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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TÍTULO EXECUTIVO
EXEQUIBILIDADE
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
RELAÇÃO IMEDIATA
Sumário
I - É de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda. A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença nos termos do art. 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente. II - “letra (livrança) em branco é aquela que tem atrás de si um acordo para preenchimento ulterior, ao passo que na letra incompleta, não existe esse acordo. A primeira é uma letra em formação sucessiva, enquanto a segunda não passará de título nulo, que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais”. III - A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório
V. F., residente em ..., nº .., ..., Vizela, por apenso – Apenso B - à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que lhe foi movida por Banco X, S.A., com sede na Praça ..., … Porto, e que tem como título executivo uma livrança e na qual foi indicada a quantia exequenda de € 13.096,17, veio, em 25/11/2020, deduzir oposição à execução mediante embargos pedindo a sua extinção.
Para tanto alega, em síntese, para além da excepção de incompetência territorial, que já foi apreciada, que a livrança dada à execução é inexequível, uma vez que foi entregue totalmente em branco, apenas contendo as assinaturas dos subscritores, pelo que não produz qualquer efeito enquanto título de crédito, nem podendo ser considerada enquanto quirógrafo, uma vez que não contém em si qualquer reconhecimento da dívida ou promessa de pagamento, nem resultando do título a relação jurídica fundamental subjacente, sendo que a embargada não apresentou a livrança a pagamento, não tendo sido sujeita a protesto, não preenchendo os requisitos para valer como título executivo.
Mais alega que se verifica a inexigibilidade da dívida, uma vez que não ocorreu qualquer interpelação aos embargantes ou resolução do contrato subjacente, não se encontrando vencida a dívida.
Alega ainda que ocorre o preenchimento abusivo da livrança, preenchimento que ocorreu sem conhecimento ou autorização dos embargantes, tendo sido preenchida por montante que excede o que pudesse estar em dívida, uma vez que o valor do financiamento concedido para aquisição do veículo automóvel em causa nos autos foi de € 14.900,00, valor que corresponde ao preço do mesmo, tendo a embargante entregue uma livrança em branco, por si subscrita e por P. F., para garantia do referido financiamento, sendo que o embargante P. F. “devolveu” ao exequente o referido veículo automóvel em perfeito estado de conservação e sem nunca o ter usado, veículo que foi vendido pelo valor de € 10.200,00, pelo que apenas ficou em dívida o montante de € 4.700,00.
Mais alega que a livrança é relativa a um contrato de financiamento, correspondente ao valor de € 14.900,00, que era o preço do veículo, inexistindo por parte da embargante e do co-executado quer consciência na declaração ou vontade de solicitar um financiamento no valor de € 17.400,00, tendo assinado os documentos sem os ler, não tendo a embargante consciência de que seria pessoalmente responsável pelo pagamento, existindo nulidade e/ou anulabilidade do contrato de financiamento.
Mais alega que o contrato de crédito é nulo, não lhe foram comunicadas ou explicadas as cláusulas constantes do mesmo, designadamente quanto ao real montante objeto de financiamento, aos custos do crédito, as concretas taxas de juros contratadas, TAN 9,009% e TAEG 11,1%, às comissões de processamento de prestação, custo total do crédito de € 12.244,80, montante total imputado ao consumidor de € 29.644,80, juro diário em caso de livre revogação de € 4,74 ou sequer a existência de reserva de propriedade a favor da sociedade financeira até integral pagamento do valor financiado, não tendo as cláusulas resultando de negociação prévia entre as partes, devendo as referidas cláusulas se considerar excluídas do contrato celebrado com o executado.
Mais alega que tendo o embargante P. F. verificado, posteriormente, a existência de uma desconformidade entre a matrícula originária constante da ficha de inspecção técnica periódica e a matrícula inicial aposta no documento único automóvel, manteve o veículo imobilizado e sem qualquer utilização, tendo entregue à exequente o veículo num dos meses subsequentes, acreditando que tal seria suficiente para resolver o contrato e liquidar todas as quantias em dívida, não podendo a quantia em dívida exceder o valor de € 4.700,00.
Por fim, alega que o exequente não pode exigir juros de mora sobre a totalidade do valor aposto na livrança, que já contempla juros de mora, devendo a embargante ser absolvida do pagamento de quaisquer juros.
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P. F., residente em ..., nº .., ..., Vizela, por apenso – Apenso A - à acima referida execução veio, em 25/11/2020, deduzir oposição à execução mediante embargos.
Este embargante peticiona igualmente a extinção da execução apensa invocando fundamentos semelhantes aos da co-executada.
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Foram admitidas liminarmente estas oposições e foi ordenada a notificação da exequente para, querendo, contestar.
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A exequente veio apresentar contestação relativamente aos embargos deduzidos por V. F. e por P. F., impugnando parte da factualidade alegada pelos executados, mais alegando que por carta registada com AR, enviada para a morada indicada no contrato, comunicou aos embargantes a resolução do contrato, indicando que a livrança se encontrava a pagamento até 11/08/2018, carta essa que não foi recebida pelos embargantes, tendo-lhes também sido comunicado a integração em PERSI e o encerramento do mesmo.
Mais alega que efectivamente foi celebrado o contrato de financiamento alegado pelo embargantes, subordinado às condições constantes do mesmo, não tendo sido paga nenhuma das prestações, tendo a exequente recebido pela venda do veículo o montante de € 10.100,00, mediante pedido de venda assinado pelo executado, pelo que, caso tivesse sido cumprido o plano de pagamento, o valor em dívida seria de € 10.111,36, mas, não tendo sido cumprido, o contrato foi resolvido, tendo a livrança sido preenchida pelos valores contratualmente estabelecidos.
Alega ainda que a livrança não necessita de protesto, não foram violados os deveres de comunicação, esclarecimento, nem de informação, sendo devidos todos os valores exigidos pela exequente, tal como os juros de mora.
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Foi ordenada a apensação do Apenso A a este Apenso.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi dispensada a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, foram admitidos os requerimentos probatórios e designada data para julgamento.
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Procedeu-se a audiência de julgamento e após a mesma foi proferida a seguinte sentença, em cujo dispositivo se lê:
“Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da instância da acção executiva apensa os seus ulteriores termos. (…)”
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Não se conformando com esta sentença vieram os embargantes dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1ª- Independentemente do respeito - que é muito - que o mesmo lhe merece, não pode a Recorrente conformar-se com o despacho proferido pelo Exmo. Tribunal a quo, que, no caso dos presentes autos, a inquirição, na qualidade de testemunha do Executado D. G.;
2ª- Entendendo os Apelantes que, na prolação da mui douta sentença recorrida, foi contraditória, incorreta e insuficientemente apreciada e julgada: a matéria de facto constante do conjunto dos articulados; a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, documental e testemunhal e, bem assim; incorretamente efetuada a aplicação e interpretação da lei, nomeadamente, entre outras, as normas legais que disciplinam a exequibilidade dos títulos cambiários e dos documentos quirógrafos e os pactos de preenchimento dos títulos de créditos entreguem em branco;
3ª- No respeitoso entendimento dos Apelantes, pelo douto Tribunal a quo incorretamente julgada como provada a factualidade constante dos pontos 8º; 9º; 10º; 11º; 12º; 13º; 14º; 15º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 22º; 23º; 24º, 25º; 26ª, 27º; 29ª, 29º; 31º; 32º; 33º; 34º; 35º; 39º; 43º; 44º; 45º; 46º; 48º dos factos provados;
4ª- Sendo que, os Recorrentes também entendem ter sido pelo douto Tribunal a quo julgada incorretamente como não provada os factos constantes nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k);
5ª- É entendimento dos Embargantes que a testemunha N. F. depôs de forma, notoriamente, comprometida e parcial com a versão trazida aos autos pelo Embargado, pretendendo sustentar, em várias ocasiões e sem que nada lhe fosse questionado, que o preço acordado pela aquisição da viatura pelo Embargante P. F. junto do stand “Y Motor” – do qual a testemunha é proprietário com o seu irmão - foi de € 17.400,00,00 – cfr. depoimento com a refª 20210609105730_5879765_2870545, que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, o qual teve início às 10 horas 57 min. e 30 seg. e termo às 11 horas 27 min. e 17 seg. registados no sistema H@bilus Media Studio;
6ª- Sendo que, com o inequívoco objetivo de continuar a enganar o Tribunal, a instância da mandatária dos Embargantes, a testemunha N. F. declarou que, não tendo o Embargante P. F. pago, desde logo a primeira prestação vencida, foi, de imediato, contactado pela testemunha A. M. para o ajudar e diligenciar no sentido de apurar junto do Embargante P. F. o que se estava a passar e tentar perceber junto do cliente resolver a situação, como alegadamente seria habitual e, por sua vez, a testemunha N. F. terá pedido ajuda ao amigo André para falar com o Embargante P. F. – cfr. dos 11 mi. a 20 seg. aos 13 min. e 00 seg;
7ª- No entanto, a testemunha A. M., inquirida por videoconferência - estando o respetivo depoimento com a refª 20210609113126_5879765_2870545, que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, o qual que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, com início às 10 horas 57 min. e 30 seg. e termo às 11 horas 27 min. e 17 seg. e ficou registado no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos – negou perentoriamente a existência desse contacto, o qual, aliás, nem tem por hábito fazer – cfr. do 21 min. e 15 seg. aos 21 min e 20 seg.;
8ª- Tudo o que demonstra, de modo evidente, que, por ter mentido, com o notório interesse em prejudicar os Embargantes, o depoimento prestado pela testemunha N. F. não podia ter sido, em algum momento, valorado e considerado pelo Ex.mo Tribunal recorrido para fundar a sua convicção, o qual, por isso, efetuou uma errada apreciação crítica daquele depoimento ao considerá-lo como “nesta parte, relevante para alicerçar a convicção do Tribunal”;
9ª- No entanto, uma vez que a referida testemunha representa a sociedade vendedora “Y Motor, Lda”, a qual recebeu diretamente do Exequente, ora Recorrido, o montante destinado a financiar a aquisição do veículo “Renault Captur” que constituiu o objeto de financiamento concedido Embargante P. F. por aquela instituição de crédito, é inequívoco que a testemunha N. F. tinha um notório interesse e comprometimento na causa, depondo a favor da Exequente e sustentando que o valor de venda era equivalente ao montante do financiamento por si solicitado, ou seja, a quantia € 17.400,00, sob pena de expor, o que sempre pretendeu esconder, a prática, por essa sociedade de uma eventual fraude na obtenção do referido financiamento, no que tange ao montante financiado e que terá sido, integral e diretamente, depositado pelo Recorrido na conta bancária daquela sociedade vendedora – cfr. dos 20 mim e 20 seg. aos 21 min. e 10 seg. do depoimento com a refª 20210609113126_5879765_2870545, que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, o qual que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, com início às 10 horas 57 min. e 30 seg. e termo às 11 horas 27 min. e 17 seg. e ficou registado no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos;
10ª- Tanto mais que, tendo negado uma deslocação da testemunha A. F. ao stand, como bem refere a douta sentença, a mesma testemunha “acabou por admitir que o pai do embargante se dirigiu ao stand para ver se eles ficavam com o automóvel, o que se mostra em consonância com o depoimento prestado por A. F.” - cfr. dos 11 min. e 10 seg. aos 11 min. e 20 seg. e dos 25. Min e 50 seg. aos 27 min e 30 seg, depoimento com a refª 20210609105730_5879765_2870545, que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, o qual teve início às 10 horas 57 min. e 30 seg. e termo às 11 horas 27 min. e 17 seg. registados no sistema H@bilus Media Studio;
11ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, deve o depoimento da testemunha N. F. ser agora completamente desconsiderado pelo Venerando Tribunal ad quem e, por via disso e em conjugação com as declarações prestadas pela Embargante V. F., não podia ter sido julgada como provada, como foi, a factualidade constante dos pontos 08 e 10 dos Factos Provados,
12ª- Atendendo às declarações prestada pela Embargante V. F. e o depoimento da testemunha A. F., devem os pontos 8 e 10 da matéria de facto serem alterados nos seguintes termos:
“8º - Veículo esse que, em 08/12/2018, a identificada sociedade vendeu ao executado P. F. e que o executado adquiriu pelo preço de € 14.900,00 (catorze mil e novecentos euros)”;
“10º - Financiamento que devia ter sido aprovado pelo Embargado pelo indicado montante de € 14.900,00 (catorze mil e novecentos euros)”;
13ª- Tudo com as necessárias alterações e repercussões nos pontos 11º a 15º no montante total do crédito, TAEG, custo total do crédito; montante total imputado, montante da prestação mensal;
14ª Assim como deve ser aditado o ponto 8º-A, nos seguintes termos: “8º-A - Inexistindo por parte dos embargantes a consciência na declaração e a vontade de solicitar e assumir um financiamento no montante de € 17.400,00”;
15ª- No que tange ao ponto 9º dos factos provados, uma vez que resulta provado, através dos pontos 7º) e 8º) se deu como provado que a sociedade “Y Motor” vendeu ao executado P. F. o veículo ligeiro de passageiros usado da marca Renault Captur com a matrícula UT, não se compreende como se conclui que o crédito em crise nos autos tenha sido também solicitado pela Embargante V. F., para além do Embargante P. F., ao Banco Embargado;
16ª- Se se considera como provado, o que não se coloca em causa, que foi o Embargante P. F. adquiriu a supra identificada viatura, é manifesto que a Embargante V. F. não tinha qualquer interesse em solicitar, para si, o referido crédito, responsabilizando-se pelo respetivo pagamento;
17ª- Na verdade, a considerar-se o depoimento prestado pela testemunha N. F., como resulta da motivação da douta sentença, aquele “assegurou que o embargante P. F. escolheu o automóvel, acordaram o preço, solicitou um primeiro financiamento, que foi recusado, pois o mesmo já possuía um crédito, sendo a financeira pediu um segundo titular para o crédito, tendo a embargante V. F. enviado a sua documentação”, não se pode acreditar que a Embargante V. F. tivesse, no momento em que apôs a sua assinatura no contrato de financiamento, consciência que estava, em nome próprio, a assumir a posição de mutuária no referido crédito e que responderia pelo seu pagamento da mesma forma que o namorado P. F.;
18ª- Como é notório e, aliás, resulta das regras de experiência e da normalidade, a necessidade de intervenção da Recorrente V. F. no referido contrato de financiamento apenas surgiu, no caso vertido nos autos, com a recusa do primeiro pedido de financiamento efetuado em nome do Embargante P. F. – cfr. dos 12 min. e 15 seg. aos 14 min. e 27 seg. do depoimento da testemunha A. M. com a refª 20210609113126_5879765_2870545, que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, o qual que se encontra gravado na respetiva plataforma em uso no Tribunal, com início às 10 horas 57 min. e 30 seg. e termo às 11 horas 27 min. e 17 seg. e ficou registado no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos,
19ª- Como resulta das declarações por si prestadas, a Embargante V. F. esclareceu o Tribunal recorrido, “namorado é que queria o carro e ela não ia pagar as prestações, mas ficava como fiadora” e, como resulta de forma abundante da prova, por declarações e testemunhal, produzida nos autos, apenas surge referida a presença da Embargante V. F. na data de assinatura do contrato de crédito nas instalações da sede da sociedade vendedora, tanto mais que, naquela altura, encontrava-se a residir e a trabalhar em Lisboa e não pretendia adquirir a viatura e apenas a apoiar o Executado P. F. na concessão do crédito para aquisição daquela viatura porque o namorado precisava de uma fiadora – cfr. 00 min. e 40 seg. aos 00 min. e 55 seg. e dos 02 min. a 00 seg. aos 02 min e 55 seg. e dos 03 min. 45 seg. aos 04 min. e 46 seg. das declarações de parte da Embargante V. F. que se encontram gravadas digitalmente na plataforma em uso no Tribunal, com a referência 20210609100516 e cujo o início (10 horas 05 min. e 16 seg.) e termo (10 horas 29 min e 05 seg.) ficaram registados no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos;
20ª- Pelo que se deve dar como não provada a matéria de facto constante no ponto 9º e, de acordo com a prova produzida nos autos, a mesma ser alterada nos seguintes termos: “9º - Sendo que, por não dispor da referida quantia, por indicação da empresa vendedora «Y Motor», sendo intermediário do crédito W Intermediários de Crédito Lda. foi solicitado ao Banco X, SA., pelo executado o financiamento para aquisição do veículo”;
21ª- Acresce que, como resulta dos 06 min. e 25 seg. aos 10 min. e 07 seg. das declarações de parte da Embargante V. F. que se encontram gravadas digitalmente na plataforma em uso no Tribunal, com a referência 20210609100516 e cujo o início (10 horas 05 min. e 16 seg.) e termo (10 horas 29 min e 05 seg.) ficaram registados no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos, todo o procedimento de aquisição da viatura e do financiamento foram integralmente tratados entre o Executado P. F., o stand “Y Motor” e a sociedade Embargada, sendo que a Embargante V. F. não teve qualquer intervenção na negociação do veículo e do seu financiamento, limitando-se a assinar o contrato de crédito nos locais que foram sendo indicavam para apor a sua assinatura, tal como sucedeu com o Embargante P. F., e a intermediária financeira, que agia em representação da Exequente, aqui Embargada e Recorrida não forneceram explicações, tanto mais, como bem refere a Embargante V. F., somente quando depois do carro ter sido entregue e apenas por causa do processo. apercebeu-se que nem sequer podiam vender o carro e, por isso, da existência de reserva de propriedades, das concretas taxas de juro, referindo expressamente que o contrato não foi lhe foi lido na data da assinatura – cfr. dos 10 min e 20 seg. aos 11 min e 45 seg. do depoimento da Embargante V. F. com a referência 20210609100516 e cujo o início (10 horas 05 min. e 16 seg.) e termo (10 horas 29 min e 05 seg.) ficaram registados no sistema H@bilus Media Studio nos presentes autos;
22ª- Sendo que das mesmas declarações resulta que, para além da missiva que indicava o valor de venda em leilão da viatura, não terem sido interpelados pela Exequente para quaisquer outros efeitos;
23ª- E, como os fundamentos acimas expostos, deverá julgar-se como provada a seguinte matéria:
“b) Os embargantes não foram interpelados da resolução do contrato de crédito ou para procederem ao pagamento de quaisquer quantias subjacentes à emissão da livrança”;
“c) O embargante entregou o veículo à exequente sem nunca o ter utilizado”;
“e) A embargante limitou-se a apor a sua assinatura no contrato e na livrança sem ler os respectivos documentos e sem ter a percepção do seu concreto conteúdo, por julgar corresponder apenas ao financiamento de € 14900,00, correspondente ao preço do automóvel”;
“f) Inexistindo por parte dos embargantes a consciência na declaração e a vontade de solicitar e assumir um financiamento no montante de € 17.400,00”;
“g) A embargante teria recusado e não aposto a sua assinatura no contrato e livrança dada à execução e realizado o negócio que esteve subjacente ao dito financiamento se tivesse a consciência de que seria pessoalmente responsável pelo seu pagamento”;
“h) Facto de que viria apenas a tomar conhecimento depois da entrega do veículo”;
“i) Os embargantes confiaram que o valor de € 17900,00, correspondia à soma do valor do financiamento e dos custos totais do financiamento”;
“j) No momento da entrega do veículo e do contrato é que os embargantes se aperceberam que o financiamento aprovado correspondia ao preço de aquisição do veículo”;
“k) Os embargantes acreditavam que com a entrega do veículo tal seria suficiente para resolver o contrato de financiamento e liquidar todas as quantias que pudessem estar em dívida por via do contrato de financiamento”;
24ª- É entendimento dos Recorrentes que, não obstante as doutas considerações expendidas na douta sentença recorrida no que tange às questões de direito levantadas em sede de embargos, que aquela decisão também carece de fundamento na improcedência das várias exceções arguidas pelos Embargantes em cada uma das petições iniciais;
25ª- Na verdade, e por um lado, a livrança dada à execução não pode ser considerada como título executivo, quer enquanto documento cambiário, quer como documento quirógrafo;
26ª- O artigo 75º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LuLL), transposta para o ordenamento jurídico português pelo D.L. Nº 23721 de 29/03/1934, determina, como essenciais, os requisitos da livrança e, por via do artigo 76º do supra citado diploma legal, sendo a livrança um título formal, a inexistência de qualquer um dos supra indicados requisitos - com exceção da época e do lugar de pagamento e do lugar de emissão daquele título de crédito - implica que o documento não produza efeitos enquanto livrança;
27ª- Sucede, no entanto, que, como doutamente se julgou como provado, no momento em que a livrança dada à execução foi entregue ao Recorrida apenas continha aposta as assinaturas dos seus subscritores, os Executados, ora Recorrente, estando, por isso, todos os demais campos da referida livrança em branco;
28ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, faltando, como faltava, o montante determinado a pagar e a respetiva época de pagamento, ex vi do disposto nos artigos 75º e 76º supra referidos, o título dado à execução não produz qualquer efeito enquanto título de crédito e a livrança em crise não pode ser considerada, ao abrigo do Nº 1, al. c), do artigo 703º do NCPC, enquanto título de crédito, como título executivo;
29ª- Sem prescindir, preceitua a supra citada al. c) do Nº 1 do artigo 703º do NCPC que, os títulos de crédito - que não possam ser utilizados como títulos cambiários – poderão constituir títulos executivos como documentos quirógrafos, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
30ª- Porém e por um lado, o título executivo em causa nos autos não contém em si nenhum reconhecimento de uma dívida ou sequer uma promessa de pagamento efetuada ao Embargado pelos seus subscritores e, por outro lado, também não resulta do título em apreço a causa a alegada a relação jurídica fundamental subjacente à emissão da livrança dada à execução:
31ª- Assim como no requerimento executivo não foram articulados factos suficientes que sejam constitutivos da hipotética relação jurídica fundamental, sendo ainda completamente omisso quanto aos eventuais pacto ou autorização de preenchimento e interpelação que, hipoteticamente, pudessem legitimar o lícito preenchimento da livrança em crise e a sua posterior cobrança coerciva;
32ª- Hipotética relação jurídica subjacente relativamente à qual – por não estar suficientemente concretizada – os Recorrentes não puderam sequer exercer, o direito que, legalmente lhe assistia, de contraditório, por o Recorrido se ter limitado, de forma genérica e vaga, a referir a existência de um “contrato de crédito”;
33ª- Por tudo supra exposto, a livrança em crise não pode, igualmente, ser considerada como documento quirógrafo e, dessa forma, como título executivo, ao abrigo da parte final do Nº 1, al. c), do artigo 703º do NCPC;
34ª- Mesmo que assim não se entenda - o que respeitosamente se não concebe, nem concede, mas que por dever de ofício se acautela - sempre terá de considerar-se que a obrigação que alegadamente funda o título dado à execução é inexigível, pois, não se podem considerar que, antes da citação para estes autos, os Recorrentes tenham sido, por qualquer forma e meio, interpelados, de modo válido e eficaz, da resolução do dito contrato de crédito, para proceder ao pagamento de quaisquer quantias subjacentes à emissão da livrança em causa e ainda, dos montantes que concretamente sustentariam o valor posteriormente aposto na livrança dada à execução;
35ª- Mesmo a manter-se, nos exatos termos, da factualidade dada como provada nos autos – o que se não concede nem concebe e por mera hipótese de patrocínio se acautela – resulta da douta sentença, no item 47º dos factos provados que a “Carta essa, que foi devolvida ao Exequente, por não recebida”, referindo-se à missiva que informa o preenchimento da livrança com a descrição nos montantes neles apostos;
36ª- Tudo o que, no respeitoso entendimento dos Recorrentes, determina que a quantia (indevidamente liquidada) cujo pagamento se reclama através dos autos principais executivos não se encontra vencida e os executados não se encontrem em mora;
37º- Pelo que a alegada, mas inexistente, obrigação não é, ainda, no que tange aos Recorrentes, exigível e, sendo a exigibilidade da obrigação exequenda um pressuposto ou uma condição essencial da execução, dado que a obrigação ainda não é exigível, não se encontra legalmente legitimada a realização coativa da dita prestação;
38ª- Inexigibilidade que, por força do disposto nas alíneas a) e e) do artigo 729º do CPC deve determinar a extinção da presente instância.
39ª- Mesmo que assim se não entenda, o que também se não concede, nos termos do muito douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - proferido, em 28/03/2019, no âmbito do processo Nº 295/14.2TBSCR-A.L1-6 e disponível em www.dgsi.pt – “IV - Mas ainda que uma tal interpelação prévia fosse de exigir, na sua ausência sempre valeria como interpelação a citação do subscritor do avalista para a execução, embora com a consequência de a obrigação de juros ser exigível apenas desde essa citação [art.º 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC] (negrito nosso);
40ª- Razão pela qual que, em ultima ratio, tinham os Recorrentes serem absolvidos do pagamento dos juros vencidos antes da data de citação dos mesmos para a ação executiva,
41ª- Mesmo que assim não se entenda - o que respeitosamente se não concebe, nem concede, mas que por dever de ofício se acautela - sempre terá de considerar-se que o título executivo dos autos foi abusivamente preenchido;
42ª- Alegou o Exequente, aqui Recorrido, que a livrança dada à execução “resulta do não pagamento de quantia em dívida do contrato de crédito .........02”, contudo, no que tange aos campos do local de data de emissão, local de pagamento, importância e valor, data de vencimento e a quantia por extenso, o Exequente preencheu, como supra já se referiu, a livrança em crise nos autos sem o conhecimento e a interpelação dos Embargantes;
43ª- E, bem assim, o respetivo preenchimento também ocorreu em manifesta violação do acordo firmado entre Exequente e Executados quanto ao preenchimento dos campos que, no momento da entrega do título, se encontravam em branco, excedendo, em muito, o montante que, hipoteticamente, pudesse estar em dívida;
44ª- Mesmo que assim também se não entenda - o que se não concede, mas que por hipótese de trabalho se acautela – no que se refere ao respetivo valor, o Recorrido procedeu à aposição de um montante manifestamente superior ao acordado no respetivo pacto de preenchimento;
45ª- Mesmo a considerar que o financiamento do montante de € 17.400,00 (dezassete mil e quatrocentos euros) a que alude o ponto 8 dos factos provados, o que não se concede nem concebe e apenas por hipótese se acautela, também consta do elenco da factualidade como provada na douta sentença recorrida, designadamente no ponto 42º, que, na sequência da venda do veículo cujo aquisição foi financiada foi o “valor de 10.100,00€ o efectivamente recebido pela venda da viatura de contrato em estabelecimento de leilão”;
46ª- No entanto, a título de capital, o Recorrido considerou estar em dívida o montante de € 10.167,04, o qual não logra obter qualquer sustentação na prova produzida nos autos, pois, não obstante no ponto 39º constar que o produto da venda “será imputado sucessivamente: (i) à satisfação da comissão de gestão de venda de bens financiados entregues para venda ao Banco X e previsto no respectivo preçário em vigor (ou equivalente destinada a retribuir o serviço solicitado); (ii) satisfação de todas as despesas necessárias à recuperação da viatura e venda do veículo, designadamente as referentes a reboques, limpeza, reparações, parqueamento e avaliação do veículo, serviços de leiloeiras e emolumentos, para efeitos de aferição de inscrição da propriedade sobre o veículo e, por fim (iii) à amortização da dívida do contrato de financiamento, melhor identificado sob o n.º .........02”, dos autos não resulta quais os concretos montantes resultantes de “comissão de gestão de venda” e “despesas necessárias à recuperação da viatura e venda do veículo”;
47ª- As quais, por isso, não podem ser consideradas e, por essa via, a totalidade do produto da venda da viatura ser imputado à amortização da dívida.
48ª- Sendo que atendendo ao montante alegadamente financiado, de € 17.400,00, e a quantia arrecadada na sequência da referida venda, de € 10.100,00, apenas só pode considerar em dívida o montante remanescente de € 7.300,00 (sete mil e trezentos euros) (= € 17.400,00 - € 10.100,00);
49ª- Ora, tendo o Exequente preenchido a livrança pelo montante global de € 13.094,73, como consta do ponto 1º dos factos como provados, o título executivo foi preenchido abusivamente, devendo os Recorrentes serem absolvidos dos pagamentos das quantias que excedam o montante de € 7.300,00 (sete mil e trezentos euros) (= € 17.400,00 - € 10.100,00);
50ª- Pelo que deve ser revogada a mui douta decisão recorrida, já que naquela não foram, de forma sábia e prudente, corretamente apreciados, interpretados, respeitados e aplicados os preceitos legais previstos nos artigos 703º do CPC e 75º e 76º da LuLL.
Pugna pela revogação da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que julgue totalmente procedentes os embargos e, consequentemente, absolva os executados do pedido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:
A) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
B) E/ou se se se verificou erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação
Foram considerados provados os seguintes factos:
1 - O exequente é portador de um impresso uniformizado destinado a servir como livrança no valor de € 13.094,73, emitida em 30/07/2020 e com vencimento em 11.08.2020, onde figura aposta no local destinado ao subscritor a assinatura dos executados P. F. e V. F., constando ainda.
2 - Consta do requerimento executivo, que deu entrada em Juízo em 12/08/2020, na parte que ora interessa:
3 - “A Exequente é dona e portadora de uma livrança (adiante junta) no valor de 13.094,73€ vencida a 11.08.2020 assinada pelos Executados e que apresentada a pagamento não foi honrada pelos mesmos.
4 - A mesma livrança resulta do não pagamento de quantia em divida do contrato de credito .........02 celebrado entre Exequente e Executados.
5 - Contrato de crédito do qual a Exequente procedeu à denuncia e à resolução do mesmo, que foi comunicada aos Executados.
6 - Tem assim a Exequente o direito de receber dos Executados e estes o dever de lhe pagar a quantia Exequenda de 13.094,73€, acrescido de juros desde a data de incumprimento até à data de entrada em juízo (12.08.2020), juros no valor de 1,44€ o que totaliza a quantia em dívida de 13.096,17€, acrescido de juros moratórios à taxa legal de 4% desde a data de entrada em juízo até ao seu efectivo e integral pagamento, bem como todas as despesas inerentes a presente cobrança judicial”, conforme requerimento executivo apenso, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7 - Em meados do mês de Novembro de 2018, o executado P. F. decidiu adquirir à sociedade denominada “Y Motor, Lda.” o veículo ligeiro de passageiros usado da marca Renault Captur com a matrícula UT.
8 - Veículo esse que, em 08/12/2018, a identificada sociedade vendeu ao executado P. F. e que o executado adquiriu pelo preço de 17.400,00€ (dezassete mil e quatrocentos euros).
9 - Sendo que, por não dispor da referida quantia, por indicação da empresa vendedora “Y Motor”, sendo intermediário do crédito W Intermediários de Crédito Lda. foi solicitado ao Banco X, SA., pelo executado e por V. F., o financiamento para aquisição do veículo.
10 - Financiamento que foi aprovado pelo Embargado pelo montante de 17.400,00€ (dezassete mil e quatrocentos).
11 -Sendo o montante total do crédito de 18.925,22€;
12 - Com TAEG de 11,1% e TAN de 9,009%;
13 - Com um custo total do crédito de 12.244,80€;
14 - E montante total imputado ao consumidor de 29.644,80€;
15 - A pagar em 120 prestações mensais iguais e sucessivas de 243,54€;
16 – E subordinado tal contrato a que foi atribuído o nº .........02, resultante de proposta ………..45 às cláusulas do mesmo constantes, nomeadamente tendo como garantia livrança em branco subscrita(s) pelo(s) Cliente/s);
17 - Com reserva de propriedade sobre o bem supra identificado.
18 - Consta do contrato de crédito, assinado pelos executados, entre o mais:
19 - “Cláusula 4 - confissão de dívida: se confessarem “devedor da quantia mutuada, obrigando-se a reembolsá-la ao Banco acrescida dos respectivos juros remuneratórios, encargos, comissões e despesas, bem como dos juros moratórios e indemnizações a que eventualmente haja lugar, nos termos do Contrato”;
20 – Cláusula 7 – Encargos “São da responsabilidade do Cliente todos os encargos, despesas e comissões estipuladas no Contrato, bem como as previstas no preçário que constitui parte integrante do presente Contrato, disponibilizado ao público no endereço www.X.pt, na sede e estabelecimentos do Banco X SA.
21 - Cláusula 8 – Reembolso do Crédito:
8.1 “O cliente obriga-se a reembolsar o crédito em prestações, cujo tipo, número, periocidade, valor e data de vencimento estão estabelecidas nas C.P.,” e demais condições de reembolso aí previstas.
22 – Cláusula 10 – Garantias, titulação e pacto de preenchimento:
10.1 Para garantia de todas as responsabilidades do Cliente emergentes do Contrato (…) compreendendo capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos, o Cliente presta as garantias indicadas nas C.P.”
10.2 “Caso tal garantia esteja prevista nas C.P. o cliente entrega ao Banco uma livrança em branco em função da garantia do Contrato subscrita pelo Cliente a qual será avalizada pelo Garante se identificado nas C.P.”
10.3 “O Cliente e o Banco acordam, desde já, em caso de incumprimento definitivo do Contrato, o Banco fica expressamente autorizado a completar o preenchimento da Livrança mencionada no número anterior, designadamente no que se refere à data de emissão, data de vencimento, local de pagamento e valor, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo Cliente em consequência do Contrato, adicionadas do imposto de selo devido pelo preenchimento do Contrato, o qual constitui encargo do cliente”.
23 – Garantia essa prevista no contrato, na parte de Garantias, Livrança em branco, subscrita pelo (s) Cliente (s) Sim.
24 – Tal contrato prevê na cláusula 13.a que “a falta de pagamento no prazo estipulado de qualquer prestação convencionada constitui o cliente em mora e importa a aplicação de uma sobretaxa anual de 3% a título de juros moratórios (sujeitos e imposto de selo…) a acrescentar à taxa de juros remuneratórios acordada e, calculada sobre o capital vencido e não pago, o qual incluirá os juros remuneratórios capitalizados.”
25 – Será ainda cobrada uma única vez por cada prestação vencida e não paga uma comissão pela recuperação dos valores em dívida de 4%...”
26 – E na cláusula 14.3: “Com a resolução do contrato são devidas todas as prestações não pagas acrescidas dos juros moratórios, eventuais comissões e sanções contratualmente previstas, bem como a parte do capital de todas as prestações vincendas;
27 – E na cláusula 14.4: “Em caso de resolução fundada em incumprimento definitivo imputável ao cliente será ainda exigido ao cliente o pagamento do montante correspondente ao 15% do capital em dívida, que resulta do somatório da parte de capital das prestações vencidas e não pagas e da parte de capital das prestações vincendas a título de cláusula penal indemnizatória”.
28 – E na cláusula 19 nomeadamente 19.1 que “as comunicações escritas expedidas pelo Banco serão dirigidas aos endereços constantes no contrato, salvo se outros lhes forem comunicados nos termos do número seguinte”
29 – Cláusula 19.2 “Qualquer alteração superveniente dos endereços do (s) cliente (s) …deverá ser comunicada ao Banco, em papel ou noutro suporte duradouro, nos 30 dia subsequentes à referida alteração, acompanhada do respectivo comprovativo que sustente essa alteração…”
30 – O que não aconteceu no caso em concreto;
31 –Estabelece a cláusula 19.3 “As comunicações têm-se por efectuadas se só por culpa do destinatário não forem por ele oportunamente recebidas”
32 - Declararam ainda os embargantes “Autorizo (amos) o Banco a preencher a livrança em branca por mim (nós) subscrita em conformidade com o pactuado no contrato, em caso de incumprimento definitivo.”
33 - O contrato de crédito foi outorgado mediante a entrega aos embargantes de um contrato com as condições gerais pré-elaboradas, cujo conteúdo não puderam influenciar e não foram sujeitas a prévia negociação individual e as condições particulares.
34 - Antes da assinatura do contrato, os embargantes foram informados das cláusulas que o compõe.
35 - Foi entregue aos embargantes um exemplar do contrato e os mesmos foram informados do concreto e real montante objeto do financiamento, a existência de custos do crédito, a efetiva taxa de juro aplicável ao montante financiado, a existência de comissões de processamento de prestação, o custo total do crédito de 12.244,80€, montante total imputado ao consumidor de 29.644,80€, a existência de juro diário em caso de livre revogação de 4,74€ e a existência de reserva de propriedade a favor da sociedade financeira até integral pagamento do valor financiado.
36 - O executado P. F. apercebeu-se da existência de desconformidades entre a matrícula originária – ……1 – constante da ficha de inspeção técnica periódica e a matrícula inicial – ……3 - aposta no Documento Único Automóvel.
37 - Solicitou ao Embargado que procedesse à recolha do veículo financiado, mantendo o veículo imobilizado.
38 - O executado entregou o veículo à embargada, em 07.05.2019.
39 - Mediante pedido de venda assinado pelo executado, através do qual declarou “Solicito ao Banco X SA que, por si ou através de terceiro…, proceda em meu nome e representação à venda da viatura de minha propriedade Renault Captur versão Diesel, matrícula UT nas condições e pelo preço que melhor entender.
-O produto dessa venda será imputado sucessivamente:
(i) à satisfação da comissão de gestão de venda de bens financiados entregues para venda ao Banco X e previsto no respectivo preçário em vigor (ou equivalente destinada a retribuir o serviço solicitado);
(ii) à satisfação de todas as despesas necessárias à recuperação da viatura e venda do veículo, designadamente as referentes a reboques, limpeza, reparações, parqueamento e avaliação do veículo, serviços de leiloeiras e emolumentos, par efeitos de aferição de inscrição da propriedade sobre o veículo e, por fim
(iii) à amortização da dívida do contrato de financiamento, melhor identificado sob o n.º .........02;
Para esse efeito junto a declaração de venda…
Mais declaro que, caso o valor da venda do veículo não seja suficiente para regularizar toda a dívida emergente do contrato, me responsabilizo pela regularização da quantia sobrante da qual, para os devidos e legais efeitos, me confesso devedor….
Comprometo-me, pelo exposto, a liquidar a quantia sobrante, o que farei após comunicação por carta da referida venda”.
40 - Tendo sido enviada ao executado carta de apresentação de viatura em leilão, registada em 16.05.2019.
41 – E carta a informar do valor de venda da viatura por 10.100,00€, registada em 14.06.2019, com indicação do valor em dívida do contrato à data de 10.167,04€, e novo plano de pagamentos.
42 - Tendo sido esse valor de 10.100,00€ o efectivamente recebido pela venda da viatura de contrato em estabelecimento de leilão.
43 - Por carta registada com AR, datada de 30.07.2020, remetida para a morada de contrato .........02, e comprovativo junto aquando da celebração do mesmo contrato, foi comunicado aos executados:
44 - “ASSUNTO: Resolução – contrato de crédito n.º .........02
Exmo.(a) Senhor(a), Não obstante o prazo concedido para regularização do valor em mora, tal não se verificou, pelo que comunicamos a resolução do contrato identificado em assunto, com fundamento em incumprimento definitivo.
Mais informamos que, nos termos acordados contratualmente, foi efectuado o preenchimento da livrança-caução pelo montante de € 13.094,73 correspondente às responsabilidades, à data, emergentes do contrato ora resolvido.
O mencionado montante corresponde a:
Capital em dívida 10.167,04 €
Juros remuneratórios 998,71 €
Juros moratórios 114,19 €
Cláusula penal indemnizatória 1.466,40 €
Despesas contratuais com I.Selo 172,80 €
Despesas contratuais com IVA 0,00 €
Imposto do selo 110,12 €
Imposto de selagem da livrança 65,47 €
TOTAL 13.094,73 €
45 - Por forma a evitar a realização de diligências de cobrança judicial, deverá proceder ao pagamento do valor aposto na livrança, até ao dia 11/08/2020 através dos meios de pagamento disponibilizados pelo Banco X (cheque, vale postal, numerário, multibanco ou depósito em conta).
46 - A referida livrança encontra-se a pagamento nas instalações do Banco X S.A. sitas no Edifício …, Rua ..., … Porto.
Colocamo-nos à disposição de V. Exa. para qualquer esclarecimento adicional poderá contactar-nos através do telefone 707 200 690 ou através do e-mail contencioso@X.pt ou ainda através do nosso site www.X.pt”.
47 – Carta essa, que foi devolvida ao Exequente, por não recebida.
48 - Anteriormente aos executados, foi também comunicado a 05.09.2019, a integração em PERSI, com pedido de documentação em 10.09.2019, o qual foi encerrado conforme comunicação enviada aos executados, em 01.10.2019.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) O preço do veículo foi de € 14.900,00.
b) Os embargantes não foram interpelados da resolução do contrato de crédito ou para procederem ao pagamento de quaisquer quantias subjacentes à emissão da livrança.
c) O embargante entregou o veículo à exequente sem nunca o ter utilizado.
d) O veículo foi vendido pela embargada pelo valor de € 10200,00.
e) A embargante limitou-se a apor a sua assinatura no contrato e na livrança sem ler os respectivos documentos e sem ter a percepção do seu concreto conteúdo, por julgar corresponder apenas ao financiamento de € 14900,00, correspondente ao preço do automóvel.
f) Inexistindo por parte dos embargantes a consciência na declaração e a vontade de solicitar e assumir um financiamento no montante de € 17.400,00.
g) A embargante teria recusado e não aposto a sua assinatura no contrato e livrança dada à execução e realizado o negócio que esteve subjacente ao dito financiamento se tivesse a consciência de que seria pessoalmente responsável pelo seu pagamento.
h) Facto de que viria apenas a tomar conhecimento depois da entrega do veículo.
i) Os embargantes confiaram que o valor de € 17.900,00, correspondia à soma do valor do financiamento e dos custos totais do financiamento.
j) No momento da entrega do veículo e do contrato é que os embargantes se aperceberam que o financiamento aprovado correspondia ao preço de aquisição do veículo.
k) Os embargantes acreditavam que com a entrega do veículo tal seria suficiente para resolver o contrato de financiamento e liquidar todas as quantias que pudessem estar em dívida por via do contrato de financiamento.
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A) Reapreciação da matéria de facto
Insurgem-se os apelantes contra os factos provados 8 a 35, 39, 43 a 46, 48 e contra os factos não provados a) a k).
Vejamos.
Nos termos do art. 662º nº 1 do C.P.C. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas. Contudo, não poderá deixar-se de ter presente que, por força da imediação, o tribunal da primeira instância é o que se encontra melhor colocado para apreciar a prova, designadamente a testemunhal.
Feitos estes considerandos verificamos que os apelantes deram cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 do C.P.C., pois indicaram Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (a)), Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (b)) e A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c)).
Revertendo ao caso em apreço, e ouvida a prova, desde já, adiantamos que entendemos que o Tribunal a quo apreciou correctamente a prova.
- Factos provados 8 a 35, facto não provado a)
É de manter esta matéria provada e não provada uma vez que a matéria aqui referida resulta do contrato de financiamento junto aos autos, designadamente a identificação dos titulares e o valor da venda, e que os embargantes reconhecem ter subscritos. Se estes dados estavam incorrectos aqueles, aquando da assinatura do contrato, tinham o dever de o ter lido e deviam ter-se recusado a assiná-lo.
Afigura-se-nos que a razão apontada pelos embargantes para descredibilizar de todo o depoimento da testemunha N. F. não procede. Não obstante esta testemunha ter afirmado que o A. M., intermediário do contrato de financiamento, lhe pediu colaboração com vista a que os embargantes procedessem ao pagamento das prestações em atraso, o que foi negado por esta testemunha, tal não invalida que outras partes do seu depoimento possam ser credíveis tanto mais que entendemos, contrariamente aos embargantes, que aquela testemunha não tem interesse no desfecho da causa. Com efeito, a mesma recebeu da financiadora o preço pedido pela venda da viatura em causa não podendo, assim, ser afectada pela procedência ou improcedência destes autos. Acresce que inexiste qualquer indício de fraude na obtenção do financiamento apontada a esta testemunha.
Pelo contrário, a embargante tem óbvio interesse no desfecho da causa pelo que as suas declarações acerca do preço de compra ser de 14.900,00 não merecem credibilidade tanto mais que a mesma reconheceu que não tomou parte das negociações e limitou-se a deslocar ao norte para assinar o contrato tendo sido tudo muito rápido. Também não merece credibilidade a sua afirmação de ter assinado o contrato como fiadora, o que é contrariado pelo texto do contrato, sendo que acabou por referir que assinou o mesmo “no sentido de ajudar”, sabedora que o namorado já tinha um crédito e tal foi exigido outro titular pela financiadora com a clara consciência de que “caso ele não pagasse estava implicada da mesma forma”.
- Facto provado a aditar – 8º A, factos não provados e), f), g), h), i), j)
Da prova produzida, designadamente das declarações da embargante e dos depoimentos das testemunhas N. F. e A. M., não resulta, de modo algum, que os embargantes não tivessem consciência do que estavam a fazer e das consequências financeiras da assinatura do contrato de financiamento em causa, resultando, pelo contrário, a consciência que a aquisição da viatura em causa passava necessariamente por tal contrato. Acresce que se apurou que uma cópia do contrato foi entregue aos embargantes, o mesmo foi lido e explicado e dois representantes da sociedade que intermediou o financiamento estiveram presentes e disponibilizaram-se a prestar esclarecimentos.
- Facto provado 39
Resultando da declaração junta aos autos pela ré como documento nº 6 com as suas contestações é de manter este facto como provado.
- Factos provados 43 a 46, facto não provado b)
Os factos provados e não provado resultam dos documentos nº 1 juntos com as contestações, missivas que foram enviadas para as moradas dos embargantes que constam do contrato de financiamento, sendo que estes nunca comunicaram qualquer alteração da mesma. O facto destas cartas não haverem sido reclamadas não invalida que, ao abrigo do disposto no art. 224º nº 2 do C.C., sejam eficazes as declarações nelas constantes.
- Facto provado 48
Este facto resulta das cartas juntas como documentos nº 2 com as contestações.
- Factos não provados c), d) e k)
O facto não provado sob a al. c) é irrelevante para a decisão da causa, contudo é de manter como não provado uma vez que, não obstante tal ter sido afirmado pela testemunha A. F. e pela embargante, a prova em causa far-se-ia com a comparação da quilometragem do veículo no momento em que foi entregue ao embargante e no momento em que foi devolvido.
O preço de venda do veículo em leilão foi de € 10.100,00 conforme resulta da carta da embargada de 11/06/2019 enviada aos embargantes (doc. nº 7 com a petição/doc. nº 8 com as contestações) e da declaração de venda emitida por aquela com a mesma data (doc. nº 9 com as contestações).
Por fim, é de manter o facto não provado sob a al. k) uma vez que tal convicção não resultou claramente das declarações de parte da embargante, nem do depoimento de A. F..
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B) Subsunção jurídica
Importa agora analisar as questões de direitos suscitadas pelos apelantes sendo que podemos, desde já, adiantar que nenhuma censura não merece a decisão recorrida também nesta parte.
Vejamos.
Dispõe o art. 10º nº 4 C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem: Dizem-se “ações executivas” aquelas em que o credor requer as providências adequadas à reparação coactiva de uma obrigação que lhe é devida.
E nos termos do nº 5 do mesmo preceito: Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de facto, quer positivo, quer negativo. (nº 6).
O título executivo é condição necessária da acção executiva uma vez que sem ele não pode ser instaurada execução e condição suficiente da mesma dado que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação.
Em sede de títulos executivos vale a regra da tipicidade prevista no art. 703º.
No que concerne à exequibilidade a doutrina distingue a exequibilidade extrínseca da exequibilidade intrínseca.
A exequibilidade extrínseca reporta-se à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, requisito de certeza para acesso directo à realização coactiva de uma obrigação que é devida. Respeita ao preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar a função de título executivo. A falta de título está relacionada com esta exequibilidade.
A exequibilidade intrínseca diz respeito à obrigação exequenda e às suas características materiais, obrigação essa que tem que subsistir no momento da execução. Diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título. Tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda (art. 713º). A sua não verificação impede que o devedor seja executado quanto a tal prestação.
A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada noutro título que não a sentença ou decisão arbitral nos termos do art. 731º e 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente.
*
A oposição à execução é o meio processual através do qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente pedindo a extinção, total ou parcial, da execução. O opoente apenas pode invocar as causas de pedir previstas nos art. 729º a 731º, as quais dependem do título executivo em que se funda a execução
Uma vez que a execução em causa se baseia num título executivo que não é a sentença, podem ser invocados como causa de pedir os factos previstos no art. 729º nº 1 na parte em que lhes sejam aplicáveis e quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração (art. 731º).
Aplica-se à oposição à execução a regra geral de repartição do ónus da prova prevista no art. 342º do C.C. aferindo-se pela posição da parte na execução. Assim, incumbe ao executado opoente, funcionalmente na posição de demandado na execução, alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito exequendo e inversamente incumbe ao exequente fazer a prova dos factos constitutivos da sua pretensão.
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Dispõe o art. 703º nº 1: À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; (…)
A livrança é um título de crédito à ordem que consubstancia uma promessa pura e simples de pagar uma certa quantia, numa determinada data e local, a uma determinada pessoa ou à ordem de quem deve ser paga (art. 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (L.U.L.L.)).
O beneficiário da mesma assume a posição de tomador e de portador enquanto não transmitir a livrança, designadamente por endosso.
Nos termos do art. 76º da L.U.L.L. O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeitos como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes: (…).
E o art. 77º nº 2 do mesmo diploma refere que São aplicáveis às livranças as disposições relativas (…) a letra em branco (art. 10º). E dispõe este último preceito que Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido falta grave.
Assim, a livrança em branco é uma livrança incompleta, em que falta algum dos requisitos essenciais, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário e tal título de crédito só se adquire plena eficácia com o preenchimento das indicações em falta.
A este propósito, de um modo exemplar, pronunciou-se o Ac. do S.T.J. de 20/10/2015 (Garcia Calejo):
“A livrança em branco, deverá ser entregue pelo subscritor, ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher. O preenchimento da livrança (letra) incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança (letra). Esse preenchimento deverá ser efectuado segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Este concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros etc.). Só quando, no uso da autorização que concede o acordo de preenchimento, o possuidor do título o preenche, dotando-o de requisito próprios da letra, “é que surge para o primeiro signatário, para aquele que entrega o título incompleto, a obrigação cambiária” (…). A entrega da livrança, sem que o respectivo subscritor dê autorização ao credor para a preencher, dá origem a uma livrança incompleta, mas já não a uma livrança em branco. Esta surge quando, para além da entrega da letra, o subscritor dá autorização ao credor para a completar, segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Como sinteticamente salienta Pinto Furtado (…) “letra (livrança) em branco é aquela que tem atrás de si um acordo para preenchimento ulterior, ao passo que na letra incompleta, não existe esse acordo. A primeira é uma letra em formação sucessiva, enquanto a segunda não passará de título nulo, que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais”. (…) O acordo ou contrato de preenchimento pode ser expresso, ou tácito. Existirá o primeiro, quando a estipulação, em relação ao preenchimento, é declarada expressamente. Ocorrerá o acordo tácito, quando o preenchimento deriva e é definido pelo conteúdo da relação jurídica fundamental subjacente. (…) Deste artigo resulta que não é indispensável que a letra/livrança contenha, logo de princípio, todos os requisitos a que alude o art. 75º da L.U.. Do confronto entre os arts. 75º e 76º da L.U. (…), por um lado, e o art. 10º, por outro, concluiu-se que o momento decisivo para se determinar a validade da letra não é o da emissão, mas sim o do vencimento (…). Depois da emissão, poderá o título vir a ser dotado dos elementos necessários para que possa produzir efeitos como livrança, sendo necessário, porém, que esses requisitos constem nela na altura do seu vencimento. Se, neste momento, a livrança se não encontrar preenchida, então, nos termos dos arts. 75º e 76º, não poderá produzir efeitos como livrança.”
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Revertendo ao caso apreço verificamos que a livrança dada à execução foi subscrita pelos embargantes apelantes e foi entregue em branco à embargada no âmbito do contrato de crédito “Para garantia de todas as responsabilidades do Cliente emergentes do Contrato (…) – cfr. Cláusulas 10.1 e 10.2.
Assim sendo, em face do documento junto com o requerimento executivo – livrança totalmente preenchida – dúvidas não existem de que a mesma consubstancia título executivo (não se justificando consequentemente considerar esse documento como quirógrafo).
No referido contrato os embargantes autorizaram a exequente a preencher tal livrança de acordo com o pacto de preenchimento em caso de incumprimento definitivo – Cláusula 10.3.
Consubstanciando a relação entre exequente e executados uma relação imediata podem estes opor àquela o incumprimento do pacto de preenchimento, como fizeram, contudo não lhes assiste razão. Com efeito, da matéria de facto não resulta provado o alegado por aqueles, designadamente que o valor do financiamento fosse de € 14.900,00, que a entrega do veículo à exequente seria suficiente para resolver o contrato e liquidar as quantias em dívida, que o produto da venda do veículo em leilão tivesse sido de € 10.200,00 ou que estivesse apenas em dívida a quantia de € 4.700,00.
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No que concerne à exequibilidade intrínseca vejamos se a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível.
Nas palavras de Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 229, “Estamos na configuração que o próprio direito a uma prestação deve apresentar para poder ser objecto de uma execução: deve corresponder a uma obrigação que o executado deva cumprir ao tempo da citação e que seja qualitativa e quantitativamente determinada: em suma, a obrigação deve ser exigível e determinada.”. “Se a obrigação não for exigível ou determinada em face do título, o exequente pode promover as diligências destinadas a torná-la exigível e determinada (cf. artigos 714º a 716º), sob pena de proceder a oposição à execução nos termos dos artigos 729º al e).”
No caso sub judice a obrigação exequenda mostra-se certa e líquida, i.e., quantitativa e qualitativamente determinada.
O art. 817º do C.C. exige que, além do mais, a obrigação seja materialmente exigível.
Segundo o mesmo autor, ob. cit., p 230 a 232, “A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação ao devedor”, “(…) é a obrigação que está em tempo de cumprimento – é a obrigação atual” e “(…) é condição material de realização coactiva da prestação”.
A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
Quando a obrigação esteja sujeita a prazo que conste do título executivo e este já tenha decorrido (art. 779º e 805º nº 2 a) do C.C.) a exigibilidade da obrigação exequenda resulta daquele título.
No caso de obrigação condicional ou dependente de contraprestação deve o credor, ao instaurar a execução, fazer a demonstração da ocorrência do facto que condiciona a exigibilidade nos termos do art. 715º do C.C..
Nas obrigações puras a lei admite a execução imediata de obrigações que apenas se vão vencer com a citação para a execução. Sendo mais vantajoso para o exequente a demonstração da interpelação prévia, designadamente para a contagem de juros moratórios, o mesmo pode lançar mão do disposto no art. 715º do C.C..
Exigibilidade e vencimento da obrigação não coincidem sempre. Pode haver obrigação ainda não vencida, mas exigível (obrigação pura) e pode haver obrigação vencida, mas ainda não exigível (a obrigação vencida, mas que o credor está em mora).
In casu a exequente enviou aos embargantes uma carta datada de 30/07/2020 através da qual declarou resolvido o contrato de financiamento com fundamento em incumprimento definitivo e comunicou o preenchimento da livrança dada como garantia com a quantia referida explicando como este valor foi obtido. Esta missiva foi enviada para as moradas dos embargantes constantes do contrato (e que não foram por eles alteradas) pelo que, ao abrigo do disposto no art. 224º nº 2 do C.C., tais declarações de resolução são eficazes (art. 436º nº 1 do C.C.) e consequentemente são devidos juros de mora desde essa interpelação.
Assim sendo, improcede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade dos apelantes face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:
I - É de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda.A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença nos termos do art. 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente. II - “letra (livrança) em branco é aquela que tem atrás de si um acordo para preenchimento ulterior, ao passo que na letra incompleta, não existe esse acordo. A primeira é uma letra em formação sucessiva, enquanto a segunda não passará de título nulo, que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais”. III - A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.