assentando tal afirmação no pressuposto de que a fase de instrução constitui ou pode constituir, no caso concreto, um obstáculo à realização da justiça.
Porém, a fase legal de Instrução nunca poderá ser vista como um agravamento para os direitos processuais dos arguidos. É antes e ainda uma fase complementar de salvaguarda desses direitos, por muitos já considerada como “excessiva” mas nunca como violadora do princípio constitucional previsto no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. E a instrução tem um prazo de duração máximo relativamente curto pois, no caso, e dado que não há arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, o prazo de duração máxima para tal fase facultativa é, de acordo com o previsto no artigo 306º, nº 1, do Código de Processo Penal, de quatro meses.
Tal prazo, por ser relativamente curto, não poderá, segundo o recorrente, sustentar que a fase instrutória possa retardar excessivamente um processo de tal modo que justifique uma separação de processos, sendo certo que não foi atribuída natureza de urgente aos presentes autos, de modo a que corressem termos em férias, para salvaguarda dos seus interesses e para serem julgados o mais rapidamente possível. Assim, se neste processo tal urgência nunca foi atribuída, também não seria no processo sucedâneo, e em sede de fase facultativa, que tal iria ocorrer.
Por outro lado, o Mmo. Juiz Conselheiro de Instrução, que não apreciou os requerimentos instrutórios e, consequentemente, não foram admitidas nenhumas diligências probatórias, não poderá afirmar que a instrução poderá retardar excessivamente o julgamento, uma vez que a ponderação sobre aquilo que ainda não se sabe se vai ser aceite e em que termos é precoce.
Nota o recorrente que não foi requerida a produção de qualquer prova pericial, nem foi requerida qualquer prova que não seja usual em requerimentos de abertura de instrução, e que, como se sabe, não determinam a imediata separação de processos quanto a arguidos não requerentes. Uma fase processual facultativa e dirigida a garantir direitos não pode servir de justificação para uma separação processual não existindo arguidos privados de liberdade. Retardar excessivamente, significa, no caso, retardar para além do tolerável, daquilo que seria esperado. E no caso, não foi apresentado nenhum argumento que fundamentasse a verificação de tal pressuposto, não se vislumbrando, no entendimento do recorrente, de onde se pode afirmar, desde já, que das requeridas instruções resultará, de modo garantido, um retardar excessivo de um julgamento.
A este propósito cita o recorrente os seguintes arestos:
- Ac. T. Constitucional nº. 557/2004: “Criticando-se a não separação com o fundamento numa delonga não determinada, de duração temporal não previsível, tal argumentação [em prol da separação de processos], no caso concreto, ou é inócua ou revela-se até como contrária aos fins visados.
De tal contradição entre um sentido supostamente desconforme com o texto constitucional e as razões aduzidas para tal desconformidade resulta, imediatamente, sem necessidade de mais consideração, a improcedência da imputação de inconstitucionalidade e, por conseguinte, do presente recurso, nesta parte”
- Ac. da R. Porto, de 24/10/2007, CJ, 2007, T IV, p. 229, Élia São Pedro, “A normal tramitação de um processo, em regra, não retarda excessivamente o julgamento, pelo que o facto de o arguido, que apenas foi notificado da acusação no momento em que o foi do despacho que designou dia para julgamento, ter requerido a abertura da instrução não constitui fundamento para se ordenar a separação de processos, a fim de outro arguido ser julgado em separado, além de que a decisão instrutória pode acarretar uma modificação dos termos da pronúncia dos arguidos, artº. 307/4…”.
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II. 2.2.3. Vejamos então, se assiste razão ao Ministério Público.
Importa ter presente que as regras em matéria de competência, penal ou outra, têm como finalidade principal permitir saber antecipadamente, ou seja, ex ante, qual o tribunal que há-de decidir ou julgar uma determinada causa. Só assim será possível respeitar o princípio do Juiz Natural (consagrado no art° 32° n° 9 da C.R.P.) e evitar os riscos da "escolha" ou manipulação da selecção do tribunal.
Com efeito, o disposto no n.º 9, do artigo 32.º, da Constituição, segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, consagra o princípio do juiz legal ou do juiz natural, que visa garantir que nenhuma causa seja julgada por um tribunal criado ad hoc para esse efeito ou por um tribunal designado discricionariamente, devendo essa competência resultar da aplicação de normas orgânicas e processuais que contenham regras dirigidas à determinação do tribunal que há de intervir em cada caso, segundo critérios objetivos (vide, sobre o sentido e alcance do princípio do juiz natural, Figueiredo Dias, em “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”, na R.L.J., Ano 111.º, pág. 83-88, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2003, acessível em www.dgsi.tribunalconstitucional.pt.
Por sua vez, uma vez determinado o Tribunal de acordo com os critérios legais existentes, a causa não lhe poderá ser retirada, sob pena de desaforamento.
Atentar nas regras da competência do Tribunal é assim importante, ou antes, determinante, pois que a violação de tais regras constitui nulidade insanável, excepto no que respeita à competência territorial (que apenas pode ser arguida até ao início da audiência).
A função jurisdicional (a jurisdição), que pertence ao conjunto dos tribunais previstos na Constituição e na lei, está distribuída entre os vários tribunais de acordo com regras e critérios que definem para cada tribunal os limites ou o âmbito da sua jurisdição, isto é, a competência, que se reparte pelos tribunais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território - artigo 17º da LOFTJ.
A competência material dos tribunais, estabelecida em razão da natureza do caso e da matéria a decidir, pressupõe, porém, um pré-ordenamento de organização: a competência dos tribunais em razão da matéria é fixada por largo princípio de inclusão, competindo aos tribunais judiciais o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem de jurisdição (artigo 3º da LOFTJ), devolvendo-se aos sistemas de processo a definição e a atribuição de competência aos diversos tribunais em função da natureza das causas, ou em situações específicas, da qualidade das pessoas.
A competência em matéria penal, tal como definida e estabelecida nas leis de processo e de organização dos tribunais, delimita, pois, a medida da jurisdição, em matéria penal, dos diversos tribunais, rectius, de cada um dos tribunais. A delimitação é operada pela lei de processo em função de critérios objectivos e prefixados, tanto segundo normas de distribuição territorial - competência em razão de território, como, dentro desta, por conformação organizatória dos próprios tribunais nos casos de competência específica.
O estabelecimento das regras relativas à competência em matéria penal tem uma finalidade essencial que preside e tem de conformar a organização: permitir determinar ex ante o tribunal que há-de decidir um caso penal, evitando-se o risco de manipulação da competência, e especialmente, que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável, respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32º, nº 9, da Constituição.
A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada, como dispõe o artigo 10º do Código de Processo Penal (CPP), neste diploma e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza dos casos e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e ao mesmo tempo de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.
“A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.
Existirão, nesta sequência, três critérios para determinar tal atribuição: o objectivo, o funcional e o territorial, sendo que a conjugação dos mesmos dá lugar a outros tantos tipos de competência. Importa, assim, precisar que a distinção de critérios para a delimitação da competência do tribunal abrange a competência em razão da fase do processo (competência funcional); b. A competência em razão da espécie ou gravidade do crime, ou então da qualidade do arguido (competência material); c. A competência em razão do lugar (competência territorial).
No que concerne à competência funcional, o ponto a destacar é que têm de intervir no processo pelo menos dois juízes, um para a fase de investigação e outro para a fase de julgamento, só assim se podendo garantir o princípio da independência judicial. Nessa conformidade, o art. 40.º determina que "[n]enhum juiz pode intervir num julgamento [relativo] a processo em que tiver: a) [aplicado medida de coacção [ou] - [p]residido a debate instrutório". Quanto à competência material, é de referir que a mesma se desdobra por duas vertentes, a competência em razão da hierarquia do tribunal e a competência em razão da estrutura do tribunal.” – Ac. STJ para Fixação de Jurisprudência, de 09.02.2017, P. 32/14.1JBLSB-P.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.
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II. 2.2.4. Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o artigo 11º, nº 4, alínea a), do CPP atribui ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para julgar processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados.
Nestes autos, a qualidade funcional de três dos arguidos, Juízes …………… não apenas à data dos factos mas no início e no decurso do inquérito, determinou o foro próprio e a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/7) e 11.º, n.º 4, al. a), do CPP, bem como a competência deste, por conexão, quanto aos demais arguidos, por força do disposto no art.º 27.º do CPP.
A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como "foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.
A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na "Colectânea de Jurisprudência", ano VIII, tomo III, pág. 202).
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II. 2.2.5. Mas, se os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados se radicam na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos que esteja em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos
O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.
Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções, cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.
Como se pode ler no Ac. STJ de fixação de jurisprudência nº 2/2003, proferido em 19/02/2003 e publicado no DR I- Série- A nº 95, de 23/04/2003, citando o Ac. deste Tribunal de 24 de Maio de 1989, in BMJ 387º, 490, “o foro especial para magistrados tem como objectivo subtrair o magistrado ao vexame perante a população local e defender o exercício da função. Se não está, com efeito, no exercício de funções, não se justifica o foro próprio, dado que este pressupõe o exercício efectivo da função. O foro especial não se destina a dar mais garantias. Ora, na situação, aplicada a pena de aposentação compulsiva, não podendo o arguido exercer a sua função jurisdicional, é por demais evidente que deixa de fazer sentido continuar a conferir-lhe foro especial”.
E, como bem salienta a decisão recorrida, “O foro próprio é uma garantia funcional, que se prende de uma forma íntima e indissociável ao exercício de funções como juiz, cessando a partir do momento em que este é desligado do serviço, ou a partir do dia seguinte ao da notificação do arguido nos termos do artº 121º do EMJ, quando a sanção aplicada consista na demissão ou na aposentação compulsiva - artºs 122º, 105º e 106º do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.
No caso presente, sucede que, entretanto, o arguido DD foi desligado do serviço, por despacho do Exmº Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 1/3/2020, por via de aplicação de pena disciplinar de demissão, com efeitos reportados a 6 de Dezembro de 2019 - DR 2ª série nº 61, de 26/3/2020.
Do mesmo modo, a arguida GG foi desligada do serviço, por despacho do Exmº Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 12/5/2020, para efeitos de aposentação compulsiva, com efeitos a … de ……. de 2019.
E, assim sendo, deixariam de lhes ser aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que as referidas sanções produzem efeitos imediatos.
Neste sentido se tem encaminhado, aliás de modo uniforme, a jurisprudência deste Supremo Tribunal, disso dando conta a decisão recorrida, referindo:
«Assim, pode ler-se no Ac. STJ de 11/04/2007, Proc. 06P4820, rel. Cons. Santos Cabral: “I - A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como «foro especial», constitui uma garantia, não pessoal, mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. II - Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres. III - A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver essa qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções. IV - Nesta sequência é lógico concluir que, situando-se na qualidade funcional os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados, e sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos. V - O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da condição funcional no momento processualmente determinante. VI - Se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções, cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado” (subl. nossos).
Nesse mesmo sentido, no Ac. STJ de 21/06/2006, Proc. 06P1573, rel. Cons. Henriques Gaspar, já se havia decidido: “(…) III - O critério da determinação da competência não é, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante. IV - Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda aquela qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (v.g. a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso - Ac. de fixação de jurisprudência nº 2/2002, de 19/2/2003, DR I série A, de 23-04-2003), cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade de arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado” (subl. nosso). Ainda neste exacto sentido, cfr. Acs. STJ de 07/05/2003, Proc. 03P1208, rel. Cons. Silva Gaspar, de 28/09/2011, Proc. 22/09.6YGLSB.S2, rel. Cons. Santos Cabral e de 25/2/2015, Proc. 131/11.1TASLV.S1, rel. Cons. Isabel Pais Martins. E ainda neste sentido, naturalmente, aponta o Ac. STJ de fixação de jurisprudência nº 2/2003, proferido em 19/02/2003 e publicado no DR I- Série- A nº 95, de 23/04/2003 (“Compete ao tribunal judicial de comarca a instrução e julgamento de processo crime em que o arguido à data dos factos fosse juiz de direito, e este haja sido, entretanto, condenado disciplinarmente em pena de aposentação compulsiva cuja execução não tenha sido declarada suspensa em recurso contencioso, entretanto interposto, nos termos dos artigos 106º e 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº. 21/85, de 30 de Julho”). De uma forma ainda mais impressiva e acentuando a necessária conexão do exercício de funções à razão de ser do foro próprio, consta da declaração de voto do Sr. Cons. Carmona da Mota, lavrada nesse acórdão de fixação de jurisprudência: “Excluiria a reserva formulada no segmento final do assento. E isso porque, implicando a pena disciplinar de aposentação compulsiva, para o condenado, a «imediata desligação do serviço» (art. 106º do EMJ) - independentemente de recurso ou de suspensão, no âmbito deste, da eficácia do acto recorrido - e fundando-se o «foro próprio» dos magistrados judiciais, como reconhece o acórdão, do «efectivo exercício de funções», dessa íntima conexão entre o «serviço efectivo» e (a razão de ser d)esse «foro próprio» decorre que este, aliás mais uma «sujeição»/«afectação» que um «direito» (e, jamais, uma «regalia»), não possa nem deva coabitar com uma situação - efectiva (e, tendencialmente definitiva) - de afastamento de funções”».
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II. 2.2.6. Deixando de ser aplicadas aos arguidos o DD e GG as normas de atribuição de foro especial, concluiu a decisão recorrida que actualmente apenas se poderá afirmar a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, por via da regra do foro próprio e do artº 27º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz ………………, AA, o único elo de ligação que atribui competência ao Supremo Tribunal de Justiça.
Nesta conformidade, ao abrigo do art. 30º, nº1, al. c), do CPP, determinou a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA e declarou o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, ordenando que fosse autuado e criado um novo processo para remessa para distribuição para Julgamento no Supremo Tribunal de Justiça do Juiz ……………, AA, e que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução.
Quanto á separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, fazendo apelo à previsão do artigo 30º do Código de Processo Penal (regra de separação de processos aplicável, exclusivamente, aos casos de conexão processual), entendeu por verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal, por considerar, como acima foi já referido, que não tendo o arguido AA requerido a abertura de instrução (presumindo-se que pretenderá concentrar a sua defesa em sede de audiência de Julgamento), ao contrário de outros arguidos que requereram a abertura de instrução (OO e NN, CC e BB, KK, JJ e HH), tal circunstância (a abertura da fase de instrução em relação aos arguidos que o requereram) é susceptível de implicar um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA, que também exerceu um direito legítimo de não requerer a abertura da instrução.
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Diremos, desde já, que ocorrendo conexão de processos na fase de inquérito, art.º 24º, n.º1 do Código de Processo Penal (como é o caso dos autos), tendo em atenção a estrutura acusatória do nosso processo penal, pertence ao Ministério Público a competência para decidir da apensação e da separação de processos – Neste sentido Acórdão TRG de 29 de Março de 2011, cujo juízo de constitucionalidade foi confirmado pelo Acórdão n.º 21/2012 do TC.
Também é certo não haver obstáculo legal, bem pelo contrário, a que em instrução o JIC e, na fase de julgamento o juiz, oficiosamente ou a requerimento, apense ou separe os processos (in) verificados os apertados pressupostos legais, nomeadamente artºs 24º, 30º, do Código de Processo Penal. De outro modo não ficaria afastado o risco da discricionariedade de escolha do tribunal por parte do Ministério Público e a eventual violação do princípio do juiz natural, numa sua formulação mais exigente.
Só que, colocando a questão dentro do instituto da competência por conexão, ordenando a separação do processo quanto ao arguido AA, por entender verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal, declarando o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, e ordenando que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução, temos que a solução a que chegou o Mmo. Juiz Conselheiro de Instrução conflitua com o disposto no art.º 31º al. b) do Código de Processo Penal, donde resulta que a sua competência se estende “aos processos separados” (como melhor se explicitará infra).
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Como vimos supra, o recorrente MºPº discorda de tal solução, defendendo que, à luz do artigo 30° do CPP, inexiste fundamento para a determinada separação de processos relativamente ao arguido AA, por um lado, e, por outro, mesmo que se mantivesse tal decisão de separação, ainda assim este Supremo Tribunal de Justiça seria competente para conhecer do processo relativamente aos demais arguidos por força da regra de prorrogação de competência, na medida em que o artigo 31º, alínea b), do CPP consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os prossupostos que determinaram a agregação.
Quid iuris?
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II. 2.2.7. Importará atentar que, no que para aqui releva, a regra geral na competência por conexão, regulada nos artigos 24.º a 30.º do Código de Processo Penal, é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente.
A conexão de processos não é arbitrariamente determinada pelos tribunais originariamente competentes para o julgamento do (s) crime (s) respeitantes a cada processo; é, antes, definida por regras gerais e abstractas, contidas nos artigos 24.º, 25.º, 27.º e 28.º do CPP, as quais permitem determinar, ex ante, por critérios legais, o tribunal competente para o julgamento conjunto – «As regras da conexão, mesmo sendo desvios à competência normal, são também regras de competência geral e abstracta, fixada por lei anterior ao facto, permitindo determinar ex ante, por critérios gerais, o tribunal competente por critérios gerais aplicáveis às circunstâncias do caso» - Anotação de Henriques Gaspar ao artigo 24.º do CPP, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 3ª edição, pág. 81.
Consequência da conexão é a apensação, ou seja, a conjugação de processos envolvidos. No rigor dos termos, a apensação não é tanto o acto material ou naturalístico, tendo, sobretudo, um sentido e alcance normativos, onde sobreleva a fixação da regra sobre o modo de continuidade do procedimento penal.
«A apensação constitui noção ou categoria processual que não tem expressa definição nos códigos de processo; poderá, porém, ser definida por forma deduzida da praxe, como a conjugação de processos (no sentido de suportes para a prática de diversos actos do procedimento), com continuidade do procedimento; mas, neste sentido, a apensação não constitui tanto o modo ou o procedimento material, mas a fixação da regra sobre o modo de continuidade do procedimento. A apensação dos processos na conexão significa que os processos apensados ficam ligados ao processo que determinou a conexão (…); mas a partir da apensação a continuidade processual e os actos de sequência passam a ser praticados num só processo, que é então o processo principal (…).» - Henriques Gaspar, anotação ao artigo 29.º do CPP, mesma obra, pág. 89).
Essa unificação de processos tem em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados. Por outro lado, foram também previstos casos de procedimento inverso, designados de separação de processos, para os casos em que já se mostra operada a conexão, sendo previstas determinadas situações nas quais, verificados certos pressupostos, se admite a constituição de processos distintos, quer em função de determinado segmento de factos (por exemplo factos mais antigos e em risco de prescrição) quer em função das pessoas de certos arguidos e dos factos imputados aos mesmos.
Entendeu-se que mantendo cada crime a sua autonomia e sendo a junção num único processo justificada pela procura de uma melhor justiça, se dessa junção resultar maior dano do que benefício, deve essa unidade processual desfazer-se, ocorrendo separação dos processos, art.º 30º do Código de Processo Penal (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de processo penal, vol. I, pág. 201, da 5.ª ed., da Verbo, Acórdão do STJ de 6-10-2004, Rel. Henriques Gaspar).
Verificado e reconhecido o fundamento determinante da conexão processual, a separação de processos apenas poderá ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30.º do Código de Processo Penal.
O artigo 30.°, nº 1, do CPP contém a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos:
"1 - Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:
a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;
b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado;
c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou
d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos." (fim de transcrição).
*
II. 2.2.8. Considerou a decisão recorrida que o facto de alguns dos arguidos terem requerido a abertura de instrução prejudicava excessivamente o direito do arguido AA que a não requereu, a um julgamento rápido, assentando no pressuposto de que a fase de instrução constitui ou pode constituir, no caso concreto, um obstáculo à realização da justiça, pelo que o arguido AA, que exerceu um direito legítimo de não requerer a abertura da instrução, deverá ser desde já submetido a Julgamento.
Os argumentos invocados traduzem-se em que “(…) Conforme se referiu, resulta dos autos que o arguido AA não requereu a abertura de instrução.
Sinónimo de que pretende concentrar a sua defesa e refutar a acusação que sobre si impende em sede de audiência e julgamento.
Sucede que outros arguidos requereram a abertura de instrução o que implica que o seu julgamento terá que aguardar o findar da instrução.
Ora, se é certo que da instrução deverão ser retiradas as circunstâncias favoráveis que da mesma poderão advir para o mesmo (cf. art. 307.º, n.º 4, do CPP), também é verdade que o arguido tem direito a ser julgado num prazo razoável (artº 32º, n.º 2, da CRP).
Ou seja: o direito de outros arguidos requererem a abertura de instrução não pode comprimir intoleravelmente o direito de outro arguido poder ser julgado imediatamente (…).
Como referimos, o arguido AA não requereu a abertura da instrução.
Inexistindo um processo unificado os autos seriam remetidos imediatamente para julgamento.
Atenta a conexão terá de aguardar pelo desfecho da instrução.
É, assim, apodítico, que a abertura de instrução em relação a outros arguidos retarda o início do seu julgamento.
Também já assinalámos que se trata de situação recorrente, e daí o estatuído no artº 307º, nº 4, do CPP. Ou seja, o próprio legislador disciplina sobre situações em que um dos arguidos não requer abertura de instrução.
Mas isso não significa que afaste a aplicabilidade do artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP.
São esferas de actuação distintas. Uma relativa aos efeitos que se devem projectar na esfera dos arguidos que não requereram abertura de instrução; outra, destinada a acautelar o direito a um julgamento em prazo razoável.
Importa, assim, aferir, se a abertura da fase de instrução em relação aos arguidos que o requereram é susceptível de implicar um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA, que também exerceu um direito legítimo de não requerer a abertura da instrução.
Tratando-se de um conceito aberto, como referência para aferir de um retardamento excessivo, existem os prazos estipulados na lei para a fase de instrução. Apesar de programáticos, não deixam de consistir numa referência temporal que o legislador considera razoável para findar a referida fase. E na interligação com o artº 30º, n.º 1, al. c), do CPP, o prazo razoável que o arguido não requerente da abertura de instrução deve aguardar pelo findar da instrução.
Se é previsível que a fase de instrução apenas termine muito para além de tal prazo deverá concluir-se pela existência de um retardamento excessivo do julgamento do arguido AA.
Ora, considerando o processo em causa, não se poderá deixar de concluir que a fase de instrução se irá estender previsivelmente para além dos prazos legais.
Na verdade, considerando que 7 arguidos requereram abertura de instrução, arguindo várias nulidades e nos seus requerimentos requereram a produção de prova testemunhal e documental, não se afigura previsível que a fase de instrução se contenha dentro dos prazos legais.
Ao que acresce que os factos pelos quais o arguido AA deverá ser julgado correspondem a uma pequena parcela do objecto total do processo, o que significa que o julgamento terá uma menor dimensão do que a instrução.
Tudo apontando para que, se o arguido AA for julgado de imediato, o seu julgamento possa, inclusive, terminar antes da instrução”.
Entende, assim, a decisão recorrida que o facto de menos de metade dos arguidos terem requerido a abertura de instrução poderá retardar excessivamente o processo.
Com o devido respeito, tal argumentação consiste numa ponderação prematura, ao concluir que a fase de instrução se irá estender previsivelmente para além dos prazos legais, considerando que 7 arguidos requereram abertura de instrução, arguindo várias nulidades e nos seus requerimentos requereram a produção de prova testemunhal e documental,
Com efeito, no presente processo, foi deduzida acusação contra dezassete arguidos:
a) DD;
b) GG;
c) AA;
d) CC;
e) FF;
f) II (entretanto falecido);
g) HH;
h) JJ;
i) KK;
j) EE;
k) LL;
l) MM;
m) NN;
n) OO;
o) PP;
p) BB e
q) QQ.
Destes “apenas” sete (menos de metade) requereram a fase facultativa de abertura de instrução, a saber:
1) NN;
2) OO;
3) CC;
4) BB;
5) KK;
6) JJ e
7) HH.
E destes sete, apenas cinco requereram a realização de diligências.
Por outro lado, a instrução tem um prazo de duração máximo relativamente curto que, no caso, de acordo com o previsto no artigo 306º, nº 1, do Código de Processo Penal, é de quatro meses, pois não há arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação.
Tudo aponta para que, sendo o prazo relativamente curto, a instrução e a sua previsível duração não retardará excessivamente o julgamento, de modo a justificar uma separação de processos, sendo certo até, que, por um lado, tal separação não foi determinada quanto a outros arguidos não requerentes de tal fase e, por outro, tendo em consideração o interesse destes arguidos que pretendem defender-se em fase de julgamento, não foi atribuída natureza de urgente aos presentes autos, de modo a que corressem termos em férias, para salvaguarda dos seus interesses e para serem julgados o mais rapidamente possível.
Por outro lado, não houve qualquer pronúncia sobre os requerimentos instrutórios apresentados, desconhecendo-se que diligências vão ser aceites/realizadas e qual o tempo previsível para a sua realização e, mais concretamente, se as eventuais diligências que venham a ser efetuadas na sequência daqueles requerimentos de instrução vão retardar em demasia o andamento dos autos e a futura definição da situação jurídico-processual dos arguidos não requerentes da abertura de instrução.
Mas, ainda que sejam admitidos tais requerimentos, as únicas diligências de instrução obrigatórias são a realização de debate instrutório e o interrogatório do arguido que o requerer.
O nosso regime processual penal oferece ao arguido a possibilidade de intervir em fase de inquérito, garante que seja ouvido, que apresente e/ou requeira a produção de prova o que necessariamente vai esbater a necessidade de o arguido esperar pelo controlo judicial da acusação para aí apresentar prova.
Alguns dos requerentes de abertura de instrução, como é o caso do arguido HH ou de CC e BB, requereram a produção de prova em fase de inquérito e esta foi produzida com a junção de documentos e a inquirição de várias testemunhas, não tendo sido requerida a produção de qualquer prova pericial, nem requerida qualquer prova que não seja usual em requerimentos de abertura de instrução.
A regra de não repetição, como princípio, dos atos e diligências de prova praticados no inquérito (nº3, artº 291º do CPP) confirma a natureza comprovativa (não propriamente investigativa) da instrução – Maia Costa, Anotação ao artº 291º do C.P.P., Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição, 2021, Almedina, pag. 974).
Assim sendo, em rigor, é possível, neste momento, antever ou perspetivar que, quanto às nulidades, dar-se-á cumprimento ao contraditório e poderão ser debatidas em sede de debate instrutório; quanto à prova testemunhal, caberá apreciar do fundamento sobre a sua produção, devendo o juiz indeferir os atos que considerar impertinentes ou dilatórios e, quanto à prova documental, bastará a sua junção e ser a mesma contraditada.
A este propósito, convém ainda sublinhar, que nos termos do artigo 291º do CPP, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/98, de 25.08, e também agora com a redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29.08, é irrecorrível o despacho judicial de indeferimento de diligências instrutórias proferido pelo juiz de instrução, abrangendo tal irrecorribilidade quer o despacho de indeferimento de produção de prova suplementar requerida no debate, quer o indeferimento de diligências de prova anteriormente admitidas pelo juiz de instrução, se estas entretanto se afigurarem desnecessárias em face da prova já produzida na instrução.
E esta solução foi diversas vezes submetida a fiscalização do tribunal Constitucional, que sempre se pronunciou pela sua conformidade constitucional - Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 371/2000, 375/2000, 459/2000, 78/2001, 176/2002, 464/2003, 611/2005, 684/2005 e 340/2007 – Anotação ao artº 291º do C.P.P., Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição, 2021, Almedina, pag. 974).
Face ao exposto, dir-se-á não se verificar circunstância alguma de onde se possa retirar que das requeridas instruções resultará, de modo garantido, um retardar excessivo de um julgamento do arguido AA.
Não se afigura razoável que, no quadro de argumentação da decisão recorrida, se justifique a separação de processos, sendo demasiado cedo para aquilatar da existência da única razão, de entre as enumeradas no art.º 30.º, para fundamentar a separação de processos e que é a do atraso excessivo do julgamento do arguido AA [art.º 30.º, n.º 1 al.ª e c)].
Como bem salienta o recorrente, uma fase processual facultativa e dirigida a garantir direitos não pode servir de justificação para uma separação processual não existindo arguidos privados de liberdade.
Entende, pois, este Tribunal que a argumentação da douta decisão recorrida não pode proceder.
Atendendo aos interesses em confronto e ao momento dos autos, imediatamente posterior à dedução de acusação pelo Ministério Público, a separação de processos, no caso presente, seria suscetível de inconformidade com os princípios consagrados na Constituição da República tendo, em especial, em vista salvaguardar a eficácia da Justiça.
A cessação da conexão e ulterior separação do processo, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do CPP, deverá ser entendida com as maiores cautelas, tendo em atenção que a eficiência, enquanto processo de realização da justiça, estabilização das normas e paz jurídica dos cidadãos, porque tradução do carácter preventivo das normas, só deve ceder na medida em que implique uma compressão dos direitos do arguido, para além do limite temporal razoável definido no art. 6.º da Convenção Europeia e que o nosso legislador constitucional ainda quer limitar aludindo ao mais curto prazo compatível com as garantias de defesa - n.º 2 do art. 32° da Constituição da República – que não é o caso dos presentes autos, como se concluiu.
E como doutamente se consagrou no Acórdão do STJ, de 26-10-2016, prolatado no processo 1/13.9YGLSB.S2, 3ª secção: “A conexão de processos é determinada por conveniência da justiça nos casos em que exista entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, e presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça (…)” e, no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 17-01-2007, proc. 4266/06, 3ª secção, ambos citados em anotação ao artº 24º do C.P.P., Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição, 2021, Almedina, pag. 83 e 84).
*
II. 2.3. Quanto à prorrogação de competência para o conhecimento dos processos separados – artigo 31º, alínea b), do Código de Processo Penal.
II. 2.3.1. Como supra tivemos ocasião de referir, ordenando a separação do processo quanto ao arguido AA, por entender verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal, declarando o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, tal solução conflitua com o disposto no art.º 31º al. b) do Código de Processo Penal, donde resulta que a sua competência se estende “aos processos separados”.
Assim, mesmo concordando com a argumentação da decisão recorrida, no sentido de que, deixando de ser aplicadas aos arguidos o DD e GG, as normas de atribuição de foro especial, apenas se firmando a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, por via da regra do foro próprio e do artº 27º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz ………………., AA, e mesmo aceitando a separação processual com o fundamento invocado, isto é, com o fundamento de que a abertura de Instrução requerida por alguns dos arguidos atrasaria irremediavelmente o direito do arguido AA a um julgamento célere, mesmo assim, mantinha o Supremo Tribunal de Justiça a competência para a fase de instrução, atento o disposto no artigo 31º, alínea b), do Código de Processo Penal e com a previsão contida no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa, garante constitucional de que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.
A letra da lei é inequívoca quando determina que, separada a parte de um processo referente à conduta de um dos co-arguidos, o tribunal que ordenou a separação processual continua a ser o competente se a separação processual tiver sido determinada por um dos fundamentos invocados no nº 1 do artigo 30º do CPP.
Com efeito, prevê o artigo 31º, alínea b) do Código de Processo Penal:
“A competência determinada por conexão, nos termos dos artigos anteriores, mantém-se:
(…)
b) Para o conhecimento dos processos separados nos termos do nº1 do artigo 30º.”
*
“Esta norma prevê expressamente sobre a manutenção da competência do tribunal escolhido para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação.
Trata-se de uma verdadeira extensão de competência, que o legislador apelida de prorrogação.” (M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I Vol., 2ª ed., p. 207).
“Numa perspectiva estrita, a ocorrência de um facto ou circunstância com relevo processual que eliminasse ou fizesse cessar os pressupostos da conexão determinaria a recuperação da competência que seria a competência primária se não tivessem existido os elementos que determinaram a conexão. Esta solução tem, no entanto, efeitos negativos e perturbadores da gestão, economia e eficácia do processo; a norma estabelece, por isso, uma solução específica – a «prorrogação de competência» – para tais situações, mantendo a competência resultante da conexão apesar da superveniência de circunstâncias que faria cessar, ou fez efectivamente cessar, a conexão; a competência resultante da conexão prorroga-se, ou em melhor expressão como refere a norma, «mantém-se»” – anotação ao artº 31º do C.P.P., Código de Processo penal Comentado, 3ª edição, 2021, Almedina, pag. 94).
Também a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores se tem pronunciado no sentido de que, nos termos do artigo 31º do actual Código de Processo Penal, mesmo no caso de a responsabilidade criminal pelo crime que determinou a competência por conexão se extinguir antes do julgamento, ainda assim a competência se mantém – cfr. Ac. STJ, P. 047017, de 11.01.1995, Ac. STJ de 11.01.1995, em BMJ.nº443, p. 242, Ac. TRP de 15.07.1998, Ac. TRC de 05.02.2019, P. 597/17. 6PBVIS-C.C1, Ac. TRE, de 03.12.2015, P. 47/07.6PAENT-A.E1, todos em www.dgsi.pt.(citados na motivação de recurso do Ministério Publico).
A questão de prorrogação da competência (por conexão) em apreço, não se confunde com aquela que vem mencionada no despacho recorrido referente à fixação da competência material em cada fase do processo e que determinou a prolação do Acórdão para fixação de Jurisprudência no P. 32/14.1JBLSB-P.L1-A.S1, a 09.02.2017, como aliás, bem observa o recorrente Ministério Público.
Fixou-se, ali, a seguinte jurisprudência: «Competindo ao Tribunal Central de Instrução Criminal proceder a actos jurisdicionais no inquérito instaurado no Departamento Central de Investigação Criminal para investigação de crimes elencados no art. 47.º, n.º 1, da Lei 47/86, de 15-10 (Estatuto do Ministério Público), por força do art. 80.º, n.º 1, da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13-01, essa competência não se mantem para proceder à fase de instrução no caso de, na acusação ali deduzida ou no requerimento de abertura de instrução, não serem imputados ao arguido qualquer um daqueles crimes ou não se verificar qualquer dispersão territorial da actividade criminosa».
Como aliás, bem observa o recorrente Ministério Público, naquele caso, nenhuma questão foi apreciada relativa às regras de fixação de competência por conexão processual, separação de processos conexos e de prorrogação de competência resultante de conexão, questões que verdadeiramente merecem apreciação no caso dos autos, salientando ainda que: «Não obstante tal matéria respeitante à conexão não ter sido apreciada, foi invocada em voto de vencido lavrado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Pires da Graça, quando enunciou: “Por outro lado, se a finalidade e âmbito do inquérito compreende “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”- artº 262º, nº 1, do CPP, bem pode acontecer que haja desenvolvimentos de facto ocorridos posteriormente ao início do inquérito, resultantes da investigação, que confluam na competência já definida, e assim, também determinada por conexão, nos termos dos artºs 28º e 29º,do CPP, a implicar unidade e apensação de processos.
Note-se, aliás, que mesmo em caso de separação de processos, a prorrogação da competência por conexão mantém-se para os processos separados, nos termos dos artºs 30º e 31º, do CPP, que podem não referir-se a crimes do catálogo.”».
*
II. 2.3.2. Concluindo-se que o artigo 31º, alínea b), do CPP, consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação, a separação de processos não determina a remessa do processo separado para distribuição, permanecendo ele na mesma secção do mesmo tribunal.
Deste modo, evita-se a inconstitucionalidade do desaforamento ou violação do princípio do juiz natural, assim se prevenindo o risco da discricionariedade na escolha do tribunal (Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, 2000, I-201).
Assim sendo, o douto despacho recorrido ao determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – constituindo um verdadeiro desaforamento (artigo 39º da LOSJ), em colisão com a regra de prorrogação de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação do caso (artigo 31º, alínea b), do CPP) ainda que fosse determinada a separação processual – encontra-se ferido de nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal (Henriques Gaspar em anotação ao artigo 119º do Código de Processo Penal, em Código de Processo Penal Comentado, 2021, 3ª ed. Revista, Almedina, p. 335), mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecida por lei, expressamente acolhido no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa.
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II. 2.4. Quanto ao recurso dos arguidos CC e BB:
Das conclusões da respectiva motivação, o recurso interposto por estes arguidos assenta, no essencial, nos seguintes pontos:
- Violação, pelo despacho recorrido, da norma do art.º 30.º, n.º 1, al. c), do CPP, ao determinar a separação de processos por considerar que a Instrução iria retardar “excessivamente” o julgamento do arguido AA, que não requereu instrução, assim discriminando os arguidos recorrentes, que a requereram no exercício de um direito constitucionalmente garantido e que têm direito a ser julgados conjuntamente com esse arguido, com quem estão acusados em co-autoria
- A competência do STJ para conhecer destes autos fixou-se com a intervenção do JIC na fase de inquérito, não fazendo cessar essa competência para a instrução e o julgamento o facto de dois dos Senhores Juízes ………….. acusados (DD e GG) terem sido demitidos ou aposentados compulsivamente, pelo que a interpretação da norma do art.º 11.º, n.º 7, do CPP e 38.º e 39.º da LOSJ feita no despacho recorrido viola o princípio do juiz natural (art.º 32.º, n.º 9 da CRP) e do processo equitativo.
Pretendem, assim, os recorrentes CC e BB obter o mesmo efeito que o pretendido pelo Ministério Público, embora com base em fundamentação algo diversa.
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Sem por em causa a procedência do recurso, uma vez que, como supra foi já referido, se concorda com a alegação dos recorrentes no sentido de que o despacho recorrido viola a norma do art.º 30,º, n.º 1, al. c), do CPP, deverá esclarecer-se que a invocada violação do princípio do juiz natural resulta da interpretação dada no despacho recorrido aos artigos 27.º e 31.º, al. b), do CPP e não ao art.º 38.º da LOSJ, como pretendem os recorrentes (cfr. ponto II. 2.3.2., do presente acórdão).
Com efeito, e como bem salienta o Sr. Procurador Geral Adjunto, neste Tribunal, a norma do art.º 38.º do LOSJ tem em vista o processo civil e não o processo penal, pois, para este, a competência material e funcional é aferida em cada fase processual: inquérito, instrução e julgamento. Assim, para aferição da competência do Tribunal para proceder à realização da instrução terá de atender-se ao objecto do processo fixado pela acusação do MP e, no caso em apreço, também à qualidade dos arguidos no momento da abertura da instrução, sendo que, para aferição da competência do Tribunal para proceder ao julgamento, havendo instrução, terá de atender-se ao objecto do processo fixado pela pronúncia e, no caso em apreço, também à qualidade dos arguidos no momento da prolação do despacho a que aludem os artºs 311.º a 313.º do CPP ou, no máximo, até ao início do julgamento.
Assim sendo, o facto de dois dos Juízes ……….. acusados (DD e GG) terem sido demitidos ou aposentados compulsivamente antes, até, da dedução da acusação, implicaria que, a não ter sido deduzida acusação também contra o Juiz ……….. AA, a competência para a instrução e o julgamento daqueles tivesse sido devolvida à primeira instância. Ou seja, a competência para a instrução destes autos radica neste Supremo Tribunal de Justiça por força da acusação deduzida contra o Juiz …………… AA e da norma do art.º 27.º do CPP (bem como da norma do art.º 31.º, al. b) do CPP, em caso de separação de processos, nos termos do n.º 1 do art.º 30.º do CPP).
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III. DECISÃO
Nos termos acima expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a) Julgar procedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos arguidos BB e CC.
b) Em consequência, revogar a Decisão Judicial proferida a 12 de julho de 2021, que determinou a cessação da conexão processual ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, e declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, devendo ser substituída por outra que declare aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos em instrução no Senhor Juiz Conselheiro de Instrução da Secção Criminal do STJ.
Lisboa, 24 de fevereiro de 2022
Cid Geraldo (Relator)
António Gama (Adjunto).