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SUCESSÃO DAS LEIS NO TEMPO
CONSTITUIÇÃO DE COLECTIVO
Sumário
–Segundo o art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril, o regime de substituição de um dos juízes que integram o Tribunal Colectivo durante a discussão e o julgamento da causa previsto no artigo 328º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, com a redação dada pela mencionada Lei 27/2015, não se aplica aos «processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma».
–O termo «pendência do processo» não equivale a «início do processo», porque enquanto houver actos a praticar para impulsionar a sua marcha, desde a obtenção da notícia do crime, até ao julgamento com decisão transitada em julgado, na qual se proceda à declaração definitiva do Direito Penal que se aplica, naquele caso, o processo estará pendente.
–Na medida em que o critério geral de aplicação no tempo das leis processuais penais é o de que cada acto processual é regulado pela lei que estiver em vigor no momento da sua prática, segundo o princípio geral consagrado no art. 5º nº 1 do CPP e face ao papel primordial do princípio da não transconexão e da regra geral de que a lei só dispõe para o futuro e é de aplicação imediata, bem assim, em resultado das formas de conjugação dela com as regras da irretroactividade desfavorável e da imposição de aplicação da lei mais favorável, resultantes do art. 5º nº 2 do CPP, a única forma de dar conteúdo útil à disposição legal contida no art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril é interpretá-la, como fez a decisão recorrida, no sentido de considerar que o novo regime jurídico previsto no art. 328º A do CPP em sede de alterações da composição do Tribunal Colectivo, condições de admissibilidade, pressupostos de validade e eficácia, formalidades prévias a cumprir e todas as questões reguladas nos nºs 2 a 7, só é aplicável aos processos cujas audiências de discussão e julgamento se iniciem após a entrada em vigor da referida Lei 27/2015, sendo que a expressão «processos pendentes» só pode aludir a processos cuja audiência de discussão e julgamento esteja a decorrer desde momento anterior ao do início da vigência da Lei 27/2015.
(Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
Por despacho proferido em 2.06.2021, no processo comum colectivo nº 2949/15. 7TDLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 9 Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi indeferido o pedido formulado pelo arguido DFBG_____ no sentido da inaplicabilidade a este processo do art. 328º-A do CPP e, consequentemente, no sentido da manutenção da interrupção da audiência de julgamento até que a Mma. Juiz Adjunta, impedida temporariamente regressasse ao serviço.
O arguido DFBG_____ interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1ª.–O presente recurso é interposto do despacho proferido em 2.06.2021 que indeferiu o requerido pelo Arguido DFBG_____ a fls. 9512, designadamente a não aplicação aos presentes autos do artigo 328º-A do CPP e a manutenção da interrupção da audiência de julgamento até que a Meritíssima Juiz-Adjunta, impossibilitada temporariamente de integrar o Coletivo, regressasse ao serviço (que foi o que foi requerido expressamente). 2ª.–O despacho recorrido tratou esta questão à luz de dois possíveis fundamentos legais quanto à inaplicabilidade a este processo do artigo 328º-A do CPP, ou seja de dois fundamentos para o indeferimento do requerido:
- o que emerge do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP;
- o que emerge do artigo 6º da Lei nº 27/2015, de 14 de abril, que lealmente foi aduzido oficiosamente. 3ª.–E – note-se desde já – que as estatuições do artigo 5º nº 2 do CPP e do artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril são iguais, ainda que com palavras diferentes: “não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência” “não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma”. 4ª.–A regra em matéria de aplicação da lei processual no tempo, no que diz respeito às normas processuais proprio sensu, é a de aplicação imediata, nos termos do nº 1 do artigo 5º do CPP. 5ª.–Não obstante, nos termos do mesmo artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente ao início da sua vigência quando da sua aplicação imediata possa resultar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. 6ª.–O Tribunal a quo considerou verificado o primeiro pressuposto para a aplicação do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, pois reconheceu, expressamente, que a Lei nº 27/2015, de 4 de abril, entrou em vigor apenas em 14.05.2015 (por força do seu artigo 7º) e o presente inquérito já se tinha iniciado em 28.04.2015 (fls. 2 e 9 dos autos). 7ª.–Mas no despacho recorrido considerou-se, erradamente (com o devido respeito), que in casu o novo regime legal não implica uma limitação do direito de defesa do Arguido DFBG_____, na medida em que o artigo 328º-A do CPP não constituiu qualquer efeito surpresa. 8ª.–Este entendimento não merece adesão. 9ª.–No nosso entendimento (e também no dos três Pareceres do Conselho Superior da Magistratura, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público) o novo artigo 328º-A implica, aliás de forma manifesta, um agravamento sensível da situação processual dos arguidos e uma diminuição das suas garantias de defesa, na medida em que implica que, em parte da audiência de julgamento e até na decisão final, possa intervir um Juiz que não teve imediação com a totalidade da prova. 10ª.–In casu, a Meritíssima Juiz substituta não teve imediação nem com a maior parte das testemunhas arroladas pela acusação (também comuns à Defesa), nem com grande parte das declarações do arguido DFBG_____, nem com as declarações do representante da Assistente. 11ª.–Ainda que o novo regime, estatuído no novo artigo 328.º-A, nº 3 do CPP não seja inconstitucional, parece incontestável que representa um agravamento sensível e ainda evitável da situação dos arguidos, nomeadamente das suas garantias de defesa, consagradas enquanto princípio constitucional no artigo 32º, nº 1 da CRP, porquanto foi retirado aos arguidos o direito – que existia ao tempo da prática dos factos e que existia quando o processo se iniciou – a que a sua causa fosse apreciada por três juízes que tivessem acompanhado toda a audiência de julgamento. 12ª.–E essa é a razão substancial pela qual esta nova norma processual penal, de acordo com os princípios e regras gerais, não deverá aplicar-se imediatamente e portanto não deverá aplicar-se aos presentes autos, que se iniciaram anteriormente à entrada em vigor do referido preceito legal (e obviamente se reportam a factos praticados ainda anteriormente), nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, devendo antes aplicar-se apenas aos processos que se iniciaram depois do início da vigência da lei nova. 13ª.–Portanto, a lei processual penal nova (Lei nº 27/2015, de 14 de abril que introduziu no CPP o novo artigo 328º-A), que entrou em vigor em 14.05.2015 (nos termos do seu artigo 7º), não se poderá aplicar a este processo, que se iniciou em 28.04.2015 ou seja antes do início da vigência da Lei nova, nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP. 14ª.–E nem se diga que o facto de o nº 4 do artigo 328º-A consagrar que o juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo, faz com que o novo regime não seja mais desfavorável aos arguidos, pois a soma de dois Juízes que não assistiram à totalidade da produção de prova, não equivale a um Juiz que tenha assistido a toda a produção de prova. 15ª.–E, no caso concreto dos presentes autos, dada a extensão temporal previsível da impossibilidade temporária da Meritíssima Juiz Adjunta (1 ano), caso a audiência de julgamento fosse brevemente retomada – e já o foi em 7.06.2021 –, o seu regresso nunca ocorreria antes do término previsível dessa audiência. E nem até, com toda a probabilidade, antes da deliberação, votação, elaboração e leitura da decisão final, a que se referem os artigos 365º a 373º do CPP. Pelo que o Coletivo de Juízes na verdade nunca mais voltará a integrar a Mma. Juiz temporariamente impedida. E portanto todo o resto da audiência de julgamento e a decisão final ocorrerão sem o seu retorno, ou seja com dois Juízes que tiveram imediação com toda a prova e com mais uma Mma. Juiz substituta (in casu a Mma. Juiz Senhora Dra. AA.....), que só terá tido imediação com parte da prova produzida. 16ª.–Não colhe o argumento de a prova já produzida em audiência de julgamento (declarações do Arguido e do legal representante da Assistente e inquirição de testemunhas) se encontrar gravada e portanto isso já dar alguma satisfação aos princípios da imediação e da oralidade, pois nas palavras lapidares de LEBRE DE FREITAS (cf. op. cit., p. 666), “Ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo. Além disso, sendo o tribunal colectivo, aquele dos seus membros que substituísse outro no decorrer da audiência estaria em situação de desvantagem, no domínio da apreciação da prova produzida, em face dos outros membros do tribunal” (bold e sublinhados nossos). 17ª.–O argumento do despacho recorrido, de que à data da entrada em vigor da lei nova os arguidos não tinham ainda sido constituídos arguidos, pelo que não se operou nenhum efeito surpresa, desde logo não é exato, pois de facto constituiu uma surpresa a possibilidade de, neste processo, poder haver um Juiz substituto a integrar o Coletivo, mas que não presenciou grande parte (e parte importante) da produção de prova. 18ª.–Acresce que essa questão da “surpresa”, subjetivizada na pessoa do arguido DFBG_____, não é o cerne da questão. O cerne da questão é a perda objetiva de garantias de defesa por haver perda objetiva das vantagens de um Coletivo, composto por três Juízes, em que todos assistiram a tudo e todos estão em pé de igualdade quanto aos juízos que hão-de fazer sobre a credibilidade e o valor probatório dos depoimentos presenciais. 19ª.–A ratio do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, é a de, em matérias de sucessão de leis processuais penais no tempo, tutelar de forma especial a posição processual do arguido, que agiu no domínio da lei antiga e cujo processo se iniciou no domínio da lei antiga. 20ª.–Também não procede o argumento de que a fundamentação do requerido pelo Arguido DFBG_____ colidiria frontalmente com o regime regra previsto no artigo 328º-A do CPP. 21ª.–Porque o regime regra do artigo 328º-A é o que consta do seu nº 1, que é o de que “só podem intervir na sentença os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento”. Foi esse regime que o arguido ora recorrente requereu aliás que fosse aplicado (embora tendo como fonte normativa obviamente não o novo artigo 328º-A, mas sim o artigo 605º do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP). 22ª.–O regime regra estatuído no nº 1 do novo artigo 328º-A do CPP é igual ao regime regra da lei anterior. 23ª.–As exceções é que são novas e estão previstas nos números 2 e seguintes do novo artigo 328º-A. 24ª.–O que o Arguido sustentou/requereu foi a não aplicação aos presentes autos da exceção prevista no artigo 328º-A, nº 3 do CPP – a substituição do juiz impossibilitado, em caso de impossibilidade temporária, de um dos juízes que integra o coletivo – por força do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP − requereu-se pois a aplicação do regime regra (contrariamente ao referido no despacho recorrido). 25ª.–Portanto, não se pretendeu nunca “esvaziar o regime regra introduzido por esta nova lei”, mas sim afastar a aplicabilidade imediata do regime excecional introduzido pela nova lei nos números 2 e seguintes do artigo 328º-A (aplicando-se antes o regime anterior que aliás coincide com o regime regra previsto no novo nº 1 do artigo 328º-A, do CPP), por força do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP. 26ª.–Foi intenção clara do legislador processual penal de abril de 2015, certamente com a noção da procedência das críticas feitas ao novo artigo 328º-A do CPP (nomeadamente através dos referidos 3 Pareceres, do Conselho Superior da Magistratura, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público), evitar as incertezas de possíveis discussões caso a caso, sobre se o regime do novo artigo 328º-A do CPP (obviamente o novo regime excecional previsto nos seus números 2 a 7) seria ou não aplicável aos processos já pendentes à data da sua entrada em vigor, por sempre ser discutível, em maior ou menor medida, se esse novo regime constitui, ou não, “um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa”. 27ª.–Por isso criou uma norma especial e cogente, de sucessão de leis no tempo, na própria Lei nº 27/2015 de 14 de abril, que inequivocamente estatui injuntivamente a aplicação do novo regime legal introduzido pelo artigo 328º-A do CPP apenas aos processos já pendentes à data de início de vigência da nova lei. 28ª.–Para que dúvidas não houvesse a propósito da aplicabilidade da previsão normativa do artigo 5º nº 2 alínea a) do CPP, o legislador criou uma norma, com a mesma estatuição que o artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, na própria lei que criou o novo artigo 328º-A do CPP (e que não se aplica aliás a todas as alterações introduzidas pela Lei nº 27/2015 de 14 de abril, mas apenas a dois conjuntos normativos: os nos 7 e 8 do artigo 283º, cuja aplicação não está em causa, e o artigo 328º-A do CPP, que é o que está em causa)! 29ª.–As estatuições do artigo 5º, nº 2 do CPP e do artigo 6º da Lei nº 27/2015, de 14 de abril, são exatamente iguais (embora com palavras diferentes). 30ª.–Temos pois duas normas do sistema jurídico, uma geral e uma especial que dispõem, em consonância e harmonia, que o novo regime legal introduzido pelo artigo 328º-A do CPP “não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da nova lei”, ou seja aos processos que já estivessem pendentes em 14.05.2015 (nos termos do artigo 7º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril, isto é 30 dias após a sua publicação), o que é o caso do presente processo. 31ª.–A diferença é que o artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril manda aplicar este regime injuntivamente, sem necessidade nem possibilidade de se aferir se há ou não, com o novo art. 328º-A do CPP, “um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa”. 32ª.–Esta norma especial, prevista especificamente no artigo 6º da Lei nº 27/2015 é efetivamente inequívoca e injuntiva quando dispõe o seguinte: “O disposto (…) no artigo 328ºA do Código de Processo Penal (…), com a redação dada pela presente lei, não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma”. 33ª.–No despacho recorrido fez-se porém uma interpretação contra lei expressa, ao decidir-se que, de acordo com o elemento literal do artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril, o regime do artigo 328ºA do CPP não seria aplicável aos presentes autos, mas que, por força dos elementos teleológico e histórico de interpretação, esta norma deve ser interpretada no sentido de que o artigo 328º-A apenas não se aplica aos processos em que já tivesse sido iniciada a fase de julgamento (sem qualquer apoio na letra da lei !). 34ª.–Esta interpretação do artigo 6º da Lei 27/2015, de 14 de abril colide frontalmente com o princípio previamente invocado e consagrado no artigo 8º, nº 2 do Código Civil − o dever de obediência à lei. 35ª.–Os argumentos que no despacho recorrido se qualificam como correspondentes aos elementos histórico e teleológico de interpretação são, se bem os analisarmos, argumentos não para interpretar abstratamente (o melhor possível) a referida norma legal, mas argumentos para alterar a sua estatuição, no caso concreto, o que é ilegítimo. 36ª.–No despacho recorrido qualifica-se como elemento teleológico, a “agilidade na realização da justiça e da economia processual”. Mas essa referência é tão vaga e tão genérica que, com o devido respeito, não demonstra nada quanto ao modo como deve ser interpretado o art. 6º da Lei nº 27/2015. 37ª.–E no despacho recorrido qualifica-se como argumento histórico o facto de o novo regime legal ter sido criado “[d]e certo modo, como reação, às consequências nefastas para estes princípios decorrentes, infelizmente, do falecimento de uma Mm.ª Juiz num conhecido processo mediático e complexo”, in casu, o processo da “Universidade Independente”. 38ª.–Contudo, invoca-se este argumento histórico, não através da identificação do designado elemento histórico objetivo da interpretação das leis (occasio legis − circunstâncias sociais, políticas e/ou económicas em que a lei foi elaborada), nem do designado elemento histórico subjetivo (intenção do legislador histórico, aferida através da história da lei, mediante a consulta dos trabalhos preparatórios, dos elementos do preâmbulo ou do relatório da lei – cf. v.g. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 30.02.2015). 39ª.–Mas em rigor este não é um elemento histórico de interpretação, pois não é conducente a uma interpretação geral e abstrata. 40ª.–Aliás, no despacho recorrido reconhece-se que o que se refere como “elemento histórico” está “não expresso na exposição de motivos”. 41ª.–Aduz-se porém que resultaria de ser “do conhecimento do meio jurídico e judicial que o estatuído na Lei n.º 27/2015 decorre das vicissitudes ocorridas, infelizmente, num processo mediático e altamente complexo conhecido como o da «Universidade Independente»”. 42ª.–Ora, sem pôr em causa a convicção quanto a tal circunstância, esse alegado “conhecimento do meio jurídico e judicial” não foi minimamente fundamentado no despacho recorrido, nem demonstrado, nem apoiado em seja o que for que possa valer como fundamentação. 43ª.–Mas ainda que assim tenha sido, isso em nada altera nem a diminuição das garantias de defesa que os números 2 e seguintes do novo art. 328º- A trazem, nem em nada altera a estatuição clara e injuntiva do art. 6º da Lei nº 27/2015. 44ª.–Neste sentido, também improcede o argumento utilizado no despacho recorrido, de que “Seria, pois, uma contradição nos termos da própria Lei se fosse sufragado o entendimento de que nos processos mais morosos (pela sua complexidade, demora na investigação e conclusão do Julgamento), a ocorrer alguma das vicissitudes a que ela se refere (falecimento, impossibilidade definitiva ou duradoura de algum dos Juízes), não pudesse ser aplicável o regime nela estatuído.
Nesses casos, a Lei seria incapaz de resolver uma vicissitude/problema com que se deparou, e apenas seria aplicável a todos os outros processos, essencialmente os «simples e rápidos» que se iniciaram (inquérito) após a sua entrada em vigor, sendo certo que não foi esse o desiderato que lhe esteve subjacente, porquanto, como flui da sua «exposição de motivos», o que estava em causa eram os processos de especial complexidade.
No limite, o apego ao seu elemento literal, teria por consequência que alguns dos processos de elevada complexidade que ainda não chegaram à fase de Julgamento (não será necessário elencá-los porque são sobejamente conhecidos, essencialmente os desta Comarca) e que se iniciaram (inquérito) antes da entrada em vigor da Lei, decorridos 15 ou 20 anos desde o seu início, a ocorrer alguma das vicissitudes que ela prevê, não poderiam beneficiar do seu normativo.” 45ª.–Não há contradição nenhuma em considerar-se que o novo regime é melhor (embora não seja essa a nossa opinião) ou resolve certo problema, mas por regras de sucessão de leis no tempo não pode ter aplicação imediata a todos os processos, mesmo os já pendentes quando do início da sua vigência. 46ª.–Como é manifesto a nova lei também se aplicará aos processos mais morosos e complexos, desde que estes processos se tenham iniciado depois da entrada em vigor da referida lei. 47ª.–Aliás, aplicar-se-á a todos os processos morosos e complexos (ou não) que venham a existir. 48ª.–E essa é precisamente a vontade do legislador bem expressa na letra do artigo 6º da Lei nº 27/2015, pelo que é a única interpretação possível de acordo com os elementos de interpretação e de acordo com a letra da lei. 49ª.–O argumento que parece reconduzir-se à ideia de que nunca mais haverá processos tão morosos e complexos como os atuais é que, com o devido respeito, não convence.
50ª.– Invocar como argumento histórico de interpretação um certo circunstancialismo que se quis resolver é inaceitável, porquanto as soluções jurídicas devem ser gerais e abstratas, não podendo a lei ser criada para regular concretas situações, nomeadamente as de certos processos mediáticos e complexos, como os “processos de elevada complexidade que ainda não chegaram à fase de Julgamento (não será necessário elencá-los porque são sobejamente conhecidos, essencialmente os desta Comarca) e que se iniciaram (inquérito) antes da entrada em vigor da Lei”. 51ª.–Legítimo, obviamente, é querer-se obviar para o futuro a certo tipo de circunstancialismo. 52ª.–Portanto, o novo artigo 328º-A foi criado pela Lei nº 27/2015 para todos os processos futuros (ou seja que se tenham iniciado depois do início da sua vigência) – e não para os já pendentes morosos e complexos (ou não). 53ª.–Acresce que a interpretação sustentada pelo Tribunal a quo desrespeita um dos princípios basilares num concurso de normas (in casu concurso do artigo 5º, nº 1 do CPP com o artigo 6º da Lei nº 27/2015, de 14 de abril) − Lex specialis derogat legi generali. 54ª.–É igualmente improcedente o argumento no despacho recorrido, supostamente ancorado no princípio da unidade do sistema jurídico, segundo o qual a Lei nº 27/2015 também veio alterar o artigo 328º do CPP, ao permitir que em determinados casos a interrupção da audiência se possa prolongar para além do prazo de 30 dias, sendo que este novo regime é aplicável aos processos pendentes, ainda que iniciados anteriormente à sua vigência.
55ª.–Quanto ao artigo 328º, nº 6 do CPP é pacífico que este se encontra sujeito ao regime da aplicação imediata da lei processual penal nova:
-“A alteração introduzida ao art.º 328 n.º 6 do CPP pela Lei 27/2015, de 14.04 –que visou a eliminação da sanção consistente na perda da eficácia da prova por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação da audiência interrompida – é de aplicação imediata, aos processos iniciados antes da sua entrada em vigor, pois que trata de uma lei processual, destinada a regular os atos do processo” (cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 13.07.2017). 56ª.–E, quanto a este concreta norma jurídica o legislador não criou nenhuma norma especial, que regule a sucessão de leis no tempo, pois o artigo 6º da Lei nº 27/2015 apenas se aplica aos nos 7 e 8 do artigo 283º e ao artigo 328.º-A do CPP. Não ao artigo 328º nº 6 do CPP, apesar de alterado pela Lei nº 27/2015.
57ª.– O legislador de 2015 foi intencional e criterioso:
− ao novo artigo 328º-A do CPP aplica-se o artigo 6º da Lei nº 27/2015, que confirma, sem possibilidade de demonstrações em contrário !, a aplicabilidade do artigo 5º, nº 2 alínea a) do CPP, pelo que o novo artigo 328º-A do CPP não se aplica senão aos processos que tenham iniciado a sua tramitação depois do início da vigência da Lei nº 27/2015, ou seja, por força do seu artigo 7º, depois de 14.05.2015, o que não é o caso destes autos;
− alteração da redação do nº 6 do artigo 328º do CPP, que tem aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, nº 1 do CPP, e relativamente ao qual não foi criada norma especial de sucessão de leis no tempo pela Lei nº 27/2015 (o seu artigo 6º claramente não se lhe refere). 58ª.–Em suma, se é verdade que, segundo o artigo 9º, nº 1 do Código Civil, o intérprete não deve cingir-se ao elemento literal, devendo considerar igualmente os elementos teleológico e histórico, também é verdade que o seu nº 2 é claro ao estatuir que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, o que é manifestamente o caso da interpretação feita no despacho recorrido do artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril, que não diz nada de nada sobre processos em fase de julgamento e refere-se sim, unicamente, ao conceito de “processos pendentes” à data da entrada em vigor da lei. 59ª.–Assim, esta interpretação é ilegal e inadmissível pois contraria frontalmente o regime legal previsto no artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril. 60ª.–A interpretação do art. 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril – e, bem assim, do artigo 5º, nº 2 do CPP – que foi a ratio decidendi da decisão recorrida, considerando que deve interpretar-se a primeira daquelas normas como se dissesse que “a lei nova não se aplica aos processos que tivessem já iniciado a fase de julgamento quando a lei nova entrou em vigor”, quando o que nela está escrito é que não se aplica aos processos pendentes quando do início da sua vigência, é ilegal por violação do artigo 9º, nº 2 do Código Civil (que integra a Constituição em sentido material). 61ª.–Pelo exposto, deve o Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, e deve ser proferida decisão no sentido da não aplicação aos presentes autos do artigo 328º-A, nº 3 do CPP e, portanto, da aplicação do regime legal anterior – artigo 605º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do CPP –, pelo que, sendo temporária a impossibilidade da Meritíssima Juiz Adjunta, a audiência de julgamento deve considerar-se interrompida e partir do início do seu impedimento e deve continuar interrompida pelo tempo indispensável, retomando-se a audiência logo que se verifique o seu regresso ao serviço, mais se anulando todos os atos praticados na audiência de julgamento a partir da intervenção da Mma. Juiz Adjunta substituta Senhora Dra. AA....., dada a inaplicabilidade a este processo do artigo 328º-A, nº 3 do CPP que legitimaria a sua intervenção. 62ª.–O Tribunal a quo interpretou e aplicou as normas violadas, considerando que só nos casos em que a aplicação da lei nova consubstancia um efeito surpresa para o arguido é que se poderá aplicar o artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP e sustentando que inexistiu essa surpresa e que deve interpretar-se o artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril em termos que não têm na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, com base em juízos de inconveniência concreta, o que nem é interpretação histórica, nem teleológica, nem é legítimo, pois as leis são gerais e abstratas. 63ª.–O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as normas jurídicas em causa concluindo no sentido de, por força da aplicação do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP e, bem assim, por força do artigo 6º da Lei nº 27/2015, de 14 de abril, o artigo 328º-A do CPP não poder ser aplicado aos presentes autos que já estavam pendentes em 14 de maio de 2015 (data da entrada em vigor da Lei nº 27/2015 de 14 de abril, por força do seu artigo 7º), devendo ao invés ser aplicado o regime legal anterior – artigo 605º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do CPP –, pelo que, sendo temporária a impossibilidade da Meritíssima Juiz Adjunta, a audiência de julgamento devia ter continuado interrompida pelo tempo indispensável, retomando-se a audiência logo que se verificasse o seu regresso ao serviço.
Nestes termos, e nos mais do Direito aplicável, deverá esse Venerando Tribunal revogar o douto despacho recorrido, decidindo a inaplicabilidade aos presentes autos do artigo 328º-A do CPP (maxime do seu número 3) e, portanto determinar a aplicação do regime legal anterior – artigo 605º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do CPP –, pelo que, sendo temporária a impossibilidade da Meritíssima Juiz Adjunta ( ), a audiência de julgamento deve considerar-se interrompida a partir do momento do início do seu impedimento temporário e deve continuar interrompida pelo tempo indispensável, retomando-se a audiência de julgamento logo que se verifique o seu regresso ao serviço, anulando-se todos os atos praticados na audiência de julgamento a partir da intervenção da Mma. Juiz substituta que não teve imediação com grande parte da produção de prova em audiência, pois não fazia parte do Tribunal Coletivo.
Admitido recurso, a assistente, Secretaria-Geral da Presidência da República apresentou a sua resposta, na qual formulou as seguintes conclusões: A.–No dia 2 de junho de 2021, foi proferido despacho em que, entre o mais, se determinou: (i)- ao abrigo do disposto no artigo 328º-A, do CPP, o prosseguimento do Julgamento com a intervenção da Mm.ª Juíza substituta, Dr.ª AA....., sem a repetição integral ou parcial da prova produzida até à data; e (ii)- o consequente indeferimento do requerido pelo Arguido no sentido da inaplicabilidade a este processo do artigo 328.º-A, do CPP. B.–O arguido DFBG_____ não se conformou com aquele despacho, por considerar que o artigo 328.º-A, do CPP, carece de aplicabilidade aos presentes autos, já que o inquérito se iniciou em momento prévio ao da entrada em vigor da lei que introduziu essa norma no CPP – não por discordar da solução encontrada à luz do que esta norma dispõe. C.–Entende, em primeiro lugar que se verifica a situação prevista na norma excecional contida na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPP.
Sucede, porém, que a aplicação desta norma não se basta com um qualquer agravamento da posição processual do arguido. Tem de se tratar de um agravamento sensível, sendo que, nas palavras do douto Tribunal da Relação de Coimbra, «sensível será tudo o que contende com direitos fundamentais, mormente com os direitos, liberdades e garantias vertidos na Constituição da República Portuguesa» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.10.2013, processo n.º 849/12.1JACBR-C.C1 JORGE DIAS). D.–Se se considerar que dos princípios em confronto é a imediação e a plenitude da assistência do juiz que oferecem mais garantias de defesa (por oposição aos princípios da economia processual e da celeridade), até se pode concluir que existe algum agravamento da situação processual do arguido, mas, tratando-se aqui de um tribunal coletivo, em que quanto aos outros dois juízes está assegurada a imediação e plenitude, circunstância conjugada com a possibilidade de audição de toda a prova gravada pela Mma. Juíza substituta, não se vê como pode o Arguido concluir que tal alteração é sensível. E.–Sucede, porém, que esse não é o ponto que importa verdadeiramente discutir. É que a Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, que aditou o artigo 328.º-A ao CPP, determina, no seu artigo 6.º, o seguinte: «[o] disposto […] no artigo 328.º-A do Código de Processo Penal […] não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma». F.–No que àquela norma respeita, o despacho recorrido concluiu o seguinte: «cotejando, os elementos literal, teleológico, histórico e sem olvidar a unidade do sistema jurídico, a referência do art. 6º da Lei n.º 27/2015, de 14.4. a “não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor em vigor da mesma” só pode querer significar os processos pendentes na fase de julgamento à data da entrada em vigor da mesma». Interpretação que, defende o Arguido, é «manifestamente contra legem». G.–Sucede que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil (“CC”), «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». H.–Como se refere no despacho recorrido, a entrada em vigor da Lei 27/2015, a 14 de maio de 2015 é muito anterior à constituição de DFBG_____ ou de qualquer outra pessoa como arguido, pelo que sucede que nem se pode dizer que tivesse já sido adquirido no processo um estatuto que mereça tutela. I.–Mais: a primeira diligência de prova que consta dos autos, a fls. 14 (uma informação baseada em pesquisa online por fontes abertas, onde pela primeira vez se identifica o Arguido como mero suspeito), data de 1 de junho de 2015 – sendo, portanto, posterior à entrada em vigor da lei. J.–De todo o modo, o que importa salientar é que a interpretação que é feita no despacho recorrido sobre o que são «processos pendentes» está longe de ser inédita e foi já perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça a respeito do direito de recurso do arguido. Se no presente caso o Tribunal considerou que o processo deve ter-se por pendente já em fase de julgamento, a respeito do artigo 5.º, n.º 2, do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça havia considerado que o processo devia ter-se por pendente na data da decisão condenatória. K.–Com efeito, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, proferido a 18 de fevereiro de 2009, no âmbito do processo n.º 08P19577, entendeu-se que a lei pré-vigente (mais favorável ao arguido) só era aplicável a processos pendentes, em matéria de direito ao recurso, se a decisão condenatória impugnada tivesse sido proferida na sua vigência. Pode ler-se aí o seguinte:
«[A] categoria «processos iniciados anteriormente» não constitui uma categoria que, no contexto e na economia da norma, se determine por si mesma, mas apenas se compreende quando integrada pela ordem da razão das coisas – a razão de ser da norma, das soluções que contém e das finalidades que visa conseguir; a expressão e a dimensão teleológica constituem a chave da interpretação.
Se, com efeito, a ratio para a excepção à aplicação da lei nova está na consequência (agravamento sensível da situação processual do arguido), a verificação da consequência não poderá estar desligada nem abstrair do facto que a faz desencadear;». L.–Como parece evidente, o Supremo Tribunal de Justiça fez, assim, corresponder, para efeitos de aplicabilidade de normas relativas ao direito de recurso, o início do processo à decisão condenatória, tal como o Tribunal a quo fez corresponder, para efeitos de aplicabilidade de normas relativas ao funcionamento do julgamento, o início do processo ao início da fase de julgamento. M.–Nessa medida, não assiste razão ao Arguido, sendo de manter o despacho recorrido, prosseguindo o processo os seus termos.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se o despacho recorrido.
O Mº. Pº. também apresentou resposta a este recurso, tendo em síntese, argumentado e concluído que:
Quando o art. 6º da Lei 27/2015 dispõe que não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da Lei, quer dizer que não se aplica aos processos pendentes que se encontrem em fase de julgamento à data da entrada em vigor da referida lei.
Aplicar o regime anterior significaria a perda de eficácia da prova já realizada, face a ausência do serviço por mais de 30 dias e o julgamento voltar ao seu início, com manifesto prejuízo para os arguidos e para a imagem e credibilidade da justiça.
Entendemos que o Mmo. Juiz Presidente decidiu bem ao acionar o mecanismo de substituição da Senhora Juíza Adjunta, Dra., manifesta, física e temporariamente impossibilitada de prosseguir com intervenção no julgamento dos presentes autos, uma vez que se encontra de baixa médica, à qual previsivelmente se seguirá uma licença de maternidade e o gozo de férias, por período temporal que deverá ser de cerca de um ano.
Tendo em conta que, apesar da impossibilidade ser temporária, é bastante prolongada no tempo, circunstância que aconselha, juntamente, com as circunstâncias, de o julgamento já ter sofrido atrasos devido à pandemia COVID 19, o processo ser moroso, com muitas testemunhas, e existir perigo de prescrição do procedimento criminal, tendo em conta as datas dos factos imputados, a que se proceda à substituição do juiz impossibilitado, nos termos do art. 328-°A, n. °3, do CPP.
Finalmente, atendendo a que, à data da substituição, já haviam sido realizadas 49 sessões de julgamento com 39 testemunhas inquiridas, que a prova se encontra toda gravada e às datas longínquas dos factos (2012 a 2016), não se justifica a repetição da prova, tendo em conta que o desidrato da alteração legislativa em causa foi o de garantir o aproveitamento dos atos processuais já praticados, que se apresenta agora como regra.
Tudo soluções que a lei consagra, no art. 328.°-A do CPP, as quais não beliscam as garantias de defesa do arguido, que se mantêm incólumes.
Para além de que a interrupção do julgamento, por cerca de um ano, decerto violaria os princípios da continuidade da audiência e mesmo da imediação da prova.
O despacho do qual agora se recorre, o qual deve manter-se.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma Sra. Procuradora Geral da República Adjunta, emitiu parecer, nos sentido de ser negado provimento ao recurso, dizendo em síntese, que:
O Ministério Público na 1ª instância, secundado pela assistente, respondeu ao recurso, equacionando de forma bem estruturada e completa a matéria a resolver nesta lide, defendendo a manutenção da decisão recorrida, em termos de facto e de direito que, pelo rigor e propriedade, suscitam a mais completa adesão.
Assim, acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, emite-se parecer consonante, no sentido de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente, sendo de manter o decidido no douto despacho recorrido.
Cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do CPP, o arguido recorrente DFBG_____ respondeu, invocando, em síntese, o seguinte:
O parecer é vazio de conteúdo e podia dizer respeito a este recurso ou a qualquer outro.
A resposta do Ministério Público em 1ª instância é totalmente omissa quanto ao argumento, aduzido na motivação de recurso, de que da aplicação aos presentes autos do novo regime previsto no art. 328º-A, nº 3 do CPP resultará um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do Arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, porquanto ficará coartado o direito do Arguido DFBG_____ – que existia ao tempo da prática dos factos e que existia quando o processo se iniciou – a que a sua causa seja apreciada por três juízes que tenham acompanhado toda a audiência de julgamento.
O Ministério Público em 1ª instância fez uma interpretação proibida contra lei expressa, ao dizer que, de acordo com o elemento literal do artigo 6º da Lei nº 27/2015 de 14 de abril, o novo regime do artigo 328º-A do CPP não seria aplicável aos presentes autos, mas que, por força dos elementos teleológico e histórico de interpretação, tal norma deve ser interpretada no sentido de que o artigo 328º-A apenas não se aplica aos processos em que já tivesse sido iniciada a fase de julgamento.
O legislador de 2015 foi intencional e criterioso:
− ao novo artigo 328º-A do CPP aplica-se o artigo 6º da Lei nº 27/2015, que confirma, sem possibilidade de demonstrações em contrário (!), a aplicabilidade do regime do artigo 5º, nº 2 alínea a) do CPP, pelo que o novo artigo 328º-A do CPP não se aplica senão aos processos que tenham iniciado a sua tramitação depois do início da vigência da Lei nº 27/2015, ou seja, por força do seu artigo 7º, depois de 14.05.2015, o que não é o caso destes autos;
− alteração da redação do nº 6 do artigo 328º do CPP, tem aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, nº 1 do CPP, designadamente porque relativamente a essa outra norma não foi criada norma especial de sucessão de leis no tempo pela Lei nº 27/2015 (o seu artigo 6º claramente não se lhe refere).
Temos, pois, duas normas jurídicas, às quais se aplicam regimes distintos de aplicação da lei processual penal no tempo, porque clarissimamente o legislador assim o quis, tendo deixado isso bem claro na letra da Lei.
A interpretação do conceito de “pendência”, como o intervalo entre o início da fase de julgamento e o seu termo, deixa por explicar o conceito de “processos iniciados antes do início da vigência da lei nova” que consta da norma geral sobre a sucessão de leis processuais penais no tempo e em especial da norma também aplicável ao caso que é o art. 5º nº 2 alínea c) do CPP, segundo o qual igualmente é inaplicável no caso dos autos o novo art. 328º-A do CPP.
Colhidos os vistos e realizada a conferência nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II–FUNDAMENTAÇÃO
2.1.–DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto, considerando estar em causa um recurso interlocutório e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes: 1)-Se a alusão contida no art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril excluindo do seu âmbito temporal de aplicação «os processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma» se refere a todos os processos instaurados ou iniciados em data anterior à do início da sua vigência, como pretende o recorrente ou, como decidido no despacho recorrido, apenas ficam de fora da competência temporal da Lei 27/2015 de 14 de Abril, os processos nos quais se tivesse já iniciado a fase de julgamento quando esta lei entrou em vigor. 2)-Se é aplicável o preceituado no art. 5º nº 2 al. a) do CPP, em virtude de a aplicação imediata do regime jurídico de substituição de Juízes durante a audiência de discussão e julgamento importar uma diminuição das garantias de defesa e, por via da aplicação do regime penal mais favorável, terá de ser repristinado o regime jurídico anterior; 3)-Se esse regime anterior é o instituído no artigo 605º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do CPP, pelo que, sendo temporária a impossibilidade da Meritíssima Juiz Adjunta, a audiência de julgamento deve considerar-se interrompida e partir do início do seu impedimento e deve continuar interrompida pelo tempo indispensável, retomando-se a audiência logo que se verifique o seu regresso ao serviço; 4)-Se deverão ser anulados todos os actos praticados na audiência de julgamento a partir da intervenção da Mma. Juiz Adjunta substituta Senhora Dra. AA....., dada a inaplicabilidade a este processo do artigo 328º-A, nº 3 do CPP que legitimaria a sua intervenção.
2.2.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte:
O inquérito que deu origem ao presente processo iniciou-se em 28.04.2015 (denúncia de fls. 2 a 6 que integra a certidão com a referência Citius 30755738 e folha com a referência 17797976 deste apenso D do recurso).
Nele, em 16 de Maio de 2018, o Mº. Pº. deduziu acusação, entre outros, contra o arguido DFBG____- imputando-lhe a prática, em concurso efectivo, de: a)-Um (1) crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382º, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), ambos do Código Penal (em concurso aparente com o crime participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377º, nº 2, por referência ao artigo 386º, alíneas a) e d), do Código Penal) [alínea A), factos 14 a 17], em co-autoria com o arguido P…; b)-Sete (7) crimes de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.°, por referência ao artigo 386º, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea A), factos 28 a 30 e 33 a 36; alínea D), factos 143 e 144; alínea H), ponto 2 - factos 176 a 181, ponto 3 - factos 182 a 188; alínea F), factos 223 a 231; alínea H), factos 241 a 243]; c)-Um (1) crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.D, por referência ao artigo 386º, alíneas a) e d), ambos do Código Penal [alínea A), factos 31 e 32], em co- autoria com o arguido P…; d)-Um (1) crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377º, n.° 2, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea A), factos 18 a 27], em co-autoria em co-autoria com o arguido P…; e)-Um (1) crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377.°, n.s 1, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea A), factos 37 a 46], em co-autoria com o arguido P…; f)-Um (1) crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377º, nº 1, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea B), factos 58 a 68], em co-autoria com o arguido V…; g)-Dois (2) crimes de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377.°, nº 1, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea B), factos 71 a 76 e 77 a 82], em autoria material; h)-Dois (2) crimes de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377.°, nº 1, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea E), factos 153 a 158, ponto 1 - factos 165 a 175 e ponto 4 - factos 197 a 214], em co-autoria com o arguido J…; i)-Um (1) crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377º, nº 2, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea E), factos 153 a 158, ponto 5 - factos 218 a 221], em co-autoria com o arguido J…; j)-Um (1) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.° 1, alíneas d) e e) e nº 4 do Código Penal [alínea A), factos 37 a 46]; k)-Dois (2) crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, nº 1, alíneas d) e e) e n° 4, por referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), todos do Código Penal [alínea B), factos 59 a 68 e 71 a 76]; l)-Um (1) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, alíneas d) e e) e n° 4 do Código Penal [alínea C), factos 115 a 120 e 132 a 134], em co-autoria com o arguido V…; m)-Um (1) crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º, n.° 1, com referência ao artigo 386°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea C), factos 115 a 120 e 132], em co-autoria com o arguido VS_____; n)-Treze (13) crimes de peculato, previsto e punido pelo artigo 375°, n.° 1, com referência ao artigo 386°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea C), factos 97 a 114,121 a 126 e alínea G), factos 235 a 240, alínea H), factos 245 a 252); o)-Um (1) crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.°-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal [alínea A), factos 37 a 46], em autoria mediata; p)-Cinco (5) crimes de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 376.°, n.° 1, com referência ao artigo 386.°, alíneas a) e d), do Código Penal [alínea B), facto 81; alínea D), facto 145; alínea H), ponto 3 - factos 190 e 191; alínea H), facto 244]; q)-Um (1) crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo artigo 335.° do Código Penal [alínea D), factos 135 a 142] (acusação com as referências Citius 376647689 e 393461202 do processo principal);
Na sequência da instrução requerida pelos arguidos JMLD_____e DFBG_____foi proferida decisão instrutória, em 10 de Julho de 2019, nos termos da qual todos os arguidos foram pronunciados pelos factos e disposições legais referidos na acusação (decisão de pronúncia com a referência Citius 388663422 do processo principal);
A audiência de discussão e julgamento, neste processo comum colectivo nº 2949/15.7TDLSB, teve início em 8 de Outubro de 2020 (acta da audiência de discussão e julgamento com a referência Citius 399382137 do processo principal);
Sendo o Tribunal Colectivo composto pelos Exmos, Srs. Juízes, Dr., como Juiz Presidente e pelos Sr. Drs. como Juízes Adjuntos (acta da audiência de discussão e julgamento com a referência Citius 399382137 do processo principal);
A audiência de discussão e julgamento teve sessões nos dias 15 de Outubro de 2020, 22 de Outubro de 2020, 29 de Outubro de 2020, 5 de Novembro de 2020, 6 de Novembro de 2020, 9 de Novembro de 2020, 19 de Novembro de 2020, 3 de Dezembro de 2020, 4 de Dezembro de 2020, 10 de Dezembro de 2020, 11 de Dezembro de 2020, 14 de Dezembro de 2020, 17 de Dezembro de 2020, 18 de Dezembro de 2020, 4 de Janeiro de 2021, 7 de Janeiro de 2021, 8 de Janeiro de 2021, 11 de Janeiro de 2021, 14 de Janeiro de 2021, 15 de Janeiro de 2021, 18 de Janeiro de 2021, 21 de Janeiro de 2021, 22 de Janeiro de 2021, 8 de Abril de 2021, 12 de Abril de 2021, 15 de Abril de 2021, 19 de Abril de 2021 (actas da audiência de discussão e julgamento das datas mencionadas, com as referências Citius do processo principal, 399620789, 399838966, 400056425, 400263712, 400301818, 400347445, 400697968, 401050548 e 401070265, 401093226, 401194357, 401238365, 401283335, 401426722, 401468882, 401704580, 401820224, 401858438, 401898190, 402031685, 402072653, 402104439, 402229205, 402267516, 404310871, 404416949, 404514381, 404585229 respectivamente);
Em todas elas o Tribunal Colectivo foi integrado pelos Exmos, Srs. Juízes, Dr. LR....., como Juiz Presidente e pelos Sr. Drs. JC..... e como Juízes Adjuntos (actas da audiência de discussão e julgamento das datas mencionadas, com as referências Citius do processo principal, 399620789, 399838966, 400056425, 400263712, 400301818, 400347445, 400697968, 401050548 e 401070265, 401093226, 401194357, 401238365, 401283335, 401426722, 401468882, 401704580, 401820224, 401858438, 401898190, 402031685, 402072653, 402104439, 402229205, 402267516, 404310871, 404416949, 404514381, 404585229 respectivamente);
Até que, em 21 de Abril de 2021, o Mmº. Juiz Titular do processo proferiu um despacho com o seguinte teor (transcrição integral):
Tomei hoje conhecimento, por informação pessoal que me foi transmitida pela mesma, que a Mm.ª Juiz Adjunta, Dr.ª S..... está, a partir desta data, de baixa médica prolongada, ao que se seguirá previsivelmente uma ausência do serviço por gozo de licença.
Com este circunstancialismo, não é previsível que volte ao serviço sem que estejam decorridos, pelo menos, 10 meses.
Vale o exposto por dizer que, por ora, não é possível constituir o Tribunal Coletivo para prosseguir com a produção de prova do Julgamento que está em curso.
***
Será, porventura, de fazer atuar o mecanismo de substituição de Juiz a que alude o art. 328º-A, n.ºs 2, 3, 4, 6 e 7 do C.P.P., verificados que estejam os respetivos pressupostos legais.
Para o efeito será necessário que: 1)-O C.S.M. indique Juiz substituto; 2)-Este tenha a possibilidade de se pronunciar (art. 328º-A, n.º 2, “in fine”); 3)-Seja facultado o contraditório ao M.P. e ilustres mandatários do assistente/demandante e arguidos nos termos e para efeitos do disposto no art. 328º-A, n.ºs 2 a 4, 6 e 7 do C.P.P.; 4)-Proferido despacho fundamentado nos termos e para efeitos do disposto nos n.ºs 2, 3, 5, 6 e 7 do referido preceito;
Diligências a efetuar que não se compadecem com a continuação do Julgamento a curto prazo, pelo menos, nas próximas 2 a 3 semanas.
***
Assim sendo, desde já, dão-se sem efeito as datas de Julgamento para as quais já tinha sido efetuado o agendamento de testemunhas (22, 23, 26 e 29.4.).
Desconvoque-se as testemunhas que já haviam sido convocadas, pela via mais expedita, i.e., por contacto telefónico.
“Cota” nos autos do resultado das diligências.
***
Oportunamente, após decurso do procedimento referido supra nos pontos 1) a 4), sendo esse o caso, indicar-se-á a data em que se retomará o Julgamento.
Para o caso de este prosseguir com a designação de Juiz substituto, desde já se informa que se manterão as datas designadas até 15.7., faltando só definir o dia em que o Julgamento será reiniciado.
***
Atenta a proximidade da próxima data que havia sido designada, sem prejuízo da notificação deste despacho pela via mais expedita, como habitualmente, providencie a secção pelo envio de sms ou mail aos ilustres mandatários informando-os das datas que ficaram sem efeito.
Solicita-se ainda aos ilustres mandatários que entrem em contacto direto com os seus constituintes a fim de os informar das datas de Julgamento que ficaram sem efeito e que oportunamente indicar-se-á a data em que este será retomado (despacho com a referência Citius 404668382 do processo principal).
Por despacho judicial proferido em 30 de Abril de 2021, foi ainda determinado o seguinte:
Na sequência do despacho de fls. 9455 e do informado pelo Conselho Superior da Magistratura no procedimento administrativo n.º 2020/DSQMJ/2803, conclua-se os autos à Mm.ª Juiz AA..... nos termos e para efeitos do disposto no art. 328º-A, n.º 2 “in fine”, por remissão dos n.ºs 3 e 6 da mesma norma (despacho com a referência Citius 404960679 do processo principal).
Em 4 de Maio de 2021, a Mma. Juíza, Sra. Dra. AA..... tomou posição, no processo, tendo declarado o seguinte:
Deixa-se, apenas, consignado que, a nosso ver e salvo melhor opinião, não se justificará a repetição de algum dos actos já praticados, nos termos e para os efeitos do art. 328º A do C.P.P. (despacho com a referência Citius 405040548 do processo principal).
Na sequência do que foi ordenada a notificação do M.P., da assistente e dos arguidos para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem nos termos e para efeitos do disposto no art. 328º-A, n.ºs 2 a 7 do C.P.P. (despacho de 5 de Maio de 2021, com a referência Citius 405111956 do processo principal).
O arguido DFBG_____veio então, em 21 de Maio de 2021, requerer que:
Por força do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, seja proferido despacho no sentido da não aplicação aos presentes autos do artigo 328º-A do CPP e, portanto, seja aplicado o regime legal anterior – artigo 605º do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP –, pelo que, sendo temporária a impossibilidade da Meritíssima Juiz Adjunta, a audiência de julgamento deve continuar interrompida pelo tempo indispensável (ainda que seja presumivelmente durante 10 meses), retomando-se a audiência logo que se verifique o seu regresso ao serviço.
Subsidiariamente e sem conceder, caso V. Exa. entenda que não há com a aplicação aos presentes autos do novo regime estatuído no artigo 328º-A do CPP agravamento sensível da situação processual dos arguidos (o que só por dever de patrocínio se concebe), deve então V. Exa. dar sem efeito a audição e tomada de posição de 4.05.2021 da Mma. Juiz indicada pelo CSM, que manifestamente foi meramente formal, e deve ser determinada nova audição, agora substantiva e no pressuposto de a mesma ter o tempo indispensável para ter pelo menos um conhecimento mínimo dos mais de 25 volumes dos autos, dos inúmeros apensos e dos registos magnéticos das 49 sessões de julgamento, seguindo-se então os demais termos previstos no artigo 328º-A do CPP, o que, subsidiariamente, se requer (requerimento com a referência Citius 29334149 do processo principal).
Foi, em decisão do requerimento que antecede que foi proferido, em 2 de Junho de 2021, o primeiro despacho recorrido, o qual tem o seguinte teor (transcrição):
Na sequência do vertido no despacho proferido a 4.5.2021 (referência 405040548) pela Mm.ª Juiz AA....., pelo despacho proferido a fls. 9489 (referência 405111956, de 5.5.2021) determinou-se a notifação do “M.P., assistente e arguidos para, querendo (…), se pronunciarem nos termos e para efeitos do disposto no art. 328º-A, n.ºs 2 a 7 do C.P.P.”.
Pronunciaram-se:
1)-M.P. (fls. 9499 v.):
Promoveu que se desse execução ao mecanismo de substituição da Mm.ª Juiz – adjunta, Dr.ª ... por entender que se mostram reunidos todos os pressupostos da referida norma, não se mostrando necessário, em seu entender, “a repetição da prova já produzida”. 2)-Assistente – Secretaria-Geral da Presidência da República (fls. 9506):
Posiciona-se no sentido de o Julgamento prosseguir “com a intervenção da Mm.ª Juíza – adjunta substituta, sem a repetição dos atos já praticados” com os seguintes argumentos:
A impossibilidade prolongada (de 10 meses) importaria uma interrupção mais longa do que o período de produção de prova já produzido, sendo certo que a haver substituição, a regra é a de que não se repetem os atos já praticados, a menos que as circunstâncias o aconselhem. 3)-Arguido DFBG_____ (fls. 9508 a 9512):
Requereu: a)-A não aplicação aos presentes autos do art. 328º-A do C.P.P., outrossim, o regime legal anterior; b)-A manutenção da interrupção da audiência, retomando-se a mesma logo que se verifique o regresso ao serviço da Mm.ª Juiz – adjunta; c)-Caso seja entendimento ser aplicável o novo regime estatuído pelo art. 328º-A do C.P.P., que dada sem efeito a audição de 4.5.2021 da Mm.ª Juiz indicada pelo CSM;
Apreciando:
1)- Questão de ordem:
Face a nova informação, ao contrário do referido em despacho anterior, é previsível que a ausência ao serviço da Mm.ª Juiz-adjunta não seja de 10 meses, mas, um período ligeiramente superior, ou seja, cerca de 1 ano (5 meses baixa médica + 6 meses licença parental + 1 mês gozo de férias). 2)- Da eventual inaplicabilidade aos presente autos do art. 328º-A do C.P.P. por força do regime de sucessão de leis penais no tempo:
O regime em causa foi aditado pela Lei n.º 27/2015, de 14.4., com entrada em vigor a 14.5. (v. respetivo art. 7º).
A lei processual é de aplicação imediata (art. 5º, n.º 1 do C.P.P.), pelo menos, as normas processuais próprio sensu.
Desta aplicação imediata só se excluem as normas processuais materiais (normas processuais que representam, em termos materiais, uma verdadeira pré-conformação da penalidade a que o arguido poderá ficar sujeito), o que não é o caso.
Não se olvida que a nova lei processual penal não se aplicará, “aos processos iniciados anteriormente à sua vigência” quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar um “agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa” (art. 5º, n.º 2, al. a) do C.P.P.).
É certo que o inquérito iniciou-se a 28.4.2015 (fls. 2 e 9 dos autos), ou seja, em data anterior à da entrada em vigor (14.5.2015) da Lei n.º 27/2015 que aditou o art. 328º-A ao C.P.P..
É na limitação do seu direito de defesa que o arguido DFBG_____ sustenta a não aplicação imediata do regime do art. 328º-A do C.P.P. a este processo.
Para tanto, arvora-se no teor dos pareceres do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses anteriores à discussão do projeto/proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 27/2015, de 14.4..
Pareceres que, obviamente, não nos vinculam.
É só a lei expressa que nos vincula, nada mais.
Dir-se-á mesmo que se fosse “injusto ou imoral” – o que não é caso – “o conteúdo do preceito legislativo” mantinha-se o nosso “dever de obediência à lei” (art. 8º, n.º 2 do C.C.).
A não limitação do direito de defesa resulta, aliás, da “exposição de motivos” da proposta de Lei n.º 263/XII na qual, na parte pertinente, se consagrou:
“Na verdade, sucede amiúde em processo penal os julgamentos efetuados por tribunal coletivo envolverem dezenas de testemunhas, que prestam depoimentos extensos, atenta a complexidade das matérias em discussão, o que leva ao inerente e inevitável prolongamento das audiências, aumentando o risco de, no seu decurso, virem a ocorrer vicissitudes pessoais intransponíveis dos magistrados judiciais. Nestes casos, a inutilização de todos os atos processuais praticados até esse momento é um resultado dificilmente compreensível, atendendo ao funcionamento colegial do órgão decisor, bem como à atual obrigatoriedade de gravação das audiências, sendo também contrária aos interesses da agilidade na realização da justiça e da economia processual. Consagra-se, deste modo, como regra, a solução do aproveitamento dos atos processuais praticados até ao momento em que faleceu ou se impossibilitou um dos membros do tribunal coletivo, admitindo-se a possibilidade de ser decidida a repetição de tais atos se as circunstâncias o aconselharem.” (negrito nosso)
O regime regra consagrado pelo art. 328º-A do C.P.P. passa, por conseguinte, pelo aproveitamento dos atos processuais praticados.
Da bem elaborada fundamentação do arguido DFBG_____ resulta, porém, a incongruência de a mesma colidir frontalmente com aquele regime regra.
Fundamentação que visa sustentar um regime regra contrário ao estatuído, esvaziando por inteiro o sentido e alcance da disciplina normativa processual emergente da Lei n.º 27/2015.
Ademais (no tocante, ainda, à limitação do direito de defesa):
O regime do art. 328º-A do C.P.P. não constitui qualquer efeito surpresa relativamente ao arguido DFBG_____(ou restantes arguidos).
Embora o inquérito já se encontrasse pendente (cerca de 17 dias antes) à data da entrada em vigor da Lei, nenhum deles havia sido constituído arguido, não havia sido deduzida acusação, proferido despacho de pronúncia, e muito menos se tinha entrado na fase de Julgamento.
Afigura-nos inequívoco que o legislador de 2015 veio a admitir a possibilidade de o coletivo de juízes ser alterado na sua composição, mesmo na fase de julgamento, sem necessidade de repetição dos atos já praticados, dessacralizando o princípio da plenitude da assistência dos juízes, tendo em vista, entre outros, os princípios da celeridade e da economia processual.
Atualmente a regra geral em caso de falecimento ou impedimento (definitivo ou prolongado) de um dos juízes adjuntos é mesmo a inversa da pré-vigente, como resulta do art. 328º-A, n.º 2 do C.P.P.
Aliás, o princípio do juiz natural ou do juiz legal garantido pelo n.º 9 do art. 32º da C.R.P. não tem por desiderato assegurar a imutabilidade do juiz ou juízes, antes evitar a designação arbitrária ou a escolha discricionária de um juiz ou tribunal e proibir a criação de tribunais ad hoc.
Por fim, dir-se-á:
Salvo o devido respeito por outra opinião, não se vislumbra que ocorra um “agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa”, na medida em que a situação processual de cada um e de todos os arguidos não se altera com a aplicação deste novo regime, assim como os seus direitos de defesa que se mantêm intocáveis, ou seja, com a aplicação deste novo regime nenhum direito de defesa do(s) arguido(s) é beliscado, quer em sede de julgamento/produção de prova, quer em sede de recurso.
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3)–Da anulação e repetição da audição da Mm.ª Juiz substituta:
Afirma o arguido que a Mm.ª Juiz substituta a quem os auto foram conclusos em 4.5.2021, “logo tomou posição para os efeitos do art. 328º-A, n.º 2 in fine nesse mesmo dia 4.5.2021” e que “manifestamente não houve tempo para nenhuma apreciação substancial, nem dos mais de 25 volumes dos autos e dos seus inúmeros apensos, nem dos registos magnéticos das 49 sessões de julgamento anteriormente realizadas”.
Adianta que daí resulta que “a posição tomada em 4.5.2021 pela Mm.ª Juiz indicada pelo CSM foi necessariamente apenas formal e vazia de apreciação material, o que equivale, em substância, a essa Meritíssima Juiz não ter sido de todo ouvida, contra o disposto na lei”.
Por isso, conclui, requerendo, que o signatário dê “sem efeito a audição e tomada de posição de 4.5.2021 da Mm.ª Juiz (…), que manifestamente foi meramente formal, e deve ser determinada nova audição, agora substantiva (…)”.
Em nosso entender, não assiste razão ao arguido DFBG_____.
Por um lado, foi cumprido o determinado pela Lei (art. 328º-A, n.º 2 “in fine” do C.P.P.).
Esta, apenas determina que seja “ouvido o juiz substituto”, o que, ninguém duvidará, foi realizado.
E basta-se com isso, quer a audição seja “formal” ou “substantiva”.
Acresce que, na nossa perspetiva, atento o estatuído naquela norma, a audição do Juiz substituto apenas tem por finalidade obter a sua posição relativamente à “repetição de algum ou alguns dos atos já praticados”.
Neste concreto ponto, a posição da Mm.ª Juiz substituta foi clara e inequívoca.
Ademais, face à previsível demora do julgamento, mostra-se por demais evidente, que a Mm.ª Juiz adjunta terá todo o tempo e disponibilidade para efetuar a leitura “dos mais de 25 volumes dos autos e dos seus inúmeros apensos” e proceder à audição “dos registos magnéticos das 49 sessões de julgamento anteriormente realizadas”.
Por fim, é de ter presente que face ao princípio da independência consagrado no art. 4º, nºs 1 e 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30.7., os magistrados judiciais “não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores”.
Vale o exposto por dizer que nenhum Magistrado Judicial poder dar ordens, instruções ou imiscuir-se nas decisões ou despachos proferidos, no mesmo ou noutro processo, por outro Juiz, cabendo só, outrossim, aos sujeitos processuais, querendo, recorrer das decisões/despachos proferidos por ambos ou algum deles.
Por isso, carece manifestamente de qualquer base legal – nem o arguido a invoca -, o pretendido pelo arguido DFBG_____ que o aqui signatário dê “sem efeito a audição e tomada de posição de 4.5.2021 da Mm.ª Juiz (…)” e que seja “determinada nova audição, agora substantiva (…)”.
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4)–Da interpretação do art. 6º da Lei n.º 27/2015, de 14.4.:
Embora não suscitada por nenhum dos sujeitos processuais, porque a norma em causa contende diretamente com a questão em apreço, importa aferir do seu teor, interpretação e consequências.
Dispõe o seguinte sob a epígrafe de “Aplicação no tempo”:
“O disposto (…) no artigo 328º-A do Código de Processo Penal (…), com a redação dada pela presente lei, não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma”.
Se tomarmos por referência, respetivamente, as datas em que se iniciou o inquérito (28.4.2015 – fls. 2 e 9 do vol. 1º dos autos principais) e a da entrada em vigor da Lei 27/2015 (14.5.2015), o simples elemento literal da referida norma poderia levar-nos a concluir que a disciplina emergente do art. 328º-A do C.P.P. não seria aplicável aos presentes autos.
Não é esse, porém, o nosso entendimento.
Na parte em referência, é inequívoco que a norma do artigo 328º-A do C.P.P., só pode aplicar-se à fase de julgamento.
Se é certo que o legislador, como resulta da referida “exposição de motivos” da proposta de Lei, tinha presente que “sucede amiúde em processo penal os julgamentos efetuados por tribunal coletivo envolveram dezenas de testemunhas, que prestam depoimentos extensos, atenta a complexidade das matérias em discussão, o que leva ao inerente e inevitável prolongamento das audiências, aumentando o risco de, no seu decurso, virem a ocorrer vicissitudes pessoais intransponíveis dos magistrados judiciais”, mostra-se mais que evidente que o mesmo legislador tinha inteiro conhecimento que esses mesmos processos, pela sua complexidade, em sede de inquérito e instrução demoram, por vezes, vários anos.
Embora não expresso na exposição de motivos é conhecimento do meio jurídico e judicial que o estatuído na Lei n.º 27/2015 decorre das vicissitudes ocorridas, infelizmente, num processo mediático e altamente complexo conhecido como o da “Universidade Independente”.
Como esse, muitos outros existem – em que se inclui o presente – de elevada complexidade cujos inquéritos se iniciaram em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 27/2015, alguns dos quais, só recentemente chegaram à fase de julgamento, havendo outros que ainda nem sequer atingiram esta fase.
Seria, pois, uma contradição nos termos da própria Lei se fosse sufragado o entendimento de que nos processos mais morosos (pela sua complexidade, demora na investigação e conclusão do Julgamento),a ocorrer alguma das vicissitudes a que ela se refere (falecimento, impossibilidade definitiva ou duradoura de algum dos Juízes), não pudesse ser aplicável o regime nela estatuído.
Nesses casos, a Lei seria incapaz de resolver uma vicissitude/problema que com que se deparou, e apenas seria aplicável a todos os outros processos, essencialmente os “simples e rápidos” que se iniciaram (inquérito) após a sua entrada em vigor, sendo certo que não foi esse o desiderato que lhe esteve subjacente, porquanto, como flui da sua “exposição de motivos”, o que estava em causa eram os processos de especial complexidade.
No limite, o apego ao seu elemento literal, teria por consequência que alguns dos processos de elevada complexidade que ainda não chegaram à fase de Julgamento (não será necessário elencá-los porque são sobejamente conhecidos, essencialmente os desta Comarca) e que se iniciaram (inquérito) antes da entrada em vigor da Lei, decorridos 15 ou 20 anos desde o seu início, a ocorrer alguma das vicissitudes que ela prevê, não poderiam beneficiar do seu normativo.
Daí, resultaria um verdadeiro “non sense” incompreensível para a “comunidade jurídica” e para o público em geral, mais a mais, tendo presente o elemento teleológico da Lei (“agilidade na realização da justiça e da economia processual”) e histórico (de certo modo, como reação, às consequências nefastas para estes princípios decorrentes, infelizmente, do falecimento de uma Mm.ª Juiz num conhecido processo mediático e complexo).
Acresce que não se deve descurar a unidade do sistema jurídico.
Os importantes princípios da imediação, continuidade da audiência e concentração da prova também sofreram um “revés” aquando da alteração do art. 328º do C.P.P. (não do seu art. 328º-A – importa não confundir), permitindo, diversamente do que ocorria anteriormente, que em determinados casos a interrupção da audiência se possa prolongar para além do prazo de 30 dias (v. art. 328º, n.ºs 6 e 7 do C.P.P.).
Ora, esta alteração é, precisamente, emergente da Lei n.º 27/2015, de 14.4., aqui em análise.
Pensamos ser atualmente pacífico que esta alteração, não obstante “beliscar” os referidos princípios – e, como tal, em tese, ser defensável que dela possa resultar uma diminuição do direito de defesa de um arguido, logo, por via disso, não ser aplicável aos processos iniciados anteriormente à sua vigência – art. 5º, n.º 2, al. a) do C.P.P. - , ninguém colocará em causa que é aplicável aos processos pendentes, ainda que iniciados anteriormente à sua vigência, aliás, como ocorre nestes autos.
Tendo presente, em parte, os mesmos princípios (imediação, continuidade da audiência e concentração da prova) e revertendo-os para o caso em análise – processo de inquérito iniciado em data anterior à da vigência da Lei n.º 27/2015 -, perspetivando-se um outro limite, deles poderia decorrer, em abstrato para este processo as seguintes consequências: 1)-A não aplicação do regime do art. 328º-A do C.P.P., logo, impossibilidade de substituição de Juiz ausente do serviço por um período manifestamente longo; 2)-A não aplicação do regime do art. 328º, n.ºs 6 e 7 emergente da Lei n.º 27/2015, de 14.4., logo, a aplicação do regime anterior da mesma norma, o que implicaria a perda da “eficácia da produção de prova já realizada” face à ausência do serviço da Mm.ª Juiz-adjunta do Tribunal Coletivo por um período de tempo manifestamente superior a 30 dias.
Isto é, em teoria, o Julgamento teria que voltar ao seu início, com todas as consequências nefastas que daí resultariam para os arguidos (direito a uma decisão em prazo razoável) e para a própria imagem e credibilidade da justiça, essencialmente para a sociedade em geral.
Não foi isso que o legislador teve em “mente” tendo presente a unidade do sistema jurídico, quando procedeu à alteração do art. 328º e ao aditamento do art. 328º-A, ambos do C.P.P., pela Lei n.º 27/2015.
Acresce que, como sobredito, no caso presente, o regime do art. 328º-A do C.P.P. não constitui qualquer efeito surpresa relativamente ao arguido DFBG_____ (ou restantes arguidos).
Embora o inquérito já se encontrasse pendente (cerca de 17 dias antes) à data da entrada em vigor da Lei, nenhum deles havia sido constituído arguido, não havia sido deduzida acusação, proferido despacho de pronúncia, e muito menos se tinha entrado na fase de Julgamento.
Vale o exposto por dizer que, salvo o devido respeito por outra opinião, cotejando, os elementos literal, teleológico, histórico e sem olvidar a unidade do sistema jurídico, a referência do art. 6º da Lei n.º 27/2015, de 14.4. a “não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor em vigor da mesma” só pode querer significar os processos pendentes na fase de julgamento à data da entrada em vigor da mesma.
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5)–Da fundamentação deste despacho à luz do critério dos n.ºs 2, 3, 6 e 7 do art. 328º-A do C.P.P.:
A nosso ver, não carece de fundamentação.
A Mm.ª Juiz substituta pronunciou-se no sentido de, no seu entender, não se justificar a repetição de quaisquer atos (probatórios) praticados.
O regime regra é o de que “não se repetem os atos já praticados” (n.º 2 da norma.
Só assim não o será se o Juiz Presidente, em despacho fundamentado, decidir em sentido contrário se as “circunstâncias” aconselharem “a repetição de algum ou alguns dos atos já praticados”.
Não é esse o meu entendimento, nem tal foi requerido por algum dos sujeitos processuais.
Todavia, ainda que assim não entenda – e obviando, igualmente, às arguições potenciais de “omissões de pronúncia” -, dir-se-á:
O fio condutor é dado pelos elementos a que se refere o n.º 7 do art. 328º- A do C.P.P.:
- “número de sessões já realizadas” – 49 sessões;
- “número de testemunhas inquiridas” – 39 testemunhas;
- “possibilidade de repetição da prova produzida” – em abstrato, é sempre viável, total ou parcialmente;
- “data da prática dos factos” – anos de 2012 a 2016, face ao constante da pronúncia;
Atente-se, de novo, na “exposição de motivos” da Lei:
“(…) a inutilização de todos os atos processuais praticados até esse momento é um resultado dificilmente compreensível, atendendo ao funcionamento colegial do órgão decisor, bem como à atual obrigatoriedade de gravação das audiências, sendo também contrária aos interesses da agilidade na realização da justiça e da economia processual”.
Não se olvide que o julgamento em questão já sofreu atrasos consideráveis – obviamente, sem que se possa imputar quaisquer responsabilidades a qualquer um dos sujeitos processuais -, decorrentes (1) da pandemia COVID 19 e suspensão dos prazos e diligências processuais e (2) da ausência prolongada da Mm.ª Juiz – adjunta.
Repetir todos os atos probatórios (tomada de declarações aos arguidos e nova inquirição das testemunhas) teria por consequência um atraso inadmissível na conclusão do julgamento.
Acresce que não se vislumbra nenhuma razoabilidade em repetir total ou parcialmente a prova, atenta a circunstância de a mesma se mostrar integralmente gravada, podendo a Mm.ª Juiz substituta proceder à sua audição integral.
Nem sequer a repetição parcial de alguns atos probatórios se justifica, confessando-se aqui a dificuldade objetiva na escolha dos depoimentos elegíveis para o efeito, uns em detrimento de outros.
Por fim e nada despiciendo, atenta a data da prática dos factos constantes da pronúncia, a repetição integral ou parcial da prova com a morosidade que lhe estaria subjacente, teria por consequência um risco (sério) de extinção do procedimento criminal, por prescrição.
Note-se que, além dessa prova (total) a repetir, ainda faltaria inquirir cerca de 60 testemunhas, o que, no conjunto, implicaria que o Julgamento prosseguisse sensivelmente pelo período de mais um ano.
Por outro lado, o aguardar pelo regresso ao serviço da Mm.ª Juiz adjunta (cerca de 1 ano) e, tendo presente o tempo previsível para a conclusão da prova testemunhal em falta (cerca de 2 a 3 meses), eventual tomada de declarações aos arguidos que até ao presente exerceram seu direito ao silêncio, tomada de declarações complementares ao arguido DFBG______(já declarou esta pretensão), alegações orais, bem como o período necessário para a deliberação do Tribunal Coletivo e elaboração do Acórdão (2 a 3 meses) e os intercalados períodos de férias judiciais, tudo conjugado implicaria que o Julgamento em 1ª instância, com prolação de Acórdão, nunca ocorresse antes de Dezembro de 2022/Janeiro de 2023.
Neste contexto, é facilmente percetível que o referido risco (sério) de extinção do procedimento criminal, por prescrição, seria exponenciado, até porque, note-se, durante todo esse período de tempo, não ocorreria nenhuma causa de suspensão ou interrupção da prescrição (arts. 120º e 121º do C.P.).
Noutro enquadramento, os principais prejudicados até seriam os arguidos que têm direito a uma decisão em “prazo razoável”.
Por outro lado, a decisão de repetição (integral ou parcial) em nada contribuiria para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa, imagem da justiça e confiança que o público nela deposita, nem para a “agilidade na realização da justiça e da economia processual”.
Por todas estas razões e todo o mais justificado e considerando que a ausência ao serviço da Mm.ª Juiz adjunta se prolongará durante o período de cerca de 1 ano, impõe-se prosseguir o Julgamento com a intervenção da Mm.ª Juiz substituta e sem que se proceda à repetição integral ou parcial da prova até ao presente produzida.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se: 1)–Indeferir o requerido pelo arguido DFBG_____a fls. 9512, designadamente a não aplicação aos presentes autos do art. 328º-A do C.P.P. e a manutenção da interrupção da audiência até que a Mm.ª Juiz – adjunta regresse ao serviço; 2)–Indeferir o requerido pelo arguido DFBG_____ a fls. 9512 (frente e verso), designadamente dar sem efeito a audição e tomada de posição de 4.5.2021 da Mm.ª Juiz substituta e determinar a sua nova audição; 3)–Ao abrigo do disposto no art. 328º-A, n.º 3 do C.P.P. determina-se que o Julgamento prossiga com a intervenção da Mm.ª Juiz substituta Dr.ª AA.....; 4)–Ao abrigo do disposto no art. 328º-A, n.ºs 2, 3, 6 e 7 do mesmo diploma não se determina a repetição integral ou parcial da prova produzida até ao presente;
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Já estão agendadas as sessões de Julgamento até 15.7.2021.
Oportunamente, em sede de audiência (próxima sessão), proceder-se-á ao agendamento das restantes sessões.
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Sem prejuízo do envio de carta/mail, via telefónica (“cota” nos autos do resultado das diligências), convoque-se as seguintes testemunhas para as datas indicadas infra:
7.6.:
9:30 H –I…;
11:00 H – P…;
14:30 H – J…;
14.6.:
9:30 H – G…;
14:00 H – A…;
15:30 H – PM…;
17.6.:
9:30 H – Na…;
14:00 H – Pa…;
18.6.:
10:30 H – V…;
15:30 H – M…;
21.6.:
9:30 H – F…;
11:00 H – Mi…;
14:00 H – MH…;
15:30 H – AP…;
24.6.:
9:30 H – J…;
11:00 H –L…;
14:00 H – PA…;
15:30 H – JB…;
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Na próxima sessão de Julgamento, tendo presente este agendamento de testemunhas, solicita-se que a Digna Magistrada do M.P. e os ilustres mandatários informem se a inquirição de alguma delas possa ser mais demorada que o previsível, de forma a proceder-se aos ajustamentos necessários e evitar a deslocação inútil de alguma(s) dela(s) a Tribunal.
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As sessões dos dias 25.6., 28.6., 1.7., 2.7., 5.7., 9.7., 12.7. e 15.7. serão ocupadas com a seguinte ordem de trabalhos: 1)–Continuação da inquirição de alguma(s) testemunha(s) de acusação, caso os seus depoimentos não terminem nas datas previamente agendadas; 2)–Tomada de declarações aos arguidos (se o pretenderem), bem como declarações complementares ao arguido DFBG_____ (igualmente se assim o pretender); 3)–Inquirição de testemunhas de defesa oportunamente a agendar;
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Notifique-se. (despacho com a referência Citius 405881504 do processo principal).
A audiência de discussão e julgamento prosseguiu, em execução deste despacho, sendo agora o Tribunal Colectivo integrado pelos Exmos. Srs. Drs. LR..... - Juiz Presidente e AA..... e JC..... como Juízes Adjuntos, em sessões que foram realizadas em 7 de Junho de 2021, 14 de Junho de 2021, 17 de Junho de 2021, 21 de Junho de 2021, 24 de Junho de 2021, 25 de Junho de 2021, 28 de Junho de 2021, 1 de Julho de 2021, 2 de Julho de 2021, 5 de Julho de 2021, 9 de Julho de 2021, 12 de Julho de 2021, 15 de Julho de 2021, 10 de Setembro de 2021, 20 de Setembro de 2021, 27 de Setembro de 2021, 1 de Outubro de 2021, 11 de Outubro de 2021, 15 de Outubro de 2021, 18 de Outubro de 2021, 22 de Outubro de 2021, 8 de Novembro de 2021, (actas da audiência de discussão e julgamento das datas mencionadas, com as referências Citius do processo principal, 406201273, 406385380, 406518104, 406604932, 406747875, 406785801, 406831096, 406950589, 406997935, 407040102, 407225117, 407268239, 407424626, 408351915 e 408370599, 408621453 e 408640568, 408851120 e 408871013, 409045608, 409282752, 409475711, 409524396 e 409551244, 409711927 e 409738777, 410194162, respectivamente).
2.3.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A decisão impugnada foi proferida em 2 de Junho de 2021 e determinou a substituição de um dos Exmos. Srs. Juízes Adjuntos, em virtude de impedimento temporário, mas de duração de um ano ou mais, por efeito de baixa médica e subsequente licença de maternidade, a fim de integrar o Tribunal Colectivo e continuar a audiência de discussão e julgamento iniciada já em 8 de Outubro de 2020, o que foi feito ao abrigo das normas contidas no art. 328º-A nºs 2 e 3 e 7 do CPP.
Este artigo 328º A foi aditado ao Código de Processo Penal pela Lei 27/2015 de 14 de Abril, a qual entrou em vigor em 14 de Maio de 2015 (cfr. art. 7º da citada Lei), portanto, já depois da denúncia que deu origem ao presente processo, mas antes do início da audiência de julgamento que nele vem tendo lugar.
O recorrente alicerçou o seu recurso, essencialmente, nos argumentos de que, no caso vertente, é aplicável o disposto no art. 5º nº 2 al. a) do CPP e que a aplicação das normas contidas no novo artigo 328º-A implica um agravamento sensível da situação processual dos arguidos e uma diminuição das suas garantias de defesa, por dela resultar que, em parte da audiência de julgamento e até na decisão final, possa intervir um Juiz que não teve imediação com a totalidade da prova e o de que a lei processual penal nova (Lei nº 27/2015, de 14 de abril que introduziu no CPP o novo artigo 328º-A), por ter entrado em vigor em 14.05.2015 (nos termos do seu artigo 7º), não se poderá aplicar a este processo, em virtude de este se ter iniciado em 28.04.2015 ou seja antes do início da vigência da Lei nova, nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP.
A apreciação do presente recurso tem, por conseguinte, de ser enquadrada com o regime jurídico da sucessão temporal de leis.
O princípio geral a seguir, em matéria de sucessão no tempo de todas e quaisquer leis, é o de que nenhuma será aplicável a factos com os quais não tenha algum tipo de conexão, no que é denominado «princípio da não-transconexão» ou «não-transactividade», à luz do qual deverá ser delimitado o âmbito de aplicação temporal (e também espacial) de qualquer norma jurídica (cfr. Baptista Marchado, Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis, 1970, págs. 119 e ss. e 141 e Sobre a Aplicação da Lei Penal no Tempo, 1968, págs. 56 e seguintes).
Assim, o princípio da não-transconexão é também uma regra geral de aplicação da lei penal no tempo e postula que a apreciação dos factos seja feita de acordo com a lei vigente, no momento da sua ocorrência, tratando-se, assim, de um princípio geral de direito que só em casos muito excepcionais poderá ser afastado, se e quando seja necessário excluí-lo para assegurar outros bens jurídicos de maior valor ou importância, segundo a valoração do legislador constitucional.
O outro grande princípio geral de direito transitório em matéria de leis penais é, como não poderia deixar de ser, o da legalidade (nullum crimen sine lege praevia e nulla poena sine lege) que tem associada a proibição de aplicação retroactiva da lei penal desfavorável (e só desta, porquanto só ela afronta os valores da liberdade e segurança dos cidadãos contra o arbítrio do Estado, em que se alicerça o princípio da legalidade criminal).
«Por um lado, a proibição da retroactividade in pejus coincide com o princípio da não-transconexão e dá dignidade constitucional à proibição da aplicação retroactiva da lei nova (desfavorável) a factos que não estiveram em contacto com ela.
«Mas, por outro lado, aquela proibição pode, em casos pouco frequentes, funcionar como regra de conflito e determinar desvios ao princípio da não-transconexão, conferindo eficácia ultra-activa imprópria à lei antiga para regular factos que se produzem parcialmente após a cessação da sua vigência» (Pedro Caeiro, Aplicação da Lei Penal no Tempo e Prazos de Suspensão da Prescrição do Procedimento Criminal: Um «Caso Prático», In Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, 2001, p. 234).
Por fim, o princípio do tratamento mais favorável ao agente, cuja principal consequência é a regra constitucional da imposição da aplicação retroactiva da lei mais favorável consagrada no art. 29º nº 4 da CRP e igualmente prevista no art. 2º nºs 2 e 4 do Código Penal, estabelece que, em matéria de sucessão de leis penais no tempo, deve aplicar-se o regime que se revelar em concreto mais benevolente para o arguido.
«A irretroactividade da lei penal e a retroactividade da lei penal mais favorável possuem diferentes genealogias, não podendo ser tomadas como verso e reverso do mesmo princípio jurídico» (Rui Pereira, A Relevância da Lei Penal de Conteúdo Mais Favorável, in RPCC, 1 (1991), p. 60 e seguintes. No mesmo sentido, José de Sousa e Brito, A Lei Penal na Constituição, Estudos sobre a Constituição, II vol., 236 e segs).
A irretroactividade penal desfavorável comunga dos mesmos fundamentos de preservação da liberdade individual como direito fundamental, com a consequente proibição de quaisquer limitações que não sejam as absolutamente necessárias e assente no valor da protecção dos cidadãos contra abusos do poder público na administração da justiça penal, em que se alicerça o princípio da legalidade em direito penal (José de Sousa e Brito, A Lei Penal na Constituição, Estudos sobre a Constituição, II vol., 236 e segs, e Pedro Caeiro, Aplicação da Lei Penal no Tempo e Prazos de Suspensão da Prescrição do Procedimento Criminal: Um «Caso Prático», In Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, 2001, p. 234).
Diversamente, a imposição da retroactividade da lei penal mais favorável explica-se por razões de política criminal que se prendem com alterações na intensidade das exigências de prevenção geral e especial determinantes da manutenção ou da alteração do regime legal mais severo ou mais benevolente do que o que vigorava no momento da prática do facto (cfr., neste sentido, Pedro Caeiro, Aplicação da Lei Penal no Tempo e Prazos de Suspensão da Prescrição do Procedimento Criminal: Um «Caso Prático», In Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, 2001, p. 234 e Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª edição, 1997, p. 95 e ss.), ou constituí corolário dos princípios constitucionais da igualdade e da necessidade das penas e medidas de segurança (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, I, 1981, 115, que refere que a retroactividade da lei penal mais favorável se justifica pela garantia dos cidadãos face a uma limitação do poder punitivo do Estado e que este nunca poderá ser mais amplo do que o que estiver consagrado na lei, no momento da sua aplicação, no caso de esta o consagrar em menor medida. No mesmo sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, págs. 234 e 235, segundo quem, por razões de liberdade e de igualdade entre os membros da comunidade jurídica, deve ser aplicável a lei penal de conteúdo mais favorável, por ser a que menos comprime os direitos, liberdades e garantias, sendo, por isso mesmo, a menos gravosa ou restritiva desses direitos), embora, actualmente, ambos até possam erigir-se como garantias da afirmação constitucional da liberdade individual como princípio geral e fundamental, em decorrência do função de protecção da pessoa humana do «Estado-de-Direito Material», que «não apenas proíbe a retroactividade das leis penais desfavoráveis, como também impõe a aplicação retroactiva das leis penais favoráveis» e consente a afirmação de que, «o princípio constitucional da liberdade, o «favor libertatis», é hoje a matriz comum e o princípio superior de que derivam não só a irretroactividade in pejus como também a retroactividade in melius» (Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª edição, 1997, pág. 71).
Esta divergente genealogia deve inspirar as formas de concatenação destes três princípios da não-transconexão, da proibição da retroactividade da lei penal mais desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal mais favorável.
Ora, o que resulta dessa conjugação é que, em primeiro lugar, a não-transconexão determina a aplicação da lei vigente no momento da prática do facto. Esta é a regra e a imposição da retroactividade in melius a excepção àquele primeiro princípio geral, de que resulta a aplicação a lei nova mais favorável a factos ocorridos em data anterior à do início da sua vigência.
Daqui segue-se que a diferença entre a proibição da retroactividade penal desfavorável e a imposição da aplicação retroactiva da lei mais favorável, apenas legitima a expectativa de inaplicabilidade de lei mais gravosa do a que se encontrar em vigor no momento da prática do facto, mas já não legitima expectativa alguma de vir a beneficiar de um regime mais favorável.
O princípio do tratamento mais favorável ao agente, quando aplicado em tema de sucessão de leis penais no tempo, sublinha a necessidade do Direito Penal, o seu carácter fragmentário e de ultima ratio.
Estes princípios da proibição da retroactividade in pejus e da imposição da retroactividade in melius e respectivas formas de conjugação entre si e com o princípio da não-transconexão têm plena aplicação, quando a sucessão temporal versa sobre regras do processo penal, dada a sua natureza de princípios gerais de Direito e por se referirem a garantias susceptíveis de ofensa independentemente da natureza substantiva, meramente adjectiva ou mista das normas potencialmente em conflito.
Com efeito, o art. 5º do CPP afirma o princípio geral da aplicação imediata da lei nova, em matéria de sucessão de leis processuais penais no tempo, assegurando sempre a integridade dos efeitos jurídicos produzidos pelos actos já praticados durante a vigência da lei antiga, o que implica que os processos iniciados anteriormente à sua vigência, passem a ser regulados pela lei nova, logo que esta entre em vigor.
Em suma, trata-se de uma adaptação ao processo penal, do princípio geral consagrado no art. 12º do CC, segundo o qual qualquer lei só dispõe para o futuro, aplicável indistintamente a múltiplos ramos do Direito, desde que não haja norma legal expressa em sentido diferente.
Das disposições contidas neste preceito, resulta como princípio fundamental o da não retroactividade da lei, genericamente consagrado no nº 1, através da expressão «a lei só dispõe para o futuro».
Neste nº 1 refere-se, ainda, que se presumem salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, mesmo na hipótese de a esta se atribuir eficácia retroactiva.
O nº 2 do mesmo normativo destina-se a precisar o alcance do princípio da irretroactividade da lei civil, dando acolhimento à teoria de Enneccerus-Nipperdey, que distingue entre «regulamentações de factos» e «regulamentações de direitos», devendo presumir-se, quanto a estes últimos, que a lei nova abrange todas e quaisquer situações jurídicas já constituídas aquando da sua entrada em vigor, podendo modificar-lhes o conteúdo, mantê-lo ou até suprimi-lo.
Nele, «estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e, neste caso, só se aplica a factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica, independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se de futuro às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor» (Parecer da P.G.R. de 21.12.77, D.R., II Série de 30.3.78, p. 1804).
Assim sendo, de harmonia com este 12º do C. Civil, a lei nova é de aplicação imediata aos processos e aos actos processuais que sejam praticados após a sua entrada em vigor, ainda que o processo se tenha iniciado antes.
E esta solução é precisamente a mesma que vem preconizada no art. 5º nº 1 do CPP com a consagração da regra tempus regit actum.
O critério do tempus regit actum (lei nova com aplicação imediata, ressalvando a validade dos actos anteriormente praticados) tem, no entanto, duas excepções, segundo a previsão do nº 2 do citado art. 5º do CPP: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa; ou b) quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
A primeira excepção é a concretização da aplicabilidade dos princípios da legalidade criminal e do princípio constitucional da aplicação da lei concretamente mais favorável constante do nº 4 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa ao processo penal, de resto, por exigência constitucional expressa no art. 32º nº 1, da Constituição, nos termos do qual, o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo os direitos ao exercício do contraditório e ao recurso.
«Perturbações essenciais do direito de defesa permitem, em última análise, uma frustração do próprio nullum crimen sine lege. Esta exigência da lei incriminadora concretiza-se no Processo Penal pela possibilidade de o agente demonstrar que não praticou o crime que lhe é imputado. Se o não puder fazer devidamente, o nullum crimen sine lege será um artefacto que permitirá atribuir responsabilidade onde em concreto possa não ter existido qualquer crime» (Fernanda Palma, Linhas estruturais da reforma penal - Problemas de aplicação da lei processual penal no tempo, O Direito, 2008, I, p. 20 e ss. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º, pp. 111/112, Taipa de Carvalho Sucessão de Leis Penais, pp. 226 e segs., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pp. 91/92 e José António Barreiros Processo Penal, I, pp. 207/208).
«Apesar da actual Constituição também não enunciar especificamente qualquer critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a defender-se que aqueles princípios são extensíveis não só às normas processuais que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. as relativas à prescrição, ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in pejus), mas também às normas que possam afectar o direito à liberdade do arguido (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais substantivas (...).
«Foi também no sentido de estender as regras do artigo 29.º, da C.R.P., à sucessão de algumas normas processuais penais que se pronunciaram os acórdãos deste Tribunal n.º 250/92, de 1-7-1992 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 22.º, pág. 709) n.º 451/93, de 15-7-1993 (acessível no site www.tribunalconstitucional.pt), e n.º 183/2001 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 49.º, pág. 667), afastando-se de anterior jurisprudência (acórdãos n.º 155/88, de 29-6-1988, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 11.º vol., pág. 1049, e n.º 70/90, de 15-3-1990, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 15.º vol., pág. 267).
«A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem claramente no âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência directa na punição criminal.
«Já relativamente às normas processuais que possam afectar o direito à liberdade do arguido ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, a sua aplicação imediata a processos em curso resulta sempre na atribuição duma eficácia retroactiva imprópria (Pedro Caeiro, na ob. cit., pág. 241-242). Se é verdade que na aplicação imediata a nova lei apenas atinge os actos processuais ocorridos após a sua entrada em vigor, o que é certo é que ela acaba por se aplicar a processos iniciados e em que se julgam factos que tiveram lugar no domínio da lei antiga.
«Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade de protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), exige a proibição da aplicação com efeitos retroactivos, mesmo que impróprios, de normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direccionada e intencional o nível de protecção da liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados.
«Nesta lógica se situa, aliás, a proibição expressa de atribuição de efeito retroactivo às normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias, imposta no artigo 18.º, n.º 3, da C.R.P..» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 247/2009 de 12 de Maio de 2009, in http://www.tribunalconstitucional.pt. no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 551/2009, no qual se reafirmou, em consonância com o acórdão nº 247/2009, que o princípio da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29º nº 4 da Constituição) não se restringe à aplicação da lei penal substantiva, sendo aplicável às normas processuais penais e, ainda, os acórdãos do TC nºs 186/2013 e 324/2013, nos quais se afirmou que o conteúdo de sentido do princípio da legalidade em matéria criminal é extensível ao processo penal, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Quanto à excepção prevista no art. 5º nº 2 al. b) do CPP, «os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "processo" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e Justiça, porque esteja dominada a nova lei seja intolerável a persistência da lei anterior» (Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, págs. 65 e segs).
Em suma, o princípio da aplicabilidade imediata das normas processuais penais em sentido próprio sofre três restrições: a quebra de harmonia e unidade dos vários actos já praticados e a praticar no processo; o enfraquecimento da posição do arguido ou a diminuição dos seus direitos processuais, com especial enfoque nas garantias de defesa e, por fim, a preservação dos actos validamente praticados no domínio da lei anterior.
Um determinado processo criminal pode ser perspectivado como um só facto duradouro e decomposto em múltiplos factos parciais, tantos quantos os actos e fases processuais necessários ao esgotamento de todo o iter sequencial previsto no CPP, envolvendo, portanto, uma interpretação meramente literal e um conceito extensivo de processo, como todo o conjunto de actos que se inicia com a notícia do crime, se desenvolve ao longo da investigação sobre a existência dos factos potencialmente integradores desse crime, ao apuramento da identidade dos seus autores e de todas as circunstâncias relevantes para o apuramento da sua responsabilidade penal, assim como à recolha das provas pertinentes e relevantes para a decisão sobre a acusação a que se destina o inquérito (art. 262º do CPP), integrando a fase facultativa da instrução que, como resulta do disposto no art. 286º do CPP, visa a comprovação judicial da acusação ou do arquivamento com vista à submissão ou não da causa a julgamento e, por fim, a fase da discussão e julgamento da causa, até ao trânsito em julgado da decisão que aplica finalmente o direito penal aos factos, realizando as finalidades da descoberta da verdade e da administração da justiça penal, incluindo, pois, naturalmente, o esgotamento das instâncias de recurso.
A natureza duradoura do processo pode efectivamente gerar fenómenos de aficácia retroactiva imprópria – basta pensar na possibilidade de a lei processual em vigor no momento da prática do crime em investigação ser diversa da que vigora, quando o procedimento criminal é instaurado, situação em que a lei nova toma por referência para a produção dos seus efeitos, no presente, um facto que ocorreu quando ainda não estava em vigor (o que, de resto, até se verifica nos presentes autos, pois que, segundo a versão dos factos constante da acusação e da pronúncia, os mesmos foram praticados durante o período compreendido entre os anos de 2012 e 2016, ou seja, antes e depois da entrada em vigor da Lei 27/2015 de 14 de Abril que reviu o CPP).
O mesmo poderá acontecer sempre que, durante as sucessivas fases do processo, se verifiquem alterações legislativas que impliquem com as condições da prática dos actos que integram a sua marcha, ou com as formalidades e pressupostos da sua validade e eficácia, o que determinará que a diferentes fases ou mesmo a diversos actos de um mesmo processo se apliquem leis também diferentes, sendo exemplar dessa eficácia retroactiva imprópria a proibição da retroactividade desfavorável consagrada na al. a) do nº 2 do art. 5º do CPP e a exigência de integridade de validade e eficácia dos actos praticados no domínio de vigência da lei antiga, imposta pelo nº 1 do mesmo art. 5º.
Do mesmo modo, a sucessão temporal de leis diferentes, enquanto o processo estiver em curso, pode gerar fenómenos de ultra actividade, ou seja, de produção de efeitos jurídicos, para além da cessação da sua vigência, por via da sua aplicação a factos ocorridos posteriormente à sua revogação.
Portanto, é o próprio art. 5º nº 1 do CPP que dá como certa a possibilidade de um mesmo processo criminal ser regulado em diferentes actos e/ou fases da sua marcha, por regimes jurídicos diversos.
Isto significa, em bom rigor, que a pretensão de aplicação imediata das leis processuais penais (de todas elas, ou apenas das estritamente processuais e das normas processuais materiais não desfavoráveis) é a regra, de harmonia com o princípio geral de que lex posterior derogat lex priori e que continua a ser o critério primordial de decisão do conflito de normas determinante da opção pela lei nova, no que se refere aos factos que persistam após a sua entrada em vigor, constituindo-se o critério do tempus regit actum estabelecido no art. 5º nº 1 do CPP, afinal, a afirmação adaptada ao processo penal desse princípio geral: cada acto processual deve ser regulado pela lei que estiver em vigor, no momento em que é praticado, ainda que se trate de lei posterior àquela que vigorava quando o processo foi instaurado, ou à que estava em vigor quando o facto integrador do crime que deu causa ao processo foi praticado.
Ora, referindo-se o brocardo tempus regit actum ao concreto acto processual e não ao processo como um todo, a regra da aplicação da lei que estiver em vigor no momento da sua prática, conduz à aplicação da Lei 27/2015 de 14 de Abril, nos precisos termos em que o despacho recorrido o fez, na medida em que esta lei entrou em vigor em 14 de Maio de 2015 e a audiência de julgamento, nos presentes autos, teve início em 8 de Outubro de 2020.
Importa, todavia, aferir se existem obstáculos à aplicação imediata das leis processuais penais com eficácia retroactiva imprópria, precisamente, os decorrentes da proibição da retroactividade desfavorável.
Por conseguinte, a categoria «processos iniciados anteriormente à sua vigência» não se determina por si só, mas por referência teleológica a razões atinentes à posição processual do arguido ou necessárias à salvaguarda da congruência e harmonia do sistema processual penal, o que convoca os princípios gerais em matéria de interpretação de normas jurídicas, consagrados no art. 9º do CC (ou seja, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos legais, tendo especialmente em atenção a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete um pensamento que não tenha um mínimo de correspondência verbal, na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções jurídicas mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (nºs 2 e 3 daquele artigo).
E também convoca a já consensual distinção entre normas processuais penais estritamente formais e normas processuais penais materiais, ou seja, entre aquelas que sendo de natureza exclusivamente técnica se destinam apenas a regular a marcha do processo e aquelas outras que contendem ou com os pressupostos da responsabilidade penal ou com as garantias de defesa do arguido.
No caso vertente, esse exercício hermenêutico também não pode ser efectuado exclusivamente à luz das regras consagradas no art. 5º do CPP, em face do regime jurídico transitório contido no art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril.
Segundo este preceito legal, o regime de substituição de juízes que integram o Tribunal Colectivo durante a discussão e o julgamento da causa previsto no artigo 328º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, com a redação dada pela mencionada Lei 27/2015, não se aplica aos «processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma».
É no alcance deste inciso «processos pendentes à data da entrada em vigor» que se centra parte da controvérsia que desencadeou o presente recurso.
O arguido recorrente interpreta-o como abrangente de todos os processos já iniciados aquando do início da vigência da Lei 27/2015 de 14 de Abril, ao contrário do Tribunal recorrido, que fez coincidir o conceito de pendência com o acto processual audiência de discussão e julgamento, ou seja, considerando que este art. 328º A só não seria aplicável a processos nos quais já tivesse sido iniciada em data anterior e ainda estivesse em curso tal diligência judicial, quando a Lei 27/2015 entrou em vigor.
Ora, a Lei 27/2015 de 14 de Abril iniciou a sua vigência em 14 de Maio de 2015, portanto, mais de cinco anos antes do início da audiência de julgamento realizada, neste processo, cuja primeira sessão teve lugar em 8 de Outubro de 2020.
Em primeiro lugar, impõe-se dizer que nem há que falar de qualquer efeito surpresa da decisão recorrida.
Compreende-se que, por hipótese de raciocínio e a título meramente argumentativo, se invoque o acto processual da constituição do recorrente como arguido, de resto, como o fez a decisão recorrida, na medida em que é desse acto que depende a assunção do estatuto jurídico-processual correspondente e do acervo de direitos e deveres que o integram, enumerados no art. 61º do CPP, tal como previsto no art. 60º do mesmo diploma e seguindo a linha argumentativa preconizada no Acórdão do STJ nº 4/2009 de 18.02.2009 (Diário da República, 1.ª Série de 19 de Março de 2009 que se pronunciou sobre sucessão de leis processuais em matéria de direito ao recurso, fruto das alterações introduzidas no artigo 400º nº 1 alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432º nº 1 alínea b), ambos do CPP pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto).
A tutela judicial desses direitos e a sua consequente imposição à autoridade judiciária dependem, pois, da prática desse acto processual.
Mas a constituição de arguido não é o factor de confluência temporal apto a elucidar a questão de saber se se aplica o critério geral da aplicação imediata exarado no art. 5º nº 1 do CPP ou antes deverá lançar-se mão do nº 2 al. a) do mesmo preceito legal, nem serve para densificar o alcance da expressão «processos pendentes à data da entrada em vigor», usada no citado art. 6º da Lei 27/2015.
A proibição das decisões surpresa é uma das manifestações do princípio do contraditório, expressamente prevista no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil, que impõe ao juiz os deveres de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório e o impede, salvo caso de manifesta desnecessidade, de decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório é, por sua vez, uma das formas de concretização de certos direitos constitucionais, como é o caso do acesso ao direito e à justiça, a um processo equitativo e justo e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, p. 23/VI e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 9).
O acerto ou desacerto da decisão recorrida não depende, pois, da existência ou inexistência de um qualquer efeito surpresa, nem este se liga com a aquisição do estatuto jurídico-processual de arguido, porque o que releva para afirmar a inexistência do tal «efeito surpresa» é a circunstância de antes da prolação da decisão recorrida, ter sido dada ampla oportunidade de exercício do contraditório a todos os sujeitos processuais, quanto à possibilidade futura de a Mma. Juíza Adjunta temporariamente impedida, ser substituída por outra ou outro Colega, como defluí de forma expressa do despacho judicial de 21 de Abril de 2021 (despacho com a referência Citius 404668382 do processo principal). E, como diz o recorrente, este não é o cerne da questão.
A questão é tão só saber se o novo art. 328º A do CPP tem ou não tem aplicabilidade à audiência de discussão e julgamento que está a decorrer e, por via dele, se é ou não é válida e eficaz a substituição de uma das Exmas. Sras. Juízas Adjuntas por outra, alterando assim a composição do Tribunal Colectivo, no decurso da mesma audiência de julgamento.
Fazendo uso do princípio geral da não-transactividade, o facto que está em contacto com o novo art. 328º A do CPP introduzido no CPP pela Lei 27/2015 de 14 de Abril, não é, nem o início do processo, assumindo o conceito amplo de processo nos termos expostos supra, como o momento que coincide com a obtenção da notícia do crime, no caso vertente, com a denúncia apresentada em 28 de Abril de 2015, nem a constituição do recorrente DFBG_____ como arguido.
É apenas a audiência de discussão e julgamento, já que é por referência a este acto processual e só a ele que o novo art. 328º-A do CPP veio estabelecer um regime de substituição de um dos Juízes Adjuntos, em casos de morte ou de impossibilidade permanente, segundo a previsão do nº 2, e em caso de impossibilidade temporária quando as circunstâncias concretas imponham a substituição do juiz impossibilitado, nos termos do nº 3, sendo certo que estas alterações na composição do Tribunal só estão previstas para esta fase do processo e não para qualquer outra que, de resto, não admite qualquer outro tipo de intervenção colegial que envolva Juízes, seja no inquérito, seja na instrução e também porque, no presente processo, quando o julgamento se iniciou, esta Lei já estava em vigor e, portanto, é-lhe potencialmente aplicável.
Para que tal não pudesse assim concluir-se, seria imperioso, como pretende o recorrente, que o princípio geral de que os actos processuais são regulados pela lei de processo penal que estiver em vigor, no momento da sua prática (mesmo que o processo em que se integram se tenha iniciado durante a vigência da lei antiga) tivesse de ceder ante alguma das excepções do art. 5º nº 2 do CPP ou ante a previsão do art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril.
Neste conspecto, o recorrente começa por argumentar, por exemplo, nas conclusões 3ª, 28ª a 30ª do recurso, que o art. 6º da Lei 27/2015 diz exactamente o mesmo que o art. 5º nº 2 al. a) do CPP embora com outra redacção.
Porém, em total contradição com esta qualificação, também argumenta, nas conclusões 7ª, 26ª, 27ª e 53ª do mesmo recurso, que o art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril é «uma norma especial e cogente, de sucessão de leis no tempo».
Ora, se o art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril diz exactamente o mesmo que o art. 5º nº 2 al. a) do CPP, então, é uma norma totalmente inútil, na medida em que nada acrescenta à ordem jurídica, antes traduz uma simples repetição da excepção à aplicação do critério geral da aplicação imediata da lei em vigor no momento em que o acto processual é praticado, quando a mesma resultar num regime concretamente mais desfavorável para as garantias de defesa reconhecidas constitucionalmente ao arguido.
Não parece que de acordo com os princípios consagrados no art. 9º do CC se possa retirar uma tal ilação, porque, de harmonia com a presunção de clarividência e sabedoria do legislador, se era para se limitar a repetir o art. 5º nº 2 al. a) do CPP, nem teria redigido o art. 6º da Lei 27/2015 de 27 de Abril, pois que a mera duplicação de normas não prossegue finalidade alguma.
Se, contrariamente, puder ser considerada uma norma especial, como o recorrente também pretende, a questão que tem de colocar-se, desde logo, é a de saber se o art. 6º revogou ou derrogou aquele art. 5º nº 2 al. a) do CPP.
Nos termos do art. 7º do Código Civil, a revogação pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei e pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação).
Será expressa quando consta de declaração feita na lei posterior, será tácita quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas, ou ainda quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior.
Como é sabido, nos casos em que duas normas jurídicas se excluem reciprocamente, por consagrarem previsões e estatuições contraditórias entre si, a resolução desse conflito de normas terá de ser solucionado seguindo alguma das regras clássicas: lex posterior derogat legi priori, lex specialis derogat legi generali, lex superior derogat legi inferiori, etc.
Se for aplicável o critério da posteridade (lex posterior derogat legi priori – cfr. art. 7º nºs 1 e 2 do Código Civil), o conflito de leis da mesma hierarquia, resolve-se em benefício da lei mais recente, com a ressalva de que a lei especial prevalece sobre a lei geral, em sintonia com o critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali – cfr. art. 7º nº 3 do Código Civil), mesmo que esta seja posterior, a não ser que outra tenha sido a intenção inequívoca do legislador, Ainda no caso de conflito de leis da mesma hierarquia, prefere a norma de fonte hierárquica superior (lex superior derogat legi inferiori) (João Baptista Machado. Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis (Limites das Leis e Conflitos das Leis), Reimpressão, Colecção Teses Almedina, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 211 a 222 e Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 10ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1997, sobretudo pp. 170 e 171).
A generalidade e a especialidade das normas jurídicas são conceitos relativos, ou seja, «não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, ainda mais exactamente, entre determinadas matérias normativamente reguladas» (J. Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 2.ª Edição, Lisboa, 1968, pp. 316-317).
Nos termos do nº 3 do artigo 7º do Código Civil, o critério da especialidade cede apenas quando não subsistem dúvidas sobre a intenção do legislador de revogar a lei especial anterior, estabelecendo uma presunção (ilidível) no sentido de que normalmente a lei geral não quer revogar a lei especial.
Todavia, «o problema é, pura e simplesmente, de interpretação da lei geral posterior, resumindo-se a apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior»; como problema de interpretação que é, deve ser solucionado mediante os critérios gerais de interpretação das leis, e, assim, «com base no texto, na sua conexão, na evolução histórica e na história da formação legislativa, mas especialmente também de acordo com o critério do fim da disposição questionada e do valor do resultado de uma ou outra interpretação» (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 99º, nº 3330, p. 334).
Depois do que fica dito, cabe então perguntar, na linha de raciocínio do recorrente, qual é, então, a norma geral por comparação com a qual o art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril é uma norma especial.
É que a norma do art. 5º nº 2 al. a) do CPP já é, ela própria, uma norma especial pois introduz uma excepção ao princípio tempus regit actum consagrado no nº 1 do mesmo art. 5º e este é que é a regra geral em matéria de aplicação de leis processuais penais no tempo.
Ainda poderia considerar-se que este art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril pretendeu delimitar a competência temporal do novo art. 328º A do CPP aos processos que tivessem início apenas depois da sua entrada em vigor, como pretende o recorrente, abstraindo de todas e quaisquer considerações de irretroactividade da lei processual penal desfavorável e de retroactividade obrigatória da lei processual penal mais favorável, pois só assim se explicaria porque é que o texto deste art. 6º diz que «o disposto (…) no artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, com a redação dada pela presente lei, não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma», sem qualquer menção às temáticas do agravamento da situação processual do arguido, dos riscos para as suas garantias de defesa e à possibilidade de os evitar, mediante a opção por um ou outro regime jurídico contempladas no art. 5º nº 2 al. a) do CPP (e já agora, também desconsiderando a coerência e a unidade do sistema jurídico a que se refere a alínea b) do mesmo art. 5º nº 2).
Porém, essa interpretação normativa poderia ser contrária à Constituição, especialmente ao preceituado nos seus arts. 29º nº 4 e 32º nº 1, a não ser que pudesse considerar-se que o regime de substituição de um dos Juízes por morte ou impossibilidade temporária durante a audiência de discussão e julgamento integra normas processuais penais estritamente formais, integralmente técnicas sem qualquer ligação aos pressupostos da responsabilidade penal ou às garantias de defesa do arguido.
Só que, a ser assim, a regra a aplicar seria, pura e simplesmente, a da aplicação imediata, nos termos do art. 5º nº 1 do CPP e também seria totalmente desnecessário afirmar que o «artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, com a redação dada pela presente lei, não se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma». Acresce que nesta hipótese, o art. 6º seria norma especial, mas por comparação com a regra geral tempus regit actum do nº 1 do art. 5º do CPP e não com o seu nº 2 al. a).
Convocando, uma vez mais, a presunção de que o legislador fez as opções jurídicas mais justas e soube exprimir correctamente o seu pensamento, não é crível que tenha pretendido dar este alcance à norma transitória do art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril, consagrando soluções repetidas de outras normas, muito menos contrárias à Constituição da República Portuguesa, ou sequer que tenha tido qualquer intenção derrogatória dos princípios contidos no art. 5º do CPP.
E, precisamente por efeito dessa mesma presunção a que se refere o art. 9º nº 3 do CC, é que também se pode opor à tese do recorrente, o argumento de que, se a exclusão da aplicabilidade do art. 328º A do CPP se dirigisse aos «processos iniciados anteriormente» à data do início da vigência da Lei 27/2015 de 14 de Abril, tê-lo-ia afirmado expressamente.
A verdade é que essa não foi a expressão usada no texto do art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril. Ali não se refere o início do processo, no sentido de instauração do mesmo, com a obtenção da notícia do crime, antes se apela ao conceito de pendência do processo.
O primeiro erro em que o recorrente incorre para tentar justificar a inaplicabilidade do art. 328º A do CPP a este processo é o de fazer coincidir a «pendência do processo» com a apresentação da denúncia de fls. 2 a 6 que determinou a abertura do inquérito e o desenvolvimento da investigação acerca dos factos participados e da identidade dos seus autores que deu origem à acusação deduzida nestes autos.
Já se disse que, num sentido amplo do termo, o procedimento criminal inicia-se com a notícia do crime e só finda com o trânsito em julgado da decisão final, proferida depois da audiência de discussão e julgamento, ou depois de esgotadas todas as instâncias de recurso.
Daí que ao termo «pendência do processo» não se possa fazer equivaler «início do processo», porque enquanto houver actos a praticar para impulsionar a sua marcha até à declaração definitiva do Direito Penal que se aplica, naquele caso, o processo estará pendente.
De resto, num sentido estrito do termo, só há verdadeiramente um processo judicial, quando, depois de deduzida acusação, ou proferido despacho de pronúncia, os autos são distribuídos e autuados na espécie que lhes couber como processo sumário, ou como processo comum com intervenção do Tribunal Singular, do Tribunal Colectivo ou do Tribunal de Júri, que são as espécies previstas no CPP cuja tramitação envolve a realização de uma audiência de discussão e julgamento.
Antes da distribuição, porque no final do inquérito a decisão pode ser de arquivamento, tal como a instrução pode findar com uma decisão de não pronúncia, se algum destes desfechos acontecer, como a consequência de qualquer destas decisões é a extinção do procedimento criminal, nunca haverá processo judicial, logo, nunca haverá julgamento.
O factor de confluência temporal determinante da aplicação da norma inserta na lei nova, não é, nem poderia ser, a denúncia, mas sim, a fase da discussão e julgamento da causa, mais precisamente, porque é sobre o princípio da plenitude da assistência dos Juízes e sobre os pressupostos de que depende a sua substituição, em caso de morte, ou impedimento para continuarem a integrar o Tribunal que preside à discussão e julgamento da causa que rege o art. 328º A do CPP introduzido pela Lei 27/2015 de 14 de Abril.
Daí que, se é certo que, por um lado, nem sequer se pode dizer que este processo se tenha iniciado antes da entrada em vigor da Lei 27/2015, porque só a sua remessa à distribuição como processo comum colectivo lhe conferiu existência jurídica como tal e essa ocorreu muito depois do início da vigência da Lei 27/2015, por outro lado, a menção a «processos pendentes» à data da entrada em vigor, tanto pode incluir aqueles em que a notícia do crime foi obtida antes, como aqueles em que tenha sido deduzida acusação antes, como os que tenha sido objecto de instrução e no seu final tenha sido proferida decisão instrutória, como aqueles que tenham sido distribuídos antes, pois que pendentes são todos eles.
Em linha de coerência com o que ficou exposto acerca do papel primordial do princípio da não transconexão e da regra geral de que a lei só dispõe para o futuro e é de aplicação imediata, bem assim, quanto às formas de conjugação com as regras da irretroactividade desfavorável e da imposição de aplicação da lei mais favorável, o alcance da introdução no art. 6º da Lei 27/2025 de 14 de Abril não pode ser o de afastar a aplicabilidade imediata do regime jurídico contido no art. 328º A do CPP aos processos que se tenham iniciado antes da sua entrada em vigor, fazendo coincidir esse início com a entrada da denúncia nos serviços do Mº. Pº.
Sabendo-se, como se sabe, que a razão de ser desta alteração legislativa foi a de imprimir à fase da audiência de discussão e julgamento alguma racionalização e equilíbrio entre os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, por um lado e os valores da economia processual e da eficácia e credibilidade na administração da justiça, por outro, prevenindo que os julgamentos morosos com elevado número de intervenientes e toda a prova neles produzida redunde inutilizada por efeito da morte, ou de impossibilidade definitiva ou temporária de um dos Juízes, ante a forma colegial de funcionamento do Tribunal e a gravação da prova, a norma do art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril ao mencionar «processos pendentes» só pode ter pretendido excluir do âmbito temporal de aplicação do art. 328º A do CPP aqueles processos cuja audiência de discussão e julgamento se tivesse iniciado antes do dia da entrada em vigor da referida Lei 27/2015.
«(…) Sucede amiúde em processo penal os julgamentos efetuados por tribunal coletivo envolverem dezenas de testemunhas, que prestam depoimentos extensos, atenta a complexidade das matérias em discussão, o que leva ao inerente e inevitável prolongamento das audiências, aumentando o risco de, no seu decurso, virem a ocorrer vicissitudes pessoais intransponíveis dos magistrados judiciais. Nestes casos, a inutilização de todos os atos processuais praticados até esse momento é um resultado dificilmente compreensível, atendendo ao funcionamento colegial do órgão decisor, bem como à atual obrigatoriedade de gravação das audiências, sendo também contrária aos interesses da agilidade na realização da justiça e da economia processual.
«Com efeito, sendo hoje em dia obrigatória a documentação da prova, sob pena de nulidade (artigo 363.º do Código de Processo Penal), considera-se que está assegurada por essa via, não só a sindicância da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação, como também a fidelidade por parte do Tribunal de 1.ª Instância à prova produzida em audiência, porquanto este poderá colmatar os naturais limites da memória humana e das próprias notas pessoais tomadas sobre a produção de prova, recorrendo à audição ou visualização das respetivas gravações magneto fónicas ou audiovisuais.» (Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 263/XII que deu origem à lei 27/2015 de 14 de Abril, in https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf).
Afigura-se, em face do que fica exposto, que a única forma de dar conteúdo útil à disposição legal contida no art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril é interpretá-la, como fez a decisão recorrida, no sentido de considerar que o novo regime jurídico previsto no art. 328º A do CPP em sede de alterações da composição do Tribunal Colectivo, condições de admissibilidade, pressupostos de validade e eficácia, formalidades prévias a cumprir e todas as questões reguladas nos nºs 2 a 7, só é aplicável aos processos cujas audiências de discussão e julgamento se iniciem após a entrada em vigor da referida Lei 27/2015, sendo que a expressão «processos pendentes» só pode aludir a processos cuja audiência de discussão e julgamento esteja a decorrer desde momento anterior ao do início da vigência da Lei 27/2015.
É que cumpre ter presente que a razão de ser desta alteração legislativa foi evitar que a dilação temporal que envolve a realização dos julgamentos de processos complexos ou especialmente complexos com elevado número de intervenientes, tendencialmente, por crimes muito graves e cuja prova é ela própria também de difícil obtenção, associada a vicissitudes decorrentes da morte ou da impossibilidade por outros motivos de um dos Juízes Adjuntos, durante o seu decurso, redunde em nada, por efeito da inutilização de toda a actividade jurisdicional já desenvolvida e de todo o esforço de produção e apreensão da prova feito pelo Tribunal, pelos sujeitos processuais e pelas pessoas com intervenção na audiência como arguidos, testemunhas, assistentes ou partes civis, peritos e/ou consultores técnicos.
À semelhança do que se passa com o processo criminal, perspectivado de forma dinâmica e englobando toda a sua tramitação, também a audiência de discussão e julgamento se pode converter num facto partilhado, ou seja, num facto duradouro, reiterado em múltiplas sessões a realizar, durante meses ou anos, em que parte delas se realize durante a vigência de uma determinada lei e, outra parte sob o domínio de aplicação temporal de outra lei.
Na medida em que o critério geral de aplicação no tempo das leis processuais penais é o de que cada acto processual é regulado pela lei que estiver em vigor no momento da sua prática, se o art. 6º não contivesse a explicitação de que o novo art. 328º A do CPP não tem aplicação aos julgamentos iniciados antes da sua entrada em vigor, então, sim, tal poderia suscitar alguma dúvida ou controvérsia acerca do regime aplicável, conduzindo, eventualmente, à aplicação de dois diferentes regimes jurídicos a diferentes partes da audiência que, apesar de desdobrada em múltiplas sessões, em diferentes datas e por um período de tempo mais ou menos prolongado, é um só acto processual.
Foi precisamente para atribuir a chamada «ultra actividade» ao regime da interrupção e suspensão da audiência consagrado no CPP, antes das alterações introduzidas pela Lei 27/2015 de 14 de Abril e clarificar a regra do tempus regit actum, abstraindo de quaisquer das excepções do art. 5º nº 2 do CPP, que o art. 6º fixou o termo inicial da vigência do novo art. 328º A às audiências de discussão e julgamento que se iniciassem, após o dia 14 de Maio de 2015, data em que aquela Lei entrou em vigor.
Quanto aos julgamentos já iniciados antes de 14 de Maio de 2015, mas ainda a decorrer para além dessa data, a versão anterior do CPP continuaria a vigorar, nisto se traduzindo a tal ultra actividade, em virtude de a lei velha se continuar a aplicar a factos ocorridos, já depois de cessada a sua vigência, precisamente, àquelas sessões da audiência de discussão e julgamento realizadas durante a vigência da lei nova, neste caso, do art. 328ºA do CPP.
E esta conclusão, além de ser a única susceptível de dar sentido e conteúdo útil à previsão contida naquele art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril, resulta reforçada com a constatação de que a introdução no CPP deste art. 328º A, não pode ser desligada das alterações introduzidas no art. 328º do mesmo CPP.
Com efeito:
Nos termos do art. 328º nº 6 do CPP, o adiamento da audiência de discussão e julgamento não pode exceder 30 dias.
A segunda parte do mesmo preceito estabelece que, se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em acta, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.
Esta segunda parte foi introduzida pela Lei nº 27/2015, de 14 de Abril e veio substituir a versão originária do citado art. 328º do CPP que estabelecia, expressamente, como consequência da impossibilidade de garantir que o intervalo temporal entre cada uma das sessões da audiência de discussão e julgamento, com produção de meios de prova, não excedesse os trinta dias, a perda de eficácia da prova.
E o art. 328º nº 7 do CPP também introduzido pela Lei 27/2015 de 14 de Abril, enuncia agora várias situações que passaram a não ser consideradas para a transcorrência desse prazo, como é o caso, do decurso das férias judiciais; do período durante o qual, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova; do período em que os autos aguardem a prolação da sentença; do período em que decorra o recurso que anule parcialmente o julgamento para repetição de prova ou produção de prova suplementar.
Este limite inultrapassável de trinta dias entre cada uma das sessões do julgamento, em que tenham sido produzidos meios de prova, dá consagração ao princípio da concentração da audiência de julgamento, previsto no nº 1 do art. 328º que impõe como regra, que a audiência de discussão e julgamento decorra, sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento.
Trata-se de assegurar, ainda, a concretização dos princípios da oralidade e da imediação, concebidos como os instrumentos privilegiados para a apreciação conjunta e esgotante de todo o objecto do processo, para evitar erros de julgamento e assegurar a realização da Justiça Penal em tempo útil.
«O princípio aqui estabelecido da continuidade da audiência, (…) visa atingir duas finalidades: a concentração, princípio processual penal, segundo o qual todos os termos e actos processuais, consoante, as respectivas fases do processo se devem desenvolver unitária e continuadamente, concentradamente, no espaço e no tempo, o que significa relativamente à audiência, uma tramitação unitária, continuada, no espaço e no menor espaço de tempo, em que toda a prova, oral e directamente produzida seja apreciada o mais próximo possível dos factos, em conjunto e enquanto bem presente na memória do julgador; a celeridade, sem a qual a administração da justiça perde eficácia, valor este consagrado na Constituição (art. 20º, n.º 5) através da imposição de que a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, bem como da concessão do direito à decisão em prazo razoável (art. 20º, n.º 4) direito este também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem» (António Henriques Gaspar, “Código de Processo Penal Comentado”, pág. 1061. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, 1974, págs. 183 -184 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, pág. 808).
«A imediação e a descoberta da verdade são prejudicados pela interrupção da produção da prova repetidas vezes, ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação da uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado de toda a prova.
«Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve-se o princípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos actos processuais para que o juiz possa valer-se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos.
«Consequentemente, para que a oralidade seja efectiva e traga todos os benefícios inerentes à sua aplicação, torna-se necessária a produção de um mínimo de sessões de audiência ou, idealmente, a produção de apenas uma audiência. A proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu, por sua observação pessoal, e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença, é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, fruto de sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo» (Ac. do STJ de 29 de Outubro de 2008, proc. 07P4822, Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº11/2008, DR, I Série de 11.12.2008).
Com a entrada em vigor da Lei 27/2015, de 14 de Abril, pese embora se tenha mantido inalterada a primeira parte do art. 328º nº 6 do CPP, ou seja, a imposição de que o adiamento não pode exceder trinta dias, a verdade é que desapareceu do texto da Lei a sanção da perda de eficácia da prova para as situações em que, entre cada uma das sessões do julgamento, não é possível assegurar esse lapso temporal e o mesmo seja ultrapassado.
Tal correspondeu à intenção do legislador de banir da ordem jurídica processual penal a cominação da perda de eficácia da prova, tal como se refere na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 263/XII, a propósito da «eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida» que «no contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação.»
«Isto é, presentemente, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso se veja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada intervalo da audiência aconteça isso porque razão for» (Ac. do STJ de 12 de Novembro de 2015, nº 1/2016 publicado no DR, Série I, nº 2 de 5 de Janeiro de 2016).
Por conseguinte, mantendo-se as regras da continuidade da audiência contidas no arts. 328º nº 1 e nº 6 primeira parte, a eliminação da cominação da perda de eficácia da prova não significa a possibilidade de perpetuação ad aeternum da fase da audiência de discussão e julgamento, de resto, como o próprio carácter excepcional do excesso do prazo de trinta dias continua a ser acentuado pelo legislador, quer com a ressalva dos casos em que a contagem do prazo cessa, no nº 7, quer com as formalidades contidas na segunda parte do nº 6, no que se refere à demonstração dos motivos de impedimento à observância do referido prazo de trinta dias.
O tribunal deverá continuar a disciplinar a sua actividade por forma a concentrar os trabalhos de produção de prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, no período temporal mais curto possível.
Porém, já não está sujeito à inexorável perda de eficácia da prova, nas situações em que esse período temporal não possa ser salvaguardado, embora deva ficar suficientemente comprovado no processo, o motivo do impedimento, justamente, para reforçar a ideia de que os princípios da concentração, da oralidade e da imediação mantêm de pleno a sua validade e eficácia como princípios fundamentais do direito processual penal e que a regra continua a ser a da continuidade da audiência de discussão e julgamento e só excepcionalmente poderá ser quebrada.
E a este propósito cumpre referir que é precisamente neste ponto que radica o segundo erro da argumentação do recorrente, que é de considerar que o regime em vigor antes do dia 14 de Maio de 2015, seria o previsto no art. 605º do CPC, por efeito da remissão do art. 4º do CPP.
Em primeiro lugar, cumpre dizer que pressuposto essencial da aplicação das normas de processo civil, nos termos deste preceito legal, é a existência de alguma lacuna no âmbito do processo penal, importando distinguir lacunas reais de lacunas aparentes, porque as «lacunas aparentes não são verdadeiras lacunas. Tratar-se-á de casos que parece não foram regulados pela lei, mas que efectivamente o são, mediante a interpretação. São apenas casos obscuros que a interpretação esclarece. Lacunas reais são só aquelas que não cabem no conteúdo da lei, depois de submetida a todas as formas possíveis de interpretação» (Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, ed. da AAFD, Lisboa, p. 61).
Em segundo lugar, a integração de lacunas não se faz directamente mediante a aplicação das regras do processo civil.
O art. 4º do Código de Processo Penal, estabelece uma sequência hierárquica de mecanismos de integração das lacunas que se excluem mutuamente, à medida que forem aplicados e pela ordem sequencial em que são enumerados no preceito.
Assim, os casos omissos serão prioritariamente regulados pelas normas do próprio Código de Processo Penal que se mostrem ajustadas às situações análogas (analogia legis), partindo da «presunção segundo a qual é de inferir que, se a lei prevê determinado caso e o regula de certa maneira, da mesma maneira teria regulado os outros casos relativamente aos quais procedem as razões justificativas daquela regulamentação» (José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, vol. I, p. 232).
Só depois de verificada a inexistência de normas processuais penais aplicáveis, por analogia, é que se poderá recorrer às regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal.
E, por fim, se nem umas, nem outras forem compatíveis com a situação a regular, aplicar-se-ão os princípios gerais do Direito Penal.
«Vê-se, assim, claramente o carácter subsidiário que assume o direito processual civil como fonte de integração. Contudo, resulta também com evidência que as normas de processo civil não podem, nunca por nunca, afastar o processo penal dos princípios e dos fins que lhe são próprios, impondo-se, pois, ao aplicador da lei um cuidado especial para que se atribua a uma norma processual civil função integradora no domínio do direito processual penal.» (Ac. do STJ de 9.12.1999, Assento nº 2/2000, hoje com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, D.R., Série I – A de 07.02.2000).
Ora, o art. 605º do CPC consagra, sob a epígrafe «Princípio da plenitude da assistência do juiz», no seu nº 1 que, «se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-se os atos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a repetição dos atos já praticados, o que é decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz substituto».
«O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art. 605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa» (Ac. do STJ de 8.03.2018, proc. nº 2723/04.6TBBRR.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Este é, afinal, o regime de substituição do Juiz do julgamento, por motivos de força maior e em excepção ao princípio da plenitude da assistência do juiz que também inspirou o actual art. 328º A nºs 2 e 3 do CPP, de resto, como expressamente assumido pelo legislador na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 263/XII, onde, depois de afirmar ser «pacífica a aplicação ao processo penal da norma do Código de Processo Civil relativa ao «princípio da plenitude de assistência dos juízes», por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal», entendeu existirem «razões ponderosas para um desvio à regra fixada no Código de Processo Civil».
Essa regra é a repetição dos actos praticados no processo antes da morte ou da impossibilidade superveniente do Juiz, o que se explica pela diferente composição do Tribunal em processo civil, cujo julgamento é sempre realizado por um único Juiz, ao passo que o processo penal compreende espécies – comuns colectivos e com intervenção de Tribunal de Júri - que envolvem uma actividade jurisdicional colegial.
E as razões ponderosas são, naturalmente, a gravação de todos os actos a praticar na audiência de discussão e julgamento como imposto pelos arts. 363º e 364º do CPP, o específico modo de funcionamento do Tribunal Colectivo e os valores da celeridade e economia processuais.
Ora o art. 605º do CPC não tem aplicabilidade possível ao processo penal, antes da entrada em vigor da Lei 27/2015 de 14 de Abril pela simples razão de que, qualquer interrupção, ou suspensão dos trabalhos de produção de prova e dos debates sobre a matéria de facto provada e o direito aplicável que integram a audiência de julgamento propriamente dita, não poderia, em caso algum, à luz do anterior art. 328º do CPP, exceder trinta dias, sob pena de toda a prova produzida, gravada ou não, perder eficácia e ter de se repetir o julgamento, desde o seu início (Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº11/2008, DR, I Série de 11.12.2008).
Por conseguinte, era indiferente que o motivo do adiamento da audiência se relacionasse com a marcha do processo, com a obtenção de meios de prova ou com alguma vicissitude pessoal dos Juízes que integrassem o Tribunal Colectivo, de que pudesse resultar a sua impossibilidade física para continuar a intervir no julgamento, já que o art. 328º do CPP, na sua antiga redacção não fazia qualquer distinção: fosse qual fosse a razão determinante de intervalos temporais superiores a trinta dias, entre uma sessão e outra, a consequência era sempre a inutilização de toda a prova até então produzida e a repetição da parte da audiência já realizada.
Daí que vigorasse amplamente o princípio da plenitude da assistência dos juízes, porque, por efeito da sanção da perda de eficácia da prova e da consequente necessidade de renovação da prova já produzida, a interligação directa entre os juízes que presidiram ao julgamento e a fixação dos factos e a aplicação do direito estaria sempre assegurada, assim como a imediação e a oralidade salvaguardadas, em relação à totalidade da prova do julgamento, mesmo que à custa da repetição do julgamento ou de parte dele.
Não havia, pois, caso omisso, porque o regime aplicável era o inserto na anterior redacção do art. 328º do CPP que previa as causas de adiamento, de interrupção e suspensão da audiência de discussão e julgamento, assim como as condições de manutenção da validade e eficácia da provada produzida, no seu decurso.
E assim, não merece acolhimento o argumento de que o regime contido no art. 605º do CPC seria subsidiariamente aplicável.
O que acaba de ser exposto introduz o terceiro erro de que parte a argumentação do recorrente: o de que preenchidos os pressupostos que, segundo o disposto no art. 328º A nº 3 do CPP, consentem a substituição de um dos Juízes Adjuntos durante a audiência, tal envolve, necessariamente, um agravamento da posição processual do arguido, em virtude de o julgamento realizado com a Mma. Juiz substituta já não observar em toda a extensão em que se encontra consagrado no art. 328º A nº 1 do CPP, a plenitude da assistência dos Juízes.
Ora, esta linha de argumentação parte de uma espécie de conjectura ou suspeição, ainda que só de forma indirecta ou liminar e certamente não deliberada, de que a Mma. Juiz que passou a integrar o Tribunal Colectivo, depois da prolação do despacho recorrido e em execução dele, não terá a mesma capacidade de avaliar a prova e participar na decisão da matéria de facto e no respectivo enquadramento jurídico, com a isenção, o rigor, a independência e a objectividade que teria se nele tivesse tido intervenção desde o início, ou que teria a Mma. Juiz substituída.
Esse juízo de valor além de prematuro, será sempre insustentado, pelo menos, antes de ter sido proferida a decisão que integre a matéria de facto provada e não provada e o correspondente enquadramento jurídico-penal e fora das condições de procedibilidade da recusa de Juiz.
Seja como for, é precisamente para preservar a imediação e a oralidade, não obstante a alteração na composição do Tribunal Colectivo, que o art. 328º A prevê a possibilidade de se proceder à repetição de alguns actos, por decisão do Juiz presidente, depois de ouvido o Juiz substituto. Ora, esta possibilidade só está prevista, na medida em que se mostrar necessária à obtenção de uma imagem global dos meios de prova e à formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova.
Do mesmo modo, não obstante a obrigatoriedade da gravação da audiência não ter sido prevista para assegurar estes princípios da imediação e da oralidade, mas sobretudo, para servir de instrumento ao recurso da matéria de facto, como se pode concluir das disposições conjugadas dos arts. 363º, 364º, 412º nº 4 e 431º al. b) do CPP, não pode ignorar-se o seu valiosíssimo contributo para reproduzir e relembrar a prova, para auxiliar o Tribunal a fixar os factos provados e não provados, do qual pode lançar mão, sempre que o entender necessário, seja para avivar a memória dos Juízes que intervieram do princípio ao fim, no julgamento, seja para que o Juiz Adjunto que passa a integrar o Colectivo em substituição do Colega impossibilitado, nos termos do actual art. 328º A nºs 2 e 3 do CPP, já depois de realizadas várias sessões, tome conhecimento da prova realizada durante aquelas em que ainda não fazia parte do Tribunal Colectivo que procedeu ao julgamento.
Não se ignora que a gravação da prova não permite a mesma qualidade no controlo do respectivo conteúdo, no que se refere à valoração das declarações e depoimentos e correspectiva formação da convicção a partir desses meios de prova, por lhe faltar a observação directa e em tempo real, da linguagem corporal, da expressão facial da pessoa inquirida, da captação do modo como articula o discurso, enfim, da forma como o relato dos factos é feito perante o Tribunal e de todo o enquadramento exterior à tomada de declarações ou prestação de depoimentos que são próprios da imediação e da oralidade e que influem na averiguação da veracidade e credibilidade das declarações e depoimentos, os tais «elementos intraduzíveis e subtis», que se detectam nas reacções e comportamentos de quem presta declarações ou depoimentos que podem despertar a atenção do julgador para aspectos que peçam clarificação porque de algum modo evidenciem «infidelidade da percepção ou da memória» do depoente, garantindo assim, «ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou a falsidade de uma alegação» (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol III, págs. 342 e 175. No mesmo sentido, Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, 1980, págs. 210-211, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Antunes, 1988-9, págs. 157 e ss. e Germano Marques da Silva, Estudos em homenagem de Cunha Rodrigues pág. 801 e seguintes).
Mas precisamente, por ser reconhecida essa fragilidade, é que, de entre os três Juízes que devem compor o Tribunal Colectivo só está prevista a possibilidade de substituição de um único Juiz, mantendo dois deles, sempre, o contacto directo e em tempo real com todos os meios de prova, desde o início, até ao final do julgamento, o que associado à possibilidade de repetição de parte do actos já praticados e com o modo de tomada das deliberações por maioria, nos termos regulados no art. 365º do CPP, constituem autênticas «válvulas de segurança» do sistema que garantem esses princípios da oralidade e da imediação.
Nem se vislumbra em que é que este modo de funcionamento diminui, muito menos, de forma substancial (a ponto de justificar a aplicação das excepções previstas no art. 5º nº 2 als. a) e b) do CPP) as garantias de defesa do arguido.
Com efeito, não é pela circunstância de um dos Juízes que integra o Tribunal Colectivo ser substituído durante a audiência de discussão e julgamento, que o arguido deixa de poder exercer o contraditório, perde algum dos seus direitos enumerados no art. 61º do CPP ou vê diminuídas as garantias de defesa reconhecidas no art. 32º nº 1 da CRP.
É certo que entre as garantias de defesa consagradas no artigo 32º n.º 1 da Constituição, está incluído o princípio da imediação das provas, enquanto exigência do processo criminal de um Estado de direito assente no respeito da dignidade da pessoa humana.
Mas a observância deste princípio em sede audiência de julgamento, onde tem o seu campo essencial de aplicação, cumpre-se com a inadmissibilidade de quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, com a ressalva de algumas provas contidas em atos processuais cuja leitura em audiência, pelas suas características, deva ser permitida pela lei processual e, no caso de impossibilidade física de um dos Juízes Adjuntos para continuar a audiência sem quebra do princípio da concentração da prova, com a sua substituição, nos termos e com as cautelas exigidas pelos nºs 2 a 6 do novo art. 328º A do CPP.
A garantia constitucional do acesso a um processo justo e equitativo densifica-se em várias regras de que se destacam o direito à igualdade de armas e de tratamento, no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; a proibição da indefesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, em geral, em condições de igualdade e ao longo de todo o processo, influenciarem as decisões a proferir, quanto aos factos e quanto à aplicação do direito, por forma a que nenhuma decisão seja tomada pelo tribunal sem prévia possibilidade de os intervenientes no processo a discutirem, contestarem e valorarem, o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiado exíguos; o direito à fundamentação das decisões; o direito à decisão em prazo razoável; o direito de conhecimento dos dados do processo; o direito à prova e o direito a um processo orientado para a prossecução da justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 415 e 416, do vol. I, da 4.ª edição, da Coimbra Editora. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil», XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72; Guilherme Fonseca, «A defesa dos direitos - princípio geral da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 344, 1985, p. 38; Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 835 e Lopes do Rego, «Acesso ao direito e aos tribunais», Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas, 1993, p. 44; id., «O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in https://www.tribunalconstitucional.pt).
A fórmula do nº 1 do art. 32º da Constituição «é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. Em 'todas as garantias de defesa' engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a 'orientação para a defesa' do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível.» (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., 2007).
Ora, a obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, também integra o catálogo dos direitos fundamentais da ordem jurídica portuguesa e uma das garantias de defesa, tanto quanto a oralidade, a imediação e a concentração da audiência (art. 20º nº 4 e 32º nº 2 da CRP e art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), sendo que, inclusivamente, o princípio da concentração que inspirou a possibilidade excepcional de introduzir alterações subjectivas na composição do Tribunal Colectivo, verificados os pressupostos do art. 328º A nºs 2 e 3 do CPP, serve exactamente para assegurar a prolação da decisão final em tempo útil.
O «acesso à justiça está fortemente afetado pela longa duração dos processos. A lentidão da justiça é, consensualmente, reconhecida como um dos problemas mais graves dos atuais sistemas judiciais, com custos sociais, políticos e económicos muito elevados». Conceição Gomes, O tempo dos tribunais: Um estudo sobre a morosidade da justiça, Coimbra Editora, 2003, págs. 11-12).
«Perante um quadro da lentidão processual, não só a efetividade da tutela jurisdicional que é posta em causa. A duração excessiva do processo é também, e por si só, contrária ao direito ao de acesso à tutela jurisdicional. E, deste modo o afastamento do «tempo real» do processo «ao tempo ideal», determinável segundo o paradigma do «prazo razoável», pode traduzir violação do direito de acesso à justiça» (Isabel Celeste Fonseca, «O direito a um processo à prova de tempo: um apelo a Kairos», in Ars ivdicandi: estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, (org.) Jorge de Figueiredo Dias, José Joaquim Gomes Canotilho, José de Faria Costa, vol. 3, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 207).
A justiça só é justa, quando é tempestiva, ou seja, quando em prazo necessário e razoável tutela todos os interesses acautelados no processo e, de resto, não está só estabelecida no interesse da vítima ou da comunidade, quanto à recuperação da integridade dos bens jurídicos postos em crise com a prática dos crimes, à reparação dos seus males e à reposição da confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídicas violadas.
A celeridade processual também está prevista para garantir ao arguido a sua paz jurídica, a sua reintegração social, através da aplicação do direito penal aos factos e eventual aplicação de uma pena ou medida de segurança, ou então, da sua absolvição (cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Noções Gerais. Sujeitos Processuais e Objeto, Vol. III, Universidade Católica Editora, 2013, pág. 90. 235 e ss.; Laborinho Lúcio, «Sujeito do Processo Penal – Algumas considerações», in Centro de Estudos Judiciários, O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1995, pág. 42; António Henriques Gaspar, Direito a um Processo Justo e Equitativo: prazo razoável na administração da justiça, absoluta igualdade de armas e efetiva defesa oficiosa, Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: Casos Nacionais, (Série Formação Contínua), Lisboa, Centro de Estudos Judiciários Editora, 2013, pág. 29. In http://<www.cej.mj.pt).
Acresce que não é da circunstância de, desde Junho de 2021, o julgamento estar a ser realizado por um Tribunal Colectivo integrado por um Juiz adjunto diferente que não integrava a composição inicial que interveio nas anteriores sessões realizadas desde 8 de Outubro de 2000, até então, que o arguido perdeu a possibilidade de exercer o contraditório, apresentar provas, contraditar as que forem apresentadas pela assistente e pelo Mº.Pº., e, sobretudo de recorrer, inclusive da matéria de facto que vier a ser fixada, uma vez findo o julgamento. Não há, pois, qualquer agravamento da sua posição processual, ou diminuição das suas garantias de defesa, por efeito da substituição de uma das Exmas. Sras. Juízas Adjuntas, para assegurar a prossecução da audiência de discussão e julgamento, sem mais delongas.
Neste caso, como em inúmeros outros, tratou-se de balancear os valores da imediação, da oralidade, da concentração da prova indispensáveis à descoberta da verdade material e os princípios da economia e celeridade processuais, nos termos consentidos pelo art. 328º A do CPP, em conformidade com a constatação de que os princípios constitucionais não são absolutos, sobretudo, se em colisão com outros de igual dignidade, como sucede no caso, em sintonia com o critério tempus regit actum e sem que lhe sejam oponíveis as excepções consagradas nos arts. 5º nº 2 als. a) e b) do CPP, bem assim, em sintonia com o disposto no art. 6º da Lei 27/2015 de 14 de Abril.
Ora, a celeridade processual também é uma manifestação do processo justo e equitativo e da tutela jurisdicional efectiva, os quais são, tanto quanto as garantias de defesa princípios constitucionais e, do mesmo modo, direitos fundamentais do próprio arguido.
Nesta conformidade, a decisão recorrida ao determinar a substituição da Exma. Sra. Juíza Adjunta que iria estar ausente ao serviço durante um ano ou mais, por efeito do exercício do seu direito à maternidade, por outra Exma. Sra. Juíza que, desde Junho de 2021 e até ao presente tem integrado o Tribunal Colectivo, é totalmente acertada e deve ser mantida.
O recurso não merece, pois, provimento.
III–DISPOSITIVO:
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
***
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Meritíssima Juíza Adjunta.
Tribunal da Relação de Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022