NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
CARTÃO DE CRÉDITO
JUROS DE MORA
USURA
TAXA DE JURO BANCÁRIO
Sumário


I - Num contrato de utilização de cartão de crédito outorgado em 1993 é aplicável a taxa de juro convencionada pelas partes.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

X – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra J. L., residente na Rua …, Lote …, …, em Braga.

Alega, em síntese, que celebrou com o Réu, em 01/02/1993, contrato de atribuição de cartão de crédito, através do qual este passou a ser titular de cartão de crédito, sendo que o último emitido tinha o número ....................82 e que através do cartão de crédito foi concedido ao Réu, além do mais acesso a produto denominado “Crédito Pessoal”, pelo qual foi creditada, em 16/10/2017, na conta por si indicada a quantia de €6.000,00, que haveria de reembolsar mensalmente, através das prestações acordadas.
Alega ainda que, nos termos acordados, caso o cartão fosse cancelado por facto imputável ao Réu, seria debitada a totalidade do montante de crédito pessoal não reembolsado e que acresceria ao valor de capital em dívida e que o montante indicado como estando em dívida no extrato deveria ser pago no prazo de 20 dias a contar da sua emissão e, caso não fosse integralmente pago, sobre o remanescente, deduzida de juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido entre a data da emissão do extrato e a data da emissão do extrato seguinte; sendo que a taxa de juro, de 29,196% foi devidamente acordada e, sempre que sofreu alterações, as mesmas foram comunicadas ao Réu.
Mais alega que o Réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão, nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente computo de juros moratórios, à taxa convencionada, e que não procedeu à regularização da divida apesar de interpelado para o efeito, não efetuando qualquer pagamento desde 23/12/2019, pelo que ascende a €26.869,16, sendo €21.390,81 a título de capital e €5.478,35 de juros de mora à taxa convencionada de 29,196%, vencidos até 14/07/2020 (data da propositura da presente ação).
Pede a Autora a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de €26.869,16, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde 14/07/2020 e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa convencionada de 29,196% ao ano sobre o capital de €21.390,81.
Regularmente citado, veio o Réu contestar, alegando, em síntese, que ao longo de 25 anos cumpriu escrupulosamente o contrato celebrado com a Autora, mas em 28/02/2019 sofreu um AVC que o deixou incapacitado para o trabalho, e que, por ter tido um diferendo com a Segurança Social, deixou de receber qualquer apoio deste organismo desde junho de 2019, como fez saber à Autora em 20/10/2019.
Mais alega que já antes e por inúmeras vezes, procurou solucionar a situação, tendo entregue €800,00 (que obteve junto de familiares) no âmbito dessas conversações, ao que se seguiu um outro pagamento de €1.000,00 no dia 23/12/2019.
Alega ainda que o incumprimento se deve a acontecimentos que não tinha como controlar e não desejou de todo e questiona, além do mais, o valor da taxa de juros aplicada, que reputa de abusiva, o que determinará a nulidade das cláusulas em que a mesma está prevista.
Concluiu pugnando pela improcedência do pedido e, caso assim não se entenda, pela declaração de nulidade das cláusulas contratuais que preveem a taxa de juro, por si reputada de abusiva.
Foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou, foi proferido despacho saneador e
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nestes termos, e face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se o réu J. L., no pagamento do capital de € 21.390,81, acrescido dos juros de mora calculados sobre tal capital e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2018 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais contra si peticionado pela autora.
Custas pela autora e réu na proporção do decaimento, que fixo em 20% para a autora e 80% para o réu (cfr. artigo 527º do CPC).
Registe e notifique”.

O Réu veio requerer a retificação da sentença nos termos do artigo 614º do Código de Processo Civil invocando a existência de lapso na data, devendo da mesma passar a constar como “desde 18/05/2020”.

Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
“Sob a ref.ª 40170862 veio o réu requerer a retificação do dispositivo da sentença no que tange à data a partir da qual devem ser contabilizados os juros de mora, afirmando que deverá ser tomada em consideração a data de 18/05/2020 e não 18/05/2018.
A autora nada veio dizer. Cumpre decidir.
Estatui o artigo 249º do Código Civil que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.”
No que concerne à sentença, dispõe o artigo 614º do CPC que “1- Se a sentença (…) contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, poder ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.(…). 3- Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.”
Ora, compulsada a factualidade dada por assente sob o ponto 33) dos factos provados, e o antepenúltimo parágrafo da penúltima folha da sentença facilmente se constata existir, efetivamente, lapso de escrita, pois que da conjugação de ambos consta a fixação do capital em dívida em 18/05/2020, pelo que só a partir de tal data podem ser contabilizados os juros de mora.
Como tal, defere-se a requerida retificação e, onde se lê, no último parágrafo da penúltima página e no dispositivo, “desde 18/05/2018”, deve passar a ler-se “desde 18/05/2020”, devendo a retificação ser inserida no local próprio e com expressa alusão ao presente despacho.
Sem custas. Notifique”.

Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1. O presente recurso incide sobre a douta sentença de fls. que julgou a presente ação parcialmente procedente, e para além da condenação do Apelado no pagamento do capital de € 21.390,81, o absolveu dos juros peticionados pela Apelante, condenando-o apenas no pagamento de juros de mora calculados sobre tal capital e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2020 até efetivo e integral pagamento e absolvendo do demais peticionado.
2. Cuidar-se-á de demonstrar que, os factos alegados e a prova produzida, seja por confissão e testemunhal, seja por documentos, não resulta aquilo que pelo Tribunal a quo veio a ser entendido, pelo que não só houve erro de julgamento, na apreciação da prova, como não é feita a melhor aplicação do Direito aos factos dos autos.
3. O presente recurso visa por isso a alteração dos factos provados pelo Tribunal a quo, impugnando assim a decisão proferida quanto à matéria de facto e de direito.
4. Conforme decorre da douta sentença, é facto provado, entre outros, que:
2) No exercício da sua atividade, a pedido e no interesse do réu, a autora emitiu e entregou a este, em 01.02.1993, o cartão de crédito Y n.º .............70, tendo tal cartão sido posteriormente substituído por outros, o último dos quais com o n.º ....................82. (cfr. documentos de fls. 8 a 18)
4) O réu aceitou as “condições de utilização” do referido cartão, alteradas durante a vigência do contrato. (cfr. documentos de fls. 8-18)
5) Nos termos do referido contrato, impendia sobre a autora a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pelo réu a terceiros, os quais seriam, como foram, posteriormente debitados no extrato de conta do réu para que este procedesse ao respetivo pagamento. (cfr. documentos de fls. 8-18)
6) A autora obrigou-se ainda a disponibilizar mensalmente ao Réu um extrato da sua conta- cartão, contendo: i) as referências e os valores das transações efetuadas como cartão de crédito, pagas pela Autora em nome do Réu ii) as prestações e os encargos e seguros referentes aos produtos financeiros associados, designadamente “Créditos Pessoais”, quando aplicáveis; iii) os valores que pelo Réu seriam devidos à Autora pela prestação de serviços; iv) os valores respeitantes a correções ou movimentos de estorno quando devidos; v) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos a serviços solicitados pelo Réu à Autora, quando aplicáveis; vi) os pagamentos efetuados pelo Réu à Autora. (cfr. documentos de fls. 8-18)
7) O montante total em divida indicado num dado extrato deveria ser pago pelo réu, no prazo de 20 dias após a data da sua emissão. Caso o réu não procedesse ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extrato até à data de emissão do extrato seguinte, os quais,
8) Seriam remunerados a uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela autora, sendo tais alterações comunicadas ao Réu por duas formas - através de mensagem inscrita no extrato de conta e/ou através das Condições Gerais, Direitos e Deveres do Titular do contrato de cartão de crédito, que lhe eram remetidas sempre que era (re)emitido novo cartão e sempre que tais condições sofriam alterações -cifrando-se tal taxa atualmente em 29,196%. (cfr. documentos de fls. 8-18 e de fls. 20-55)
9) O réu comprometeu-se a proceder ao pagamento integral do referido saldo nos vinte dias posteriores à emissão daquele extrato. Em alternativa,
10) O réu poderia optar pelo pagamento fracionado, no valor mínimo de 3% do valor total em dívida até à data limite de pagamento indicada no extrato de conta. (cfr. documentos de fls. 8-18) 11) A emissão e titularidade do cartão de crédito permitiu igualmente que o réu acedesse a produtos bancários associados aquele, nomeadamente o denominado “CRÉDITO PESSOAL X”, através do qual o réu solicitou e obteve da autora, em 19.10.2017, a atribuição de um crédito no valor de € 6.000,00 (seis mil euros) na conta bancária indicada pelo Réu. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f. e 19 v.)
14) Assim, a partir de 17 de outubro de 2017, e conforme convencionado, a autora foi debitando na respetiva conta-cartão do réu as prestações mensais do mencionado crédito, melhor identificadas em 12º supra, a fim de serem pagas pelo réu.
15) Para tanto, a autora enviou ao réu, os extratos mensais discriminativos do seu saldo devedor, que incluía não só os movimentos decorrentes da utilização do cartão de crédito de que era titular, mas também as prestações mensais do identificado crédito. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f., 19 v. e 20-55)
16) Sucede que, não obstante a utilização do cartão e o débito das prestações mensais do crédito pessoal concedido, o réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada,
21) Apesar de diversas vezes interpelado para o efeito, seja por via telefónica, correio eletrónico ou correspondência postal, o réu não procedeu à regularização dos valores em dívida à autora, nos termos convencionados. (cfr. documentos de fls. 57-60)
22) De todo o modo, a verdade é que depois de entrar em incumprimento que o réu contactou a autora, no sentido de encontrar solução para a resolução do incumprimento, tendo, inclusive, efetuado dois pagamentos, ainda do decurso do ano de 2019, de € 1.000,00 em novembro e de € 800,00 em dezembro. (cfr. documentos de fls. 81 f. e v., 80 e 82-90).
30) O réu não procedeu ao pagamento do saldo em dívida a que se alude, apesar de diversas vezes interpelado para o efeito, designadamente pela emissão e receção dos subsequentes extratos de conta-cartão.
33) À data de emissão do último extrato (18.05.2020), a dívida do Réu para com a Autora ascendia assim a € 21.390,81(vinte e um mil, trezentos e noventa euros e oitenta e um cêntimos) a título de capital.
34) Assim, para além do capital em dívida, no montante de € 21.390,81, acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais (que não podem exceder 3 pontos percentuais – cfr. documento de fls. 15-18), às sucessivas taxas praticadas pela autora, em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal e com o previsto no DL 133/2009, de 02/06, entre 18/07/2017 e 27/03/2018. “
5. Para tal decisão quanto à matéria de facto o Tribunal a quo expendeu a seguinte fundamentação:
“No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos e dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Com efeito, o Tribunal considerou os documentos juntos aos autos e a que alude a propósito dos concretos pontos da matéria de facto dada por assente e, bem assim, as declarações de parte do réu e o depoimento das testemunhas M. E. e A. R., funcionários da autora há 29 e 12 anos, respetivamente, e de E. P., mulher do réu.
Na verdade, o réu admitiu ter tido, de há 30 anos a esta parte, cartões de crédito da autora, com uma taxa de juro acordada que sempre foi muito próxima de 26% e que a partir de junho de 2019 deixou de fazer quaisquer pagamentos (mesmos os mínimos), (…)
O réu reconheceu que, em 18/05/2019, o valor de capital em dívida ascendia a cerca de € 21.000,00.
(…)
M. E., funcionário da autora mas que, apesar de o ser depôs com isenção e objetividade, sempre com suporte na documentação junta aos autos, explicitou a forma como, ao longo dos anos a relação entre autora e réu se desenvolveu e, bem assim, os mecanismos em vigor em tal relação contratual. Relatou que a partir de 2019 o réu deixou de pagar de todo, do cuidado (face a um passado de cumprimento) que pessoalmente colocou na tentativa de resolver a questão. Foi também esta testemunha que deu conta ao Tribunal dos dois pagamentos que o réu alegava, mas que só parcialmente documentava, e foi a mesma testemunha que relatou, ainda, a primeira vicissitude contratual que levou o réu a integração em PERSI 18/05/2018 (altura em que regularizou) e da nova integração em 2019.
Explicou o modo de funcionamento do cartão, a forma como tudo (movimentos, taxas de juros, alterações contratuais) sempre foi vertido nos extratos e da completa ausência de reclamação por parte do réu.
(…)
Pese embora A. R. tenha afirmado não ter a situação presente, ainda assim depôs para, em abstrato explicar os procedimentos adotados por si e pelos seus colegas quando um cliente entra em incumprimento e o que relatou, em abstrato, repete-se, confirma o procedimento de M. E. explicou ter encetado (e que o réu, aliás e ainda que parcialmente, também corroborou).
(…)
Relativamente aos factos não provados, a decisão do Tribunal decorre da existência de prova em sentido contrário [veja-se os documentos de fls. 19 v.].” negrito nosso
6. Apreciando tais factos, acabou o Tribunal a quo por decidir:
“Conforme resulta dos factos acima enunciados, o réu assinou uma proposta de adesão ao cartão Y (mais tarde, X), que foi analisada e aceite pela autora.
Tal cartão destina-se à utilização de crédito para a aquisição de bens e serviços em vários estabelecimentos comerciais.
Estamos perante um contrato de concessão de crédito ao consumo, sujeito à disciplina legal das regras do mútuo, previstas nos arts. 1142ºe seguintes do Código Civil(CC), conjugadas como Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de setembro (que, entretanto, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de Junho). Mais resultou provado que o Réu utilizou o cartão na realização de compras e associou, ainda, um Crédito Pessoal, cujo capital em dívida, à data da entrada da presente ação, ascendia a € 21.390,81.
Sendo o contrato válido e demonstrando-se o seu incumprimento por parte do Réu, assiste à Autora o direito de exigir o seu cumprimento, bem como a indemnização pela mora verificada.
(…)
Nestes termos deve o Réu ser condenado no pagamento do capital em dívida no valor de € 21.390,81 de 18/05/2020 em diante.
A este valor acresce a autora o valor de juros remuneratórios acrescidos de cláusula penal, aplicando a taxa global de 29,196%.
Contudo, a verdade é que temos que a taxa máxima passível de ser aplicada é a resultante das instruções do Banco de Portugal para os períodos subsequentes a 18/05/2018, só podendo aplicar-se a sobretaxa máxima de 3%, nos termos contratuais e nos termos da legislação em vigor.
Nestes termos é de considerar improcedente o pedido da Autora nesta parte, devendo os juros ser recalculados tendo presentes as taxas máximas a que vem de aludir-se e não com a taxa efetivamente aplicada.
Finalmente, no que diz respeito às custas, estatui o artigo 527º, n.º1 do CPC que “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa.” Acrescenta o n.º 2 que “entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
7. Por via de reclamação deduzida pelo Apelado, a Sentença foi retificada, por despacho de 15.11.2021:
“(…) defere-se a requerida retificação e, onde se lê, no último parágrafo da penúltima página e no dispositivo, “desde 18/05/2018”, deve passar a ler-se “desde 18/05/2020”, devendo a retificação ser inserida no local próprio e com expressa alusão ao presente despacho.”
8. Há discordância entre a Sentença quanto aos juros e a prova (documental, por confissão e 17 testemunhal) produzida nos autos, pelas razões que de seguida se demonstrarão.
9. Desde logo, a Sentença proferida mesma assenta no errado entendimento de que a Apelante peticionou a condenação do Apelado “a pagar-lhe a quantia global de € 26.869,16, correspondente ao somatório do capital de € 21.390,81, dos juros de mora entre 18/05/2020 e 14/07/2020, que liquidou em € 5.478,35, sem prejuízo dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento” e que “Os juros de mora calculados sobre o capital de € 21.390,81, desde 23/12/2019 até 14/07/2020 (data da propositura da presente ação) e calculados à taxa contratual de 29,196%, ascendem, com o imposto do selo devido, à quantia de € 5.478,35”.
10. Porém, o que a Apelante peticionou foi a condenação do Apelado no pagamento da quantia total de € 26.869,16, sendo € 21.390,81 de capital e € 5.478,35 de juros de mora vencidos, calculados à taxa de 29,196% desde a data de incumprimento (junho de 2019, mais concretamente 18.06.2019) até à data de entrada da petição inicial e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
11. Para tanto alegou (cfr. designadamente art.ºs 16º a 20º da p.i.) que “o Réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada”, “Apesar de diversas vezes interpelado para o efeito, (…) o Réu não procedeu à regularização dos valores em dívida à Autora, nos termos convencionados” que o último pagamento efetuado pelo Réu data de 23.12.2019 (…) o qual não foi suficiente para regularizar integralmente os valores em dívida”, pelo que “À data de emissão do último extrato (18.05.2020), a dívida do Réu para com a Autora ascendia assim a € 25.880,33 (…), sendo € 21.390,81 (…) a título de capital, e o remanescente - € 4.489,52 (…) de juros de mora vencidos“ e “os juros de mora à taxa convencionada, os quais ascendem a € 5.478,35”
12. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, o valor € 5.478,35 peticionado a título de juros moratórios vencidos, corresponde aos juros vencidos e não pagos desde que o Apelado se constituiu em incumprimento (o que como o próprio confessou e foi dado como provado em 16) dos Factos Provados, se verificou em junho de 2019) e não apenas aos vencidos entre 23.12.2019 e 14.07.2020.
13. A prova produzida, designadamente os extratos juntos como Docs. n.ºs 5 a 36 com a petição inicial, sendo que do próprio extrato emitido a 18.01.2020, donde consta o último pagamento feito pelo Apelado (em 23.12.2019), resulta que o valor então em dívida era já de € 23.772,74, correspondendo € 21.390,81 a capital e o remanescente (€ 2.381,93) a juros de mora vencidos.
14. Merece censura a Sentença recorrida quanto ao ponto 34) dos Factos Provados, pois o Tribunal a quo deu como provado que “ao capital de € 21.390,81, acrescem “juros de mora contratuais (…) entre 18/07/2017 e 27/03/2018”
15. Não alcança a Apelante - por reporte, por ora, apenas ao período temporal em causa – qual a razão porque entendeu o Tribunal a quo em 34) dos Factos Provados serem devidos juros de mora entre 18.07.2017 e 37.03.2018, uma vez que nada foi alegado pelas partes nesse sentido pelo que mal andou o Tribunal a quo.
16. Apesar de ter dado como provado que o Apelado se constituiu em mora em junho de 2019 (uma vez que já não efetuou o pagamento do extrato junto como Doc. n.º 25 com a p.i., nos termos convencionados e melhor descritos nos pontos 7) a 10) dos Factos Provados) e em 34) que ao capital de € 21.390,81, acrescem “juros de mora contratuais (…) entre 18/07/2017 e 27/03/2018”, o Tribunal a quo apenas o condenou nos juros de mora devidos desde 18.05.2020.
17. Aliás, nulidade que desde já se invoca, nos termos do artigo 615º do C.P.C., na Sentença ora em nem sequer foi fundamentada a respetiva absolvição quanto aos juros de mora vencidos em data anterior.
18. Mal andou assim a Mma. Juiz a quo ao absolver o Apelado dos juros moratórios vencidos desde junho de 2019 (mais concretamente 18.06.2019, data de emissão o extrato junto como Doc. 32 com a p.i.) até 18.05.2020 pelo que se pugna pela alteração da matéria de facto, em conformidade com a prova produzida
19. De igual modo, mal andou igualmente o Tribunal a quo ao considerar provado nesse mesmo ponto 34) que: “acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais (que não podem exceder 3 pontos percentuais – cfr. documento de fls. 15-18), às sucessivas taxas praticadas pela autora, em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal e com o previsto no DL 133/2009, de 02/06”, desprezando os meios de prova produzidos designadamente nos contratos de atribuição de cartão de crédito e respetivas condições gerais atualizadas (Docs. n.º 1 e 2 com a p.i.), o contrato de crédito pessoal (Doc. 4 com a p.i.), os extratos (Docs. 3, 5 a 36 com a p.i.), na confissão do Apelado e no depoimento das testemunhas, em especial de M. E..
20. Com efeito, é referido na Sentença que o “réu admitiu ter tido, de há 30 anos a esta parte, cartões de crédito da autora, com uma taxa de juro acordada que sempre foi muito próxima de 26% e que a partir de junho de 2019 deixou de fazer quaisquer pagamentos (mesmos os mínimos)” negrito nosso
21. Resulta do teor da cláusula 17ª e do Anexo 3) do Doc. n.º 2 junto com a petição inicial (fls. 15 a 18 dos autos):
“17. O Titular pode optar por pagar uma percentagem, com um mínimo de 3% sobre o capital, despesas e comissões em dívida, ao que se acrescem a comissão pela recuperação de valores em dívida e os juros não pagos, no mínimo de 25€, ou sem prejuízo daquele mínimo de 3%, por pagar um valor fixo por si selecionado e de acordo com a versão do cartão, até à data limite de pagamento indicada no extrato de conta. Entre a data de fecho do extrato de conta e a data limite de pagamento decorrerão no mínimo 10 dias. Independentemente da modalidade de pagamento escolhida o Titular pode, a qualquer momento, sem qualquer encargo ou penalidade, efetuar o reembolso total ou parcial do saldo em dívida, utilizando para o efeito as caixas automáticas da rede Multibanco (através da funcionalidade “Pagamento de Serviços”) ou através de cheque emitido à ordem da X, o qual só será relevado após boa cobrança. No caso de pagamento parcial do saldo da Conta que seja igual ou superior ao mínimo contratado, sobre o capital remanescente que fique em dívida incidirão juros remuneratórios à taxa contratual em vigor, a que acrescem os correspetivos impostos. (i) A taxa de juro remuneratória contratual é uma taxa com base num ano de 360 dias assumindo meses de 30 dias. A convenção de cálculo de juro é de 30/360. Esta taxa é indicada no Anexo às Condições Gerais de Utilização e sempre que sofra alteração esta é comunicada no Extrato de Conta, com indicação da data de entrada em vigor. Informação sobre a taxa de juro pode ainda ser obtida a todo o tempo em www.Y.pt. (ii) Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, a X poderá exigir até efetivo pagamento da obrigação, juros moratórios e uma comissão pela recuperação de valores em dívida, conforme indicado no Anexo às Condições Gerais de Utilização. (iii) Em caso de mora do Titular, a X transmitirá o facto ao Banco de Portugal e a entidades de centralização de informações de risco de crédito devidamente autorizadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados; (iv) A X reserva-se o direito de repercutir no devedor, mediante apresentação da respetiva justificação documental, as despesas posteriores à entrada em incumprimento que tenham sido por si suportadas. (v) Encargos fiscais e montantes em dívida de valor inferior ou igual a 25 euros ou que excedam o Limite de Utilização, devem ser sempre pagos na totalidade. (vi) Quaisquer pagamentos efetuados pelo Titular entre dois extratos de conta poderão só ter reflexo no extrato seguinte, sem prejuízo de o Titular poder solicitar à X um aumento do Limite de Utilização. (vii) Os pagamentos parcelares serão imputados, sucessivamente a despesas, aos juros e ao capital em dívida. (viii) Se o Titular optar por efetuar os pagamentos pelo Sistema de Débitos Diretos, este somente entrará em vigor quando passar a constar do Extrato de Conta. (ix) Todas as operações não efetuadas em euros são convertidas para euros pelo Sistema Internacional sob o qual o Cartão for emitido, podendo o Titular obter a qualquer altura, através dos serviços de Apoio ao Cliente da X, informação sobre a taxa de câmbio. O respectivo contravalor em euros e os encargos indicados no Anexo às Condições Gerais de Utilização serão debitados na Conta.”
“ ANEXO às Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes
3) Taxa de juro
A taxa de juro remuneratória contratual é anual e os juros são calculados mensalmente acrescidos de Imposto do Selo (Artºs 17.2.1 e 17.3.1 da TGIS). A TAEG é calculada com base na TAN indicada, exemplo para uma utilização de crédito de 1.500€ e considerando o reembolso do crédito em 12 prestações mensais. A TAEG é igual para qualquer valor de Limite de Utilização. Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, poderão ser exigidos juros moratórios correspondentes a uma sobretaxa anual máxima de três pontos percentuais a acrescer à taxa de juro contratual.”
22. Também nos extratos juntos como Docs. 5 a 36 (fls. 20-55) consta a referida taxa convencionada -TAN de 26,450% e que acrescida de Imposto de Selo (art.ºs 17.2.1 e 17.3.1 da TGIS), resulta na taxa peticionada de 29,196%
23. Impunha-se uma decisão diversa quanto a tal matéria de facto, o que ora se pugna, de acordo com a prova por confissão, documental e testemunhal constante dos autos e ora identificada.
24. É convicção da Apelante que tais factos, a serem atendidos pelo Tribunal a quo, e dados como provados e/ou valorados teriam certamente determinado uma decisão de mérito diversa.
25. Merece ainda censura a Sentença recorrida por error in judicando na aplicação do direito, uma vez que o decidido quanto aos juros moratórios peticionados não tem correspondência com a realidade ontológica e/ou normativa.
1. Para mais, afigura-se à Apelante que também se verifica a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615º do C.P.C., no que à fundamentação de direito no que aos juros moratórios respeita, pois apenas é referido que “Estamos perante um contrato de concessão de crédito ao consumo, sujeito à disciplina legal das regras do mútuo, previstas nos arts.1142º e seguintes do Código Civil (CC), conjugadas com o Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro (que, entretanto, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de Junho).” “temos que a taxa máxima passível de ser aplicada é a resultante das instruções do Banco de Portugal para os períodos subsequentes a 18/05/2020, só podendo aplicar-se a sobretaxa máxima de 3%, nos termos contratuais e nos termos da legislação em vigor” “Nestes termos é de considerar improcedente o pedido da Autora nesta parte, devendo os juros ser recalculados tendo presentes as taxas máximas a que vem de aludir-se e não com a taxa efetivamente aplicada.” (atenta a rectificação da Sentença, por despacho de 15.11.2021)
26. Sucede que a mera alusão ao DL 133/2009, de 2 de junho, sem a consequente enunciação e/ou interpretação das normas deles constantes e aplicáveis ao caso concreto, não permite saber em que normativo(s) legal(is) se quer se fundou a decisão recorrida, omitindo assim o dever de fundamentação imposto pelo n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, nulidade que se argui.
27. Não sendo este o entendimento de V. Ex.as, o que se admite por mera cautela de patrocínio e sem conceder, sempre se dirá que, considera a Apelante não ter o douto Tribunal a quo efetuado a correta interpretação de tal diploma legal e sua aplicação ao caso dos autos.
28. Efetivamente, o Decreto-Lei 133/2009, de 2 de junho, relativa a contratos de crédito aos consumidores, abrange uma complexidade de contratos de crédito, mas contêm normas que apenas são aplicáveis aos contratos celebrados após a entrada em vigor do referido diploma.
29. O contrato de atribuição de cartão de crédito (Doc. 1 com a pi – fls. 8-18), celebrado em 01.02.1993, apesar de estar abrangido por tal regime legal não está desde logo, sujeito a todas as suas disposições, cfr. aliás estabelece desde logo a norma transitória do artigo 34º respetivo designadamente ao artigo 24º que estipula como se se calcula a TAEG e também como deve a mesma ser aplicada.
30. Para além disso, e contrariamente ao que parece ter sido entendido pela Mma. Juiz a quo não existe, no referido diploma legal ou em qualquer outro qualquer previsão legal de que a TAEG mesma deva ser revista trimestralmente no decurso do contrato, de acordo com a definição do valor máximo determinado e divulgado ao público trimestralmente pelo Banco de Portugal.
31. Mais, nos termos do artigo 28º do mesmo DL 133/2009, e de acordo com o n.º 3 e 7, o legislador previu expressamente que a revisão trimestral das taxas publicada pelo Banco de Portugal, apenas é válida para os contratos a celebrar no trimestre seguinte, e não afeta os contratos já celebrados ou em vigor, à data de cada uma das revisões, os quais manterão as condições que existiam à data da respetiva celebração e que foram aceites pelas partes e determinaram a sua decisão de contratar naqueles precisos termos.
32. O contrato de atribuição de cartão de crédito a que se reportam os autos, celebrado em 1993 está incluído num regime particular de operações comerciais, nas quais as taxas de juro aplicáveis são estabelecidas com referência ou indexação à taxa máxima de operações de crédito ativas, sendo determinadas por referência ou indexação à taxa de referência fixada pelo Banco de Portugal ao abrigo do Decreto-Lei 311-A/85, de 30 de julho, cfr. tem de há muito sido entendido pela Jurisprudência.
33. É certo que o Banco de Portugal estipula limites máximos para as taxas de juros nos diferentes tipos de contrato. Contudo, e conforme resulta do citado n.º 7 do artigo 28º do Decreto-Lei 133/2009, “os efeitos decorrentes deste artigo não afetam os contratos já celebrados ou em vigor”, pelo que a taxa de 29,196% está assim estipulada nos limites da legislação aplicável.
34. É nesse contexto que a relação contratual tem que ser vista, o que erradamente não terá sido atendido pelo Tribunal a quo!
35. Discorda a Apelante da decisão do douto Tribunal a quo que condenou o Apelado apenas nos juros de mora calculados sobre o capital de € 21.390,81 “em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2018 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais contra si peticionado pela autora.” ao invés de, como deveria, o ter condenado no pagamento dos juros moratórios à taxa contratualizada de 29,196% ao ano desde a data do respetivo incumprimento e até integral pagamento e que à data da instauração da ação se computavam já em 5.478,35.
36. A Sentença recorrida faz, assim, não só uma errada apreciação dos factos, como uma errada e não fundamentada aplicação do direito, violando o disposto nas Condições Gerais remetidas ao Apelado, bem como dos artigos 405º, 559º, n.º 2, 560º, 781º e 1145º todos do Código Civil e dos artigos 28º, n.º 7 e 34º do DL 133/2009 de 2 de junho.
37. Termos em que se pugna pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que condene o Apelado integralmente no pedido formulado nos autos”.
O Réu não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:
1 – Saber se a sentença é nula por falta de fundamentação;
2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 34) dos factos provados;
3 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1) A autora é uma instituição financeira de crédito que se dedica à emissão, gestão e comercialização de cartões de crédito, nos sistemas VISA, MASTERCARD, entre outros, bem como ao financiamento de crédito ao consumo (conforme certidão permanente com o código de acesso ..........).
2) No exercício da sua atividade, a pedido e no interesse do réu, a autora emitiu e entregou a este, em 01.02.1993, o cartão de crédito Y n.º .............70, tendo tal cartão sido posteriormente substituído por outros, o último dos quais com o n.º ....................82. (cfr. documentos de fls. 8 a 18)
3) Tal cartão permitia, por via da sua utilização como meio de pagamento, a aquisição a crédito de bens e/ou serviços, tais como, viagens, combustíveis, roupas, calçado, refeições, bebidas, dormidas, aluguer de veículos, consultas e/ou internamentos médicos, etc., em determinados estabelecimentos comerciais, bem como efetuar operações de levantamento em numerário na rede de ATM’s e aos balcões de bancos aderentes ao sistema Visa. Como contrapartida,
4) O réu aceitou as “condições de utilização” do referido cartão, alteradas durante a vigência do contrato. (cfr. documentos de fls. 8-18)
5) Nos termos do referido contrato, impendia sobre a autora a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pelo réu a terceiros, os quais seriam, como foram, posteriormente debitados no extrato de conta do réu para que este procedesse ao respetivo pagamento. (cfr. documentos de fls. 8-18)
6) A autora obrigou-se ainda a disponibilizar mensalmente ao Réu um extrato da sua conta-cartão, contendo: i) as referências e os valores das transações efetuadas com o cartão de crédito, pagas pela Autora em nome do Réu ii) as prestações e os encargos e seguros referentes aos produtos financeiros associados, designadamente “Créditos Pessoais”, quando aplicáveis; iii) os valores que pelo Réu seriam devidos à Autora pela prestação de serviços; iv) os valores respeitantes a correções ou movimentos de estorno quando devidos; v) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos a serviços solicitados pelo Réu à Autora, quando aplicáveis; vi) os pagamentos efetuados pelo Réu à Autora. (cfr. documentos de fls. 8-18)
7) O montante total em divida indicado num dado extrato deveria ser pago pelo réu, no prazo de 20 dias após a data da sua emissão. Caso o réu não procedesse ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extrato até à data de emissão do extrato seguinte, os quais,
8) Seriam remunerados a uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela autora, sendo tais alterações comunicadas ao Réu por duas formas - através de mensagem inscrita no extrato de conta e/ou através das Condições Gerais, Direitos e Deveres do Titular do contrato de cartão de crédito, que lhe eram remetidas sempre que era (re)emitido novo cartão e sempre que tais condições sofriam alterações - cifrando-se tal taxa atualmente em 29,196%. (cfr. documentos de fls. 8-18 e de fls. 20-55)
9) O réu comprometeu-se a proceder ao pagamento integral do referido saldo nos vinte dias posteriores à emissão daquele extrato. Em alternativa,
10) O réu poderia optar pelo pagamento fracionado, no valor mínimo de 3% do valor total em dívida até à data limite de pagamento indicada no extrato de conta. (cfr. documentos de fls. 8-18)
11) A emissão e titularidade do cartão de crédito permitiu igualmente que o réu acedesse a produtos bancários associados aquele, nomeadamente o denominado “CRÉDITO PESSOAL X”, através do qual o réu solicitou e obteve da autora, em 19.10.2017, a atribuição de um crédito no valor de € 6.000,00 (seis mil euros) na \conta bancária indicada pelo Réu. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f. e 19 v.)
12) A quantia mutuada, acrescida dos respetivos juros remuneratórios, calculados à taxa contratada, respetivo Imposto de selo e demais encargos, deveria ser reembolsada pelo réu à autora, em 24 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira no valor de € 354,66 (trezentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) e as restantes no valor de €273,66 (duzentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) cada, a debitar ao dia 17 de cada mês, na conta-cartão de que o réu era titular e associada ao cartão em vigor, com início em Outubro de 2017. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f. e 19 v.)
13) No referido contrato de mútuo foi igualmente convencionado que, em caso de incumprimento e/ou cancelamento do cartão de crédito por facto imputável ao seu titular (como se veio a verificar no caso em apreço) seria debitado o remanescente do montante de capital do Crédito Pessoal ainda não reembolsado pelo réu, que acresceria ao valor em dívida na conta-cartão. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f. e 19 v.)
14) Assim, a partir de 17 de outubro de 2017, e conforme convencionado, a autora foi debitando na respetiva conta-cartão do réu as prestações mensais do mencionado crédito, melhor identificadas em 12º supra, a fim de serem pagas pelo réu.
15) Para tanto, a autora enviou ao réu, os extratos mensais discriminativos do seu saldo devedor, que incluía não só os movimentos decorrentes da utilização do cartão de crédito de que era titular, mas também as prestações mensais do identificado crédito. (cfr. documentos de fls. 8-18, 19 f., 19 v. e 20-55)
16) Sucede que, não obstante a utilização do cartão e o débito das prestações mensais do crédito pessoal concedido, o réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada,
17) bem como ao posterior cancelamento do cartão por parte da Autora, conforme Cláusula 6ª do Documento de fls. 9-13.
18) Com efeito, o réu sofreu, em 28/02/2019, um AVC que o deixou incapacitado para o trabalho, tendo auferido, a título de subsídio de doença, entre março e junho de 2019, a quantia aproximada de € 1.070,00. (cfr. documentos de fls. 73 a 79)
19) Na sequência de divergência com a SS no que concerne à regularidade da sua baixa médica, foi suspenso o pagamento do subsídio de doença ao réu que mereceu reclamação hierárquica junto daquele organismo, sendo que apenas no início do corrente ano foi deferida a pretensão do autor e reconhecido o seu crédito às prestações referentes aos meses de julho e novembro de 2019, altura em que teve alta clínica e regressou ao trabalho. (cfr. documentos de fls. 73 a 79)
20) O rendimento mensal do réu à data em que sofreu o AVC era em tudo semelhante ao que atualmente e desde novembro de 2019 aufere, cerca de € 1.200,00.
21) Apesar de diversas vezes interpelado para o efeito, seja por via telefónica, correio eletrónico ou correspondência postal, o réu não procedeu à regularização dos valores em dívida à autora, nos termos convencionados. (cfr. documentos de fls. 57-60)
22) De todo o modo, a verdade é que depois de entrar em incumprimento que o réu contactou a autora, no sentido de encontrar solução para a resolução do incumprimento, tendo, inclusive, efetuado dois pagamentos, ainda do decurso do ano de 2019, de € 1.000,00 em novembro e de € 800,00 em dezembro. (cfr. documentos de fls. 81 f. e v., 80 e 82-90).
23) Na verdade, por e-mail datado de 20/10/2019, além de dar conta de que havia sofrido um AVC, o réu igualmente se prontificava a fazer pagamentos mensais de € 1.000,00, com início em novembro daquele ano e que se manteriam até março de 2020, altura em que retomaria os pagamentos contratualizados, mais adiantando que, caso os custos associados fossem elevados, iria recorrer ao processo de insolvência pessoal. (cfr. documento de fls. 80)
24) Por outro lado e por e-mail datado de 29/03/2020, o réu deu conta ao departamento de recuperação de crédito da autora das várias démarches de que laçara mão para regularizar a dívida, aludindo, inclusive a uma proposta de regularização apresentada pela autora, que passava pelo financiamento com uma TAEG de 13,40%, ao passo que na banca era possível obter financiamento com TAEG inferior a 10% (8,5% no Banco …), financiamento que estava comprometido por força da comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal. (cfr. documento de fls. 82)
25) Através de e-mail datado de 07/05/2020, o réu reafirmou o entendimento de que a autora nada fez com vista a encontrar uma forma de regularização da dívida, voltando a indicar como obstáculo ao entendimento a comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal. (cfr. documento de fls. 83-84)
26) O réu apresentou reclamação no Livro de Reclamações contra a atuação da autora, em 07/05/2020, o que mereceu a resposta da autora por e-mail datado de 15/05/2020, dando conta da inserção do réu em PERSI em 21/08/2019, encerrado em 27/09/2019, mais dando conta da obrigação de comunicar todas as responsabilidades de créditos dos seus clientes e, bem assim, as situações de incumprimento. (cfr. documentos de fls. 84 v. e 85-86)
27) Na sequência de carta de interpelação remetida pela Ilustre Mandatária da autora e que está datada de 01/06/2020, o réu voltou a solicitar proposta de financiamento que permitisse a regularização da dívida, vindo a ser apresentada proposta que o réu não aceitou. (cfr. documentos de fls. 87-90)
28) No ano de 2019 e por reporte ao ano de 2018, a liquidação previa o reembolso de IRS a favor do réu e contribuinte fiscal n.º ……… do valor de € 2.343,56, evidenciando um rendimento do réu de € 35.998,73. (cfr. documento de fls. 91)
29) No que concerne ao ano de 2019, o rendimento declarado pelo réu em sede de IRS foi de € 8.064,37 em sede de trabalho dependente, sendo ainda declarado rendimento no Anexo B do valor de € 3.680,00. (cfr. documento de fls. 92-98)
30) O réu não procedeu ao pagamento do saldo em dívida a que se alude, apesar de diversas vezes interpelado para o efeito, designadamente pela emissão e receção dos subsequentes extratos de conta-cartão.
31) Em conformidade com a legislação em vigor, DL 227/2012, de 25/10, a autora procedeu à abertura de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), em 21/08/2019, vindo o mesmo a ser encerrado em 27/09/2019. (cfr. documentos de fls. 58 e 59 f.)
32) Por carta datada de 13/03/2020, foi comunicado ao réu o cancelamento do cartão. (cfr. documento de fls. 59 v.)
33) À data de emissão do último extrato (18.05.2020), a dívida do Réu para com a Autora ascendia assim a € 21.390,81 (vinte e um mil, trezentos e noventa euros e oitenta e um cêntimos) a título de capital.
34) Assim, para além do capital em dívida, no montante de € 21.390,81, acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais (que não podem exceder 3 pontos percentuais – cfr. documento de fls. 15-18), às sucessivas taxas praticadas pela autora, em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal e com o previsto no DL 133/2009, de 02/06, entre 18/07/2017 e 27/03/2018.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:
a) Que no âmbito do crédito pessoal a que se alude em 11 dos factos provados, o capital haja sido disponibilizado em 16/10/2017.
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3.2. Da nulidade da sentença
A Recorrente vem arguir a nulidade da sentença por entender que pelo tribunal a quo não foi fundamentada a absolvição quanto aos juros de mora vencidos em data anterior a 18/05/2020 e no que toca à fundamentação de direito relativamente aos juros moratórios pois a mera alusão ao Decreto-lei n.º 133/2009, de 2 de junho, sem a consequente enunciação e/ou interpretação das normas deles constantes e aplicáveis ao caso concreto, não permite saber em que normativo(s) legal(is) sequer se fundou a decisão recorrida, omitindo o dever de fundamentação imposto pelo n.º 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
Vejamos se lhe assiste razão.

Estabelece o n.º 1 deste preceito de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:

“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
Conforme decorre da alínea b) do n.º 1 deste preceito a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
O dever de fundamentar a decisão decorre expressamente do disposto no artigo 154º do Código de Processo Civil que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição.
A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu nº 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”.
“Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2017, Processo n.º 121/11.4TVLSB.L1.S1, Relator Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, não deve confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º citado.
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, página 687) ao consignar que “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Ainda que se conceba que possam preencher a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º não só a falta absoluta de fundamentação, mas também os casos de manifesta deficiência, esta tem de ser de tal forma que não permita ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, e, por isso, seja equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Analisada a sentença, é manifesto que a mesma não padece de falta absoluta de fundamentação, mas também não se pode afirmar que a mesma seja manifestamente deficiente, designadamente no que toca à questão dos juros, de forma a poder afirmar-se que não permite à Recorrente ou ao Réu a perceção das razões de facto e de direito da mesma.
Questão distinta, e também suscitada pela Recorrente, é se a mesma padece de erro no julgamento da matéria de facto e na subsunção jurídica dos factos, o que, fazendo também parte do objeto do recurso, iremos adiante apreciar.
Assim, analisada a sentença proferida em 1ª Instância não se verifica a invocada nulidade, improcedendo desde já, e nesta parte, o recurso.
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do Código de Processo Civil a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Como ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza jurídica; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra Editora, p. 435 a 436).
Analisemos então se existe erro de julgamento.
Sustenta a Recorrente a existência de erro de julgamento no ponto 34) dos factos provados, alegando até não alcançar a razão porque entendeu o tribunal a quo serem devidos juros de mora entre 18/07/2017 e 37/03/2018, uma vez que nada foi alegado pelas partes nesse sentido, e que mal andou ao considerar provado nesse mesmo ponto 34) que “acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais (que não podem exceder 3 pontos percentuais – cfr. documento de fls. 15-18), às sucessivas taxas praticadas pela autora, em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal e com o previsto no DL 133/2009, de 02/06”, desprezando os meios de prova produzidos, designadamente os contratos de atribuição de cartão de crédito e respetivas condições gerais atualizadas, o contrato de crédito pessoal, os extratos, a confissão do Recorrido e o depoimento das testemunhas, em especial de M. E.; entende ainda a recorrente que foi incluída de forma indevida a menção a normas legais que remetem já para a aplicação do direito.

O ponto 34) dos factos provados tem a seguinte redação:
“Assim, para além do capital em dívida, no montante de € 21.390,81, acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais (que não podem exceder 3 pontos percentuais – cfr. documento de fls. 15-18), às sucessivas taxas praticadas pela autora, em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal e com o previsto no DL 133/2009, de 02/06, entre 18/07/2017 e 27/03/2018”.
Resulta de forma clara da redação deste ponto 34) que o mesmo efetivamente se refere à aplicação de direito, remetendo para o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/06 e, concluindo pela mora do Réu considera serem devidos juros entre 18/07/2017 e 27/03/2018.
Assiste desde logo razão à Recorrente quando refere não alcançar porque entendeu o tribunal a quo serem devidos juros de mora entre 18/07/2017 e 37/03/2018; de facto, no ponto 16) dos factos provados consta que o Réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada e do ponto 33) que à data de emissão do último extrato (18/05/2020), a dívida do Réu para com a Autora ascendia a €21.390,81 a título de capital, tendo o tribunal a quo condenado no pagamento de juros a partir desta data.
A menção às referidas datas de 18/07/2017 e 27/03/2018 não encontra qualquer correspondência na prova produzida, e nem nos factos alegados pelas partes.
Por outro lado, cumpre referir que, não consta do Código de Processo Civil um preceito equivalente ao anterior artigo 646º n.º 4 que considerava “não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito”.
Atualmente, prevê-se que a produção de prova em audiência tenha por objeto “temas da prova” e a opção recaiu em inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, decidindo-a no momento da elaboração desta (cfr. artigo 607º n.º 3), eliminando o prévio julgamento da matéria de facto.
Conforme refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 248 e 249) em face “desta modificação e ainda da opção de na mesma sentença se proceder à respetiva integração jurídica, segundo o método pendular que implica a ponderação conjugada de elementos de facto e de questões de direito, parece-nos defensável uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal. (…) Por isso a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito (…)”.
Não obstante subscrevermos também essa maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que no caso concreto estamos perante um dos casos em que foi levada aos factos provados matéria que constitui pura matéria de direito: determinar se o devedor incorreu em mora, em que momento, e qual as nomas aplicáveis, designadamente, no caso concreto, se tem aplicação o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/06, é matéria de direito que não deve ser levada à matéria de facto.
Assim, e em face do exposto determina-se a eliminação do ponto 34) da matéria de facto provada.
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3.4. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Importa agora apreciar se deverá manter-se a decisão jurídica da causa que, julgando parcialmente procedente a ação condenou o Réu no pagamento do capital de €21.390,81, acrescido dos juros de mora calculados sobre tal capital e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2020 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais contra si peticionado pela autora.
A Recorrente discorda da sentença recorrida apenas na parte respeitante aos juros, seja quanto ao momento a partir do qual foram considerados devidos seja quanto à taxa a aplicar; isto é, se são devidos juros à taxa convencionada, e peticionada pela Autora, e se se aplicam ao contrato de atribuição de cartão de crédito celebrado pelas partes as disposições constantes do Decreto-lei n.º 133/2009, de 02/06 que disciplina o regime jurídico dos contratos de crédito a consumidores (doravante denominado RJCC) e que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores, na parte referente às alterações introduzidas pela Diretiva n.º 2011/90/UE da Comissão, de 14 de novembro, aplicando-se aos contratos de crédito aos consumidores.
Vejamos se lhe assiste razão.
O tribunal a quo condenou o Réu não só no capital em divida no montante de €21.390,81, mas também nos juros de mora, calculados sobre esse capital, que considerou serem devidos desde 18/05/2020, “e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%”.
Não vem questionado nos autos que a Autora é uma instituição financeira de crédito e que, nesse âmbito, a pedido e no interesse do Réu, emitiu e entregou a este, em 01/02/1993, o cartão de crédito Y n.º .............70, tendo tal cartão sido posteriormente substituído por outros, o último dos quais com o n.º ....................82.
Conforme decorre da matéria de facto provada a emissão e titularidade do cartão de crédito permitiu igualmente que o Réu acedesse a produtos bancários associados, nomeadamente o denominado “CRÉDITO PESSOAL X”, através do qual o Réu solicitou e obteve da autora, em 19/10/2017, a atribuição de um crédito no valor de €6.000,00 na conta bancária indicada pelo Réu; a quantia mutuada, acrescida dos respetivos juros remuneratórios, calculados à taxa contratada, respetivo Imposto de selo e demais encargos, deveria ser reembolsada pelo Réu à Autora, em 24 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira no valor de €354,66 e as restantes no valor de €273,66 cada, a debitar ao dia 17 de cada mês, na conta-cartão de que o Réu era titular e associada ao cartão em vigor, com início em outubro de 2017.
Assim, a partir de 17 de outubro de 2017, e conforme convencionado, a Autora foi debitando na respetiva conta-cartão do Réu as prestações mensais do mencionado crédito, a fim de serem pagas pelo Réu, e enviou ao Réu os extratos mensais discriminativos do seu saldo devedor, que incluía não só os movimentos decorrentes da utilização do cartão de crédito de que era titular, mas também as prestações mensais do identificado crédito.
Também não vem questionado nos autos o incumprimento por parte do Réu que, não obstante a utilização do cartão, deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada (ponto 16 dos factos provados) e nem que o capital em divida à data da emissão do último extrato (18/05/2020) ascendia a €21.390,81.
Importa, contudo, precisar, até porque a emissão e entrega do cartão de crédito ocorre em 01/02/1993 e o “CRÉDITO PESSOAL X” no valor de €6.000,00, apenas em 19/10/2017 (o que contenderia com o regime legal a aplicar), que o referido capital em divida se reporta apenas ao saldo da conta cartão e já não ao crédito concedido em 2017, o qual se mostra amortizado desde setembro de 2019 em conformidade com os documentos (extratos) juntos pela Autora e com as declarações prestadas pelo Réu, que assim o afirmou.
De facto, decorre do extrato de fls. 47 (de setembro 2019) a amortização total do capital de €6.000,00, constatando-se ainda que os extratos seguintes já não mencionam o contrato de crédito pessoal, apenas fazendo referência ao n.º do cartão de credito ....................82.
Em conformidade com a documentação junta aos autos pela Autora e as declarações de parte prestadas pelo Réu o saldo em divida reporta-se ao saldo da conta cartão.
A sentença recorrida fez, e bem, o enquadramento jurídico do cartão de crédito, como um contrato de concessão de crédito ao consumo, sujeito à disciplina legal das regras do contrato de mutuo previstas no Código Civil, conjugadas com o Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, vigente à data dos factos, que o qualificou explicitamente como contrato de crédito ao consumo no seu artigo 2º n.º 1, alínea a), estabelecendo que para os efeitos da aplicação deste diploma se entende por “Contrato de crédito”, o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”.
Não obstante esse diploma legal ter sido revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 133/2009, de 02 de junho (que entrou em vigor no dia 01 de julho de 2009, com exceção do disposto no artigo 28º, que entra em vigor no dia 01 de outubro de 2009 – artigo 37), a verdade é que o contrato dos autos (de utilização de cartão de crédito), porque outorgado em 01/02/1993, está ainda abrangido pelo respetivo regime jurídico. Nos termos previstos no artigo 34º (Regime transitório) aos contratos de crédito concluídos antes da data da entrada em vigor do decreto-lei aplica-se o regime jurídico vigente ao tempo da sua celebração, sem prejuízo do disposto no número seguinte (n.º 1), aplicando-se os artigos 14º, 15º, 16º, 19º e 21º, o segundo período do n.º 1 do artigo 23º e o n.º 3 do artigo 23º aos contratos de crédito por período indeterminado vigentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
Como é sabido, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (cfr. artigo 762º do Código Civil) e a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil, de simples interpelação ao devedor.
Assim, não tendo o Réu cumprido a prestação a que se obrigou - pagamento do saldo do cartão de crédito no prazo convencionado – e tendo a obrigação prazo certo, é inequívoco o incumprimento do Réu ao deixar de efetuar os pagamentos da conta-cartão nos termos contratados, a partir de junho de 2019; o extrato tem a data de 18/06/2019 e o montante total em divida indicado num dado extrato deveria ser pago pelo Réu no prazo de 20 dias após a data da sua emissão (ponto 7 dos factos provados).
O não pagamento no prazo acordado determina que tivesse incorrido em mora [cfr. artigo 805º n.º 2 alínea a)] e, por isso, se tenha constituído na obrigação de reparar os danos causados ao credor (cfr. artigo 804º n.º 1 do Código Civil), sendo que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cfr. artigo 806º n.º 1 do Código Civil).
Assim, tendo-se o Réu constituído em mora, ao capital em divida acrescem os juros de mora, a contar da data de constituição em mora (decorridos 20 dias sobre a emissão do extrato) e não apenas da data do último extrato conforme consta da sentença recorrida.
Conforme referimos, o montante total em divida indicado num dado extrato deveria ser pago pelo Réu no prazo de 20 dias após a data da sua emissão e caso o Réu não procedesse ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extrato até à data de emissão do extrato seguinte, os quais, seriam remunerados a uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela Autora, sendo tais alterações comunicadas ao Réu por duas formas - através de mensagem inscrita no extrato de conta e/ou através das Condições Gerais, Direitos e Deveres do Titular do contrato de cartão de crédito, que lhe eram remetidas sempre que era (re)emitido novo cartão e sempre que tais condições sofriam alterações - cifrando-se tal taxa atualmente em 29,196%.
Assim, a taxa de juros convencionada, tal como afirma a Recorrente, é de 29,196%.
No tocante aos juros, a sentença recorrida condenou o Réu nos juros de mora calculados sobre o capital “em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2018 até efetivo e integral pagamento”.
A Recorrente sustenta que o Réu deve ser condenado no pagamento dos juros à referida taxa convencionada que, à data da instauração da ação, tal como alegou na petição inicial, se computavam já em €5.478,35 e que o Decreto-Lei n.º 133/2009 contem normas apenas aplicáveis aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor.
Conforme já referimos, nos termos previstos no artigo 34º deste diploma legal aos contratos de crédito concluídos antes da data da sua entrada em vigor aplica-se o regime jurídico vigente ao tempo da sua celebração.
De todo o modo, o próprio artigo 28º deste diploma, que se reporta à usura, considerando que é havido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, exceda em um quarto a TAEG média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito aos consumidores (n.º 1), bem como o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, embora não exceda o limite definido no número anterior, ultrapasse em 50/prct. a TAEG média dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no trimestre anterior (n.º 2), o contrato de crédito sob a forma de facilidade de descoberto, que estabeleça a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês, cuja TAEG, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês (n.º 4) e o contrato de crédito na modalidade de ultrapassagem de crédito cuja TAN, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês (n.º 5), ressalva que os efeitos decorrentes deste artigo não afetam os contratos já celebrados ou em vigor (n.º 7).
Não se mostra, por isso, correta, em nosso entender, a aplicação ao contrato dos autos do regime previsto no Decreto-Lei n.º 133/2009, não sendo de afastar a taxa de juro convencionada.
Vejamos.
O contrato de atribuição de cartão de crédito a que o Réu se vinculou é expresso quanto à taxa de juro convencionada a qual se cifra em 29,196% (ponto 8 dos factos provados).
Por outro lado, o referido regime jurídico do crédito ao consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, não contém norma expressa sobre a taxa máxima de juros, remuneratórios ou moratórios, a qual podia ser acordada pelas partes.
A jurisprudência vem entendendo que, nos casos em que o concedente do crédito é uma instituição de crédito ou sociedade financeira, sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, não se lhes aplica o disposto no artigo 102º do Código Comercial, uma vez que as taxas de juro nas operações ativas daquelas entidades se encontram liberalizadas, pelo menos desde 1993, em face do Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93, de 20 de maio.
Com efeito, segundo de acordo com o artigo 28º, n.º 1 alínea b) da Lei Orgânica do Banco de Portugal aprovada pelo Decreto-Lei 644/75, de 15 de novembro (LOBP 75), competia ao Banco de Portugal “fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro”.
Com base nesta norma o Banco de Portugal veio a emitir avisos a estabelecer taxa máxima, o último dos quais foi o Aviso 3/88, publicado a 5 de maio, que fixou, como regra, a taxa máxima de juros nas operações ativas em 17% ao ano; no entanto, o Aviso n.º 5/88, de 15 de setembro veio suspender a aplicação da taxa de juro das operações ativas (salvo nas operações de crédito à habitação e empréstimos concedidos ao abrigo das contas poupança-habitação) estabelecida no n.º 1 do n.º 2.º daquele aviso 3/88.
A suspensão viria a ser posteriormente alargada às taxas de juro do crédito à habitação pelo Aviso 65/89, de 18 de março.
O Aviso 3/88 veio a ser revogado pelo referido Aviso n.º 3/93, o qual foi já emitido ao abrigo da Lei Orgânica do Banco de Portugal aprovada pelo Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de outubro (LOBP de 1990).
Como o evidencia o n.º 2 do referido Aviso 3/93 “são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal”.
A jurisprudência tem vindo a entender de forma generalizada que as taxas de juro bancárias, quer relativamente aos juros remuneratórios, quer quanto aos juros de mora, estão liberalizadas por força do disposto neste n.º 2 do referido Aviso 3/93, podendo instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecer livremente as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal (v. Acórdão da Relação do Porto de 14/11/2017, Processo n.º 474/15.5T8ESP.P1, Relatora Ana Lucinda Cabral e de 11/04/2018, Processo n.º 67150/16.7YIPRT.P1, Relatora Maria Cecília Agante (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Não desconhecemos, em sentido contrário, o Acórdão da Relação do Porto de 22/05/2019 (Processo n.º 1553/17.0T8MTS.P1, Relator Joaquim Correia Gomes), onde se afirma que “A Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1999 ao revogar a anterior de 1990, deixou de conferir habilitação legislativa ao Aviso 3/93 do referido Banco Central, não existindo desde então fundamento legal para que as taxas de juro das operações bancárias e equivalentes sejam livremente fixadas” (também disponível em www.dgsi.pt; v. ainda e Joana Farrajota, “A propósito do Ac. do Trib. da Relação do Porto de 22.05.2019. Ainda, juros remuneratórios bancários”, Revista de Direito Comercial, 2020-10-06, p. 1699 a 1762, https://www.revistadedireitocomercial.com/s/2020-34-1699-1762.pdf).
Neste sentido também se pronuncia Pedro Pais de Vasconcelos (Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais, ebook direito bancário – Centro de Estudos Judiciários) considerando que: “Da comparação dos três regimes legais, da LOBP 75, da LOBP 90 e da LOBP 98, resulta com clareza a perda pelo Banco de Portugal da competência para fixar os limites de taxas de juro das operações ativas bancárias. Logo na LOBP 90 deixou de haver qualquer preceito que atribuísse ao Banco Central essa competência, e assim se manteve na LOBP 98. E, no entanto, os Avisos emitidos pelo Banco de Portugal em que regeu sobre taxas de juro TAEG continuam a referir como normas habilitantes o artigo 17º da LOBP 98, além do artigo 28º do Decreto-Lei nº 133/09, de 2 de junho (que rege atualmente o crédito ao consumo)” (v. ainda Miguel Pestana de Vasconcelos, “Os limites máximos das taxas de juro das instituições de crédito e das sociedades financeiras”, Revista de Direito Comercial, 2018-04-23, p. 629 a 664, https://pedro-vasconcelos-sn5l.squarespace.com/s/2018-13-xm3y.pdf e “De novo os limites máximos das taxas de juro das instituições de crédito e das sociedades financeiras”, Revista de Direito Comercial, 2019-09-06, p. 505 a 544, https://pedro-vasconcelos-sn5l.squarespace.com/s/2019-17-j2mw.pdf).
Para esta posição não existe lei habilitante para Banco de Portugal fixar os limites de taxas de juro das operações ativas bancárias.
Entendemos, porém, ser de seguir a jurisprudência dominante de que as taxas de juro bancárias, designadamente quanto aos juros de mora, estão liberalizadas por força do disposto no n.º 2 do referido Aviso 3/93 de 20 de maio de 1993, podendo instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecer livremente as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal.
Como se pode ler no citado Acórdão da Relação do Porto de 11/04/2018 “O decreto-lei 644/75, de 15 de novembro, que aprovou a Lei Orgânica do Banco de Portugal (LOBP) de 1975, com vista à orientação e controlo das instituições de crédito, dentre as suas competências previa a fixação do regime das taxas de juros, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro [artigo 28º/1, b)]. A LOBP de 1990, aprovada pelo decreto-lei 337/90, de 30 de outubro, vigente à data da outorga do contrato em causa, não manteve essa expressa estatuição, mas não deixou de preceituar que, para orientar e fiscalizar os mercados monetário, financeiro e cambial, cabe ao Banco de Portugal, além do mais, “[R]egular o funcionamento desses mercados, adotando providências genéricas ou intervindo, sempre que necessário, para garantir o cumprimento dos objetivos da política económica, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de juro e de câmbio [artigo 22º/1, a)] . Prescrição que contém, na nossa ótica, a competência da fixação das taxas de juros”.
De referir ainda que a fixação de uma taxa de juro muito elevada é tradicionalmente tratada em sede de usura e o Aviso n.º 3/93 não impedirá a convocação dos artigos 282º a 284º do Código Civil, quando se verifiquem os respetivos requisitos (neste sentido Jorge Morais Carvalho, Manual do Direito do Consumo, 7ª Edição, Almedina, 2020, p. 426); não foi, contudo, alegada e provada matéria de facto reconduzível à usura.
E quanto ao já referido Decreto-Lei n.º 133/2009, particularmente o artigo 28º que regulou expressamente a matéria da usura no contrato de crédito ao consumo, não tem aplicação ao contrato dos autos.
É certo que o regime do crédito ao consumo previsto neste diploma legal introduziu regras específicas quanto à usura, fixando limites máximos para a taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) e, num caso específico, para a taxa nominal (TAN), mas, como já vimos, foi salvaguardado (artigo 34º) que aos contratos de crédito concluídos antes da data da sua entrada em vigor aplica-se o regime jurídico vigente ao tempo da sua celebração, resultando ainda do referido artigo 28º a ressalva que os efeitos decorrentes do mesmo não afetam os contratos já celebrados ou em vigor (n.º 7).
Do exposto decorre que, à data em que foi celebrado o contrato dos autos, a Recorrente estava legitimada a contratualizar os juros à taxa convencionada.
Assim, para além do capital devido à Autora, no montante de €21.390,81, acrescem os juros de mora à taxa convencionada até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos até 14/07/2020 (data da instauração da presente ação) a quantia de €5.478,35, e sendo devidos a partir desta data sobre o referido capital de €21.390,81.
Em face do exposto impõe-se, pois, julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte respeitante à condenação em juros de mora, e consequentemente, mantendo-se a condenação do Réu no pagamento da quantia de capital de €21.390,81, condena-se também nos juros de mora calculados à taxa convencionada até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos até 14/07/2020 (data da instauração da presente ação) a quantia de €5.478,35, e sendo os devidos a partir desta data sobre o referido capital de €21.390,81.
As custas deste recurso, bem como da ação, são da responsabilidade do Recorrido (artigo 527º do Código de Processo Civil) em face do seu integral decaimento.
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SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - Num contrato de utilização de cartão de crédito outorgado em 1993 é aplicável a taxa de juro convencionada pelas partes.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida na parte respeitante aos juros de mora, e consequentemente, condenam o Réu no pagamento dos juros de mora calculados à taxa convencionada até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos até 14/07/2020 (data da instauração da presente ação) a quantia de €5.478,35, sendo os devidos a partir desta data contados sobre o capital de €21.390,81, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.
Custas do recurso e da ação pelo Recorrido.
Guimarães, 24 de fevereiro de 2022
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)