Sendo a pena de prisão suspensa na sua execução uma verdadeira pena autónoma da pena de prisão, está também sujeita a um prazo de prescrição autónomo, que é o previsto no artº 122º, nº 1 al. d) do C. Penal, do prazo de prescrição da pena de prisão principal substituída.
Nos autos de processo comum singular do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2), o arguido MM foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. no artº 203º, 204º, nº 2 al. e) do C. Penal, por decisão transitada em julgado em 3 de Julho de 2013, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por dois anos sujeita a regime de prova, a delinear pela DRSP.
Por despacho de 28-01-2019, constante de fls. 460-462 foi revogada a suspensão da pena de prisão aplicada, mas tal despacho não transitou em julgado.
Por despacho de 21-12-2020 foi declarada extinta, pelo decurso do prazo da prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.
Inconformado o Ministério Público interpôs recurso deste despacho, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
«1.Recorre-se do despacho que decretou extinta, por prescrição, a pena de prisão suspensa na sua execução em que MM foi condenado nestes autos.
2. Não se nos afigura defensável a posição que pugna, em abstracto, pela aplicação do prazo previsto no art. 122º, nº1 al. d) do Código Penal à pena de prisão suspensa na sua execução.
3. Dito de outro modo: as penas de prisão suspensas na execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária.
4. Na previsão da citada alínea al. d) cabem todas as penas de prisão não abrangidas nas alíneas anteriores, isto é, as penas inferiores a dois anos de prisão, e também as penas de multa.
5. No caso em apreço nos autos, na sentença condenatória foi aplicado a MM a pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, sujeita a regime de prova.
6. Nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, al. c), do Código Penal a pena de dois anos de prisão aplicada nos presentes autos prescreve no prazo de dez anos.
7. E o prazo prescricional da pena de substituição é igualmente de dez anos.
8. A sentença condenatória transitou em julgado em 3.7.2013, iniciando-se o período da suspensão na mesma data, até 3.7.2015.
9. O despacho de revogação da suspensão foi proferido em 28.1.2019, ou seja, antes de ter decorrido integralmente o prazo de prescrição da pena de substituição, não tendo transitado em julgado, por ser desconhecido o paradeiro do condenado.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que declare que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu.
Porém, Vossas Excelências decidirão como for de JUSTIÇA».
O arguido não respondeu ao recurso.
Nesta Relação a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer em consonância com a posição da Digna Procuradora junto do tribunal da 1ª instância.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir
II- Fundamentação
1. O teor do despacho recorrido, datado de 21-12-2020 , é o seguinte:
Por sentença proferida em 29.05.2013, transitada em julgado em 03.07.2013, foi o(a) arguido(a) MM condenado(a) na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de um ano.
Por despacho datado de 28.01.2019 foi revogada a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, despacho este que nunca chegou a transitar, por não lhe ter sido notificado, na medida em que era e continua a ser desconhecido o seu paradeiro.
Tendo em consideração o lapso de tempo decorrido desde a data da condenação do(a) arguido(a), importa apreciar da prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada.
*
Importa ressalvar que a pena de 2 anos de prisão efectiva aplicada ao arguido em resultado da revogação da suspensão não se mostra, de todo, prescrita, desde logo porque a decisão de revogação nunca chegou a transitar e, por conseguinte, a produzir os respectivos efeitos jurídicos.
A questão que se suscita é a de verificar se a pena substitutiva aplicada na sentença condenatória (pena de 2 anos de prisão, suspensa) se encontra, ou não prescrita.
Tendo em atenção a natureza da pena aplicada ao(à) arguido(a), dispõe o art. 122º/1 d) do C.Penal que a mesma prescreve no prazo de 4 anos, sendo que “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.
Neste sentido vejam-se os Ac. da Relação de Évora de 25.09.2012 (Proc. 2787/04.2PBSTB.E1) e de 18.06.2013 (Proc. 946/97.1TAFAR-D.E1), da Relação de Lisboa de 16.06.2015 (Proc. 1845/97.2PBCSC.L1-5), do Supremo Tribunal de Justiça de 05.07.2017 (Proc. 150/05.7IDPRT-D.S1) e da Relação do Porto de 08.11.2017 (Proc. 337/03.7PAVCD-A.P1), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
O referido prazo prescricional encontra-se, no entanto, sujeito às causas de suspensão e interrupção previstas nos arts. 125º e 126º do mencionado diploma legal.
Assim, a prescrição da pena interrompe-se, nomeadamente “com a sua execução” (art. 126º alínea a)) e suspende-se “durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar, vigorar a declaração de contumácia, o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade ou perdurar a dilação do pagamento da multa” (art. 125º nº 1, alíneas a) a d)).
Todavia, visando estabelecer um limite máximo de duração da prescrição da pena, o legislador estipulou no art. 126º/3 do C.Penal, que “a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”.
O prazo prescricional de tal pena iniciou-se dois anos após o respectivo trânsito em julgado (03.07.2013), ou seja, em 03.07.2015, tendo entretanto decorrido mais de 5 anos.
Na ausência de qualquer causa de interrupção ou de suspensão, terminou em 03.07.2019, já que até essa data a pena substitutiva não havia sido revogada por decisão transitada ou declarada extinta.
Em face do exposto e nos termos das supra citadas disposições legais, por se mostrar já decorrido o prazo prescricional da pena de prisão suspensa na sua execução em que o(a) arguido(a) foi condenado(a), declaro-a extinta, por prescrição.
Notifique.
Remeta boletim ao registo.
2.2 Os factos com interesse para a decisão são os seguintes:
a) O arguido MM foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. no artº 203º, 204º, nº 2 al. e) do C. Penal, por decisão transitada em julgado em 3 de Julho de 2013, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por dois anos sujeita a regime de prova, a delinear pela DRSP.
b) Por despacho de 28-01-2019, constante de fls. 460-462 foi revogada a suspensão da pena de prisão aplicada, no entanto, tal despacho não transitou em julgado.
c) Por despacho de 21-12-2020, objeto de recurso, foi declarada extinta, pelo decurso do prazo da prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.
II – Apreciação do recurso.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, art. 403º nº 1 e 412º nº 1 do C.P.Penal.
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).
Perante as conclusões do recurso a questão a decidir consiste em saber se a pena de prisão suspensa na sua execução (pena de substituição) está ou não prescrita.
É unânime na doutrina e na jurisprudência que a pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena de substituição, porque é aplicada e executada em vez da pena principal, a pena de prisão. Como refere o Professor Figueiredo Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, págs, 91, 329 e 339 « a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo uma só modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição».
No mesmo sentido, se refere no Acórdão da Relação de Évora de 10-07-2007 disponível em www.dgsi.pt “Das modalidades e aspectos do regime da suspensão da execução da pena de prisão (…) podemos concluir pela qualificação da pena suspensa como uma verdadeira pena, atendendo, em síntese, às seguintes razões:
1.A pena de suspensão da execução da pena de prisão ou pena suspensa é uma pena de substituição do ponto de vista dogmático, pois é necessariamente aplicada na sentença condenatória em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, de acordo com os critérios gerais estabelecidos na parte geral do C. Penal.
2. A pena suspensa tem o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, e um conteúdo político-criminal próprio, ainda que complexo;
3. A pena suspensa dispõe de conteúdo e regime individualizados, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo assumir várias modalidades;
4. Respeitando à questão da determinação da sanção (cfr. arts 369º a 371 do CPP) como as demais penas de substituição, a aplicação da pena suspensa implica a sua escolha – entre as penas de substituição eventualmente aplicáveis – e a determinação concreta, quer do período de suspensão, quer da modalidade adequada ao caso concreto, decisões que devem ser fundamentadas – cfr arts. 50º nº 4 do C.Penal e 375º nº 1 do CPP,
5. O capítulo II do titulo III do Livro X do CPP dedicado às Execuções, regula a execução da pena suspensa em diversos aspectos o que, para além do mais, sempre representaria um argumento de ordem literal e sistemática a favor da consideração da pena suspensa como pena autónoma;
6. A pena suspensa distingue-se, dogmaticamente, das penas de substituição na execução previstas nos artsº 49º nºs 3 e 4 e 59º nº 6 b), bem como dos incidentes surgidos na fase de execução da pena de prisão, como seja a suspensão da execução a que reportam os arts 457º (Recurso de Revisão) e 473º do CPP, ou casos de modificação da execução da pena de prisão de condenados afectados por doença grave e irreversível, mesmo quando a modificação possa ser decidida pelo tribunal de condenação, nos termos do artº 6º da Lei nº 36/96 de 29 de Agosto”.
Sendo a pena de prisão suspensa na sua execução uma verdadeira pena autónoma da pena de prisão, está também sujeita a um prazo de prescrição autónomo, que é o previsto no artº 122º, nº 1 al. d) do C. Penal, do prazo de prescrição da pena de prisão principal substituída.
É este o entendimento jurisprudencial maioritário, que também seguimos. Neste sentido vide, o Acórdão da relação de Coimbra de 26-05-2009, procº n. 651/00.3PBAVR-A.C1 e de 4-06-2008, proc. 63/96.1TBVIF.C1, da Relação de Lisboa de 26-10-2010, proc. 25/93.0TBSNT-A.L1-5 e de 16-10-2015, proc. 1845/97.2PBCSC.L1-5 e da Relação de Évora de 10-05-2016, rpoc. 34/06.1GACUB.E1.
Afigura-se-nos, assim, salvo melhor opinião que não assiste razão ao Ministério Público ao alegar que o prazo de suspensão da execução da pena é, no caso concreto de dez anos.
Nos termos do artº 122º nº 1 al. d) e nº 2 do mesmo preceito o prazo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução é de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena, sem prejuízo contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas no artº 125º e 126º do C Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
Em consequência, a pena de prisão suspensa na sua execução prescreve se o processo estiver pendente durante quatro anos, contados desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo tenha sido prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada com decisão transitada ou a pena declarada extinta (artº 57º nº 1 e 2 do C.Penal).
O prazo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, aplicando-se depois o regime de suspensão e interrupção previsto no artº 125º e 126º do CPPenal; ou seja, o prazo de prescrição da pena de substituição em causa interrompe-se com a sua própria execução.
Cessada a causa de interrupção, a execução da pena nos termos do artº 126, nº 1 al. a) do C.Penal e decorrido, desde então, novo prazo de quatro anos, a pena suspensa extingue-se, por prescrição, por ter decorrido aquele prazo.
No caso em apreço, por sentença proferida em 29.05.2013, transitada em julgado em 3.07-2013, o arguido foi condenado na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período.
Por despacho de 28.01.2019 foi revogada a suspensão da pena, despacho que não transitou em julgado por não ter sido possível notificar o arguido, por ser desconhecido o seu paradeiro, pelo que tal despacho não produziu quaisquer efeitos jurídicos.
Em 03.07.2013 iniciou-se o decurso do prazo de dois anos de suspensão da pena, que se completou em 3.07.2015.
Desde esta data decorreram mais de quatro anos que se completaram em 3-7-2019, sem que tenha surgido qualquer despacho transitado em julgado a revogar a suspensão da pena, a prorrogar o período da suspensão ou declarar extinta a execução da pena, pelo que tal pena se extinguiu por prescrição.
Impõe-se, pois manter a decisão recorrida e julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.
IV – Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem Custas.
Notifique.
Évora, 8 março de 2022
(texto elaborado e revisto pelo relator )
José Maria Martins Simão
Maria Onélia Vicente Neves Madaleno