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PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ARGUIDO NÃO NOTIFICADO DA SENTENÇA
CONTAGEM DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE
Sumário
I-Tendo o arguido sido julgado na sua ausência, o prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal perdura, conforme o comando legal contido na alínea d) do artº 120º do Código Penal até que este seja notificado da sentença; II- Para esta causa de suspensão a lei não indica qualquer prazo máximo, a partir do qual a prescrição voltasse a correr, e se o legislador pretendesse incluir nesta causa de suspensão um prazo máximo, tê-lo-ia expressamente indicado, não sendo curial nestes casos vir invocar uma lacuna legal, a qual claramente não existe; II- Aliás, tendo em consideração a norma ínsita no artigo 120.º do Código Penal, na sua vigência actual e alterada em 2013 impõe-se ter em consideração o próprio teor da Exposição de Motivos da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, no que reporta à questão da prescrição ali abordada, ou seja de que o legislador não pretendeu introduzir qualquer limite máximo para a causa de suspensão prevista na alínea d), isto é, nos casos em que não é possível a notificação da sentença ao arguido, perdurando tal situação até à sua efectiva concretização.
Texto Integral
Acordam, em conferência, as Juízas na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No âmbito do Processo Abreviado com o nº 414/05.0GTCSC, que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de pequena criminalidade de Cascais, foi julgado e condenado o arguido AA devidamente identificado nos autos a folhas 56, pela pratica de um crime de condução de veiculo automóvel na via pública sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro na pena de oitenta dias de multa à razão de diária de três euros, ou seja na multa global de duzentos e quarenta euros e tal em 18 de Abril de 2007 ( data dos factos 24 de Julho de 2005).
O arguido até à presente data ainda não foi notificado da sobredita sentença.
O julgamento teve lugar na ausência do arguido, que estava notificado para comparecer a folhas 51 conforme acta de audiência de discussão e julgamento de folhas 53 a 55.
Depois de inúmeras e infrutiferas diligências com vista à notificação da sentença ao arguido, devidamente espelhadas nos autos, que se goraram, por ser desconhecido o paradeiro do arguido AA, em 14 de Julho de 2021, foi proferido o despacho recorrido a folhas 185 e seguintes, através do qual foi julgado extinto o procedimento criminal sobre que versam os autos.
Inconformado com o referido despacho que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o arguido, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1.
Por douta sentença, proferida a 18 de Abril de 2007 (fls. 56 a 64), foi o arguido AA condenado, como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3, no montante total de €240 (duzentos e quarenta euros).
2.
Como resulta dos autos e de todo o processado, o arguido foi regularmente notificado das datas de audiência de discussão e julgamento – na morada do Termo de Identidade e Residência, que prestou a fls. 6 e que não alterou -, não tendo comparecido em qualquer delas, nem mesmo na data da leitura da sentença.
3.
Tendo sido julgado na ausência, foi determinada a sua notificação pessoal, nos termos do artigo 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, a qual não chegou a ter lugar, porquanto, pese embora as inúmeras diligências efectuadas, não foi possível apurar do paradeiro actual do arguido – verificou-se, assim, a existência da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal.
4.
Na sequência, por decisão proferida a 14 de Julho de 2021, entendendo-se existir uma lacuna legal que cumpre corrigir, por recurso a analogia, se conclui que ‘se mostra transcorrido o prazo prescricional de cinco anos, acrescido do prazo de dois anos e seis meses inerente a eventual interrupção do prazo e ainda cinco anos que caberiam, caso o arguido, em tempo próprio, tivesse sido declarado contumaz (em análoga situação de revelia com a presentemente analisada), julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal sobre que versam os autos’, sem que de tal decorra, em concreto, quais os normativos em que tal entendimento se fundamenta, sendo certo que toda a jurisprudência identificada não o sustenta.
5.
É desta decisão, que declara extintos os presentes autos, por prescrição, da qual discordamos, que ora recorremos, por considerarmos que a mesma contende e viola o disposto nos artigos 118.º, 120.º e 121.º, todos do Código Penal, devendo, consequentemente, ser substituída por outra que proceda a diligências a fim de proceder à notificação ao arguido da sentença proferida nos autos.
6.
Visa-se, com o recurso ora interposto, apreciar e responder à seguinte questão: terá lugar a prescrição do processo, no caso de a sentença proferida não ter transitado em julgado, uma vez que, determinada a sua notificação por via pessoal, por força da realização de audiência de julgamento do arguido na ausência, a mesma não ter sido possível ou, ao invés, o prazo prescricional permanecerá indefinidamente suspenso? É nosso entendimento, como fundamentamos, de que o prazo de prescrição permanece indefinidamente suspenso, até à notificação da sentença ao arguido.
7.
Cumpre, antes de mais, afirmar que o artigo 120.º do Código Penal, ao contrário de outras causas de suspensão que aí se encontram identificadas, não estabelece, para a sentença não notificada, qualquer limite máximo de tempo durante o qual tal causa de suspensão vigore ou se mantenha, sendo certo que o legislador, através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, deixou tal situação inalterável.
8.
Não poderá deixar de se afirmar que, se o legislador manteve tal causa de suspensão nesses termos – e podia ter feito alterações, como o fez quanto à contumácia – foi porque foi essa era a sua vontade, atento o fundamento com que a mesma foi estabelecida, de não premiar o arguido pela sua conduta revel.
9.
Mais, sempre se dirá que o facto que deu origem à não notificação da sentença, e à subsequente impossibilidade de proceder ao apuramento de uma nova morada pertencendo ao arguido, tem na sua base uma vontade deste, de não pretender ser responsabilizado pelos factos que praticou e eximir-se à actuação da justiça, argumento que não deixará de estar na origem do entendimento clara e expressamente plasmado pelo legislador no artigo 120.º do Código Penal, ao afastar a possibilidade de estabelecer um prazo de máximo de prescrição nas situações de não notificação da sentença ao arguido (em consonância, v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2016 – Processo n.º 372/01.0TALRA.C1 – e de 15 de Junho de 2016 – Processo n.º 514/03.0PBLRA.C1 – e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Novembro de 2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018 – Processo n.º 77/04.0TAASL-L1, disponível em www.pgdlisboa.pt).
10.
De facto, a causa de suspensão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, mais não visa que sancionar um comportamento revel do arguido, para a qual não poderá ser utilizada qualquer analogia ou interpretação extensiva, com vista a pôr um termo ao seu decurso, que só pode ter lugar aquando a notificação efectiva da sentença ao arguido.
11.
Resulta claro que não incumbe ao julgador substituir-se ao legislador, com base no entendimento da verificação de uma lacuna legal, sendo certo que a vontade daquele ficou claramente plasmada quando, tendo analisado as normas a alterar através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, concluiu no sentido de deixar intacta a previsão da causa de suspensão do prazo de prescrição constante da alínea d), do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.
12.
Assim, outra solução só poderá ser preconizada, em consonância com o entendimento vertido na decisão proferida – de limitação do prazo máximo em que vigore a causa de suspensão decorrente da falta de notificação da sentença proferida na ausência do arguido -, apenas caso se afira uma alteração legislativa que a introduza, sob pena de se subverter o princípio da legalidade previsto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
13.
Em face do exposto, deve a decisão judicial de que ora se recorre ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, e substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido e a proceder à notificação ao mesmo da sentença proferida nos autos, em consonância com a norma prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, a qual a mesma claramente viola.
Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão judicial recorrida e substituindo-a por outra nos termos determinados, só assim se fazendo a esperada e costumada
JUSTIÇA!
O recurso foi admitido por despacho judicial com a referência 133123838 .
O arguido, notificado na pessoa do seu defensor, não respondeu ao recurso.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado douto parecer, que se encontra junto aos autos, através do qual e a final pugna pela procedência do recurso apresentado pelo MºPº na primeira instância, ali aduzindo e transcrevendo-se em parte:
(...)
Acompanho, nos precisos termos, os fundamentos da motivação de recurso interposto pela Digna Procuradora da República junto da 1ª Instância nos termos de facto e de direito constantes na mesma peça processual, tendo sido aí formulado o pedido no sentido do presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão impugnada e determinado que a mesma seja substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido julgado na ausência e a proceder à notificação ao mesmo da sentença proferida nos autos, em consonância com a norma prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, a qual a mesma claramente viola, porquanto, a esse propósito e também em harmonia com a jurisprudência citada na motivação do mesmo recurso: “- A lei é clara ao determinar que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que, a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência. Sendo que para esta causa de suspensão a lei não indica qualquer prazo máximo, a partir do qual a prescrição voltasse a correr.
- Se o legislador pretendesse incluir nesta causa de suspensão um prazo máximo, tê-lo-ia indicado.”
Para tanto, foram extraídas, além do mais, as seguintes conclusões na mencionada motivação de recurso interposto pela Exmª Magistrada junto da 1ª instância, aqui nos permitimos transcrever: “1. Por douta sentença, proferida a 18 de Abril de 2007 (fls. 56 a 64), foi o arguido AA condenado, como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3, no montante total de €240 (duzentos e quarenta euros). 2. Como resulta dos autos e de todo o processado, o arguido foi regularmente notificado das datas de audiência de discussão e julgamento – na morada do Termo de Identidade e Residência, que prestou a fls. 6 e que não alterou -, não tendo comparecido em qualquer delas, nem mesmo na data da leitura da sentença. 3.Tendo sido julgado na ausência, foi determinada a sua notificação pessoal, nos termos do artigo 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, a qual não chegou a ter lugar, porquanto, pese embora as inúmeras diligências efectuadas, não foi possível apurar do paradeiro actual do arguido – verificou-se, assim, a existência da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal. 4. Na sequência, por decisão proferida a 14 de Julho de 2021, entendendo-se existir uma lacuna legal que cumpre corrigir, por recurso a analogia, se conclui que ‘se mostra transcorrido o prazo prescricional de cinco anos, acrescido do prazo de dois anos e seis meses inerente a eventual interrupção do prazo e ainda cinco anos que caberiam, caso o Processo: 414/05.0GTCSC.L1 arguido, em tempo próprio, tivesse sido declarado contumaz (em análoga situação de revelia com a presentemente analisada), julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal sobre que versam os autos’, sem que de tal decorra, em concreto, quais os normativos em que tal entendimento se fundamenta, sendo certo que toda a jurisprudência identificada não o sustenta. 5. É desta decisão, que declara extintos os presentes autos, por prescrição, da qual discordamos, que ora recorremos, por considerarmos que a mesma contende e viola o disposto nos artigos 118.º, 120.º e 121.º, todos do Código Penal, devendo, consequentemente, ser substituída por outra que proceda a diligências a fim de proceder à notificação ao arguido da sentença proferida nos autos. 6. Visa-se, com o recurso ora interposto, apreciar e responder à seguinte questão: terá lugar a prescrição do processo, no caso de a sentença proferida não ter transitado em julgado, uma vez que, determinada a sua notificação por via pessoal, por força da realização de audiência de julgamento do arguido na ausência, a mesma não ter sido possível ou, ao invés, o prazo prescricional permanecerá indefinidamente suspenso? É nosso entendimento, como fundamentamos, de que o prazo de prescrição permanece indefinidamente suspenso, até à notificação da sentença ao arguido. 7. Cumpre, antes de mais, afirmar que o artigo 120.º do Código Penal, ao contrário de outras causas de suspensão que aí se encontram identificadas, não estabelece, para a sentença não notificada, qualquer limite máximo de tempo durante o qual tal causa de suspensão vigore ou se mantenha, sendo certo que o legislador, através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, deixou tal situação inalterável. 8. Não poderá deixar de se afirmar que, se o legislador manteve tal causa de suspensão nesses termos – e podia ter feito alterações, como o fez quanto à contumácia – foi porque foi essa era a sua vontade, atento o fundamento com que a mesma foi estabelecida, de não premiar o arguido pela sua conduta revel. 9. Mais, sempre se dirá que o facto que deu origem à não notificação da sentença, e à subsequente impossibilidade de proceder ao apuramento de uma nova morada pertencendo ao arguido, tem na sua base uma vontade deste, de não pretender ser responsabilizado pelos factos que praticou e eximir-se à actuação da justiça, argumento que não deixará de estar na origem do entendimento clara e expressamente plasmado pelo legislador no artigo 120.º do Código Penal, ao afastar a possibilidade de estabelecer um prazo de máximo de prescrição nas situações de não notificação da sentença ao arguido (em consonância, v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2016 – Processo n.º 372/01.0TALRA.C1 – e de 15 de Junho de 2016 – Processo n.º 514/03.0PBLRA.C1 – e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Novembro de 2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018 – Processo n.º 77/04.0TAASL-L1, disponível em www.pgdlisboa.pt). 10. De facto, a causa de suspensão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, mais não visa que sancionar um comportamento revel do arguido, para a qual não poderá ser utilizada qualquer analogia ou interpretação extensiva, com vista a pôr um termo ao seu decurso, que só pode ter lugar aquando a notificação efectiva da sentença ao arguido. 11. Resulta claro que não incumbe ao julgador substituir-se ao legislador, com base no entendimento da verificação de uma lacuna legal, sendo certo que a vontade daquele ficou claramente plasmada quando, tendo analisado as normas a alterar através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, concluiu no sentido de deixar intacta a previsão da causa de suspensão do prazo de prescrição constante da alínea d), do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal. 12. Assim, outra solução só poderá ser preconizada, em consonância com o entendimento vertido na decisão proferida – de limitação do prazo máximo em que vigore a causa de suspensão decorrente da falta de notificação da sentença proferida na ausência do arguido -, apenas caso se afira uma alteração legislativa que a introduza, sob pena de se subverter o princípio da legalidade previsto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa. 13. Em face do exposto, deve a decisão judicial de que ora se recorre ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, e substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido e a proceder à notificação ao mesmo da sentença proferida nos autos, em consonância com a norma prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, a qual a mesma claramente viola.”
Em sintonia do que vem de expor-se, e examinados os fundamentos do recurso interposto e da douta decisão impugnada, e atendendo aos ensinamentos providos da nossa jurisprudência acerca da temática em debate, consideramos que a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância identificou correctamente o objecto daquele recurso, argumentando criteriosamente com clareza, rigor e correcção jurídica; o que merece o nosso total acolhimento, dispensando-nos, assim, porque de todo desnecessário e redundante, de aduzir outros considerandos em torno do objecto do recurso em análise.
Termos em que, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, emite-se parecer no sentido da procedência do recurso apresentado pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente.(...)”
Foi dado o cumprimento ao disposto no art.° 417.°, n.° 2 do Código de Processo Penal. O processo seguiu os seus tâmites legais.
No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Fundamentação:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402º, 403º, 412º e 417º do CPP), sem prejuízo das questões que devam ser conhecidas oficiosamente.
No presente recurso em apreciação, deduzido pelo Ministério Público, cumpre apreciar uma única questão:
- Se o procedimento criminal se mostra extinto, por prescrição.
Tem o seguinte teor o despacho recorrido
“O arguido AA foi condenado nos autos pela prática, em autoria material e na forma consumada, no dia 24.07.2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. pelos art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 3,00, no montante global de € 240,00 por sentença proferida em 18.04.2007.
Não compareceu e foi julgado na ausência.
Jamais foi possível proceder à notificação pessoal da sentença.
Vejamos.
O prazo de prescrição do procedimento criminal começa a correr desde o dia em que o facto se consumou (artigo 119.º, n.º 1 do Código Penal).
Dispõe o art.º 118.º, n.º 1 do Código Penal que: 1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374º-A, 375º2, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção; b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos; c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos; d) Dois anos, nos casos restantes. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Pelo exposto, in casu, o prazo de prescrição começou a correr a partir de dia 24.07.2005, data da consumação e atento o regime legal supra citado é de cinco anos.
Importa então levar em conta o disposto no art. 120.º do CP quanto à suspensão da prescrição e, bem assim, o constante no art. 121.º do mesmo diploma e relativo à interrupção da mesma.
Neste último refere-se claramente que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo (art. 121.º, n.º 3 do CP).
Já no que concerne às causas de suspensão, temos que: 1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (...) c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão. *
Assim, e uma vez que a decisão jamais foi notificada ao arguido, numa aplicação literal e mecanicista da norma, determinar-se-ia que o prazo de prescrição do procedimento ficaria suspenso ad eternum, ou pelo menos, até ser possível a notificação do arguido nos autos.
Acontece que esta suspensão, potencialmente perpétua do prazo prescricional, coloca-nos questões relativas à necessidade da pena e, bem assim, à tutela da segurança jurídica e paz social: A intervenção penal – que usa das armas mais violentas de que o Estado é detentor sobre os cidadãos é (e tem de ser) pautada pelo respeito por tais valores constitucionais. A manifestação mais clara desse poder ocorre na aplicação de uma pena criminal. A este nível existe um mandado constitucional claro de não aplicação de penas desnecessárias, isto significa que, a partir do momento em que uma pena, abstratamente prevista para um determinado comportamento criminal, se torne desnecessária e ineficaz, a sua aplicação atenta contra a dignidade da pessoa humana, o que vale, quanto a nós, para toda a intervenção penal (Silva, Pedro Filipe Gama da A prescrição como causa de extinção da responsabilidade criminal, Coimbra, 2015, p. 77, acessível a partir do link https://core.ac.uk/download/pdf/43584579.pdf).
Assumindo-se o quadro constitucional como uma referência fundamental na aplicação e imposição de sanções com virtualidade detentiva, elemento essencial caracterizador do Direito Penal, por se tratar do único ramo da dogmática cuja aplicação prática tem por inerente a suscetibilidade de imposição de penas de prisão, suprimindo em si mesmas o valor da liberdade, impõem-se especiais cuidados no funcionamento deste sistema formal de controlo.
As penas são justificadas diante de necessidades preventivas, gerais, enquanto prevenção positiva no reforço da validade da norma penal e de efetivação da tutela dos bens jurídicos concretamente violados e especial, orientada à reintegração social do agente, assim o impondo desde logo o princípio da dignidade da pessoa humana, pedra angular sobre que assenta o sistema de valores acolhidos num Estado de Direito Democrático. A tese acolhida é precisamente a que surge espelhada na conjugação do disposto no art. 40.º, n.º 1 e 2 e art. 71.º, n.º 1 do CP e tem sido amplamente desenvolvida quer doutrinária quer jurisprudencialmente1:
1 A título de exemplo e vista a clareza meridiana ali espelhada vide o Ac. TRC, de 01.10.2008, proc. 247/94.7JAAVR.C1, e do STJ de 28.06.2006, proc. n.º 06P2042, ambos em www.dgsi.pt. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar (Dias, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, Coimbra Ed., 2001, pág. 109 e seg.).
Aliás, a questão da proporcionalidade da intervenção do Estado, mediante normas impositivas da prescrição surge claramente evidenciada na última alteração legal ao dito regime: a prescrição penal corresponde a uma autolimitação do exercício do poder punitivo do Estado e encontra a sua razão de ser no não exercício, em tempo útil, do direito-dever de perseguir criminalmente o agente de um crime ou de executar uma pena sobre quem tenha sido condenado, numa ideia geral de paz jurídica constituída pelo decurso do tempo. (Exposição de motivos da Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro).
Em lugar paralelo já se pronunciou o TRL em 17.11.2011 (proc. 759/11.0YRLSB-3): À luz da Constituição da República Portuguesa (CRP) a exigência de um processo equitativo implica o termo do cumprimento da pena num prazo razoável, pois a imprescritibilidade ofende a paz jurídica inerente ao decurso do tempo e as garantias de defesa (art. 32.º nº 1 da CRP), constitucionalmente consagradas (...) tem de se concluir que se mostra ultrapassado o prazo razoável para o cumprimento do remanescente da pena de prisão e que, consequentemente, esse cumprimento, neste momento, ofende os princípios da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (...). No caso dos autos, 49 anos após a prática do crime, 41 anos após ter interrompido o cumprimento da pena, o Extraditando tem 20 anos de integração social pacífica em (...) é perceptível que o mesmo está inteiramente integrado na sociedade e não existe qualquer necessidade de protecção de bens jurídicos que ainda justifique a sua prisão. São razões de prevenção geral de integração que justificam a aplicação das penas e não finalidades de retribuição e expiação. Na situação dos autos, alcançada que está a paz jurídica, a necessidade de cumprimento da pena por parte do Extraditando não se justifica a não ser por critérios de mera expiação que não tem agasalho na lei substantiva penal portuguesa (cf. art. 40.º, n.º1 do CP).
Aliás, embora em circunstancialismo assaz diverso, também o Tribunal Constitucional já considerou que existem razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da ideia de certeza e de paz jurídica, do Estado de direito democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como aquele; Que estes valores têm assento constitucional e reclamam, por si, que o citado instituto tenha de ser visto com um próprio valor constitucional para o comum dos ilícitos (...) Que é razoável que a sociedade, objectivamente considerada, possa entender – ao menos enquanto se mantiverem em vigor na sua essencialidade os preceitos que instituem a prescrição e rejam os respectivos prazos, modos de ocorrência e contagem – que, uma vez decorrido o tempo previsto nesses preceitos, não reclamam perseguição criminal os agentes de factos delituosos cuja prática de há muito ocorreu, o que inculca que também é razoável que aquela sociedade conte com que aquela perseguição não opere mediante normas ou processos interpretativos de onde resulte, na realidade prática, a ineficácia da actuação do instituto da prescrição (...). Simplesmente, uma tal ordem de razões consideraria, relevantemente, o princípio da necessidade da pena atendendo apenas ao «momento» da produção de efeitos, desconsiderando a circunstância de a indiciária actuação do arguido poder já estar de há muito diluída no tempo e, o que é mais, o valor constitucionalmente atendível que deve ser dado ao instituto da prescrição, com as facetas e decorrências a que acima se fez referência. Aliás, pode dizer-se que, em certa medida, a verificação de obstáculos à perseguição criminal (...) importa sempre, como sua consequência natural, restrições às consequências que decorreriam de uma prossecução ilimitada dos fins dessa perseguição criminal incluindo o da reafirmação contrafáctica dos bens jurídicos protegidos, em face de uma danosidade social ainda sentida e que foi efeito da indiciada conduta do agente. Não podem, pois, extrair-se directamente consequências da invocação daqueles fins ou desta danosidade, sem ponderação do enquadramento e dos valores que explicam a consagração dos falados obstáculos ou causas impeditivas da perseguição penal, como é o caso da prescrição do procedimento criminal. (...) Uma tal insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, aliadas, assim, à objectiva diminuição de garantias de defesa dos arguidos, mostra-se incompatível com aqueles mesmos princípios constitucionalmente acolhidos. Não se divisam, pois, argumentos que abalem a valia de protecção dos valores constitucionais, já acima focados, que devem ser tidos em atenção para se considerar o instituto da prescrição como um valor, também ele constitucional e atendível (...)
(Ac. TC Proc. n.º 565/2001, publicado no DR – 2.ª série, n.º 8, de 10.01.2003, p. 437 e seg.)
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É certo que existe abundante jurisprudência, que não omitimos e de que citamos os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2016 e de 15.06.2016 (disponíveis em www.dgsi.pt, processos n.ºs 372/01.0TALRA.C1 e 514/03.0PBLRA.C1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2018 (processo n.º 77/04.0TAASL.L1, in www.pgdlisboa.pt) que obstam à consideração do termo final de suspensão do prazo prescricional, todavia, fazendo jus aos princípios norteadores acima elencados e encontrando-se previstos legalmente termos finais, directa ou indiscrectamente determináveis, para todos os casos legalmente previstos de suspensão da prescrição do procedimento criminal, somos de entendimento verificar-se uma lacuna legal, emergente da impossibilidade de notificação da sentença a arguido julgado na ausência, cuja interpretação literal conduz, afinal, a uma situação de imprescritibilidade prática que, para além do exposto, se nos afigura atentatória de princípios de certeza e segurança jurídicas e, em consequência, abrangida pelo princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP) e cuja solução corretiva permite a analogia com a revelia constatada em situações de contumácia, como aquelas previstas no art. 120.º, n.º 1 al. c e n.º 3 do CP, e com tal solução acautelar, no espírito do sistema axiológico de valores partilhado pela comunidade, a adequada concretização material do direito a um processo equitativo e à salvaguarda de efetivas garantias de defesa (art. 32.º da CRP), acautelando o mandato constitucional que impede a aplicação de penas desnecessárias, desproporcionadas e desadequadas ao momento em que se executam, operacionalizando-se com cautela a razoabilidade bastantes a verificação de prazos de prescrição coadunados aos ilícitos investigados e indiciados.
Em suma, não deixando de assumir que se trata aqui de uma interpretação rebuscada e aturada, fazendo funcionar elementos de interpretação das normas jurídicas não imediatamente apreensíveis e pouco frequentemente aplicados no âmbito penal, mas processualmente perfeitamente acolhidos, que simultaneamente consagram a amplitude e significância dos preceitos constitucionais atinentes e permitem tutelar, de forma identitária e com igualdade perante situações de facto semelhantes, que o caso das sentenças proferidas mas não transitadas por falta de notificação a arguido julgado na ausência se convertam, pelo menos enquanto não for colmatada tal lacuna, em situações de imprescritibilidade prática que, definitivamente, consideramos não admitidas no ordenamento vigente para crimes comuns.
Considerando-a uma questão de ordem mais prática do que especulativa, confere-se assim certeza e objetividade, cognoscibilidade e determinação no prazo prescricional em causa suscetível de estabilizar situações jurídicas, afinal já definidas com evidente proteção da confiança e das legítimas expectativas comunitárias e, parece-nos que a solução preconizada reserva a coerência e racionalidade desejáveis ao sistema penal em concordância interna e plena com o quadro constitucional vigente.
Assim, somos de entender que tratando-se aqui de uma situação factual em que já se mostram passados quase dezasseis anos desde a prática dos factos e bem assim da prolacção da sentença, sem que tenha sido possível notifica-la ao arguido, uma vez que se mostra trancorrido o prazo prescricional de cinco anos, acrescido do prazo de dois anos e seis meses inerente a eventual interrupção do prazo e ainda cinco anos que caberiam, caso o arguido, em tempo próprio tivesse sido declarado contumaz (em análoga situação de revelia com a presentemente analisada), julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal sobre que versam os autos.
Notifique.
Com cópia do presente despacho comunique à Exma. Sra. Juiz Presidente da Comarca de Lisboa Oeste, a prescrição ora declarada.
Oportunamente arquive.”(...)
O julgamento decorreu como no pretérito já se salientou, regularmente, na ausência do arguido, que se mostrava devidamente notificado para comparecer tendo no entando faltado e (arts. 196º, n 1, al. d) e 333º, n 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal), não tendo sido possível até à data em que foi proferido o despacho recorrido, proceder à notificação pessoal da sentença, por não se conhecer o seu paradeiro, não obstante as diligências efectudas com tal desiderato.
O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art. 119º, nº 1, do CP), suspendendo-se, nomeadamente, durante o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência – art. 120º., nº 1, al. d) do Código Penal.
Assim sendo:
Artigo 119.º
Início do prazo
1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2 - O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
3 - No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos deste artigo, ao facto do autor.
4 - Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar.
Artigo 120.º
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
- Lei n.º 65/98, de 02/09
- Lei n.º 19/2013, de 21/02
Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: DL n.º 48/95, de 15/03
-2ª versão: Lei n.º 65/98, de 02/09
É relativamente ao sentido normativo a conferir a esta causa de suspensão do prazo de prescrição que ocorre divergência entre o entendimento expresso pelo Tribunal a quo e o do recorrente, uma vez que o arguido não foi notificado da sentença, movendo-nos asssim no plano da prescrição do procedimento criminal.
O Tribunal a quo, lança mão do seguinte:” Em lugar paralelo já se pronunciou o TRL em 17.11.2011 (proc. 759/11.0YRLSB-3): À luz da Constituição da República Portuguesa (CRP) a exigência de um processo equitativo implica o termo do cumprimento da pena num prazo razoável, pois a imprescritibilidade ofende a paz jurídica inerente ao decurso do tempo e as garantias de defesa (art. 32.º nº 1 da CRP), constitucionalmente consagradas (...) tem de se concluir que se mostra ultrapassado o prazo razoável para o cumprimento do remanescente da pena de prisão e que, consequentemente, esse cumprimento, neste momento, ofende os princípios da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (...). “, como também e citando-se “É certo que existe abundante jurisprudência, que não omitimos e de que citamos os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2016 e de 15.06.2016 (disponíveis em www.dgsi.pt, processos n.ºs 372/01.0TALRA.C1 e 514/03.0PBLRA.C1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2018 (processo n.º 77/04.0TAASL.L1, in www.pgdlisboa.pt) que obstam à consideração do termo final de suspensão do prazo prescricional, todavia, fazendo jus aos princípios norteadores acima elencados e encontrando-se previstos legalmente termos finais, directa ou indiscrectamente determináveis, para todos os casos legalmente previstos de suspensão da prescrição do procedimento criminal, somos de entendimento verificar-se uma lacuna legal, emergente da impossibilidade de notificação da sentença a arguido julgado na ausência, cuja interpretação literal conduz, afinal, a uma situação de imprescritibilidade prática que, para além do exposto, se nos afigura atentatória de princípios de certeza e segurança jurídicas e, em consequência, abrangida pelo princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP) e cuja solução corretiva permite a analogia com a revelia constatada em situações de contumácia, como aquelas previstas no art. 120.º, n.º 1 al. c e n.º 3 do CP, e com tal solução acautelar, no espírito do sistema axiológico de valores partilhado pela comunidade, a adequada concretização material do direito a um processo equitativo e à salvaguarda de efetivas garantias de defesa (art. 32.º da CRP), acautelando o mandato constitucional que impede a aplicação de penas desnecessárias, desproporcionadas e desadequadas ao momento em que se executam, operacionalizando-se com cautela a razoabilidade bastantes a verificação de prazos de prescrição coadunados aos ilícitos investigados e indiciados”(...) a tais argumentos parece dar alguma importância no despacho recorrido também ao decurso de tempo já decorrido/ cerca de dezasseis anos...
Mas tais argumentos não colhem sendo que a interpretação literal do sobredito preceito 120 nº 1 d) do Código Penal não belisca no nosso entendimento qualquer preceito constitucional, mormente o artº 32º e 2º da nossa Lei fundamental.
Mais se aduz que aqui a lei é bem clara e compreendendo-se bem o seu “leiv motiv” ao não querer “premiar” um arguido relapso dos seus deveres como cidadão e sabendo que é arguido num processo crime.
Também importante será referir que aos Tribunais cumpre, e conforme a nossa Constituição que estabelece o seguinte:
Artigo 202.º
(Função jurisdicional)
1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
(…)
Artigo 203º
(Independência)
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Artigo 204.º
(Apreciação da inconstitucionalidade)
Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
(...)
Por sua vez, o recorrente sustenta que o prazo de prescrição permanece suspenso, sem limite máximo, até à notificação da sentença ao arguido,asserção com a qual concordamos na integra e que pela sua clarividência e boa exposição de motivos e fundamentos aqui se transcreve aderindo-se “ in totum” com os seus fundamentos:
(...)”Decisão essa que, não só não identifica em que normativos legais se baseia para concluir no sentido em que o faz (quer no que respeita à aplicação da situação de contumácia, quer no que respeita ao facto que dá início à contagem do prazo prescricional) e se sustenta em jurisprudência que não analisa situação similar ou idêntica à em causa nos autos, sendo certo que toda a que identifica – e que aprecia a questão visada na decisão ora posta em crise - se mostra discordante com a posição vertida no despacho recorrido.
Consideramos, ao contrário do exposto no despacho que ora se põe em crise, que outra deve ser a decisão tomada e, nomeadamente, uma que entenda não se mostrar transcorrido o prazo de prescrição e que a causa de suspensão do mesmo, decorrente da falta da notificação da sentença ao arguido, não apresenta limite máximo legalmente previsto.
III.
- DA LEI –
Cumpre referir previamente, em consonância com o teor da decisão posta em crise pelo presente recurso, que do sistema penal português resulta o princípio de que não há crimes ou penas imprescritíveis, o que claramente decorre dos artigos 118.º a 126.º do Código Penal.
E tal princípio fica ainda mais claro quando o legislador estabelece prazos máximos de prescrição, com salvaguarda dos períodos decorrentes da verificação de causas de suspensão – mas, até quanto a algumas destas, com determinação do tempo máximo pelo qual podem perdurar -, ainda que diversas causas de interrupção tenham ocorrido.
Porém, parece-nos que, pese embora esse princípio, o legislador estabeleceu os prazos e limites que considerou necessários e omitiu tais limitações quando entendeu não serem aplicáveis, em face de diversas circunstâncias, no que se inclui a situação da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, em que não tenha sido possível notificar a sentença ao arguido julgado na ausência.
Num segundo aspecto, não poderá deixar de se ter em consideração o teor do artigo 120.º do Código Penal, com última redacção introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro. Através de tal diploma o legislador fez introduzir, através dos n.os 3, 4 e 5 na identificada norma, limitações ao período de tempo em que a causa de suspensão vigoraria, para as alíneas c) e e) e situações de recursos para o Tribunal Constitucional.
Tal não ocorreu quanto à causa de suspensão prevista na alínea d) – a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência -, não podendo deixar de se concluir que essa foi a intenção do legislador que, podendo tê-la alterado, não o quis fazer.
Entendemos, pois, que não caberá ao julgador, nem ao Ministério Público, enquanto actores do sistema judicial, questionar a bondade da decisão legal e/ou política que determinou tal (in)alteração, nem ler ou interpretar além da letra da lei.
Nem mesmo concluir que, quando o legislador entendeu não legislar, se verifica uma situação de lacuna legal que cumpre corrigir de alguma forma.
Ou seja, outra não poderá ser a conclusão, tendo por consideração a própria norma ínsita no artigo 120.º do Código Penal, na sua vigência alterada em 2013 – não poderá deixar de se ter em consideração também o próprio teor da Exposição de Motivos da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, no que reporta à questão da prescrição ali abordada -, de que o legislador não pretendeu introduzir qualquer limite máximo para a causa de suspensão prevista na alínea d), isto é, nos casos em que não seja possível a notificação da sentença, perdurando tal situação até à sua efectiva concretização.
E esse é também o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque (in ‘Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem’, edição de 2015), quando o mesmo afirma que ‘nos casos das alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 120.º, não há prazo máximo para a suspensão de prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, em face do artigo 2.º da CRP, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido’.
Como também o é dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2016 (Processo n.º 372/01.0TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt), de 15 de Junho de 2016 (Processo n.º 314/03.0PBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2018 (disponível em www.pgdlisboa.pt) e de 3 de Novembro de 2020 (Processo n.º 992/01.2PBCSC.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, não deve deixar de se ter em consideração o fundamento da causa de suspensão estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.
A causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o art. 120.º, n.º 1, al. d), do CP, visa sancionar um comportamento revel do arguido e, por isso, tem o seu início no momento da realização da audiência de leitura da sentença a que o arguido não comparece, desrespeitando o seu dever processual e, deste modo, impossibilitando o primeiro acto para o notificar da sentença (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Novembro de 2020, Processo n.º 992/01.2PBCSC.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Efectivamente, não se afere que se possa premiar o arguido que, tendo pleno conhecimento dos direitos e deveres que sobre ele impendem, adopta um comportamento revel e se furta à administração e à acção da justiça, ausentando-se para parte incerta sem comunicar previamente a alteração da sua morada ou que não comparece quando a sua presença é solicitada. E, de facto, essa ausência não poderá reconduzir-se à ineficácia de perseguição criminal ou da acção penal (nos termos da abordagem preconizada na Exposição de Motivos da Lei n.º 19/2013, de 2 de Fevereiro).
Assim, e sem deixar de ter em consideração os princípios constitucionais estabelecidos, entende-se que não poderá fazer-se uma interpretação para além da letra da lei ínsita no artigo 120.º do Código Penal, pois que o espírito da lei se prende com a intenção do legislador de não premiar o arguido que, com uma conduta de tal forma grave e atentatória do sistema da justiça, pudesse vir a obstar ser judicialmente punido.
IV.
- A QUESTÃO –
Tendo por consideração o entendimento que preconizamos quanto à norma prevista no artigo 120.º do Código Penal, bem como ao facto de não resultar de qualquer elemento de verificação de uma lacuna legal – a intenção clara do legislador foi de não legislar – que imponha uma solução correctiva, por recurso à analogia, cumpre regressar à questão cujo presente recurso pretende que seja analisada e que se reconduz sobre a existência ou não de um prazo limitativo da causa de suspensão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.
Entendemos, em consonância com o raciocínio vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Novembro de 2020, supra mencionado, que tal causa de suspensão se manterá durante o tempo em que o arguido não for localizado, por causas que só ao mesmo são imputáveis, o que é claramente o caso dos presentes autos.
De facto, como resulta das diligências realizadas e das pesquisas efectuadas, não foi possível apurar o actual paradeiro do arguido. Nem o mesmo, bem sabendo da existência dos presentes autos, veio dar informação sobre o seu paradeiro, preferindo, ao invés, permanecer em local desconhecido para, de tal modo, não ter de cumprir a pena por um ilícito que bem sabe que praticou.
Deverá, em tais situações, em que a justiça e os seus operadores procederam a todas as pesquisas possíveis, premiar-se o infractor e passar a imagem de que quem se furta à administração da justiça sai impune? A resposta não pode deixar de ser, em todo o caso, negativa.
Assim, outra conclusão entendemos não poder ser extraída que não seja a de que a causa de suspensão constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal se manterá durante o período de tempo em que, pese embora o número de pesquisas realizadas, não tenha sido possível notificar o arguido da sentença proferida nos autos, por desconhecimento do seu paradeiro, facto que a este seja claramente imputável.
No mais, e sendo certo que já expressámos o nosso desacordo com o entendimento vertido na decisão de que ora se recorre, nomeadamente no que respeita à existência de uma lacuna legal e à necessidade de uma solução correctiva por recurso à analogia, com a inclusão de um prazo acrescido, por força de uma situação de contumácia não declarada, nem legalmente verificada, cumpre, por último, efectuar uma referência quanto à contagem do prazo de prescrição.
Como já referimos previamente, certo é que do teor da decisão que ora se põe em crise não resultam claros quais os normativos aplicados, estendendo-se tal ao modo da contagem do prazo de prescrição e, nomeadamente, à data a partir do qual se inicia.
Efectivamente, na parte final da decisão recorrida escreve-se ‘Assim, somos de entender que tratando-se aqui de uma situação factual em que já se mostram passados quase mais de dezanove anos desde a prática dos factos e bem assim quase dezoito anos da prolacção da sentença, sem que tenha sido possível notificá-la ao/à arguido/a, uma vez que se mostra transcorrido o prazo prescricional de cinco anos, acrescido do prazo de dois anos e seis meses inerente a eventual interrupção do prazo e ainda cinco anos que caberiam, caso o arguido, em tempo próprio, tivesse sido declarado contumaz (em análoga situação de revelia com a presentemente analisada), julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal sobre que versam os autos’.
Ora, de tal teor não resulta, de forma inequívoca, qual o facto de início da contagem do prazo de prescrição – se da data da prática dos factos, se da data da prolação da sentença -, nem mesmo de onde decorre a causa de interrupção a que se faz menção – mas inclui-se o período de 2 anos e 6 meses, numa analogia com o disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal -, nem de que norma decorre a inclusão de um período de contumácia, sem que proceda à sua declaração.
Entendemos que a interpretação deve restringir-se ao que pode ser interpretado, não podendo ir mais longe do que o pretendido pelo legislador. Em momento algum conseguimos antecipar a pretensão do legislador como sendo a que ficou plasmada na decisão que ora se põe em crise. É que, seguindo as palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2016 (Processo n.º 372/01.0TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt), ‘A lei é clara ao determinar que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência. Sendo que para esta causa de suspensão a lei não indica qualquer prazo máximo, a partir do qual a prescrição voltasse a correr.
Se o legislador pretendesse incluir nesta causa de suspensão um prazo máximo, tê-lo-ia indicado’ (sublinhado nosso).
Ora, o legislador estabeleceu o que entendeu por conveniente. E omitiu o que considerou que tinha de o ser. Ao não estabelecer um prazo máximo de prescrição a verificar-se no caso da causa de suspensão da falta de notificação ao arguido da sentença, fê-lo, ao que não pode deixar de se entender, de forma consciente e não por esquecimento.
E, aliás, entendemos que tal actuação o foi coincidente com o acto subjacente à falta de notificação da sentença ao arguido, ou seja, à postura deste perante a justiça e as decisões das autoridades, sancionando-o por uma conduta totalmente contraditória ao bom funcionamento do sistema judicial.
Desse modo, consideramos que não incumbe ao julgador substituir-se ao legislador, como no caso da presente decisão, por alegadamente entender existir uma lacuna, quando nos parece ter sido clara intenção deste não legislar, nem estabelecer um prazo máximo para a causa de suspensão decorrente da impossibilidade de notificação da sentença ao arguido, atentos os fundamentos subjacentes à sua verificação.
De facto, como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 15 de Junho de 2016 (Processo n.º 514/03.0PBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt):
O artigo 120.º, contrariamente a outras situações, não estabelece qualquer limite máximo para a suspensão da prescrição do procedimento criminal no caos da alínea d) do seu n.º 1.
O legislador, que certamente não desconhecia a inexistência de qualquer limite máximo à suspensão da prescrição nesta situação, através da Lei n.º 19/2013, de 21/02, introduziu um limite máximo para a suspensão do prazo prescricional decorrente da declaração de contumácia, mas deixou intocada a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, quando poderia, caso fosse essa a sua intenção, ter igualmente estabelecido um prazo máximo para a suspensão nesta situação.
Não tem razão de ser, por conseguinte, a identificação de qualquer lacuna quanto ao prazo máximo de suspensão, em relação à alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º, que tenha de ser integrada por analogia, já que o legislador, com toda a clareza, não quis estabelecer, para essa situação, qualquer prazo máximo, ao contrário do que sucedeu em relação à declaração de contumácia.
[...]
Uma interpretação das leis penais sobre a prescrição do procedimento criminal, quer relativa a prazos, quer relativa às condições de interrupção ou de suspensão, para além destes parâmetros, viola o princípio constitucional da legalidade previsto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa’ (sublinhado nosso).
O legislador entendeu, ao que consideramos, que o comportamento adoptado pelo arguido, de não comparecimento à audiência de julgamento, onde se iria analisar e apreciar a sua conduta alegadamente ilícita, era de tal forma grave e contra os fundamentais princípios do direito, que a mesma não poderia ser beneficiada, porquanto as exigências de prevenção e especial a isso se opõe frontalmente.
Posto isto, certo é que outro não poderia ser o entendimento a verter na decisão ora posta em crise, que não fosse serem determinadas a realização das pertinentes diligências para apurar do paradeiro do arguido, com vista a notificá-lo da sentença proferida.
Consequentemente, a resposta à questão que o pretende recurso visa ser apreciada nesta sede não pode ser outra que não a de que a causa de suspensão decorrente da não notificação da sentença ao arguido julgado na ausência se mantém de forma indefinida e apenas cessa com a efectiva e real notificação do mesmo.
Outra solução só poderá ser preconizada quando o legislador entender introduzir na norma legal uma alteração da qual decorra uma limitação ao prazo durante o qual a suspensão vigora. Inexistindo tal solução plasmada na lei, não poderá ‘corrigir-se’ o que o legislador pretendeu manter de forma intencional.
Em face do exposto, deve a decisão judicial de que ora se recorre ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, e substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido, na qual o mesmo possa ser notificado da sentença proferida, em consonância com o disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal.”(...)fim de transcrição
A causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o art.° 120.°, n.° 1, al. d), do CP, visa sancionar um comportamento revel do arguido e, por isso, tem o seu início no momento da realização da audiência de leitura da sentença a que o arguido não comparece, desrespeitando o seu dever processual e, deste modo, impossibilitando o primeiro acto para o notificar da sentença, e permanecerá até que esta lhe seja notificada, quer na sequência de diligências de localização desencadeadas pelo tribunal ou por acto voluntário do arguido (a lei não faz depender esta causa de suspensão de qualquer outra condição senão aquela que constitui o seu próprio fundamento “a revelia imputável ao arguido desde a leitura da decisão, que aquele não fez cessar”). Sempre que o legislador entendeu estabelecer prazos máximos de suspensão, fê-lo expressamente, nomeadamente aquando da última e ainda recente alteração ao art. 120° do Código Penal, através da Lei n° 19/2013, de 21.02 (art. 2°)1, não se podendo aqui fazer valer o artº 9º do C.C.
A imposição legal de um período máximo para o Estado exercer a sua acção punitiva, ligada à ideia de inexigibilidade punitiva nas situações de inércia ou ineficiência do sistema judicial, não encontra justificação nos casos em que o Estado, por causa imputável ao arguido, fica impossibilitado de assegurar a tutela dos bens jurídicos violados e a estabilização das expectativas comunitárias.
Por conseguinte, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanecerá suspenso até que cesse o facto determinante da suspensão, não existindo qualquer desconformidade constitucional relativamente a esta causa de suspensão do prazo do prescrição. 1 V. entre outros, Ac. RC de 18.05.2016, proc. 371/01.0 ALRA.C1 e Ac. RL de 03.11.2020, proc. 992/01.2 PBCSC.L1-5, publ. in www.dgsi.pt.
Nos termos atrás exarados julga-se provido, o recurso interposto pelo Ministério Público pelo que a decisão recorrida terá de ser revogada determinando-se o normal prosseguimento dos autos, o que se declara.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam as Juízas desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar provido na integra o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar a decisão recorrida que julgou extinto o procedimento criminal por prescrição, a qual terá de ser substituída por outra decisão que determine o normal prosseguimento dos autos.
Não é devida tributação.
Notifique-se e D.N.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2022
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias, artº 94º nº 2 do CPP)
Filipa Costa Lourenço
Cristina Santana