Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
NULIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
I - Configura uma nulidade sanável, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, d), do Código de Processo Penal (insuficiência do inquérito por não terem sido praticados legalmente obrigatórios) a não redução a auto da declaração pelo telefone da ofendida em crime de violência doméstica relativa à concordância, ou não concordância, com a suspensão provisória do processo. II - O artigo 281.º, n.º 7, do Código de Processo Penal (relativo à suspensão provisória do processo em crime de violência doméstica) não é inconstitucional.
Texto Integral
Processo nº 666/20.5PIPRT.P1
2ª Secção Criminal-Tribunal da Relação do Porto. Relatório:
No processo acima identificado, por sentença proferida no dia 26/03/21, depositada na mesma data, decidiu-se julgar a acusação provada e procedente, com o seguinte dispositivo:
1) Condenar o arguido AA, devidamente identificado nos autos, como autor material de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artigo 152, nº 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
2) Nos termos do artº 50 e 51 nº1 a) do Código Penal decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de três anos e sujeita ao dever de pagar, em igual período, à ofendida BB, a quantia, no valor de 5.000,00€, devida a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para os juros civis, desde a data da publicação da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.
Inconformado veio o arguido recorrer, deduzindo para o efeito dois recursos: um intercalar e outro da decisão final. Do recurso interlocutório (conclusões)
1ª Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu a declaração da inexistência jurídica ou nulidade insanável decorrente da assentada do Ministério Público de fls. 164.
2ª Da conjugação do disposto nos artºs 262 nº1, 267, 270 nº1 e 2 alª e), 275 nº1 e 281 nºs 1 alª a) e 7 do CPP conclui-se:
a) A verificação da presença dos pressupostos da suspensão provisória do processo incumbe exclusivamente ao Ministério Público, uma vez que da sua existência ou não depende o exercício da acção penal no sentido da acusação ou no sentido da suspensão provisória do processo, por um lado, e, por outro, apenas assim o Ministério Público pode concluir que a aquiescência ou o requerimento foram feitos de “modo livre e esclarecido”;
b) A aquiescência da vítima ou o seu requerimento no sentido da suspensão provisória do processo são obrigatoriamente reduzidos a auto.
3ª Quer isto dizer que a aquiescência do ofendido ou o requerimento de suspensão provisória do processo dependem da realização de diligência presencial a tal dirigida que deve ser presidida pelo Ministério Público, sendo tal diligência, pelas razões vindas de expor, indelegável nos órgãos de polícia criminal (neste sentido o ponto 3) do capítulo II da Directiva nº 1/2014 da PGR, publicada in DR IIª Série, nº17 de 24/1/14 e a Directiva 5/2019 da PGR, publicada no Diário da República nº 233/2019, Série II de 2019-12-04, capítulo VIII).
4ª Tratando-se de diligência de inquérito tem que ser devidamente documentada e reduzida a auto, nos termos do artº 99 nº1 e 275 nº1 do CPP.
5ª Todas as diligências documentadas nos autos tendentes à aplicação da suspensão provisória do processo foram presididas por OPC ou por funcionário judicial, o que contraria frontalmente as Directivas supra mencionadas, sendo certo que todas essas diligências foram reduzidas a auto com excepção da “diligência” constante da assentada de fls.164.
6ª A aplicação da suspensão provisória do processo e a verificação dos seus pressupostos em sede de inquérito incumbe exclusivamente ao Ministério Público, no âmbito dos seus poderes de promoção processual. Daí que se compreenda a exigência da hierarquia do Ministério Público da presença física do Magistrado respectivo aquando das diligências tendentes à aplicação da suspensão provisória do processo.
7ª No caso concreto, a Procuradora titular do inquérito fez consignar que telefonou para um número de telefone que consta desse escrito e que do outro lado alguém lhe disse que se opunha a que o arguido beneficiasse do instituto da suspensão provisória do processo.
8ª Sucede é que, o MP não pode bastar-se com um telefonema para concluir pela oposição da ofendida à suspensão provisória do processo, desde logo porque não tendo a Ilustre Procuradora tido contacto directo com a ofendida se desconhece se foi, efectivamente, com esta que falou.
9ª O Ministério Público apenas pode entender desnecessário reduzir as diligências de inquérito a auto, nos termos do disposto no artº 275 nº1 do CPP quando “(…) a diligência tiver sido totalmente infrutífera para os fins da investigação (….)”, mas ver o acórdão do Bundesverfassungsgericht de 12/4/05 que insiste no carácter fundamental do registo da totalidade das diligências do inquérito que constituam uma actividade instrutória de intrusão (…) – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, pag. 736.
10ª Ou seja, ao contrário do que se diz no despacho recorrido não é uma faculdade discricionária do MP reduzir ou não a auto uma diligência, uma vez que a elaboração do auto para além de permitir conferir fé ao que se passou na diligência (artº 99 nº1 do CPP) tem de cumprir determinados requisitos (cfr. artº 99 nº3 do Código de Processo Penal).
11ª A diligência constante da assentada de fls. 164 é substancial e formalmente inválida: substancialmente porque a diligência na diligência não se teve contacto presencial com a ofendida e formalmente porque a diligência não foi reduzida a auto.
12ª Uma vez que não foi elaborado auto com a transcrição do depoimento da ofendida e com a descrição dos restantes elementos exigidos pelo artº 99 do CPP, terá que se concluir pela inexistência jurídica da referida diligência, porquanto, como refere Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, edição Universidade Católica Portuguesa, 4ª edição actualizada, pag. 283“A falta do auto corresponde à falta da diligência a que ele diz respeito, em consonância com o princípio quod non est in actis non est in mundo”.
13ª Quando o auto é totalmente omitido estamos perante uma inexistência jurídica (neste sentido Tiago Caiado Milheiro, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I, pag. 1064).
14ª Encontrando-se, assim, a referida diligência afectada de inexistência jurídica, devem ser anulados todos ao actos posteriores que dela dependem, designadamente a acusação e os autos serem devolvidos ao Ministério Público.
15ª No entanto, ainda que assim não se entenda, o Ministério Público para concluir pela não demonstração da aceitação ou não aceitação da suspensão provisória do processo tinha que promover a realização de diligência destinada a esse fim na qual estivesse presencialmente a ofendida e a Magistrada, e não o fazendo incorreu-se em nulidade insanável por falta de promoção do MP (artº 119 alª b) do CPP), uma vez que a suspensão provisória do processo é uma das formas dessa mesma promoção processual, devendo da mesma forma os autos ser devolvidos ao MP com anulação de todos os actos posteriores que dele dependem.
16ª Obedecendo as nulidades ao princípio da taxatividade temos por certo que não se trata de nulidade sanável, uma vez que não se enquadra em qualquer das alíneas do nº 2 do artº 120 do CPP.
17ª Enquadrando-se a invalidade no âmbito da competência exclusiva do MP de promoção processual, é de concluir que, não sendo inexistente o acto, este está afectado de nulidade insanável prevista no artº 119 alª b) do CPP, pelo que é arguível a todo o tempo.
18ª O despacho recorrido parte do errado pressuposto de que a ofendida está constituída assistente no processo, o que não acontece, nem à altura da prolação do despacho em causa estava.
19ª Por outro lado, o disposto no artº 281 nº7 do CPP não tem o condão de obrigar o MP a obter o consentimento do ofendido para que opte pela suspensão provisória do processo.
20ª O ofendido é inevitavelmente um sujeito processual tendencioso e parcial, por força da sua qualidade de titular do bem jurídico violado, ao contrário das figuras do Juiz e do Ministério Público, cuja actividade é necessariamente imparcial e se rege por critérios de estrita legalidade. O interesse primordial do ofendido será a reparação do bem jurídico alegadamente violado e não a pura realização da Justiça – objectiva e isenta –, pelo que, a lei ordinária não poderia permitir que a sua aquiescência à suspensão provisória do processo fosse condição sine qua non de aplicação de tal instituto, permitindo que aquele tomasse as rédeas do processo penal e o conduzisse segundo o seu próprio arbítrio.
21ª Atribuir-se ao mero lesado o poder de através de mero requerimento infundamentado inviabilizar a suspensão provisória do processo é dar-se um passo no sentido do regresso da vindicta privada, pelo que só o juízo de discordância do Ministério Público deve ser considerado por se presumir independente, imparcial, baseado em critérios de legalidade e, acima de tudo, devidamente fundamentado, nos termos do disposto no artº 97 nºs 3 e 5 do Código de Processo Penal.
22ª Por tudo isto é de entender que a interpretação que se extraia das normas conjugadas dos artºs 281, nº 1, alª a) e nº 7 do CPP no sentido de que em processo por crime de violência doméstica o Ministério Público tem que obter a concordância do lesado para decidir pela suspensão provisória do processo, é inconstitucional por violação dos artºs 219, nº 1 e 203, ambos da CRP.
23ª Entende o recorrente que a arguição de inexistência ou nulidade insanável da assentada em causa não consubstancia incidente nem está sujeito ao pagamento de taxa sancionatória excepcional.
24ª A arguição da inexistência/ nulidade insanável não perturbou o movimento normal do processo, não teve autonomia processual uma vez que a questão foi colocada na contestação, nem a sua solução pressupôs a formação de um processo distinto de processo da acção.
25ª A taxa de sancionatória excepcional apenas é aplicável aos “intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recurso e requerimentos manifestamente infundados.”
26ª O que não é o caso, pois, o arguido apenas exerceu o seu direito de arguir o vício da assentada em causa, sendo certo que nem sequer se fundamentou o despacho alegando o porquê de se ter entendido que o arguido não agiu com a prudência ou diligência devidas.
27ª Assim, afigura-se recorrente que a arguição de inexistência/nulidade insanável não é um incidente anómalo, pelo que deve ser revogado o despacho recorrido quanto a custas.
28ª O despacho recorrido violou ou fez errada aplicação do disposto nas normas referidas na motivação que aqui se dão por integralmente reproduzidas brevitatis causa, não podendo, pois, manter-se. Termos em que (…) deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por acórdão que declare a inexistência jurídica da assentada de fls. 164 com as legais consequências (,,,)
………………………………
………………………………
………………………………
Respostas do MP: Resposta ao recurso interlocutório.
1. O recurso insurge-se contra a diligência descrita no início do despacho de encerramento, com o seguinte teor: “Em virtude de, nas declarações prestadas pela ofendida a fls. 139, existir uma contradição no que respeita à sua anuência para com a SPP, consigno que, no dia de hoje, às 13:24, a contactei telefonicamente através do número ........47, tendo-me a mesma dito que se opunha a que o arguido beneficiasse daquele instituto. Por isso, ir-se-á deduzir acusação, em processo comum.“
2. Compulsadas fls.139, resulta que a ofendida, de forma presencial, prestou as seguintes declarações perante OPC, devidamente vertidas em auto de inquirição: “Esclarecida do instituto de suspensão provisória do processo (…) afirmou peremptoriamente que não aceita e requer a sua aplicação”.
3. Assim, a diligência enunciada em 1 não visou apurar, ex novo, a vontade da ofendida relativamente à suspensão provisória, mas apenas rectificar o lapso onde esta havia manifestado tal vontade, nos termos do artº 249 do Código Civil, aplicável aos autos de inquirição por força do artº 295 do Código Civil, através de contacto para o número de telemóvel que se sabe ser o da ofendida, por tê-lo fornecido pessoalmente aquando da sua inquirição perante OPC.
4. O recurso começa por defender “a aquiescência da vítima ou o seu requerimento no sentido da suspensão provisória do processo são obrigatoriamente reduzidos a auto” (conclusão 2ª).
5. Nenhum dispositivo legal impõe a obrigatoriedade da vontade da ofendida, relativamente à aplicação da suspensão provisória, ser formalizada em auto, nomeadamente as normas directamente atinentes com a questão: nº s 1, 7 e 8 do artº 281 do Código de Processo Penal.
6. Pelo contrário: o nº 2 do artº 275 do Código de Processo Penal elenca as diligências obrigatoriamente reduzidas a auto, e nelas não inclui os “autos de suspensão provisória”.
7. Para além disso, se o artº 275/1 do Código de Processo Penal permite a não formalização em auto de diligências de prova, por maioria de razão o permitirá, relativamente à aplicação de institutos de consenso ou de diversão.
8. A não formalização em auto não implica a não sindicância do processo, na medida em que as diligências revestirão sempre a forma escrita, como é o caso do que se passou neste processo.
9. O recurso também defende que a diligência era indelegável e que tinha que ser presidida, pessoalmente, por magistrado do Ministério Público.
10. Não é assim: o artº 270/ 1 e/2 do Código de Processo Penal é cristalino, não prevendo a necessidade de intervenção pessoal de magistrado do Ministério Público em tal diligência.
11.Para além disso, não faria sentido que o sistema legal exigisse a presença de magistrados nas diligências tendentes à aplicação de institutos de consenso ou de diversão processuais, e não o exigisse no único acto legalmente obrigatório do Inquérito – artº 272/1 do Código de Processo Penal – e em actos muito mais lesivos de direitos fundamentais, como buscas e revistas – artº 174/3 do Código de Processo Penal.
12.As Directivas do Ministério Público invocadas no recurso não têm a força de lei e a sua não observância não pode dar lugar a irregularidades ou nulidades processuais.
13.Mesmo que se considere que a diligência deveria ser reduzida a auto e presidida por magistrado do Ministério Público, a declaração da sua inexistência não produzirá qualquer efeito, uma vez que continuará sempre a faltar requerimento da ofendida a solicitar a aplicação de suspensão provisória, tornando-a legalmente impossível (art.º 281º/7 do Código de Processo Penal).
14.Ao longo de quase todo o recurso, argumenta-se que a elaboração de auto de suspensão provisória era uma diligência legalmente obrigatória.
15.Consequentemente, caso o recurso tivesse razão, a não realização da diligência só poderia configurar a nulidade prevista no artº 120/2, alª d) do Código de Processo Penal.
16.Uma vez que a nulidade só foi invocada em sede de contestação, a mesma considera-se sanada, por força do artº 120º/3 do Código de Processo Penal.
17.Esta não é a sede própria para apreciação da questão da inconstitucionalidade vertida nas conclusões 19 a 22, uma vez que o arguido interpôs recurso quanto à mesma questão, dirigida ao Tribunal Constitucional, tendo mesmo renunciado ao recurso ordinário para o efeito.
18.Perante os extensos conhecimentos jurídicos que o Ilustre Defensor revela, para além do mais, no recurso interposto, este não podia deixar de saber da manifesta insustentabilidade legal das invalidades invocadas.
19.Assim, o incidente enxertado na contestação revela efectiva temeridade por parte da defesa, ou melhor, não actuação “com a prudência ou diligência devida”, justificando plenamente a condenação em custas de que foi objecto.
Resposta ao recurso principal.
………………………………………..
………………………………………..
………………………………………..
Já neste Tribunal Superior O senhor Procurador Geral- Adjunto elaborou parecer nos seguintes termos:
O arguido AA, veio recorrer do despacho que indeferiu a arguição de inexistência jurídica ou nulidade insanável feita na contestação, condenando-o em 1,5 UC´s pelo incidente.
Entende o recorrente que, em fase de inquérito, a concordância ou o requerimento de aplicação da suspensão provisória tem que ser feito presencialmente, perante Magistrado do Ministério Público e reduzido a auto (cfr. conclusões 2 a 6). Uma vez que durante o inquérito, a Magistrada titular se limitou a contactar telefonicamente a ofendida para apurar se esta concordava com a suspensão provisória (cfr, conclusão 7), essa forma de apurar a vontade da vítima, preteriu uma formalidade legal, provocando a inexistência ou nulidade insanável (cfr. conclusões 12 e ss.).
Também vem argumentar que a interpretação das normas conjugadas do artº 281, nº 1, alª a) e nº 7 do Código de Processo Penal no sentido de que em processo por crime de violência doméstica o Ministério Público tem que obter a concordância do lesado para decidir pela suspensão provisória do processo, é inconstitucional por violação das disposições dos artºs 219, nº 1 e 203 da Constituição (cfr. conclusão 22).
Finalmente, insurge-se contra a condenação na taxa pelo incidente, referindo que não perturbou o movimento normal do processo, não teve autonomia processual uma vez que a questão foi colocada na contestação, nem a sua solução pressupôs a formação de um processo distinto de processo da acção (cfr. conclusão 24).
O Magistrado do Ministério Público junto do Juízo Local Criminal ..., defendendo a improcedência do recurso, respondeu ao mesmo formulando as conclusões que a seguir se transcrevem integralmente (reprodução em sede de resposta a quo quanto ao recurso interlocutório).
(…)
Sobre as questões suscitadas subscrevemos integralmente a posição expressada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido de forma bem clara e judiciosa, permitindo-nos apenas acrescentar um mero detalhe em que se pretende contextualizar a posição assumida pela Magistrada do Ministério Público que conduziu o inquérito e a solução pela mesma adoptada relativamente à posição da ofendida quanto à hipótese de suspensão do processo.
Na sua argumentação, o recorrente apela para as Directivas nºs 1/2014 e 5/2019, ambas da Procuradora-Geral da República, daí retirando que a hierarquia do Ministério Público impõe que o Magistrado titular dos inquéritos em que está em causa o crime de violência doméstica realize pessoalmente as diligências que possam conduzir à suspensão provisória do processo.
Na verdade, como se pode verificar no texto da alínea 3) do capítulo II, da Directiva 1/2014, refere-se: as diligências que visem a definição das condições da suspensão provisória e a obtenção das necessárias declarações de concordância, serão, em regra, realizadas pelo Magistrado do Ministério Público.
Na Directiva nº 5/2019, VIII, 1, em vigor quando o inquérito foi tramitado, foi-se ainda mais longe e consignou-se: sempre que, no quadro do disposto no nº 7 do artigo 281, do Código de Processo Penal, a vítima requeira, ainda de que forma imperfeitamente expressa, a aplicação ao arguido da suspensão provisória do processo, o MP, através de contacto directo e presencial com a mesma, afere se o requerimento corresponde à sua vontade livre e esclarecida.
Se no instrumento hierárquico de 2014, se deixou em aberto a possibilidade de o Magistrado do Ministério Público não presidir à diligência em causa pois introduziu-se a expressão em regra, na Directiva nº 5/2019, entende-se que a diligência deverá ser feita através de contacto directo e presencial do titular do inquérito.
Contudo, tanto numa como na outra, apenas se pretendeu dispor quanto às situações em que o processo se encontra a ser conduzido para a aplicação do instituto da suspensão provisória e não quando se exclui essa hipótese.
A razão de ser desse cuidado colocado no encaminhamento do processo para a suspensão provisória prende-se com a necessidade de esclarecer cabalmente a vítima do crime, algo que se entendeu dever ser confiado apenas ao Magistrado e não aos Órgãos de Polícia Criminal. Esta medida poderá também despistar situações em que o consentimento da vítima não foi ditado por pressões do autor do crime que a manipulou.
Como resulta claro, no inquérito em análise, apenas se colocou a questão da interpretação do que a ofendida afirmou quando inquirida, pelo que entendeu (e bem) a Magistrada titular do inquérito abordá-la de forma rápida e expedita, logo despistando a hipótese de encaminhar o inquérito para a suspensão provisória e de aí dever dar cumprimento à Directiva nº 5/2019.
Ademais, o resultado da diligência – a oposição da vítima à suspensão provisória do processo - não foi colocado em causa por nenhum interveniente processual, tendo sido registado no inquérito, demonstrando a transparência dos procedimentos do Ministério Público.
Quanto a esta questão revemo-nos no pensamento expressado na resposta do Ministério Público quando afirma: Assim, que interesse material, que interesse de justiça substantiva exigia que se tivesse que realizar novo auto de inquirição da ofendida (seria, no mínimo, a terceira inquirição da ofendida), apenas para confirmar a vontade que esta já antes tinha manifestado pessoalmente? Salvo o devido respeito, a tese do recurso consubstancia a defesa de um formalismo completamente estéril, uma exigência burocrática mais própria dum processo penal da primeira metade do Séc. XX do que do Séc. XXI, que em nada colide com os legítimos direitos do arguido ou de outro sujeito processual qualquer.
Pelo exposto, continuando a subscrever o teor da resposta do Ministério Público, entendemos que o recurso deve improceder mantendo-se a decisão recorrida.
……………………………
……………………………
……………………………
(…)
Da apreciação de mérito.
O objecto dos recursos – interlocutório e principal – emerge das conclusões. A motivação enuncia os fundamentos do recurso com as consequentes conclusões. Destaques dos pedidos – artº 412 nº 1 do CPP. Recurso intercalar.
a) A concessão da SPP, em processos por crime de violência doméstica obedece aos pressupostos previstos no artº 281 nºs 1 e 7 do CPP. A vítima tem de prestar uma (requerimento) declaração livre e esclarecida, perante o MP, reduzida a auto.
b) O incidente não está sujeito ao pagamento de taxa sancionatória excepcional. Nem o requerimento nem o recurso são expedientes dilatórios e não pretendem criar obstáculos ao exercício da justiça.
c) A norma contida no artº 281 nº7 do CPP ao exigir uma declaração de concordância livre e esclarecida da vítima para operar a SPP viola os princípios constitucionais da autonomia do MP e da independência judicial, respectivamente os artºs 219 nº 1 e 203, ambos, da CRP. Aquela norma é inconstitucional.
O Tribunal a quo na 1ª Sessão de audiência de discussão e julgamento, em 10/02/2021, decidiu, a título de questão prévia, a matéria alegada pelo recorrente em sede de contestação, onde se pedia a declaração da inexistência jurídica ou nulidade insanável decorrente da assentada do Ministério Público de fls. 164.
A matéria prende-se com a Suspensão Provisória do Processo (SPP). O recorrente alega que a verificação, da presença dos pressupostos da suspensão provisória do processo “incumbe exclusivamente ao Ministério Público, uma vez que da sua existência ou não depende o exercício da acção penal no sentido da acusação ou no sentido da suspensão provisória do processo, por um lado, e, por outro, apenas assim o Ministério Público pode concluir que a aquiescência ou o requerimento foram feitos de “modo livre e esclarecido” - artºs 262 nº1, 267, 270 nº1 e 2 alª e), 275 nº1 e 287 nºs 1 alª a) e 7 do CPP. A aquiescência da vítima ou o seu requerimento no sentido da suspensão provisória do processo são obrigatoriamente reduzidos a auto.
Do despacho judicial inserto na acta de fls.242 e seguintes.
O tribunal a quo começa por dizer que a SPP é um instituto a operar em fase de inquérito, oficiosamente ou a requerimento, sob controlo do MP e homologação do Juiz de Instrução.
O arguido, no exercício dos seus atributos processuais, não interveio em momento próprio - atempadamente.
O tribunal a quo também fundamenta o despacho com o teor do artº 275 nº1 do CPP. O MP pode reduzir a diligência de prova a auto, por mera súmula ou até entender que a documentação é desnecessária. Mais adiante o despacho, ao reagir contra a alegada inconstitucionalidade, escuda-se no Acórdão (citado) do TRL de 20/04/2017 in WWW:dgsi.pt, rematando que o arguido está a violar o princípio da igualdade (artº 13 da CRP).
Por último a pretensão do recorrente sempre terá de improceder, por manifesta intempestividade, nos termos do artº 120 nº3 alª c) do CPP. Acresce que esta manifestação de vontade é extemporânea e anómala. A intervenção processual constitui um incidente punido, com taxa sancionatória excepcional.
Vejamos a marcha dos presentes autos a fim de ser possível extrair conclusões. O processo é um conjunto de actos destinado a alcançar um objectivo. Durante esta caminhada é carreada prova que terá de ser reapreciada em sede de julgamento. Os factos, como elementos de prova, determinam a sorte do processo, mediante aplicação do direito. Pode parecer elementar mas a tarefa central de um jurista, máxime do foro, é focar-se na matéria de facto, saber apreciar a matéria de facto, independentemente da fase processual.
No auto de notícia (fls. 1/29v) o qual integra as declarações da vítima, podem ler-se a fls. 7, quanto ao procedimento criminal, três observações: deseja procedimento; admite deduzir pedido civil e concretamente sobre a SPP disse claramente: afirmou não opor-se.
Esta declaração foi prestada perante OPC.
Não obstante esta declaração quando o MP avoca os autos reordena que a ofendida deverá esclarecer, sem prejuízo do artº 134 do CPP, se concorda com a eventual SPP e que deve ficar expresso que requer a aplicação deste instituto ao denunciado.
Curiosamente neste despacho, bastante detalhado, sob muitos aspectos, nada se diz quanto à forma de a vítima prestar a sua declaração. Tudo indica que as declarações, reduzidas a auto, prestadas perante OPC, são suficientes, desde que preencham os pressupostos fixados pela entidade que delegou (MP). Ainda por delegação, a fim de ser ultimado inquérito pela PSP, a ofendida presta novamente declarações a fls. 87/91, obviamente para esclarecer determinados aspectos essenciais para a evolução dos presentes autos, segundo o teor do despacho de 04/06/2020 (fls.76/789). Aqui perguntada sobre a SPP (concordância ou não) solicita 10 dias para responder à aceitação da eventual suspensão provisória do processo. A fls. 138/139, em declarações complementares, afirmou: que não aceita e requer a sua aplicação, caso seja esse o entendimento da autoridade judiciária competente.
No DIAP, com novo interveniente, o Senhor Procurador despacha: considerando que a … Colega encaminhou os presentes autos para eventual SPP, notifique o arguido para … declarar se aceita a aplicação de tal oportunidade, com as obrigações de …
A fls. 163 o arguido declarou formalmente (declaração expressa) que aceita a SPP com as obrigações impostas.
Até aqui tudo levava a crer que a SPP iria ser proposta ao JIC para homologação, mas não, por nova mão, a Senhora Procuradora decidiu, com fundamento nas declarações da ofendida (fls. 139), sem dúvida antinómicas, consigna que no dia de hoje (17/09/2020 – 13,24h) contactei telefonicamente através do nº ........47, tendo-me a mesma dito que se opunha a que o arguido beneficiasse daquele instituto.
Não temos dúvida que as declarações de fls. 139 são contraditórias: não aceita e requer a sua aplicação, mas também não temos dúvida que as primeiras declarações (fls.7) são inequívocas e a ofendida declarou não opor-se à SPP.
Esta matéria sofreu vicissitudes várias e terminou com um contacto telefónico …
A lei excepcionando (nº 7) prescreve - além do disposto no corpo do artº 281 nº 1 do CPP - em processos por crime de violência doméstica, não agravado pelo resultado, o MP, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a SPP, com concordância do Juiz de Instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alªs b) e c) do nº 1 (ausência de condenação anterior pela prática do mesmo crime e ausência de aplicação anterior de SPP por crime da mesma natureza). Um dos pressupostos gerais é a concordância do arguido e do assistente, porém na violência doméstica a lei basta-se com a anuência da vítima e arguido. No presente caso a vítima também tem o estatuto de assistente, mas esta qualidade foi atribuída posteriormente, conferida por despacho de fls. 216. A matéria não é despicienda porque os institutos do assistente (artºs 68/70), ofendido (artº 68 nº 1 alª a) do CPP) e vítima (67-A do CPP) não são coincidentes …
Requerimento livre e esclarecido da vítima.
A vítima pode pronunciar-se quando presta declarações ou, de modo isolado, quando vem aos autos expressamente declarar através de requerimento, a sua vontade de aceitação ou oposição.
É curioso, mesmo surpreendente, a forma como a vontade da vítima foi expressa nos presentes autos. O contacto telefónico serve como modo de agilizar a realização de uma diligência e nunca como meio de superar uma formalidade legalmente exigida. Será normal convidar por via telefónica a ofendida para vir aos autos declarar (formalmente) se aceita ou não a concessão da SPP. Ultrapassar o texto da lei (norma excepcional) com uma chamada telefónica, depois das vicissitudes que esta matéria sofreu ao longo dos autos, parece inaceitável. De reconhecer que o arguido não mereceu o mesmo tratamento. De reconhecer ainda que o telefonema tem a mesma data da acusação – estas decisões integram o mesmo despacho. Prosseguindo, para lá desta confusão, o Tribunal a quo veio acenar com o artº 275 nº 1 do CPP – as diligências de prova realizadas no decurso do inquérito são reduzidas a auto, que pode ser redigido por súmula, salvo aquelas cuja documentação o MP entender desnecessário. Uma coisa é redigir por mera súmula, outra por entender desnecessário. A redacção por súmula é muito frequente e o legislador não deixou esta simplificação ao acaso (artº 100 do CPP). O conceito desnecessário já é bem diferente e, só pode querer dizer que os actos sem interesse não são reduzidos a auto. O presente caso tem contornos distintos. Temos uma imposição legal (artº 281 nº 7 do CPP) muito clara, enquanto a prática descrita a fls. 164 subverte aquela prescrição e parte imediatamente para a acusação. Há formalidades que não podem ser postergadas: obedecem a forma específica e não são passíveis de ser reduzidas por súmula. O artº 275 do CPP, excepciona no nº 2 a obrigatoriedade de redução a auto e por sua vez o artº 100 do CPP disciplina a redacção de um auto, incluindo o que pode ser reduzido por súmula. A questão não está propriamente na súmula, que na gravação áudio nem se coloca, mas no meio utilizado para conseguir a declaração, à revelia do disposto no artº 281 nº 7 do CPP. Acrescentamos mais. A comunicação dos actos processuais pode ser efectuada por via telefónica mas é sempre seguida de confirmação por qualquer meio escrito (artº 11 nº 4 do CPP). A convocação para acto processual pode ser efectuada telefonicamente, porém obedece ao disposto no artº 112 nº 2 do CPP. As regras gerais sobre notificações são sempre muito exigentes, veja-se o nº 8 do artº 113 – convocações e comunicações por via telefónica em caso de urgência. O legislador no título II do Código de Processo Penal disciplina exaustivamente a forma dos actos e sua documentação. Entre os artºs 92/102 do CPP nada fica por disciplinar, nomeadamente o que é um auto (artº 99 do CPP), modo de redacção (artº 100 do CPP) assim como o registo e transcrição (artº 101 do CPP) e, neste último caso não esquece o registo áudio ou audiovisual ou de outros meios diferentes da escrita comum, precisamente com objectivo de sindicar a declaração, o que também, contrariando a perspectiva do MP, não aconteceu. Além da forma do acto não ter sido observada, também não há registo áudio que nos permita comprovar a bondade do argumento do recorrido (MP). Mas ainda há mais argumentos para afastar o procedimento utilizado.
A SPP, depois de longa e aturada discussão, concluiu pelo dever de intervenção do JIC. A homologação é um acto de controlo judicial.
Mesmo que a ofendida tivesse aceitado a SPP, segundo este critério (chamada telefónica), o juiz não tinha meio para sindicar aquela vontade – a decisão da SPP obedece a um despacho fundamentado nos termos do artº 97 nº 3 do CPP o que nos remete irremediavelmente para o disposto no artº 281 nº 7 do CPP.
O rigor do artº 100, ex vi artº 281 nº 7, ambos do CPP não permite prescindir das formalidades exigidas. A intervenção do juiz na SPP não se limita à verificação dos pressupostos, competindo-lhe, para além disso, exercer um juízo sobre injunções e regras de conduta que o MP entenda impor ao arguido, a partir do que deverá ou não dar a sua anuência – Acórdão do TRC de Junho de 1991, in CJ, XVI, Tomo 3, fls. 109.
O despacho judicial de não concordância é irrecorrível.
Por tudo isto a decisão do MP é muito importante: determina ou não um libelo acusatório e afasta ou não a intervenção do juiz. Neste sentido a posição da defesa não pode ser classificada de impertinente. Esta matéria é decisiva quanto à sorte dos presentes autos, porque o passo seguinte desagua na acusação.
A declaração prestada telefonicamente pela ofendida tem de respeitar o formalismo previsto no artº 281 nº 7 do CPP, a exemplo do que se exigiu ao arguido. Qualquer declaração áudio deveria constar de um auto, passível de transcrição, o que sempre pode ser exigido em caso de recurso.
Material e formalmente o procedimento adoptado não é legal.
Vejamos agora o regime de nulidades.
O arguido começou por ser defendido oficiosamente, cfr. fls. 179.
Algum tempo depois o arguido confiou a defesa à advogada CC, nos termos de fls. 186. O despacho de saneamento ainda foi notificado a esta advogada (ver fls. 218 – ref. ...). Na acta de audiência de discussão e julgamento já figuram como mandatários do arguido: os Senhores Advogados CC e DD. Esta questão foi levantada na contestação e mereceu despacho na acta de audiência de discussão e julgamento.
O recorrente veio alegar inexistência jurídica ou, caso assim não se entenda, nulidade insanável nos termos do artº 119 alª b) do CPP – ausência de actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência – comparência do MP.
A inexistência jurídica surgiu, em França, no âmbito do casamento por altura da discussão do Código Civil de Napoleão. Esta invalidade tinha como propósito superar a rigidez da regra pas de nulité sans texte e recusar, determinados actos não previstos na lei como inválidos. Entre vários exemplos figurava o casamento na presença de quem não tem qualidade de conservador, por exemplo no caso de usurpação de funções. Apesar do uso residual desta figura de invalidade, mais intensa no direito civil, em particular no direito de família (artº 1630 do CC), certo é que não podem excluir-se outros ramos de direito, nomeadamente o direito processual penal. A inexistência jurídica está reservada para vícios muito graves em que o acto foi completamente omitido: sentença não reduzida a escrito; julgamento de pessoa diferente do arguido; decisão penal proferida por quem não tem qualidade de magistrado etc… vícios sempre mais graves do que aqueles que a lei prevê como nulidades. A inexistência foge a toda a previsão normativa, situando-se para lá da tipicidade do regime de nulidades e da sua sanação pelo caso julgado, ao invés, a inexistência é insanável. Mesmo as nulidades insanáveis precisam de ser declaradas, ainda que conhecidas oficiosamente. O acto nulo tem existência jurídica e por isso subsiste enquanto não for declarado nulo. A decisão judicial, com trânsito em julgado, se não for ela própria nula, cobre a nulidade dos actos processuais até então praticados – Maia Gonçalves, Comentário ao artº 119 do CPP. 16ª Edição – 2007, página 306.
O acto do MP – não redução a auto da chamada telefónica ou ausência de convite, por esta via para a prática do acto previsto no artº 281 nº 7 do CPP – tem corpus jurídico e integra uma nulidade.
O recorrente alternativamente alegou que é a prevista no artº 119 alª b) do CPP – ausência do MP em acto onde é obrigatória. Aqui, na nossa opinião, sem razão. O OPC teve a incumbência de obter a anuência (declaração) da ofendida quanto à aplicação da SPP. Já acima elaboramos a sinopse destes casos. A actuação do OPC está coberta pelo artº 270 nº 1 do CPP e a melhor interpretação do artº 281 nº 1 e 7 do CPP é de que a declaração pode ser prestada perante OPC, desde que livre e esclarecida. Livre segundo critérios de autonomia e esclarecida porque o MP, através do OPC esclarece a ofendida do alcance do instituto. Efectivamente, a praticada nulidade cai no âmbito do artº 120 nº 2 alª d) do CPP – insuficiência de inquérito … por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios.
A insuficiência de inquérito, enquanto nulidade, respeita à omissão de actos que a lei prescreve como obrigatórios. A violação do disposto no artº 281 nº 7 do CPP configura a omissão de um acto obrigatório, por isso estamos perante uma nulidade sanável nos termos do artº 120 nº 2 alª d) do CPP que deve ser arguida até 5 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (artº 120 nº 3 alª d do CPP). O arguido só veio alegar esta matéria em sede de contestação, decidida como questão prévia em sede de audiência de discussão e julgamento – ver acta de fls. 242/249v. Compreende-se o exercício desta faculdade (alegação da nulidade/recurso intercalar), tanto assim que, o mandatário actual assumiu representação quando os autos estavam em curso, o que não afasta tempestivamente o dever imposto na lei para arguir este tipo de nulidades, certamente pelo mandatário em exercício naquela data. A observação serve apenas para demonstrar que o recorrente não actuou em tempo, muito embora o seu comportamento não possa ser considerado um obstáculo à acção da justiça. Considerar o incidente como falta de prudência ou diligência devida (artº 531 do CPC) é á caminhar para lá do razoável, tanto assim que a pretensão só não é concedida por razão exclusivamente formal - intempestividade - segundo critérios desta modalidade de invalidade (artº 120 nºs 2 alª d) e 3 alª c) do CPP).
Improcede a arguida nulidade.
Por fim a alegada inconstitucionalidade do artº 281 nº 7 do CPP.
A questão levantada é pertinente.
Não nos compete avaliar tecnicamente a redacção e objectivos das tipologias-crime, como por exemplo normas destinadas a disciplinar o crime de violência doméstica, sem prejuízo do que está previsto quanto à fiscalização concreta (artº 280 da CRP). A norma do artº 281 nº 7 do CPP é muito clara, exige, para que a SPP seja aplicada pelo MP, requerimento (declaração) livre e esclarecida da vítima, além dos pressupostos previstos nas alªs b) e c) da citada disposição legal e ainda concordância do arguido e JIC. Coloca nas mãos da vítima a possibilidade de ser ou não concedida a SPP. Já o consentimento do arguido, previsto na mesma norma é perfeitamente lógico. O arguido goza de presunção de inocência e pode ter interesse na progressão dos autos a fim de excluir a sua responsabilidade… O estado assume a protecção das vítimas segundo o princípio da tipicidade. Uma coisa são interesses disponíveis, outra a tutela de um interesse jurídico-penal (bem jurídico complexo previsto no tipo violência doméstica), sobretudo quando falamos de crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos.
O crime não é passível de desistência de queixa.
Apesar destes reparos não podemos deixar de convir que o legislador quis introduzir esta norma e não a alterou aquando da redacção da última reforma - Lei nº 20/2013 de 21/02.
Quando o procedimento depende de queixa não nos repugna a intervenção da vítima, situação que se prende com a natureza da relação jurídica; com a importância do bem jurídico protegido. Nos crimes semipúblicos e públicos, perante princípios informadores do nosso ordenamento jurídico-penal, temos mais relutância em aceitar uma justiça penal negociada (justiça restaurativa), partindo do consenso das respectivas partes, até porque as lesões conexas não têm, em regra, natureza patrimonial … quase sempre atendem a danos de natureza moral. Esta conversa pretende tão só estranhar que o sucesso de um instituto desta natureza (SPP) fique na disponibilidade da vítima mas, por outro lado também não desconsideramos que o legislador quis uma intervenção activa da vítima, ultrapassando a figura do assistente, com uma exigência formal (declaração) livre e esclarecida. Neste sentido não recusamos a aplicação da norma.
A fiscalização concreta permite-nos fazer observações, nos termos supra indicados, mas a interpretação objectiva da lei não confere margem para alcançar o domínio da inconstitucionalidade concreta.
A norma é constitucional e a interpretação está conforme a lei.
Não vislumbramos que a interpretação da norma viole os dispositivos constitucionais alegados – artºs 219 e 203, ambos da CRP. Da recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, suscitada durante o processo, cabe recurso para o TC (artº 280 da CRP).
A interpretação do artº 281 nº 7 do CPP é legal e constitucional.
Pelos fundamentos expostos decidimos não sancionar o recorrente em custas - incidente excepcional não tributado. O recurso procede quanto a custas e improcede quanto à restante matéria. Procede parcialmente o recurso intercalar.
Do recurso principal.
……………………………
……………………………
……………………………
Nova redacção do dispositivo:
1) Condenar o arguido AA, devidamente identificado nos autos, como autor material de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artigo 152, nº 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
2) Nos termos do artº 50 e 51 nº1 a) do Código Penal decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo mesmo período de tempo, sob condição do dever de pagar à ofendida BB, a quantia, no valor de 1.000,00€ (mil euros), devida a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para os juros civis, desde a data do trânsito em julgado até integral e efectivo pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.
Acordam os juízes que integram esta 2ª Secção Criminal em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA confirmando-se a restante parte da sentença recorrida com aqueles reparos e nos termos sobreditos.
Nos termos dos D/L nº 10-A/2020 e D/L nº 20/2020 de 1 de Maio – artºs 3 (aditamento ao artº 15-A daquele D/L) e 6 – a assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal colectivo, nos termos previstos no nº 1 do artº 153 do CPP, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26 de Junho, na sua redacção actual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram. Nestes termos atesto o voto do Juiz Desembargador Adjunto (Moreira Ramos) em conformidade com a decisão.
Sem tributação por não ser devida.
Registe e notifique.
Porto, 9 de Dezembro de 2021.
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos