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SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
1 - O seguro de Acidentes Pessoais tem por objectivo garantir a protecção contra os prejuízos, que podem advir em consequência de um acidente susceptível de ocorrer na nossa vida quotidiana, no exercício da nossa actividade profissional ou na nossa vida privada, na prática desportiva ou no decurso de viagens. 2 - Garante, regra geral, o pagamento de um valor previamente acordado devido a um acidente do qual resulte morte, invalidez permanente, incapacidade temporária, ou que dê origem a despesas de tratamento, de repatriamento ou de funeral. 3 - Uma invalidez é essencialmente uma incapacidade funcional e esta expressa-se, primordialmente, num dano patrimonial, associado desde logo a uma incapacidade para o trabalho. 4 - Mas a disposição legal (art. 175 do DEC. Lei nº 72/2008 de 16 de Abril) não é exactamente a qualificação do tipo de dano o que faz: estipula que o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde, à integridade física de uma pessoa (…). Isto inclui todos os tipos de danos – rectius, não exclui os danos não patrimoniais. 5 - Não se tendo apurado uma dada forma de cálculo da indemnização em causa, ela deve ser determinada de harmonia com o regime geral previsto para a obrigação de indemnização.
Texto Integral
- Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães -
I- RELATÓRIO
A…, residente no…, em Bragança, intentou contra Seguradora.., com sede na…, em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, pedindo que se condene a Ré a concluir os tratamentos de que a Autora necessita em consequência do acidente e a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização.
Alegou em síntese que: trabalhou na Associação de… ao abrigo de um "contrato de formação em contexto familiar", desde o dia 1 de Abril de 2011, no dia 20 de Agosto de 2011, no desempenho das suas funções, sofreu um acidente; a empresa de inserção, em cujas instalações era ministrada a formação e onde se deu o acidente, havia transferido para a Ré a responsabilidade por eventuais acidentes pessoais; a Ré proporcionou-lhe assistência clínica nos serviços clínicos do Hospital de… para tratamento das lesões resultantes do acidente; a Ré compensou monetariamente a Autora de todas as despesas havidas com o seu tratamento, bem como todos os períodos de incapacidade; os tratamentos continuaram e a Autora mantém a lesão e as dores; a Autora necessita de ser observada novamente pelos médicos e receber os tratamentos ou intervenções médicas necessárias para ficar curada, não ter dores e corrigir a anomalia do pé; a Autora aceitou o valor global da indemnização proposto pela Ré quando ainda se encontrava em recuperação das lesões, estando convencida de que passariam com o tempo e que ficaria curada; tem dores de forma permanente e assenta o pé com dificuldade, o que lhe causa muito sofrimento e desconforto; o contrato de formação em contexto de trabalho terminou em 30.09.2011, foi "renovado" como contrato a termo em 01.10.2011 pelo período de um ano; findo este período, o contrato não foi renovado por a Autora não se encontrar restabelecida do acidente que teve.
Regularmente citada, a Ré apresentou-se a contestar, impugnando parcialmente os factos alegados pela Autora e alegando que a Autora declarou no processo nº 336/12.8TTBGC haver já sido indemnizada pela seguradora na apólice de acidentes pessoais, não foi a IPP de 2% que levou à não renovação do contrato de trabalho que era a termo certo, a perda de emprego e as dores não se encontram cobertos pelo contrato de seguro de acidentes pessoais e os riscos ou cobertura garantidos limitam-se à natureza e montante contratados.
Foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, tendo-se dispensado a realização de audiência prévia, procedeu-se à identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas provas.
Designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento.
No final foi proferida decisão que “ condenou a ré a pagar à autora a quantia de 7.500 euros a título de danos não patrimoniais sofridos acrescidos dos juros de mora contados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento, com custas pela autora e ré na proporção do decaimento.
Inconformada com esta decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 108).
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos que foram os vistos cumpre apreciar e decidir.
Nas suas alegações, a apelante formula as seguintes conclusões:
A) - Entre a empresa de inserção, para quem a Autora prestava serviço no âmbito de um contrato de formação, e a Ré/Recorrente foi celebrado um contrato de seguro de acidentes pessoais.
B) - Tal contrato, facultativo, constitui um "seguro de pessoas" e não um "seguro de danos".
C) - Foram, em tal contrato, transferido para a Ré/Recorrente os seguintes riscos:
- Morte e Invalidez Permanente ---------------------------------75.000,00 €
- Incapacidade Temporária .............................................. 16,92 €
- Despesas de Tratamento ---------------------------------------15.000, 00 €
O) - O contrato de seguro é um contrato formal regendo-se pelo princípio da liberdade contratual.
E) - Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo título, ainda que imperfeitamente expresso.
F) - Face aos riscos transferidos e supra elencados em C), constantes das condições particulares da Apólice, não é legitimo entender-se que os danos não patrimoniais, sofridos pela Autora também se encontrem englobados/cobertos pelo presente contrato de seguro.
G) - No cálculo da indemnização pela IPP é utilizado um critério puramente aritmético, não sendo lícito lançar-se mão de juízos de equidade.
H) - De todo o modo o quantum indemnizatório encontrado pelo Tribunal mostra-se exagerado e nada conforme quer com as concretas circunstâncias do caso, quer com os critérios e juízos jurisprudenciais produzidos pelos Tribunais Superiores.
I) - Atenta a parca e pertinente matéria factual apurada, os danos não patrimoniais "in casu" deverão ser ressarcidos em quantia não superior a 2.000,00 €.
J) - Foram assim violadas e/ou incorrectamente aplicadas, entre outras, as seguintes disposições legais: - Código Civil: artº 238°, nº 1; 496°, nº 3, 566°, nº 3; DEC. Lei nº 72/2008 de 16 de Abril: artigos 11°, 32°,175° e 210°
TERMOS em que, e sempre com o douto e preclaro entendimento de Vª Exas. Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente Recurso merecer inteiro provimento, revogando-se a decisão da 1ª instância e em consequência, julgar-se a acção improcedente por não provada com as legais consequências.
A entender-se de modo diverso, sempre a fixação do danos não patrimoniais, não deverá ultrapassar os 2.000,00 €,
Assim se aplicando correctamente o Direito e fazendo
II- O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artº 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir:
- A apólice do seguro contempla a atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais?
-na afirmativa, qual o seu valor justo e equitativo?
III. Fundamentação
A) De facto
Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A Autora trabalhou na Associação de… ao abrigo de um acordo escrito denominado "contrato de formação em contexto familiar", desde o dia 1 de Abril de 2011.
2. No dia 20 de Agosto de 2011, no desempenho das suas funções, a Autora escorregou e caiu, tendo-se magoado no pé direito.
3. Pela apólice n." … que se encontra junta a fls. 38 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Associação de…, em cujas instalações era ministrada a formação e onde se deu o acidente, havia transferido para a Ré os riscos pessoais de morte ou invalidez permanente, incapacidade temporária e despesas de tratamentos e repatriamento.
4. A Ré proporcionou à Autora assistência clínica nos serviços clínicos do Hospital de… para tratamento das lesões resultantes do acidente.
5. A Ré compensou monetariamente a Autora de todas as despesas havidas com o seu tratamento, bem como todos os períodos de incapacidade, no valor global de € 9.460,01.
6. No Tribunal do Trabalho de Bragança correu termos o processo especial emergente de acidente de trabalho a que coube o n." 336/12.8TTBGC, na sequência de participação feita pela ora Autora nos Serviços do Ministério Público junto daquele Tribunal no dia 24 de Setembro de 2012.
7. Nos termos e com os fundamentos do despacho junto a fls. 18-22 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em 13.12.2012 foi declarada a incompetência material daquele Tribunal para conhecer das questões emergentes do acidente participado.
8. Por requerimento dirigido em 05.11.2012 ao processo identificado em 6., a ora Autora desistiu do processo identificado em 6. "em virtude de já ter sido indemnizada pela seguradora na apólice de acidentes pessoais".
9. Tem dores de forma permanente e assenta o pé com dificuldade, o que lhe causa muito sofrimento e desconforto.
10. O contrato referido em 1. terminou em 30.09.2011 e em 01.10.2011 Associação de… celebrou com a Autora o denominado "contrato de trabalho a termo certo" que se encontra junto a fls. 23-26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Em 25.07.2012 foi atribuída à Autora alta com atribuição de uma incapacidade permanente parcial de 2%.
12. A título de despesas de tratamento a Ré pagou à Autora a quantia € 5.122,88 referente a hospitais, transportes de táxi, medicamentos e fisioterapia.
13. A Ré pagou ainda à Autora a quantia de € 4.337,13 pela incapacidade temporária absoluta de 21.12.2011 a 30.03.2012 e de 31.05.2012 a 20.07.2012, pela incapacidade temporária parcial a 30% de 02.04.2012 a 30.05.2012 e pela incapacidade permanente parcial de 2% com o seu tratamento, bem como todos os períodos de incapacidade, incluindo a indemnização devida pela IPP de 2%.
B)De Direito
O seguro de Acidentes Pessoais tem por objectivo garantir a protecção contra os prejuízos, que podem advir em consequência de um acidente susceptível de ocorrer na nossa vida quotidiana, no exercício da nossa actividade profissional ou na nossa vida privada, na prática desportiva ou no decurso de viagens.
Garante, regra geral, o pagamento de um valor previamente acordado devido a um acidente do qual resulte morte, invalidez permanente, incapacidade temporária, ou que dê origem a despesas de tratamento, de repatriamento ou de funeral.
Como refere JOSÉ VASQUES «o seguro de acidentes pessoais tem por objecto a reparação, seja na forma de indemnização ou renda, seja em forma de assistência médica, dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente - acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais»[1]
“Os seguros de prestações indemnizatórias são aqueles em que a prestação da seguradora consiste num valor a determinar a partir dos danos resultantes do sinistro, até ao limite máximo fixado; enquanto os seguros de prestações convencionadas (no sentido útil que decorre do termo a definir, uma vez que sendo clausuladas contratualmente todas as prestações são, nesse sentido convencionadas) são aqueles cujo conteúdo e montante estão previamente definidos, dependendo apenas a sua realização da verificação de determinado fato.
“Esta classificação não reproduz, nos seus precisos termos, uma outra que separa os seguros de danos - o seguro de coisas ou real - dos seguros de pessoas, sendo os primeiros os que atingem o património do segurado e os últimos os que afetam a vida, a integridade física ou a situação familiar das pessoas seguras, porquanto sendo a ultima modalidade daquela antecedente classificação tripartida o resultado da combinação de ambos os tipos contratuais a prestação do segurador corresponde, em muitos casos, à indemnização dos danos, embora a sua determinação se faça previa e globalmente, como acontece na hipótese de seguro de acidentes em que o segurador se obriga ao pagamento de determinado capital, em caso de acidente sofrido pelo segurado, independentemente da valorização concreta dos danos.
Serve isto para dizer que o seguro de acidentes pessoais que é um seguro de pessoas comporta prestações indemnizatórias e nessa medida tem a natureza indemnizatória, sendo-lhe aplicável o princípio indemnizatório com as consequentes implicações.
Como é sabido o Direito dos Seguros é hoje dominado por determinados princípios, neles avultando o princípio indemnizatório e o princípio da sub-rogação, interessando-nos neste momento tão só o primeiro por estar ligado ao carácter não especulativo do contrato de seguro e que nos diz que o segurado deve ser ressarcido do prejuízo que efectivamente sofreu, não podendo o seguro constituir fonte de rendimento para os lesados evitar o sobresseguro, impedir a cumulação de seguros e opor-se a que o lesado seja também indemnizado pelo lesante. [2]
Resulta dos factos provados que a Autora estava abrangido por um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, que abrangia o risco de morte ou invalidez permanente, incapacidade temporária, despesas de tratamento e repatriamento e assistência a pessoas na sequência de acidentes pessoais, conforme condições especiais e particulares da apólice, sendo certo que os capitais seguros eram de € 75.000,00 em caso de morte ou invalidez permanente, sendo € 16,92/dia, em caso de incapacidade temporária e até € 15.000,00 para despesas de tratamentos (vide fls. 38 dos autos).
Considerou a sentença recorrida que o seguro em apreço compreende, de acordo com a apólice, prestações indemnizatórias, caso em que o montante da prestação será determinado pelos danos verificados, até ao limite máximo fixado (já nas prestações convencionadas o montante é previamente definido, dependendo a sua concretização da verificação de certo evento).
Acolhemos esta solução, aliás retratada na conclusão C) deste recurso, a qual corresponde ao que consta do documento elencado no artº 3 dos fatos provados e que consta de fls. 38 dos autos.
Argumenta a R. Seguradora que os riscos/danos reclamados – perda de emprego e dores - não se encontra coberto pelo contrato de seguros.
Porque os riscos e cobertura se limitam á natureza e montante contratados, expressos na respectiva Apólice/ condições Particulares.
Todavia, o que resulta evidente no texto da Apólice (único documento que a ré juntou) não é a exclusão da indemnização de danos não patrimoniais, mas, pelo contrário, a não qualificação da natureza do dano indemnizável e, consequentemente a não exclusão de que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial.
Visar o seguro aqui em causa (no contrato e na lei) uma cobertura referida ao risco não exclui que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere o trecho final do nº 1 do artigo 496º do CC “[…] pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”[3] .
Acresce referir que, na perspectiva da responsabilidade civil, os danos são toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e que o lesado não sofreria se não fora o evento danoso.
Como se escreve na sentença recorrida “ tendo o seguro de acidentes pessoais por objecto a reparação (na forma de indemnização e/ou de assistência médica) dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente, as dores decorrentes da lesão causada pela queda sofrida pela Autora consubstanciam danos indemnizáveis ao abrigo desta apólice. A dor, não constituindo uma qualquer lesão, antes um sintoma, é decorrência da lesão corporal sofrida pela Autora, logo, dano coberto pela apólice que responsabiliza a Ré pelos danos decorrentes de acidente pessoal que tenham provocado uma invalidez permanente. De resto, à Ré incumbia provar que tais danos se encontram excluídos da cobertura contratada (cf. artigo 342. n. o 2, do Código Civil), O que não fez, não tendo sequer junto aos autos as condições gerais, especiais e particulares da apólice”.
É certo que uma invalidez é essencialmente uma incapacidade funcional e esta expressa-se, primordialmente, num dano patrimonial, associado desde logo a uma incapacidade para o trabalho. Mas a disposição legal (art 175 do DEC. Lei nº 72/2008 de 16 de Abril) não é exactamente a qualificação do tipo de dano o que faz: estipula que o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde, à integridade física de uma pessoa (…). Isto inclui todos os tipos de danos – rectius, não exclui os danos não patrimoniais.
E as coisas não se colocam num plano distinto deste quando encaramos o contrato em si mesmo, à luz da ausência do elemento textual traduzido na exclusão de indemnizações referidas a danos não patrimoniais, como acontece no caso em apreço.
Também aqui não se deve distinguir aquilo que o contrato não distingue, valendo, por isso, a regra própria da interpretação de um contrato de seguro, in dubio contra stipulatorum, conforme à qual uma ambiguidade do texto contratual deve ser entendida, no sentido de interpretada, como abrangendo o conteúdo indemnizatório mais amplo, aqui correspondente à não exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais [4].
Como bem sabe a recorrente a situação em apreço difere da questão apreciada no acórdão da Relação de Guimarães que cita.
De facto, no contrato ali apreciado o nº1 do artigo 36º das condições gerais previa que a indemnização pela IPP era determinada pela tabela de desvalorização anexa – ou seja, presidia um critério puramente aritmético (multiplicação da IPP apurada pelo valor do capital da apólice) e que nos termos do nº10 é excluída a indemnização quando a desvalorização é inferior a 10%. Perante estas cláusulas concluiu-se naquela decisão que “claramente as condições contratuais excluem do risco coberto os danos não patrimoniais, onde o critério prevalecente é a equidade (artigo 496º, nº4, do Código Civil).[5]
A prova da existência da tabela de desvalorização ou da aplicação da regra proporcional [6] a ré não fez neste processo. Nem sequer juntou as condições gerais e particulares do contrato.
Dizendo a ré que a quantia que pagou á autora a título de incapacidade permanente foi alcançada sobre 2% de 75.000,00 euros, não fez porém prova da cláusula contratual acordada que lhe permitia fazer estes cálculos.
E não se tendo apurado uma dada forma de cálculo da indemnização em causa, ela deve ser determinada de harmonia com o regime geral previsto para a obrigação de indemnização, nos termos afirmados na jurisprudência citada.
Vale isto, enfim, pela afirmação de que o seguro aqui em causa não exclui, contrariamente ao que pretende a Seguradora/Apelada, a indemnização por danos não patrimoniais (“danos morais”), sendo que os aqui detectados (os que vemos caracterizados no nº9 do elenco fáctico supra transcrito), pela sua gravidade objectiva merecem, indubitavelmente, a cobertura do direito.
Haverá, pois, que os fixar.
Estes danos caracterizam-se por serem insusceptíveis de uma avaliação pecuniária já que atingem bens que não integram o património do lesado – com efeito, não há critérios de medição da dor, do grau de violação da saúde, da honra, do bom nome, e da correspectiva importância monetária.
O dano em apreço tem por suporte a pessoa humana, no seu lado subjectivo, e situa-se no pólo oposto à felicidade do homem. Quem sofre um desgosto, quem se incomoda, quem sente as torturas da dor ou da falta de saúde, perde um bem anímico: essa perda é o dano moral ou não patrimonial [7], é um dano que afecta a personalidade moral nos seus valores específicos [8].
A compensação do lesado obter-se-á com o próprio acto de condenação do lesante e da satisfação que possa obter com uma qualquer aplicação do dinheiro recebido que lhe traga algum lenitivo.
O Tribunal a quo, para chegar ao valor de € 7.500, ponderou “que a Autora tem dores de forma permanente e assenta o pé no chão com dificuldade, o que lhe causa muito sofrimento e desconforto. Ainda que desconheçamos o quantum doloris, o nível de influência das dores na actividade diária da Autora e o grau da sua dificuldade motora, é inquestionável que a Autora tem a sua qualidade de vida, afectadas de forma irreversível e gravosa, pois ficou a padecer de um problema incurável que lhe provoca dores constantes e dificuldades de locomoção”.
E a gravidade é de salientar tanto mais que o dano ocorre num membro inferior que suporta o peso de todo o corpo e que a autora tem de usar para se movimentar, e que as dores sentidas são permanentes.
Esta situação é tão relevante que a tabela médica - a Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil, (artº 1 do DL nº 352/2007, de 23 de Outubro) em algumas situações não avalia a dor (por ex. na mão) mas noutras partes do corpo que têm de ser movimentadas, sempre que se faz esforço (por ex. o joelho) a dor tem uma avaliação diferente e autónoma.
Veja-se também nas instruções gerais do anexo 1 do Dec. Lei em apreço, a relevância reconhecida ao aparelho locomotor com o reconhecimento do primado do prejuízo funcional relativamente ao compromisso anatómico.
Para além do exposto, temos de ponderar como ponderou a decisão recorrida a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [9], a qual em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo ser simbólica ou miserabilista para que a compensação por danos não patrimoniais possa responder de forma actualizada ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória.
Conjugando quanto acima fica referido aceita-se como equitativa a quantia supramencionada para ressarcir a Autora dos danos não patrimoniais descritos.
**
Concluindo:
O seguro de Acidentes Pessoais tem por objectivo garantir a protecção contra os prejuízos, que podem advir em consequência de um acidente susceptível de ocorrer na nossa vida quotidiana, no exercício da nossa actividade profissional ou na nossa vida privada, na prática desportiva ou no decurso de viagens.
Garante, regra geral, o pagamento de um valor previamente acordado devido a um acidente do qual resulte morte, invalidez permanente, incapacidade temporária, ou que dê origem a despesas de tratamento, de repatriamento ou de funeral.
Uma invalidez é essencialmente uma incapacidade funcional e esta expressa-se, primordialmente, num dano patrimonial, associado desde logo a uma incapacidade para o trabalho.
Mas a disposição legal (art. 175 do DEC. Lei nº 72/2008 de 16 de Abril) não é exactamente a qualificação do tipo de dano o que faz: estipula que o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde, à integridade física de uma pessoa (…). Isto inclui todos os tipos de danos – rectius, não exclui os danos não patrimoniais.
Não se tendo apurado uma dada forma de cálculo da indemnização em causa, ela deve ser determinada de harmonia com o regime geral previsto para a obrigação de indemnização.
IV-Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique
Guimarães, 12 de novembro de 2015
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] Vide Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pp. 60 e 61
[2] Neste sentido acórdão do STJ de 04.102001 Pº 01B2309, www, dgsi.pt e Acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 2011 in CJ, acórdão do STJ Ano XIX Tomo 1/2011 pp 81 – 85.
[3] A cobertura de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade pelo risco é genericamente aceite pela nossa doutrina. V., por todos, Mário Júlio de Almeida Costa: “[q]uanto à responsabilidade civil pelo risco, a solução logo decorre de se lhe estenderem [à responsabilidade pelo risco], na parte aplicável, as disposições respeitantes à responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499º [do CC]” (Direito das Obrigações, 11ª ed., revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 603).
[4] Neste sentido acórdão da Relação de Coimbra datado de 08/09/2009 e proferido no processo 165/06.8 TBGVA.C1, que se segue porque ajustado ao caso em apreço.
[5] Proferido no processo nº 1266/09.6TBEPS.G1 com data de 15.01.2015
[6] No dizer de Pedro Romano Martinez no livro “ Contratos Comerciais, editora Principia pp 87
[7] .Oliveira Matos, Código da Estrada, pág. 504
[8] .Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, pág. 271.
[9] Acórdão do STJ de 24.04.2013, proc, nº 198/06TBPMS.C1.S1 in www.dgsi.pt