CONTRATO DE IMEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
EXCLUSIVIDADE
NÃO CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO
CAUSA IMPUTÁVEL AO CLIENTE
Sumário

I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º/1 da Lei n.º 15/2013).
II - Excepcionalmente a remuneração é devida, apesar de o negócio visado não se ter concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º/2 da Lei n.º 15/2013).
III - Por causa imputável deve entender-se não apenas o factor situado na esfera de disponibilidade do cliente, mas aquele em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado, de modo que não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.

Texto Integral

Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:14716.20.1T8PRT.P1

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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
E..., Lda., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede no ..., instaurou acção judicial contra AA, contribuinte fiscal n.º ..., portadora do cartão do cidadão nº ...68, residente no ..., pedindo a condenação da ré a pagamento à autora da quantia de €11.500,00, acrescido de IVA à taxa legal, no montante de €2.645, e juros de mora até integral pagamento.
Para fundamentar o seu pedido alegou em súmula, que celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, obrigando-se a ré a pagar-lhe a remuneração de 5% do preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida de IVA; que depois disso realizou diversos actos de promoção da venda do imóvel em resultado dos quais obteve uma interessada que se dispôs a pagar o preço pretendido pela ré, com a qual foram inclusivamente acordadas as condições para a concretização do negócio; que a ré aceitou vender o imóvel a esta interessada mas depois decidiu desistir do negócio, apesar do que é devida à mediadora a remuneração nos termos do artigo 19.º, nº 2 da Lei 15/2013.
A ré foi citada e apresentou contestação defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que explicou à autora e esta aceitou que iriam procurar no mercado imobiliário uma casa com terreno nas imediações do Porto para a ré comprar por preço que não excedesse o que viesse a ser obtido com a venda do imóvel de que era proprietária, e vender este imóvel apenas depois de ter tomado a decisão de comprar essa casa, condição que nunca se verificou, sendo que entretanto a ré ficou mesmo impedida de vender o seu imóvel por motivos inesperados em virtude de ter de acolher a sua mãe por motivos de saúde desta.
Oportunamente foi realizado julgamento e proferida sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de €11.500,00, acrescida de juros de mora desde 22 de Setembro de 2020 até integral pagamento e do valor do IVA à taxa que vigorar na data da emissão da factura.
Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a) Da correcta ponderação, apreciação e conjugação do teor dos documentos juntos aos autos, das declarações das testemunhas bem como das declarações de parte prestadas em audiência de julgamento, que, por mera questão de brevidade aqui se transcrevem nos exactos termos supra alegados, deveria o tribunal recorrido ter decidido de maneira diversa no que aos factos provados concerne;
b) As declarações prestadas pela testemunha BB (prestadas aos 15 de Junho de 2021, gravado em suporte digital – constantes da acta de fls. … datada daquele mesmo dia (gravado através do sistema integrado de gravação digital, desde 14:52:18 a 15:20:02), deverão ser valoradas como um todo e das mesmas resulta que, em suma, referiu: que a recorrente estava à procura de uma outra casa para compra; que quando da comunicação à recorrente da proposta apresentada pela interessada CC a mesma informou que não aceitava por não ter ainda encontrado uma casa; que após a apresentação da proposta se mostrava necessária a aceitação por parte da recorrente/proprietária, tal como consta no documento que lhe foi exibido de fls. 11 e segts. (denominado “anexo 1 – proposta de compra – ... 1 – ... do proponente comprador”); que fruto daquela não aceitação não foi elaborado qualquer contrato de promessa; - que após aquela primeira proposta, que não foi aceite, enviou à recorrente uma outra nova proposta;
c) Tal referido depoimento tem, ainda que parcialmente, correspondência com o que consta na documentação que se mostra junta a fls. 11 e segts. (doc. nº 3 junto com a petição inicial) – vide ponto 04 das condições complementares, nos documentos nºs 1, 4 e 5 juntos com a contestação, bem como e ainda na não prova do facto constante na alínea b) dos factos não provados:
d) De igual modo tal supra transcrito depoimento mostra-se reforçado, naquela exacta medida e ainda que parcialmente, pelo depoimento da testemunha DD (prestado aos 15 de Junho de 2021, gravado em suporte digital – constantes da acta de fls. … datada daquele mesmo dia (gravado através do sistema integrado de gravação digital, desde 15.49:40 a 15:55:43), e declarações de parte da recorrente (prestadas aos 15 de Junho de, gravado em suporte digital – constantes da acta de fls. … datada daquele mesmo dia (gravado através do sistema integrado de gravação digital, desde 14:33:33 a 14:51:04), que supra se transcreveram e aqui se dão por reproduzidos;
e) O que tudo conduzirá seguramente à demonstração dos seguintes factos que deverão ser dados como provados:
1) a recorrente quando da outorga do contrato dos autos estava à procura de uma outra casa para compra, o que era do conhecimento da recorrida;
2) quando da comunicação à recorrente da proposta apresentada pela interessada CC a mesma informou a recorrida que não aceitava por não ter ainda encontrado uma casa;
3) após a apresentação de qualquer proposta se mostrava necessária a aceitação por parte da recorrente/proprietária, tal como consta no documento que lhe foi exibido de fls. 11 e segts. (denominado “anexo 1 – proposta de compra – ... 1 – ... do proponente comprador”);
4) fruto daquela não aceitação da proposta não foi elaborado qualquer contrato de promessa;
5) após aquela primeira proposta, que não foi aceite, a recorrida enviou à recorrente uma outra proposta;
f) Haverá ainda que ter em conta o depoimento da testemunha CC (prestado aos 15 de Junho, gravado em suporte digital – constantes da acta de fls. … datada daquele mesmo dia (gravado através do sistema integrado de gravação digital, desde 15:38:05 a 15:48:43), que supra se transcreveu e aqui se dá por reproduzido, a qual assumiu que pretendia a imediata entrega do imóvel, devendo o tribunal ter dado como provado, como se pretende, a seguinte factualidade: a interessada proponente na compra do imóvel dos autos pretendia a imediata entrega do mesmo.
g) De resto, e ainda a propósito do contrato dos autos, conforme do respectivo teor resulta, deveria ser dado como provado que do mesmo nada consta acerca das condições do negócio ali visado para além do preço de venda.
h) De tais transcritos depoimentos, das testemunhas, declarações de parte, bem como e ainda da referida documentação, Excelentíssimos e Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, seguramente resulta conclusão bem diversa daquela que consta na supratranscrita sentença como fundamentação da resposta à matéria de facto provada cujo aditamento se pretende pela presente via recursal.
i) Assim sendo, deveria o tribunal recorrido, na correcta interpretação das declarações das testemunhas, de parte prestadas, conjugados, para além do mais, com os documentos que se encontram juntos aos autos, ter dado como provada, na sua totalidade, a seguinte factualidade:
1) A recorrente quando da outorga do contrato dos autos estava à procura de uma outra casa para compra, o que era do conhecimento da recorrida.
2) Quando da comunicação à recorrente da proposta apresentada pela interessada CC a mesma informou a recorrida que não aceitava por não ter ainda encontrado uma casa.
3) Após a apresentação de qualquer proposta se mostrava necessária a aceitação por parte da recorrente/proprietária, tal como consta no documento que lhe foi exibido de fls. 11 e segts. (denominado “anexo 1 – proposta de compra – ... 1 – ... do proponente comprador”).
4) Fruto daquela não aceitação da proposta não foi elaborado qualquer contrato de promessa.
5) Após aquela primeira proposta, que não foi aceite, a recorrida enviou à recorrente uma outra proposta.
6) A interessada proponente na compra do imóvel dos autos pretendia a imediata entrega do mesmo.
7) Do contrato de mediação celebrado entre recorrente e recorrida nada consta acerca das condições do negócio ali visado para além do preço de venda de €230.000,00 (duzentos e trinta mil euros).
j) Ao não decidir de tal maneira, o tribunal recorrido, não ponderou devidamente todos os supramencionados elementos de prova constantes do processo, pelo que deve ser alterada em conformidade a resposta aos referidos pontos de facto, nos termos do nº 1 do art.º 662º do Cód. de Proc. Civil;
k) Fruto da supra-referida alteração da matéria de facto dada como provada, outra não poderá ser a decisão final a proferir que não seja a da absolvição da recorrente dos pedidos que contra a mesma vem formulados, com as legais consequências;
l) Fruto do que consta do documento de fls. 11 – expressa condição de aceitação por parte da recorrente da proposta apresentada para que a mesma se torne válida, o que manifestamente não sucedeu, não poderá concluir-se pela condenação daquela como da sentença em crise consta;
m) No contrato de mediação não consta qualquer convenção escrita acerca do montante do sinal a prestar e/ou prazo de entrega do imóvel e/ou celebração da eventual escritura pública – o que não foi sequer objecto de alegação por parte da ora recorrida;
n) Do “contrato de mediação imobiliária” junto a fls. ... resulta que:
- o mesmo tem uma configuração predisposta de contrato-tipo, na qual, não existe qualquer cláusula para definir as condições concretas de um contrato de compra e venda que seja pretendido pelo cliente vendedor, ora recorrente, para além do preço e da identificação das coisas integrantes do imóvel incluídos no preço (encontrando-se assinalado e preenchido aquele contrato apenas nos locais e campos abertos das menções predispostas);
- prevê-se na cláusula 2ª, em conformidade com o regime legal aplicável (vide lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro), que para além de a mediadora se obrigar a diligenciar por conseguir um interessado na compra e venda pelo preço ali indicado de € 230.000,00, o faz através do desenvolvimento de «acções de promoção e de recolha de informações sobre os negócios pretendidos…» (sic), informações estas que devem ser recolhidas junto do vendedor (in casu a recorrente) quanto aos demais elementos essenciais e acessórios do contrato pretendido;
- na cláusula 9ª, de forma correspectiva com a obrigação da cláusula 2ª e com a delimitação de um prazo razoável (não estipulado in casu) que proteja a mediadora no exercício da sua actividade e responsabilize o cliente vendedor (recorrente) pela definição das condições do contrato pretendido e pela prestação de informações rigorosas à mediadora, consigna-se que este «colaborará com a mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de __ dias, a contar da assinatura do presente contrato».
o) A falta de convenção escrita no contrato de mediação que o negócio de compra e venda visado estaria condicionado a um prazo de entrega do imóvel definido pela recorrente (indicação esta que não é obrigatória no contrato de mediação nos termos do artº 16º nº 2 da citada lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro e que respeita tipicamente ao objecto do negócio a realizar entre o vendedor e o comprador), associada à convencionada incumbência da mediadora recolher as informações sobre a compra e venda (junto da vendedora) e à convencionada obrigação do clientes vendedor prestar e facultar à mediadora todos os elementos úteis à venda em prazo que não foi acordado após a subscrição do contrato de mediação, permite concluir o seguinte com efectivo e relevante interesse para a boa e justa decisão do presente pleito:
- a recorrente/vendedora não assumiu qualquer obrigação perante a recorrida/mediadora de aceitar vender o seu imóvel a interessado por si angariado que pagasse o preço indicado (ou posteriormente aceite), sem possibilidade de exigir e de negociar prazos de entrega do imóvel que lhe fossem convenientes, sob pena de incumprir obrigações contratuais com a mediadora e/ou de lhe vir a ser imputada a falta de acordo quanto ao prazo de entrega do imóvel da compra e venda;
- os elementos do negócio a exigir pelo vendedor ao comprador, cuja informação fosse útil para a actividade de mediadora, deveriam ser fornecidos pela recorrente/cliente à recorrida/mediadora em prazo a acordar (que não foi) após a subscrição do contrato (e sempre que fosse instada por esta – que não foi);
p) De tal modo, e como resulta provado (vide, entre outra, a factualidade constante em número 7 dos factos provados e resulta do teor do documento junto com a contestação sob o número 6), tendo a recorrida comunicado no próprio dia da visita (19 de Março) que não pretendia vender o imóvel por não ter ainda escolhido outro, a apresentação da proposta àquela (aos 20 de Março) surge seguramente após a recorrida ter conhecimento de tal condição (que, recorde-se, era já sabida antes da celebração do próprio contrato...);
q) Perante tal mencionada factualidade (ou falta dela) não se encontra preenchida a previsão normativa de “frustração de concretização do contrato por causa imputável ao cliente proprietário;
r) De tal forma, e por tudo quanto a propósito supra se cuidou de alegar, que aqui por mera questão de brevidade se reproduz, convicta está a recorrente que não se mostram in casu preenchidos os requisitos de que o artº 19º nº 2 da lei nº 15/2015 de 8 de Fevereiro faz depender o direito da recorrida/autora/mediadora obter a remuneração contratada – o que deve ser conhecido e declarado por este venerando tribunal superior;
s) Não pode ainda o recorrente deixar de suscitar uma outra questão que o tribunal recorrido não considerou e que é pertinente para a boa e justa decisão da questão em apreço, qual seja a da interpretação da declaração constante no documento de fls. 11 e segts, que refere expressamente que “04. esta proposta é válida pelo prazo referido supra, decorrido o qual se tem por não aceite por parte do proprietário” (sic);
t) Tal citada declaração constante do documento em apreço terá de ser analisada de acordo com as regras gerais relativas à interpretação da declaração negocial constantes dos artos. 236º e segts. do Cód. Civil, do que resulta que, sendo a recorrida conhecedora de que a recorrente não pretendia vender o imóvel antes de comprar um outro que se encontrava a escolher com a ajuda da vendedora daquela, certo é que a formalização da aceitação da proposta estaria dependente da vontade da recorrente;
u) E, mesmo não sendo a recorrida conhecedora de tal condicionante (no que obviamente se não concede), sempre a formalização da aceitação da proposta estaria dependente da vontade da recorrente, do que tudo era bem conhecedora a recorrida pois tal aceitação por parte da recorrente consta de documento da respectiva autoria, como os supramencionados efeitos probatórios...;
v) Ao que acresce que, analisando todas as cláusulas do contrato dos autos e confrontando-as com os factos assentes aqueles que se mostram já assentes e aqueles que constituem objecto do presente recurso), e tudo conjugando com regras de experiência comum e lógica, mostra-se viável concluir que recorrente e recorrida pretenderam condicionar a aceitação de qualquer proposta à vontade daquela (fruto dos condicionalismos que envolviam o negócio);
w) Por último e por mera cautela de patrocínio, não pode ainda a recorrente deixar de invocar o manifesto abuso do eventual direito que assista à recorrida em reclamar da recorrente o pagamento de uma comissão alicerçada numa exclusividade contratual, porquanto, aquela não se coibiu de, à margem das indicações que lhe foram transmitidas pela recorrente, negociar a venda do imóvel, que se consubstanciou na recepção a proposta, negociação das condições de venda (sinal, prazo, entre outros), bem sabendo a recorrida que a recorrente “...não venderia o imóvel por ainda não ter um outro imóvel escolhido para compra” (facto provado sob o número 7);
x) No caso dos autos, temos que não obstante a recorrente ter manifestado a intenção de não vender o imóvel pelos supra indicados motivos, a recorrida:
- Remeteu à mesma uma mensagem de correio electrónico (aos 20 de Março de 2019 – doc. nº 6 junto com a contestação) tentando convencer a mesma de que “...estás a fazer um bom negócio, mesmo. este tipo de sorte não é nada comum acredita” (sic), pois “não tenhas dúvidas que vais conseguir o que queres a casa dos teus sonhos” (sic);
- Nunca em momento algum anterior ao do início da presente instância interpelou a recorrente para cumprir o contratualmente acordado (na perspectiva daquela);
- Aceitou posteriormente à comunicação constante no ponto 7 dos factos provados não só negociar com aquela interessada (vide, a propósito o texto do doc. nº 6 junto com a contestação), mas de igual modo nova proposta (doc. nº 8 junto com a contestação);
- Informou a recorrente que a parceira de negócio (com quem aquela nenhuma relação contratual estabeleceu) é que estava a exigir pagamento de comissão - doc. nº 9 junto com a contestação;
y) Verifica-se de tal modo no caso concreto um manifesto abuso do direito, na vertente do venire contra factum propriu, e, como tal, deve ser conhecido e declarado tal abuso do direito;
z) Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido interpretou de forma errada e/ou violou o disposto, entre outros, nos artos. 236º, 238º, 334º e 376º do código civil, bem como Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro, mormente o disposto nos seus artos. 16º nº 2 g) e 19º nº 1.
Nestes termos, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, e, revogando-se a douta sentença recorrida, julgar-se procedente por provado o presente recurso, absolvendo-se a recorrente dos pedidos que contra a mesma foram formulados e foi condenada em primeira instância, com todas as devidas e legais consequências, por ser de inteira justiça.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
ii) Se não estão demonstrados os requisitos do direito do mediador à remuneração, previstos no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
No recurso a recorrente pede que esta Relação julgue provados o conjunto de factos, sustentando que «deve ser alterada a resposta aos referidos pontos de facto, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil».
É duvidoso se nos encontramos perante uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou perante um pedido de ampliação da matéria de facto. A impugnação tem lugar quando o tribunal a quo julgou provado ou não provado um determinado facto e o recorrente pretende a modificação dessa decisão. A ampliação tem lugar quando o tribunal a quo não proferiu decisão sobre um determinado facto que o recorrente entende que é necessário para o conhecimento do mérito da causa e por isso pretende que seja proferida (a primeira) decisão sobre o mesmo. A diferença é que no primeiro caso o que se pretende é a alteração da decisão proferida, no segundo que seja proferida a decisão que ainda não existe no processo.
A distinção não é processualmente despicienda. Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto cabe ao tribunal de recurso reapreciar a prova, formar a sua própria convicção e decidir se o julgamento da primeira instância deve ser mantido ou alterado (n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil). Na ampliação da matéria de facto o tribunal de recurso deve pronunciar-se sobre o relevo dos novos factos para a apreciação das questões a decidir e, reconhecendo a respectiva importância, deve anular a decisão proferida na 1.ª instância e determinar a reabertura da audiência para nessa instância esses factos serem julgados (n.º 2, alínea c), última parte, e n.º 3, alínea b) do artigo 662.º do Código de Processo Civil).
A dúvida em causa resulta da circunstância de na decisão sobre a matéria de facto a sentença recorrida conter uma formulação algo equívoca. Por um lado, elenca de modo expresso (apenas) dois factos como tendo sido julgados não provados e, por outro lado, imediatamente a seguir, refere que «não resultaram provados quaisquer outros factos dos alegados pelas partes que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado meros factos conclusivos, irrelevantes, repetições dos factos relevantes e matéria de direito».
Esta redacção destinada a cobrir todas as hipóteses, permite a dúvida sobre se o tribunal a quo se pronunciou sobre os restantes factos alegados e os julgou não provados (obrigando o recorrente a impugnar essa decisão, ou seja, a cumprir os requisitos específicos dessa impugnação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil) ou não se pronunciou sobre os mesmos, em termos de os julgar provados ou não provados, por entender que não existiam mais factos (leia-se, factos e não conclusões, e factos com interesse) alegados (tornando necessário ao recorrente requerer a ampliação da matéria de facto, para o que basta justificar a necessidade da ampliação sem o cumprimento dos requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil).
Uma vez que o recorrente não pode ser prejudicado por esta forma dúbia como a sentença recorrida baliza a sua intervenção ao nível da matéria de facto, apesar da dúvida acompanharemos a leitura que o recorrente faz de que o tribunal a quo julgou não provados os factos mencionados pelo recorrente e apreciaremos o recurso no pressuposto de estarmos perante uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Uma vez que se mostram cumpridos os requisitos específicos dessa impugnação, nada obsta ao conhecimento da mesma.
Os factos objecto da impugnação estão elencados na conclusão i) das alegações de recurso.
O facto do ponto 1 tem interesse para contextualizar o facto julgado provado no ponto 7 e ajudar a compreender a dinâmica contratual.
A prova do mesmo provém do depoimento da testemunha BB que foi a pessoa que em nome da autora tratou com a ré de tudo o que respeitou a esta relação contratual, conforme aliás se anota do texto do próprio contrato, de cujo depoimento resulta que efectivamente a autora pretendia trocar de casa, mudando do apartamento que possuía para uma casa mais na periferia do Porto, tendo a testemunha apresentado à ré algumas hipóteses de que a ré não gostou.
Por conseguinte, decide-se julgar provado ainda o seguinte facto:
«A ré queria mudar do apartamento para uma casa e quando celebrou com a autora o contrato dos autos estava à procura de uma casa para comprar, o que era do conhecimento da autora, cuja vendedora BB estava a diligenciar para encontrar no mercado uma casa ao gosto da autora.»
O facto do ponto 2 tem interesse para a mesma finalidade e resulta provado através do mesmo meio de prova, tendo a testemunha afirmado que quando informou a ré da proposta da CC aquela lhe disse “automaticamente” que não iria vender (que “não aceitava”) porque ainda não tinha encontrado a casa que desejava para se mudar.
O facto em causa quase coincide com o facto provado no ponto 7 do elenco da sentença recorrida. A diferença reside apenas na especificação do momento em que a ré informou a autora de que decidira já não vender (não foi só nesse dia, foi nesse dia após ser informada da proposta recebida pela autora) e de que não se tratava apenas de não ter ainda outro imóvel para comprar, mas de ainda não ter encontrado a casa que procurava para se mudar. Os prints de mensagens de correio electrónico juntas com a contestação ajudam a compreender a sequência cronológica.
Por conseguinte, decide-se alterar a redacção do ponto 7 dos factos provados[1] a qual passa a ser a seguinte:
«No dia seguinte a autora comunicou à ré a proposta apresentada pela interessada CC, tendo a ré informado de imediato a autora que não aceitava vender por não ter ainda encontrado uma nova casa para si
O facto do ponto 3 (se uma proposta necessita de ser aceite pelo destinatário) é uma evidência que não carece de prova ou julgamento. Qualquer proposta que um interessado dirija a outro com vista à celebração de um negócio necessita de ser aceite pelo destinatário sob pena de não passar de uma proposta (artigo 232.º do Código Civil). Que a ré necessitava de aceitar a proposta de compra formulada pela interessada e não a aceitou porque entendeu não concretizar o negócio é algo que não merece qualquer discussão ou controvérsia nos autos (cf. ponto 7 dos factos provados). Por isso é absolutamente desnecessário acrescentar este ponto de facto.
O mesmo se diga quanto ao facto do ponto 4. Se a ré comunicou que não venderia o imóvel, não há qualquer necessidade de esclarecer que inclusivamente não celebrou qualquer contrato-promessa de compra e venda, sendo certo que o contrato objecto de mediação era a compra e venda, não a mera promessa de compra e venda.
O facto do ponto 5 também não tem qualquer interesse. A causa de pedir da acção é constituída pela obtenção da proposta de compra referida na petição inicial, pelo que qualquer outra proposta posterior, para além de não ter sido alegada pela autora para fundamentar o seu pedido, não tem interesse para a apreciação do mérito.
O facto do ponto 6 prende-se com o saber se a interessada CC pretendia a imediata entrega do apartamento que se propôs comprar à ré.
A testemunha BB, vendedora da autora, declarou que o aspecto do prazo da entrega do apartamento nem sequer chegou a ser falado porque a ré nem sequer consentiu essa discussão, recusando pura e simplesmente fazer o negócio; a proponente aceitava que a escritura fosse celebrada apenas 60 dias após o contrato-promessa e estava disponível para acordar um prazo para a ré comprar a casa para se mudar. A testemunha EE, também vendedora imobiliária cuja cliente era a proponente CC e que apresentou à autora a proposta desta, afirmou que o tema do tempo para o imóvel ser entregue à adquirente nunca foi abordado e que a sua cliente tinha como normal um prazo de 30 a 60 dias para essa entrega (leia-se, prazo entre a celebração do contrato-promessa e a celebração da escritura de compra e venda). Já a testemunha CC, a própria proponente referiu que desejava a casa para a filha e para esta deixar de suportar renda de casa, razão pela qual queria «ir logo para a casa» assim de decorresse «só o tempo de a senhora poder sair de casa», mas não se chegou a «esse ponto», ou seja, a questão não chegou a falada.
Nesse contexto probatório, o facto assinalado pela recorrente não pode ser julgado provado. Não só porque o que as testemunhas tinham em mente era a distância temporal entre a celebração do contrato-promessa e da escritura de compra e venda (estava pressuposto que a entrega tinha sempre de ocorrer com a escritura) e não propriamente (a celebração imediata da escritura e) a entrega imediata do imóvel à nova proprietária, como também porque o que elas revelam é que esse aspecto não chegou a ser negociado (razão pela qual não se pode afirmar, como pretende a recorrente, que a proponente exigia que a entrega fosse imediata), sendo que havia abertura para negociar a fixação de um prazo que podia ir até 60 dias entre a outorga do contrato-promessa e a celebração da escritura de compra e venda e entrega do imóvel.
Acresce que no seu depoimento de parte a ré foi peremptória na afirmação de que a sua posição na altura foi que não vendia, que não tinha condições para vender, não foi a de pretender que fosse fixado um prazo alargado para resolver a sua situação e entregar o imóvel e que tal pretensão tivesse sido recusada pela proponente.
O facto proposto no ponto 6 é assim julgado não provado, improcedendo a pretensão de aditamento do mesmo à fundamentação de facto.
Por fim, o facto do ponto 7. O seu teor resulta do próprio texto do contrato.
Por conseguinte, adita-se à redacção do ponto 1 a menção de que o contrato em causa está «junto com a petição inicial como documento 3, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido».

IV. Os factos:
Estão em definitivo julgados provados os seguintes factos[2]:
1) No âmbito da actividade de mediação imobiliária a que a autora se dedica, a autora e a ré celebraram um contrato em 9 de Fevereiro de 2019, que reduziram ao escrito junto com a petição inicial como documento 3, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido, intitulado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, mediante o qual a autora se obrigou a angariar um interessado para a compra do prédio urbano destinado a habitação sito na Rua..., ...2, no ..., descrito na Conservatória do Registo predial ... sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., pelo preço de €230.000,00.
2) Convencionaram a remuneração devida à autora de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, sendo o valor mínimo de €5.000,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%.
3) Mais convencionaram ser a autora contratada “em regime de exclusividade”, concretizando que tal implicaria que “só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência” (cláusula 4.ª).
4) E estipularam que o contrato vigoraria pelo prazo de seis meses contados a partir da data da celebração do contrato, “renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo” (cláusula 8.ª).
4-A) A ré queria mudar do apartamento para uma casa e quando celebrou com a autora o contrato dos autos estava à procura de uma casa para comprar, o que era do conhecimento da autora, cuja vendedora BB estava a diligenciar para encontrar no mercado uma casa ao gosto da autora.
5) Na sequência do contrato celebrado, a autora desenvolveu acções de promoção de venda do imóvel, concretamente: a) publicitou a venda do imóvel no seu site da internet; b) publicou imagens fotográficas do mesmo na sua revista; c) realizou visitas a pedido de interessados; e d) publicou imagens fotográficas na montra da agência.
6) Em 19 de Março de 2019, a funcionária da autora promoveu uma visita ao imóvel identificado em 1) com um potencial comprador.
7) Este interessado propôs-se comprar o imóvel pelo preço de €230.000,00.
8) E entregou à autora um cheque no valor de €1.000,00 para garantir o interesse efectivo na concretização do negócio e propôs-se entregar €46.000,00 a título de sinal com a celebração do contrato-promessa e o remanescente no acto da escritura a realizar no prazo de sessenta dias.
9) No dia seguinte a autora comunicou à ré a proposta apresentada pela interessada CC, tendo a ré informado de imediato a autora que não aceitava vender por não ter ainda encontrado uma nova casa para si.
10) A ré declarou em 21 de Março de 2019 que não iria vender porque tinha que acolher a Mãe no seu imóvel por motivos de saúde.

V. Matéria de Direito:
A presente acção tem como causa de pedir o direito do mediador à remuneração prevista num contrato celebrado entre a autora e a ré e que surge titulado como contrato de mediação imobiliária.
A qualificação da relação contratual donde se alega emergir aquele direito como contrato de mediação imobiliária não suscitou nos autos qualquer divergência, sendo acolhida por ambas as partes e na decisão recorrida.
O contrato de mediação é aquele em que alguém (o mediador) se obriga perante outrem (o comitente ou solicitador) a promover, mediante remuneração, a aproximação de duas ou mais pessoas (o comitente e terceiros), com vista à conclusão entre elas de determinado negócio, ou seja, a preparar e estabelecer uma relação de negociação entre o interessado na celebração do negócio e os terceiros.
Para Vaz Serra, na Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1967, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100º, n.º 3355, pág. pág. 343, o contrato de mediação é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte».
Segundo Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192, «o contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição».
Para Fernando Baptista Oliveira[3], o contrato de mediação é aquele em que «uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico. Assim, para que exista essa mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio. Ou seja, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respectivas partes, devendo a conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro ser consequência da actividade do mediador/intermediário».
Este autor assinala ainda que os elementos caracterizadores deste contrato são: «obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição». E a propósito da imparcialidade sublinha que «o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles; nomeadamente deverá avisar ambas as partes quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar (ou não).
Para Maria de Fátima Ribeiro, in Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercial[4], 2017, pág. 227, «o mediador apenas adquire o direito a ser remunerado se exercer a sua actividade; mas, a menos que tal resulte expressamente do contrato de mediação, dificilmente se pode determinar, em termos muito exactos, em que actos deve ela consistir, sendo apenas relevante que essa actividade (material) tenha sido causal do negócio que o comitente veio a celebrar com terceiro(..). Por outras palavras, não se exige nenhum grau de esforço específico, nem é necessário que o mediador intervenha em todas as fases do negócio. Porém, deve ter agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o comitente quer celebrar
No caso está demonstrado que no contrato celebrado a autora se obrigou perante a ré a angariar um interessado na compra de um imóvel pertencente a esta, pelo preço de €230.000,00, a troco da remuneração de 5% do preço pelo qual o negócio fosse concretizado.
Estamos, pois, perante um contrato de mediação imobiliária regido pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, conforme aliás o texto do próprio contrato faz questão de mencionar, o que é consentâneo com o facto de a autor ser, segundo o contrato, detentora de uma licença AMI 11894, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., o qual tem competência legal para atribuir as licenças para o exercício dessa actividade e para a validação dos contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais.
No caso, não está posto em crise que a autora diligenciou para encontrar e encontrou um interessado em comprar o imóvel para cuja venda a ré celebrou o contrato de mediação imobiliária, isto é, não se discute que a autora realizou a actividade de mediação imobiliária nem que em resultado dessa sua actividade se obteve um interessado disposto a pagar o preço pretendido pela ré para vender o imóvel.
O que se discute nos autos, ab initio, é apenas se a autora pode exigir o pagamento da remuneração prevista no contrato, muito embora não tenha sido celebrado o contrato de compra e venda visado pela mediação por a cliente ter, entretanto, decidido não vender o imóvel, rectius, desistir da venda.
Sobre a matéria da remuneração do mediador rege o artigo 19.º da Lei n.º 15/2013.
A sua redacção, na parte que aqui interessa, é a seguinte:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. […]
Como se vê, a norma estabelece no seu n.º 1 uma regra: em princípio, a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado.
Por conseguinte, se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador.
Logo, mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.
O n.º 2 estabelece por sua vez uma excepção a essa regra, isto é, uma situação em que a remuneração é devida apesar de o negócio visado não se ter concretizado. Nos termos da norma, a remuneração é devida ao mediador (i) se as partes tiverem acordado a exclusividade e (ii) o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que (iii) o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante.
Como afirma Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de direito comercial[5], Julho de 2020, pág. 1415, «a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art. 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado)
A norma em questão prevê os contratos celebrados com a chamada cláusula de exclusividade. Existem dois preceitos no diploma que se referem a essa cláusula.
Por um lado, o artigo 16.º, n.º 2, alínea g), que obriga que seja celebrado por escrito e que seja mencionado no texto do contrato «a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».
No caso, tal menção consta do contrato, cujo texto assinala que a autora foi contratada «em regime de exclusividade», e que isso «implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência». Esta explicitação do sentido da cláusula corresponde, aliás, ao que consta do ... de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais aprovado pela Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, onde consta cuja cláusula 4.ª, n.º 2, assinala que «o regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência».
Não se trata, contudo, da única acepção de exclusividade possível. Com efeito é comum distinguirem-se as situações em que a exclusividade significa que as partes estabeleceram que o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio (a chamada exclusividade simples) e as situações em que significa que o comitente não poderá ele próprio procurar um terceiro interessado no negócio (a chamada exclusividade reforçada).
Por outro lado, o artigo 19.º, n.º 2, relativo à remuneração, cuja redacção já vimos. Apesar de a sua redacção ser algo confusa, o que ela dispõe é que a empresa mediadora tem direito à remuneração desde que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade com o proprietário do bem ou com o arrendatário trespassante e o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente.
A autora citada por último, loc. cit., pág. 1433, assinala que em resultado destas normas a «cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado
Mais à frente a autora assinala que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e, portanto, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações), nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que foi «estipulada uma cláusula de exclusividade … o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (..). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)». A autora enfatiza ainda que «a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio)
Também Fernando Baptista Oliveira, loc. cit., pág. 50, assinala que a regra segundo a qual se o negócio não se concretizar não há lugar ao pagamento da remuneração ao mediador, vale «também para a situação em que o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade (…): exige-se, também aqui, a conclusão e perfeição do negócio, a não ser que (caso, portanto, em que a remuneração é devida sem a concretização do negócio...) o mesmo se “não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel” (nº 2, fine)».
Mais à frente o mesmo autor coloca as questões de saber se «havendo cláusula de exclusividade, pode o cliente, durante a vigência do contrato, desistir do contrato/negócio visado com o interessado que a mediadora lhe encontrou nesse período, ou recusá-lo? Ou está obrigado a aceitar esse interessado, assim se vinculando à celebração desse contrato (desde, claro, que o interessado encontrado esteja genuinamente interessado a celebrá-lo nas condições previstas no contrato)? E se desistir, há lugar à remuneração?» e responde nos seguintes termos: «Em causa, assim, está, agora, não apenas a questão da exclusividade, mas antes de... revogabilidade do contrato. Não se estipulando cláusula de exclusividade, o cliente pode, obviamente, sempre desistir do negócio a qualquer momento, sem que haja lugar a remuneração da mediadora contratada, a não ser que no contrato se tenha estipulado, de forma expressa, coisa diferente. Já, porém, havendo exclusividade, também pode desistir do negócio, é certo, mas então o direito da mediadora à remuneração mantém-se intacto se a previsão ínsita no artº 19º/2 RJAMI se preencher – isto é, se o negócio visado no contrato se não concretize por causa imputável ao cliente. Exemplificando: 1. Há lugar à remuneração à mediadora (acordada), v.g., no caso da recusa ou desistência do negócio pelo cliente dela serem meros artifícios para este não lhe pagar a remuneração acordada (como é o caso daquele dilatar a celebração do negócio com o cliente arranjado pela mediadora para mais tarde (já... depois do período do contrato), a fim de não “parecer” que foi por acção dela que o negócio se veio a concretizar)! 2. Também há lugar à remuneração acordada quando, tendo sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, a proprietária do imóvel, objecto do negócio, se recusa, a celebrar contrato promessa com interessada angariada pela mediadora, sem fazer qualquer outra prova, capaz de afastar a sua culpa – por aplicação do artº 19º/2 da lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro (anteriormente, o artº 18º/2/a) do DL 21/2004, de 20 de Agosto), em conjugação com os artigos 798º (“responsabilidade do devedor”84) e 799º (“presunção de culpa e apreciação desta”), do Cód. Civil.»
A ré sustenta que não assumiu a obrigação de aceitar vender o imóvel e, não o refere, mas está implícito na sua argumentação, era livre de decidir não concretizar a venda do seu imóvel.
Este argumento não procede porque confunde duas coisas distintas: o direito de desistir do negócio visado no contrato de mediação e o direito à remuneração da mediadora que obteve um interessado naquele negócio, disposto efectivamente a pagar o preço fixado para efeitos de mediação. o negócio.
Com a celebração do contrato de mediação, o proprietário do bem não se vincula a celebrar o negócio visado pela mediação, razão pela qual continua a gozar do direito discricionário de aceitar a proposta do interessado que o mediador lhe apresente ou de não a aceitar, isto é, de concluir o negócio proposto ou desistir da sua celebração.
Todavia, essa afirmação não resolve a questão do direito à remuneração do mediador porque, como vimos, em determinadas circunstâncias este conserva o direito à remuneração ainda que o negócio visado não venha a ser concretizado de modo válido e eficaz.
Nas situações previstas no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize, designadamente porque o cliente desistiu da sua concretização. Para que esse efeito jurídico seja alcançado basta que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário ou de arrendatário com intenção de trespassar o imóvel, que o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.
O mediador encontra-se obrigado a praticar actos para criar condições para que o interessado e o proprietário se conheçam e estabeleçam negociações com vista a fixar as condições contratuais quanto ao negócio visado e que não constam do contrato de mediação. Mas a negociação do contrato de compra e venda visado pela mediação é sempre feita pelo cliente e pelo interessado, ainda que o mediador possa colaborar nessa negociação, ajudando ao estabelecimento de contactos e de apresentação e discussão das propostas e contrapropostas.
É irrelevante para o efeito que a proposta do interessado tivesse de ser aceite e que o contrato de mediação apenas indicasse o preço que o cliente indicou ao mediador ser aquele pelo qual pretendia vender o imóvel.
O mediador não está obrigado a diligenciar pela concretização do negócio, não lhe cabe realizar as negociações e assegurar que elas chegam a bom termo; está apenas vinculado a diligenciar pela procura, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização dos negócios visados por estes, designadamente, tratando-se de uma compra e venda de um imóvel, através divulgação, publicitação e promoção do imóvel para fazer com que terceiros se interessem pela sua aquisição.
Para se afirmar que o mediador cumpriu a sua prestação (gerando o direito à remuneração, se for caso disso) não é, pois, necessário que entre o cliente e o interessado seja alcançado acordo quanto a todos os aspectos de que depende a conclusão do negócio visado e a proposta do interessado seja aceite. Desde que o mediador desenvolva aquela actividade e em resultado dela seja obtido um interessado disponível para concretizar o negócio visado, o mediador cumpre a sua prestação contratual, tornando-se credor do direito à remuneração nos termos e nas condições previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013.
Naturalmente não se exclui que ao celebrar o contrato de mediação o cliente possa representar como essencial para a celebração do negócio visado algum aspecto que não o preço da transacção do imóvel (por exemplo, o destino que o adquirente pretende dar ao bem).
Todavia, em regra, quem se disponibiliza a vender um bem e recorre a profissionais do mercado imobiliário para obter interessados na sua aquisição (o contrato de mediação não pode ser usado para o cliente sondar o mercado e ficar a conhecer o interesse que este tem pelo seu bem) apenas representa como essencial o respectivo preço na medida em que não pode desconhecer que a alienação do mesmo importa a obrigação de o entregar e de transferir para o adquirente o direito de dispor do bem.
Por isso, se o cliente representa como essencial para a sua decisão de vender algum outro aspecto, deve informar o mediador dessa circunstância (independentemente de saber se ela deve ficar escrita no contrato), de modo que o mediador só poderá reclamar a sua remuneração demonstrando que em resultado da sua actividade de divulgação, publicitação e promoção do imóvel logrou fazer um terceiro interessar-se pela satisfação também dessa exigência do cliente.
Nessa medida, improcede a argumentação da ré de que era necessário que o contrato de mediação imobiliária indicasse as demais condições a que a compra e venda do imóvel ficaria subordinada para que a remuneração do mediador lhe fosse exigível. O mais que a ré podia demonstrar era que no caso o mediador tinha conhecimento da essencialidade para a celebração do negócio de uma concreta exigência do cliente e que o terceiro interessado nunca se dispôs a satisfazer essa exigência.
No caso concreto, estamos, aliás, perante um contrato de compra e venda de um bem imóvel que em regra está subordinado a cláusulas comuns e normais, como o pagamento da totalidade do preço até ao momento da celebração da escritura e a entrega do imóvel ao adquirente nessa data, divergindo apenas a existência ou não de um contrato-promessa, o prazo a decorrer entre a promessa e o contrato prometido e a existência ou não de sinal e respectivo montante.
Se no caso a ré queria fazer a venda em condições mais específicas e particulares, cabia-lhe o ónus de demonstrar que informou o mediador dessas condições específicas para obrigar o mediador a demonstrar que o interessado que arranjou estava disponível para satisfazer essas condições e, portanto, que em resultado das suas diligências o negócio podia ser concretizado.
Da mesma forma não pode a ré argumentar, como parece (?) fazer nas suas alegações, que como a proposta estava sujeita a aceitação e essa aceitação não teve lugar a proposta ficou sem efeito e deixou de haver interessado. Trata-se de uma afirmação tautológica: interessado havia, a ré é que se desinteressou pelo negócio e não aceitou a proposta que lhe foi feita e que cumpria o requisito do preço que entendeu fixar ao mediador para este realizar a sua actividade.
A nosso ver a verdadeira questão que se coloca e que a ré pode defender consiste em saber se a não concretização do negócio é ou não imputável à ré, rectius, se a causa da não concretização do negócio é imputável à ré.
Não há dúvida de que se trata de uma causa situada na esfera de disponibilidade da ré já que o negócio não foi concretizado porque a ré decidiu não fazer a venda a que se tinha proposto perante o mercado imobiliário ao celebrar o contrato de mediação.
Todavia, o conceito jurídico de imputabilidade não coincide necessariamente com o conceito de nexo de causalidade. Subjacente ao mesmo não se encontra sempre apenas uma relação de causa-efeito, no sentido de uma coisa ser causa adequada da outra; encontra-se frequentemente a ideia de censurabilidade do comportamento, ou seja, a ideia de que o evento resultou da actuação do agente, havendo entre eles um nexo de causalidade, mas também que essa actuação é censurável, no sentido de ser possível fazer incidir sobre a actuação um juízo de censura normativa por nas concretas circunstâncias do caso ser exigível ao agente que não adoptasse o comportamento ou que adoptasse comportamento diverso.
Uma vez que mesmo no domínio dos contratos de mediação com cláusula de exclusividade a regra é, como vimos, a de que a remuneração da empresa só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pela mediação e só excepcionalmente essa condição não tem de se verificar para o direito à remuneração se constituir, então, o disposto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013 deve ser aplicado tendo presente a sua natureza extraordinária ou de excepção.
Nesse sentido, afigura-nos que a disposição deve ser interpretada como vedando apenas que a não concretização do negócio resulte de um puro juízo arbitrário ou discricionário do cliente que rompa com a expectativa criada com a celebração do contrato de mediação e em função da qual o mediador confiou que o cliente pretendia mesmo o negócio e por isso de dispôs a exercer a sua actividade em prol da concretização deste.
A causa imputável ao cliente de que fala a norma não é toda a causa que se situe na esfera de disponibilidade do cliente (que resulte da sua livre vontade ou de factores que ele pode e deve controlar), é essencialmente o evento em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado. Sendo possível esse juízo de censura a remuneração é devida; não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.
Ao celebrar o contrato de mediação o cliente, como vimos, não se obriga a concretizar o negócio para cuja celebração o mediador encontre um interessado. Todavia, se depois decide desistir do negócio que projectava e para cuja obtenção contratou os serviços de um mediador profissional, em principio estará preenchida a previsão do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.
Para isso, no entanto, é necessário que estejamos perante uma decisão arbitrária e sem justificação aceitável. Ao contrário, se o cliente tiver uma justificação para essa decisão e no âmbito da relação contratual com o mediador existirem condições para afirmar que, nesse contexto ou nessa eventualidade, o mediador podia e devia contar com a possibilidade de tal decisão, ou seja, de reconhecer e aceitar os motivos apresentados pelo cliente para a decisão, entendemos que não está preenchida a previsão da citada norma legal.
De sublinhar que não estamos a falar de uma condição do contrato de mediação negócio, da subordinação deste a uma condição quanto à concretização do negócio. Estamos a falar de circunstâncias exteriores ao contrato (no fundo, a sua base negocial), conhecidas ou cognoscíveis das partes, que permitem aferir se a não concretização do negócio é ou não de considerar imputável ao cliente.
Por isso, é irrelevante a circunstância de ter sido julgado não provado o facto de o contrato ter sido «celebrado estando autora e ré cientes de que esta concretizaria o contrato mediado depois de escolher uma nova habitação e sinalizar a mesma, no que acordaram». Se tal tivesse sido provado, a questão situar-se-ia ainda no domínio das prestações do próprio contrato de mediação e do respectivo cumprimento. Não se tendo provado, a questão do direito à remuneração situa-se no domínio da interpretação e aplicação do disposto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.
Foquemos então agora a atenção nos factos que enformam o caso concreto. Resultou provado que a intenção da ré era mudar de casa, mudar do apartamento que possuía para uma casa que iria comprar para ser a sua habitação. Resultou ainda provado que quando celebrou o contrato de mediação imobiliária com a autora a ré estava à procura de uma casa para comprar e a autora não só estava a par disso, como era a respectiva vendedora BB, a qual surge no contrato de mediação como angariadora, que estava a diligenciar para encontrar no mercado uma casa ao gosto da autora.
O que daqui se retira é que a ré não tinha decidido pura e simplesmente vender o seu apartamento onde vivia. O que ela queria era mudar de casa, ou seja, encontrar outra que fosse mais do seu agrado e conveniência e trocar de habitação, vendendo a que tinha e comprando a que passaria a ter.
A ordem pela qual as duas operações teriam de ser concretizadas não é determinante, mas entre elas existe uma ligação essencial. A ré não quereria por certo deixar de ter onde habitar, ficar sem habitação própria até encontrar outra habitação para si, correndo o risco de não encontrar o que procurava e ansiava. Por isso, para qualquer pessoa na posição da ré seria essencial que a venda da habitação fosse feita quando já tivesse sido escolhida uma nova habitação e a sua aquisição estivesse, ao menos, assegurada.
A autora não só tinha conhecimento dessa circunstância, como conhecia em que estado se encontravam as diligências para encontrar uma nova habitação uma vez que era a sua colaboradora que andava a realizar com a ré essa procura no mercado imobiliário, apresentando-lhe as soluções que encontrava. A boa fé no cumprimento do contrato de mediação impunha por isso à autora que não adiantasse as diligências para venda do apartamento relativamente às diligências de localização e escolha da casa a comprar.
Nesse contexto, afigura-se-nos inteiramente justificado que a ré, após ter sido informada da proposta da interessada na compra do apartamento que a autora havia obtido, tivesse informado a autora de imediato que não aceitava vender por não ter ainda encontrado uma nova casa para si. Trata-se de uma justificação que qualquer cidadão comum apresentaria, sendo por isso aceitável e compreensível e, essencialmente, uma justificação com que a autora podia e devia contar, que não representa qualquer violação da confiança criada pela celebração do contrato de mediação[6].
Nesse contexto, entendemos que não estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora consagrados no n.º 2 do artigo 19.º 19.º da Lei n.º 15/2013 e, por conseguinte, uma vez que não foi concluído o negócio visado pela mediação, a autora não pode reclamar da ré o pagamento daquela remuneração.
Procede assim o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada e a ré absolvida do pedido.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a sentença recorrida, absolvendo a ré do pedido da autora.
Custas da acção e do recurso pela autora, a qual vai condenada a pagar à ré, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.
*
Porto, 27 de Janeiro de 2022.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 659)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
_______________________________
[1] Em simultâneo, muda-se a ordem dos factos para que estes apresentem a devida sequência cronológica. Assim o ponto 7 passa a ser o ponto 9, e os pontos 8 e 9 passam a ser, respectivamente, os pontos 7 e 8.
[2] As alterações introduzidas nesta ocasião vão em itálico.
[3] in Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016 [Consult. 4 jan.2022] Disponível na internet:<URL:http://www. cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5.
[4] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com.
[5] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com. Em nota, esta autora cita Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185-231 (pp. 202-3): «[e]stá em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata».
[6] É certo que no dia seguinte a ré declarou à autora que não iria vender porque tinha de acolher a mãe em casa por motivos de saúde desta. Tratou-se claramente de um pretexto, destinado a apresentar o que pudesse ser visto como razão de força maior, mas que não colhe porque a mãe da autora podia ser acolhida por esta qualquer que fosse a sua habitação, não se alegando sequer que a casa que se procurava representasse qualquer inconveniente dessa espécie.