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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Sumário
I - A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas, tornando-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra. II - Para que a compensação possa ser exercida, no âmbito de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda, o contra-crédito invocado deve ser certo, exigível, já estando reconhecido, não operando a compensação quando seja hipotético, controvertido ou litigioso o crédito invocado pelo executado.
Texto Integral
Processo n.º 21922/19.0T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 7
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO
1. Por apenso aos autos de execução instaurados pela exequente I..., UNIPESSOAL, LDA. a executada E..., S.A. deduziu embargos de executado e oposição à penhora, pretendendo a procedência dos mesmos com a extinção da execução e a declaração da ilegalidade da penhora realizada nos autos principais, invocando, para tanto, a excepção da compensação e a violação do princípio da proporcionalidade e da suficiência na realização da penhora.
Notificada para contestar, fê-lo a exequente, pugnando pela improcedência dos embargos de executado e oposição à penhora e pelo prosseguimento da execução na sua normal tramitação.
Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador-sentença no qual foi fixado o valor da causa, foi afirmada a validade e regularidade processuais, conhecendo-se do mérito da causa com fundamento no facto de reunirem já os autos todos elementos necessários para o efeito.
Finda a sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado improcedentes, e, em consequência, determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso quanto ao montante em questão.
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Da oposição à penhora: Considerando o relatado pelo Sr. AE (no dia 16/272021) – informação de que a penhora feita e que aqui se encontra em causa foi cancelada - julgo que existe uma inutilidade superveniente da lide, pelo que declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide − art. 277.º, al. e), do Cód. Proc. Civil.
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Custas dos embargos de executado e oposição à penhora deduzidos a cargo do embargante (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil). Registe e notifique, incluindo a Srª Agente de Execução”.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a executada/embargante recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: § PRIMEIRA I. A questão central do presente recurso versa sobre a interpretação conecta a dar ao disposto na al. h) do art. 729.º do CPC, a qual dispõe que um dos fundamentos de oposição à execução é "a existência de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos". II. Preliminarmente, diga-se desde já que o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em acórdão bem mais recente que aquele citado pelo Tribunal a quo, já dirimiu a vexata quaestio que ressurgiu destes autos, ao decidir que: "Para efeitos de compensação, o requisito segundo o qual o crédito deve ser exigível judicialmente não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art. 817º, ser judicialmente reconhecido, nomeadamente através de acção de cumprimento" - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1829/95.5TVLSB.L1.S1, relatora ROSA RIBEIRO COELHO, datado de 27-09-2018, disponível in www.dqsi.pt. III. Ao contrário do que é sustentado pelo Tribunal a quo, o qual entendeu que para que os embargos possam ser deduzidos com base no disposto na al. h) do art. 729.º do CPC, o contracrédito invocado pelo executado tem de estar já reconhecido judicialmente, a recorrente pugna pela interpretação oposta, vertida também no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça'", no sentido de que para que o executado possa valer-se do disposto na al. h) do art. 729.º do CPC, o contracrédito não necessita de estar reconhecido, judicialmente. § SEGUNDA IV. A doutrina mais cediça entende que se o executado for titular de um crédito sobre o exequente, será admitido a invocá-lo em embargos, com o intuito de, reconhecido tal crédito, obter a compensação determinante da extinção total ou parcial da execução. V. Esta possibilidade de ver reconhecido um contracrédito que não esteja previamente reconhecido judicialmente decorre, desde logo, da possibilidade de ser enxertada ao processo executivo, uma fase declarativa, como é a oposição à execução, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, ao afirmar que no processo executivo "não se pode comportar a definição do contra-direito". VI. Não se pode deixar de referir que a oposição/embargos à execução, assume o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia e constitui a petição de uma acção declarativa [...]. VII. O que mais se reforça face ao disposto no 731.º do CPC em que o legislador optou pela admissibilidade, no caso de se tratar de execução não baseada em sentença, como é o caso, de serem alegados quaisquer outros fundamentos, para além dos previstos para ocaso de se tratar de execução baseada em sentença, que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. VIII. O elemento literal da norma contida na al. h do art. 729.º do CPC não deixa dúvidas perante o facto de que contracrédito é passível de ser invocado, quer esteja reconhecido, ou não, no momento em que é invocado em sede de oposição à execução. IX. O facto de o crédito da recorrente poder considerar-se litigioso, isto é, que a sua existência depende de apreciação prévia de um Tribunal, jamais constituiria impedimento bastante para que o Tribunal a quo não conhecesse da excepção, sendo que esse entendimento faria com que o instituto da compensação perdesse o seu alcance e sentido, isto é, a eficácia desta ficaria na total dependência da vontade do sujeito passivo do contracrédito. X. Todavia, não é isso que o direito material postula no que toca aos requisitos do instituto da compensação. O direito adjectivo tem de estar ao serviço do direito subjectivo e não o contrário. XI. No caso vertente, o crédito da exequente/recorrida e o contracrédito da recorrente/executada emergem da mesma relação material controvertida, isto é, um contrato de empreitada, concluindo-se que o crédito invocado para efeitos de compensação tem a sua fonte ou origem na mesma relação que fundamentava o pedido da exequente. XII. Neste âmbito, tem de entender-se, que contra-crédito judicialmente exigível, é toda a obrigação que, uma vez vencida e não paga, faculta ao credor a possibilidade de deduzir acção iudicial para o seu cumprimento, se não for titular de título executivo que, desde logo, lhe permita instaurar acção executiva. XIII. O que no caso da recorrente procede, pois inclusivamente interpelou admonitoriamente a exequente para os factos constitutivos do seu direito de crédito, tornando assim a obrigação vencida e não paga (conforme documento junto com os embargos de executado). XIV. Este entendimento é sustentado pelo ilustríssimo PROF. LEBRE DE FREITAS o qual sustentou que: "Foi já entendido que a compensação só pode ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provarem por documento com força executiva (Lopes Cardoso, Manual cit., o. 289), mas nada autorizaesta restrição: ao alegar a compensação o executado pretende fazer valer um facto extintivo do direito exequendo; não pretende reconvir, o que seria inadmissível em processo executivo (. .. ) Basta portanto, que se provem por documento do facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art.º 847º CC, bem como a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo, sem necessidade de observar os requisitos legais da exequibilidade dos documentos." XV. Isto quer dizer que em todos os casos em que não esteja em causa a execução de uma sentença, o executado que deduza oposição à execução mediante embargos de executado tem maior amplitude na sua defesa e pode, condignamente, utilizar todos os meios de defesa utilizados no processo de declaração, incluindo a compensação de créditos que estejam, ou não, judicialmente reconhecidos. XVI. Nestes casos, nos quais a pretensão material das partes não passou pelo crivo do processo declarativo, a compensação pode ser invocada nos mesmos termos e nas mesmas circunstâncias em que poderia ser invocada no processo de declaração, uma vez que é o próprio legislador a prever essa hipótese. XVII. Por conseguinte, o elemento sistemático e teleológico de interpretação da al. h) do art. 729.º em conjugação com o art. 731.º do CPC, apontam, claramente, para a possibilidade de o executado poder vir ao processo invocar contracrédito sobre o exequente, ainda que este não esteja judicialmente reconhecido XVIII. Deste modo, se a invocação da compensação for possível no âmbito de uma acção declarativa, também o será no âmbito de uma acção executiva que não se funde em sentença, como é o caso dos autos. XIX. Face ao exposto, não é necessário, que a existência do crédito e os requisitos substantivos da compensação se provem por documento com força executiva, como entendeu o Tribunal a quo, sendo antes necessário que se prove por documento o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847.º do C. Civil, bem como a declaração de querer compensar (art. 848.º) ónus que a recorrente cumpriu ao juntar aos autos abundante prova documental que sustenta a sua pretensão compensatória e emergente da mesma relação material controvertida - o contrato de empreitada celebrado entre exequente e executada. § TERCEIRA XX. Por outra banda, não é possível escamotear que por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (acórdão do Tribunal Constitucional, de 12.5.2015, n.º 264/2015), da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do CPC de 2013, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, perde relevância a discussão doutrinária ou jurisprudencial acerca da aplicação dos critérios de temporalidade e meio de prova dos fundamentos de oposição à execução, previstos na alínea g) do art.º 729.º, no que concerne à compensação de créditos, quando a execução em causa tem como título executivo requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória. § QUARTA XXI. O elemento histórico de interpretação da norma também sustenta a tese interpretativa propugnada pela recorrente. XXII. Mais uma vez o Prof. LEBRE DE FREITAS13 , a propósito da alínea h) do art.º 729º sustentou que a consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847 do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo. § QUINTA XXIII. No sentido interpretativo defendido pela recorrente, milita a maioria e mais recente jurisprudência concretamente citada nas páginas 10 a 12 do corpo das alegações do presente recurso, e para as quais se remete (o que significa que as mesmas deverão ser lidas como se aqui estivesse reproduzidas). XXIV. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo afronta, directamente, todas as decisões dos Tribunais superiores citadas nas páginas 10 a 12 do corpo das alegações. § SEXTA XXV. Flui acessivelmente de tudo o exposto que andou mal o Tribunal a quo ao julgar que a os embargos de executado que tenham como fundamento a existência de um contracrédito do executado, exigem o reconhecimento judicial desse contracrédito, não sendo, de todo, admissível, que o reconhecimento judicial do contracrédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução e que a compensação invocada pela recorrente não era admissível (sic). XXVI. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º1 do art.º 847º do Código Civil, em conjugação com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º e o disposto no § único do art.º 731 º do CPC. XXVII. Em contraposição, o disposto no n.º1 do art.º 847º do Código Civil, em conjugação com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º e o disposto no§ único do art.º 731º do CPC deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de que o conceito de contracrédito judicialmente exigível, a que alude a primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 84 7º do Código Civil, se basta com a possibilidade do crédito do executado sobre o exequente, estar vencido e não pago, permitindo-se que seja provado por qualquer meio, principalmente, quando não está em causa título executivo baseado em sentença porquanto o art. 731.º do CPC permite que para além dos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, podem ser deduzidos todos os outros legalmente admissíveis por via de impugnação ou de excepção em processo declarativo. XXVIII. No caso presente, a recorrente invocou contracrédito emergente da mesma relação material controvertida de onde emerge o crédito peticionado pela exequente. Além disso, juntou prova documental abundante que sustenta a existência do seu crédito, incluindo prova documental da interpelação da exequente dos factos constitutivos do seu crédito. XXIX. Face ao exposto, deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimentos dos autos, com produção da prova requerida pelas partes, devendo o Tribunal a quo pronunciar-se, após e a final, sobre a excepção de compensação deduzida pela embargante. XXX. Por tudo o até aqui exposto, o Tribunal a quo violou, entre outros, o n.º1 do art.º 847º do Código Civil, em conjugação com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º e o disposto no § único do art.º 731 º do CPC. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, que V. Exas. se dignem a: a) revogar a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, substituindo-a por outra que determine o prosseguimentos dos autos, com a produção da prova requerida e arrolada pela embargante, pronunciando-se o tribunal a quo, a final, sobre a excepção de compensação invocada em sede de embargos de executado; Assim decidindo, V. Exas. atribuirão cor de verdade à justiça!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se é ou não admissível a compensação invocada pela embargante/recorrente.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1) A presente execução tem como título o requerimento de injunção ao qual foi aposta força executória em 8-10-2019, junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido.
2) No dia 16-02-2021, o Sr. AE informou os autos principais “(…) que por acordo das partes foi cancelada a penhora que incidia sobre o veículo de matrícula ...-RN-..., tendo sido depositado na conta cliente executado a título caução pelo executado o valor de 2845,96 euros que ficará acautelado até decisão dos embargos de executado”.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A executada deduziu oposição à execução contra si instaurada, por meio de embargos de executado, invocando ter sobre a exequente um crédito superior a € 35.000,00, alegando, para tanto, não ter esta, apesar de interpelada para o fazer, concluído as obras a cuja execução contratualmente se obrigara para com a embargante, tendo outras delas sido executadas com defeito.
Com fundamento na compensação do crédito que afirma ter sobre a exequente, emergente do referido incumprimento contratual, reclama a embargante que seja declarado extinto o crédito que tem aquela sobre si.
A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas: artigo 847.º do Código Civil. Trata-se de “uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa”[1].
Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que “a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.
Em sede de oposição à execução contra si instaurada, a executada e ora recorrente invocou ser titular de um contra-crédito contra a exequente, reclamando a compensação entre este e a dívida exequenda.
Sobre a admissibilidade da compensação em sede executiva e a possibilidade de ser exercida na oposição à execução, sendo controvertido o crédito invocado para a fazer operar, não tem sido unânime o entendimento da jurisprudência portuguesa, embora seja claramente maioritária no sentido da sua inadmissibilidade, sendo esta a constante no Supremo Tribunal de Justiça, posição que a sentença sob recurso claramente abraçou.
Em sentido favorável à admissibilidade da compensação nas referidas circunstâncias pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.07.2019 (Desembargador Jorge Leal), de 7.02.2019 (Desembargador Pedro Martins), de 13.11.2008 (Desembargadora Márcia Portela, com voto de vencido); da Relação de Coimbra de 28.01.2020 (Desembargador Fonte Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em sentido divergente decidiram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.11.2002 (Conselheiro Nascimento Costa), de 6.03.2003 (Conselheiro Ferreira Girão), de 14.12.2006 (Conselheiro João Camilo), de 14.03.2013 (Conselheiro Granja da Fonseca), de 1.07.2014 (Conselheiro Paulo Sá), de 2.06.2015 (Conselheiro Fernandes do Vale), de 4.07.2019 (Conselheira Ana Paula Boularot); da Relação do Porto, acórdãos de 29.06.2006 (Desembargador Ferreira do Amaral), 19.01.2006 (Desembargador Fernando Baptista); da Relação de Lisboa, de 6.07.2005 (Desembargador António Valente), de 7.05.2005 (Desembargadora Carla Mendes), de 9.03.2006 (Desembargador Pereira Rodrigues), de 26.06.2007 (Desembargadora Maria José Simões), de 10.09.2020 (Desembargador Arlindo Crua); da Relação de Guimarães, de 12.10.2017 (Desembargadora Margarida de Sousa), de 31.01.2019 (Desembargador Alcides Rodrigues), de 11.11.2021 (Desembargador José Cravo), todos igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.
Também a doutrina maioritária, designadamente a citada na sentença recorrida, entende que para que a compensação possa operar exige-se a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito, convocando, para o efeito, a norma do artigo 847.º, n.º 1, a) do Código Civil.
Revela-se particularmente pertinente o que, a tal propósito, é abordado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.07.2019[2]: “A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante. Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação. Logo, a compensação pode ser exercida, no âmbito de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo — cf., por todos, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4.a ed., págs. 178/179, e ac. do STJ de 26.04.2012, processo n.° 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponível inwww.dgsi.pt. No entanto, tal como foi supra referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido. Permitir que o executado utilize oposição à execução para através dela ver reconhecido o seu contra-crédito seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa — cf., por todos, o ac. da RL de 07.05.2015, processo n.° 7520-13.5TBOER-A.L1-8, disponível in www.dgsi.pt. Esta tem sido a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça como se pode ler no seu ac. de 02.06.2015, processo n.° 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt: «Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex. mo Cons. Granja da Fonseca e em que a, ora, 1ª Adjunta interveio como 2ª Adjunta), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação" (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha). Tendo-se, igualmente, já decidido que: "(N)afase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa" (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Com. Bettencourt de Faria); "A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível" (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo); "Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação ", pelo que, "estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (...) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação" (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e "Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847° do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814°, 816°e 817°, n°l, ai. b) do CPC" (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa). Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que "não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo " (negrito de nossa autoria).»”.
E no recente acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021, antes citado, pode ler-se: “No âmbito do processo executivo, a compensação pode actuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de excepção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h). Ora, segundo a jurisprudência que seguimos (...), para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. (...) A orientação jurisprudencial do STJ nesta matéria, explanada, designadamente, no supra referido Acórdão de 14-03-2013 (...) que aqui seguiremos de perto, dá conta que para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. (...) Donde, a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível (...). Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação, pelo que se o crédito não é exigível judicialmente, não pode ser apresentado a compensação. (...) Em suma, é indispensável que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito. No âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito. (...) Termos em que cabe concluir que a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva. (...) No caso em apreço, na medida em que a embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de oposição à execução”.
E a propósito dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença previstos nas alíneas g) e h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, precisa o acórdão da mesma Relação, de 31.01.2019, também anteriormente citado: “No tocante ao fundamento de oposição previsto na alínea h) do art. 729.º do CPC – “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” –, para além de se exigir a verificação dos pressupostos da compensação previstos no art. 847º do CC, o executado só poderá invocar esse fundamento desde que tal não tenha sido possível no âmbito do processo declarativo em que se formou o título executivo judicial (...), além de que, por identidade de razão (art. 9º do CC), será ainda necessário que se prove por documento o facto constitutivo do contracrédito, em conformidade com a parte final da al. g) do art. 729º do CPC (...). A razão de ser da autonomização desse fundamento prende-se com a nova qualificação processual da compensação efetuada no art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, nos termos do qual a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito para obter a compensação. Tal circunstância levaria a negar a sua admissibilidade em sede de oposição à execução, por não ser admissível reconvenção. Tal interpretação seria contrária ao regime substantivo e ao próprio fim dos embargos ou oposição à execução. A autonomização da compensação visa, assim, obviar a quaisquer dúvidas interpretativas que pudessem ser levantadas quanto á inadmissibilidade da dedução de oposição com tal fundamento em sede de embargos à execução de sentença (...)”.
E prossegue o mesmo acórdão: “Seguindo orientação jurisprudencial do STJ (...), que tende a ser maioritária (...), para efeitos de apresentação de compensação em sede de oposição à execução, o contracrédito do executado só é exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação (...). «Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa» Com efeito, “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (...). Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor. Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (...). Em suma, “para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito (...), não sendo os embargos de executado a sede própria para o reconhecer, pelo que o crédito só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...). Só depois de comprovado e declarado por sentença é tal crédito exigível, mesmo que a obrigação retroaja o seu vencimento para data pretérita (art. 854º do CC)”.
Revendo-nos nas posições doutrinárias e jurisprudenciais citadas, perfilhamos o entendimento – tal como já o fizemos no acórdão de 1.07.2021, proferido no âmbito do processo n.º 24917/16.1T8PRT-A.P1, com a intervenção do mesmo colectivo de Juízes – de que a invocação da compensação em sede de oposição à execução exige, para que a mesma possa ser atendida, que não seja controvertido o contra crédito de que o executado se arroga titular em relação ao exequente, carecendo de estar judicialmente reconhecido, não podendo esse reconhecimento ser obtido nos próprios autos de oposição à execução.
Ora, no caso aqui em debate a embargante para se opor à execução contra ela instaurada invoca, como fundamento dessa mesma oposição, ter sobre a exequente um contra crédito proveniente do incumprimento contratual em que a mesma alegadamente terá incorrido, mas sem que esse hipotético crédito esteja judicialmente reconhecido, sendo a sua discussão introduzida nos próprios autos de oposição à execução, para que neles seja reconhecido, desta forma determinado a extinção da execução por via da compensação assim operada.
Tal como refere a sentença impugnada, “a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra-crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, de todo, admissível que o reconhecimento judicial do contra-crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução”.
Não merecendo qualquer reparo a sentença recorrida que, com tal fundamento, concluiu pela inadmissibilidade da compensação invocada pela embargante, aqui recorrente, improcede o recurso, com manutenção da dita sentença.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em, julgando improcedente o recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas: pela apelante. Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Porto, 10.02.2022
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
_____________ [1] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 117. [2] Processo n.º 132/11.0TCFUN-A.L1.S2, www.dgsi.pt.