PRESCRIÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
LEIS COVID
Sumário

–Os factos em apreço nos autos dizem respeito ao dia 6 de Abril de 2017 e efectuado, num exercício de opção pelo regime punitivo que deveria ser aplicado ao caso, resultou que este seria o regime em vigor à data da decisão, o decorrente do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que procedeu à alteração de vários preceitos do RJACSR, entre os quais se incluem os artigos 124.° e 143.°, passando a estabelecer que a contraordenação em que a recorrente foi condenada, consubstanciada em incumprimento de requisitos gerais de higiene, é punível com coima de €1.700 a €3.000.

–No âmbito da fase administrativa do presente processo, o recorrente foi notificado para exercer o direito de defesa em 13/07/2018, tendo existido audição do arguido em 19/09/2018 , em 06/07/2021 foi proferida decisão pela competente entidade administrativa. decisão que foi notificado ao recorrente por via postal registada, cujo aviso de recepção foi assinado em 26/07/2021 e em 20/09/2021 foi proferido despacho a proceder ao exame preliminar do recurso da decisão entidade administrativa, o qual foi notificado ao recorrente por ofício datado de 24/09/2021.

–Todos os identificados momentos processuais constituem causas de interrupção do prazo prescricional, iniciando-se a contagem de novo prazo após cada uma delas, sendo que o último deles constitui causa de suspensão, e por força da qual se terá como integrante da ressalva temporal inserida no n.º 3 do art.º 28º RGCO.

–A este período de ressalva, resultante da suspensão por via dos actos processuais acabados de referir, importa acrescentar os períodos de suspensão da prescrição i) estabelecidos no art.º 7º n.º 3 da Lei 1-A/2020 de 19.03

–A aplicação deste regime excepcional de suspensão da prescrição a procedimentos, no caso contraordenacionais, por factos anteriores à respectiva instituição mostra-se conforme à Constituição da Republica Portuguesa, mormente aos art.ºs 19.º, n.º 6 e 29.º, n.ºs 1, 3 e 4,

–Por esta via e, face ao prazo prescricional máximo de 4 (quatro) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezasseis) dias estabelecido nos termos dos art.ºs 27º n.º 1 al. c), 27º A, n.º 1 al. c) e 2 e 28º n.ºs 1 e 3 RGCO acrescido dos períodos acima identificados, de suspensão excepcional decorrente da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, forçoso é concluir que o procedimento ainda não se encontra prescrito.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.–

No processo de recurso de contraordenação n.º 612/21.9Y4LSB vindos do Juízo Local Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, no âmbito de impugnação judicial interposta pelo arguido CAC, Lda, da decisão proferida pela ASAE-Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que a condenara numa coima única no valor de €4.000, em cúmulo jurídico de coima no valor de €3.500, pela prática, na forma de culpa dolosa, de uma contraordenação, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 126.° e 128.° do RJACSR, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.° 10/2015, de 16 de janeiro, em conjugação com os artigos 3.° e 4.° do Regulamento (CE) n.° 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril e punível pela alínea b), do n.° 2, do artigo 143.° em conjugação com o artigo 124.°, n.° 2, do mesmo diploma, consubstanciada em incumprimento dos requisitos gerais de higiene, e de coima no valor de €600, pela prática, na forma de culpa dolosa, de uma contraordenação, prevista pelo artigo 5.° do Regulamento (CE) n.° 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril e punível pela alínea c), do n.° 1, do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 113/2006, de 12 de junho, consubstanciada na inexistência de um processo baseado nos princípios HACCP, foi decidido julgar o recurso interposto parcialmente procedente e, em consequência, revogar-se parcialmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, condenando-se a Recorrente no pagamento de uma coima única no valor de €2.000 (dois mil euros).

Tal decisão apresenta o seguinte teor, nas partes relevantes:
Da invocada prescrição
Veio a recorrente invocar a prescrição do procedimento contraordenacional.
Cumpre decidir da exceção invocada:
Os factos imputados à recorrente reportam-se ao dia 06.04.2017, sendo a primeira da contraordenação em causa, punível, na perspetiva da autoridade administrativa com coima de €3.200 a €6.000 e na perspetiva da recorrente com coima de €1.700 a €3.000 e, a segunda das contraordenações, punível com coima de €500 a €44.890.
Atenta a natureza dos factos imputáveis à recorrente é aplicável aos presentes autos o regime de prescrição estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
Assim sendo, tendo em consideração o disposto no artigo 27.°, alínea b), do referido diploma legal, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de três anos, contados da data da imputada prática dos factos correspondentes.
Por seu turno e concomitantemente, prescreve a alínea c), do n.º 1 do artigo 28.° do citado diploma legal que a prescrição do procedimento se interrompe, com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição.
Vertendo ao caso, conforme referido, verifica-se que a infração cuja prática é imputada ao recorrente reporta-se a 04.06.2017.
O prazo prescricional, iniciado naquela data, interrompeu-se com a notificação ao Recorrente para exercício do prazo de defesa, que ocorreu no dia 11.06.2018.
Ocorreu nova data de interrupção da prescrição no dia 19 de setembro de 2018, com a diligência de audição do arguido.
Por fim, o prazo foi novamente interrompido no dia 26.07.2021, com a notificação ao recorrente da decisão administrativa proferida
Entre o dia 19.09.2018 - data em que se verificou a causa de interrupção prevista no artigo 28.°, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 433/82, de 27/10 - e a data em que foi notificada a decisão administrativa - 26.07.2021 - não haviam decorrido três anos, nem o prazo de quatro anos e meio desde a prática dos factos (prazo de prescrição acrescido de metade).
Em tais termos indefere-se a suscitada prescrição.

IV Da Aplicação da Lei no Tempo

Veio a Recorrente invocar que, por ser concretamente mais favorável, é-lhe aplicável o regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que procedeu à alteração de vários preceitos do RJACSR, entre os quais se incluem os artigos 124.° e 143.°, passando a estabelecer que a contraordenação em que a recorrente foi condenada, consubstanciada em incumprimento de requisitos gerais de higiene, é punível com coima de €1.700 a €3.000.
Decorre do artigo 3.°, n.º 2.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 (RGCO) que se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
No caso concreto, foi aplicada à Recorrente uma coima pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 126.° e 128.° do RJACSR, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, em conjugação com os artigos 3.° e 4.° do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril e punível pela alínea b), do n.º 2, do artigo 143.° em conjugação com o artigo 124.°, n.º 2.
Tal como decorre da decisão impugnada, foi considerada como medida da coima aplicável a coima mínima de €3.200 e a máxima de €6.000 (por se tratar de uma microempresa).
Com a alteração operada pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, por força da nova redação do disposto no artigo 143.°, n.º 1, do RJACSR, em conjugação com o artigo 18. °, alínea b), ii), do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, a contraordenação cometida pela Recorrente, passou a ser punível com uma coima entre €1.700 a €3.000.
Em face do supra exposto, nesta parte, assiste razão à recorrente.
Com efeito, por lhe ser concretamente mais favorável, deve ser aplicada à Recorrente a moldura da coima prevista pelo artigo 18.°, alínea b), ii), do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, em cumprimento do disposto no artigo 29.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 3.°, n.º 2.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 (RGCO).

VFundamentação

1.- Factualidade provada:
1.Aos 06 dias do mês de abril de 2017, pelas 16h20m, no estabelecimento de restauração e bebidas, denominado «Pastelaria L. », sito na Av. ..... em Lisboa, e explorado pelo(a) arguido(a) acima identificado(a), aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo por uma brigada da ASAE, foram verificados os seguintes factos:
2.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se acumulação de gordura e sujidade debaixo, atrás e entre mobiliário e equipamento, sobretudo em zonas de mais difícil acesso e mais especificamente junto às paredes e pavimento, tendo-se observado diversos resíduos e detritos alimentares e não alimentares, denotando a zona ausência regular de limpeza e higienização;
3.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se que o sistema de extração de fumos apresentava-se com bastante sujidade e gordura acumulada, com escorrimento da mesma por toda a estrutura, sendo igualmente notória a acumulação de gordura no interior das calhas desta estrutura, denotando toda ela ausência regular de limpeza e higienização;
4.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha observou-se que o pavimento encontrava-se com sujidade acumulada, denotando ausência de limpeza e higienização regular;
5.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se observou-se no teto desta zona, a existência de zonas com tinta a decapar, não se encontrando os géneros alimentícios que circulem sob essa zona, protegidos contra eventuais quedas de partículas;
6.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se acumulação de gordura e sujidade no interior do micro-ondas existente nesta zona, verificando-se igualmente que o mesmo apresenta adiantado estado de degradação. Os equipamentos devem ser mantidos em boas condições de higiene e bom estado de conservação, de modo a minimizar qualquer risco de contaminação;
7.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se acumulação de gordura e sujidade nas calhas dos armários e no seu interior, locais estes onde se encontram guardados géneros alimentícios;
8.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se acumulação de gordura no interior das gavetas onde se encontram guardados utensílios para contacto direto com produtos alimentares, encontrando-se estes com notória acumulação de ferrugem denotando ausência de limpeza e manutenção.
9.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se que as tábuas de corte de géneros alimentícios apresentavam focos de sujidade e enegrecimento, verificando-se igualmente que as mesmas revelavam já um notório desgaste, denotando ausência de higienização e manutenção.
10.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se a presença aleatória de material de higienização em zona de manipulação e alimentos, não estando estes guardados em local apropriado para o efeito e devidamente identificado;
11.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se a presença aleatória de material de higienização altamente conspurcado, tais como vassouras, pá, baldes e esfregona, não estando estes guardados em local apropriado para o efeito e devidamente identificado.
12.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se a inexistência de papel e detergente de higienização pessoal nos dispensadores existentes nesta zona.
13.Na Zona De Preparação/Confeção-Cozinha verificou-se no geral, desarrumação e sujidade generalizada por toda esta zona, provocando estiva inadequada;
14.Verificou-se, em resumo, que esta zona não cumpria os requisitos mínimos de higiene exigidos pela legislação em vigor.
15.Na Zona de Armazém constatou-se um inferior estado de higiene e conservação ao nível das borrachas e isolamento dos equipamentos de conservação de congelados existentes nesta zona, que revelavam adiantado estado de deterioração e grande acumulação de sujidade. As referidas borrachas deverão encontrar-se em impecável estado de conservação e higienização, por forma a evitar perdas de temperatura durante a cadeia de frio e permitir o correto armazenamento de alimentos nestes locais, bem como para evitar a acumulação de fungos indesejáveis.
16.Na Zona de Armazém verificou-se nesta zona a presença aleatória de material de higienização altamente conspurcado tal como vassouras, pá, baldes e esfregona, encontrando-se os mesmos junto a utensílios de contacto direto com produtos alimentares (panelas), não estando estes guardados em local apropriado para o efeito e, devidamente identificado.
17.Na Zona de Apoio ao Balcão observou-se acumulação de gordura e sujidade no interior do forno elétrico existente nesta zona, especificamente na zona do vidro.
18. Os equipamentos devem ser mantidos em boas condições de higiene e bom estado de conservação, de modo a minimizar qualquer risco de contaminação;
19.Uma vez que no estabelecimento são manipulados /transformados/preparados/confecionados géneros alimentícios, foi solicitado o processo ou processos permanentes baseado nos princípios do HACCP ou monitorização de Pré-requisitos, não tendo este sido apresentado, nem tão pouco evidenciado qualquer documentação nesse sentido, tendo o identificado JCA....., referido que não possuía o mesmo e que se encontrava em processo de renovação deste;
20.Deste modo, verificou-se a falta de elaboração de documentos e registos adequados à. natureza e dimensão da empresa, a fim de demonstrar a aplicação eficaz das medidas referidas nas alíneas a) a f) do artigo 5.°, Capítulo II do Regulamento (CE) n° 152/2004 de. 29 de abril do Parlamento Europeu e do Conselho, aplicação e manutenção de um processo ou processos permanentes baseados nos princípios HACCP;
21. O processo em referência tem em conta os perigos físicos, químicos ou microbiológicos que podem ocorrer durante todas as fases do processo, desde a receção das matérias-primas, durante o seu armazenamento na preparação, manipulação e confeção do produto final que chega ao consumidor, daí a necessária identificação de PCC's durante o circuito dos géneros alimentícios e cujo seu controlo permite definir as ações corretivas/preventivas a serem adotadas e mantendo esses pontos críticos sob controlo, garantindo assim a conformidade dos produtos produzidos e consequentemente a segurança alimentar;
22.Em face da factualidade vertida nos pontos anteriores, sobretudo e especificamente nos pontos 1, 2 e 3, devido às faltas graves de Asseio e Higiene verificadas estabelecimento, foi determinada a suspensão de laboração do estabelecimento para limpeza e higienização, através da Notificação de Suspensão N/15/17/JS, que se leu em voz alta ao já identificado LJA  e se lhe entregou cópia.
23.No dia 11.04.2017, deu entrada nestes serviços, sob o Registo de Entrada NID: E/5512/17/URS, o pedido de reinspecção ao estabelecimento;
24.Após deslocação da brigada ao estabelecimento em referência, no dia 12.04.2017, verificou-se estarem colmatadas as deficiências higiosanitárias e técnico-funcionais ali detetadas aquando da inspeção levada a efeito na data de 06.04.2017, uma vez que foi promovida limpeza e higienização do estabelecimento, sendo deste modo levantada a Suspensão de Laboração do estabelecimento;
25. O(a) arguido(a) tinha o dever de adotar a conduta adequada à lei em causa, na medida em que o comerciante tem o dever de se informar sobre as obrigações legais que regem a sua atividade comercial;
26.Acresce a circunstância de tais obrigações legais já se encontrarem previstas há tempo suficiente na ordem jurídica, para que o(a) arguido(a) se pudesse orientar e agir em conformidade com as normas em vigor;
27.Assim, uma vez que estas regras não podem ser ignoradas e desprezadas por parte dos agentes económicos, não se compreende que o(a) arguido(a) não tivesse providenciado no sentido de que os incumprimentos não ocorressem, pelo que se conclui pela censurabilidade da sua ação;
28.A arguida sabia, previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que estava obrigado(a) a cumprir os requisitos gerais de higiene e a implementar um processo permanente baseado nos princípios do HACCP no seu estabelecimento, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado daí adveniente.

2.Factualidade não provada:
Não se provaram outros factos com interesse para os presentes autos, sendo que a mais matéria à qual não se responde constitui matéria de simples impugnação; conclusiva ou irrelevante para a apreciação do objeto dos autos.”

Não se conformando com tal decisão, veio o arguido interpor o presente recurso que motivou, concluindo:
1ª-Consigna a douta decisão recorrida que, tendo em consideração o disposto no artigo 27.°, alínea b), do RJCO, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de três anos, contados da data da imputada prática dos factos correspondentes.
2ª-Para alcançar tal conclusão considerou a moldura contraordenacional do RGCO [contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79].
3ª-Porém, consigna também a douta decisão recorrida, a aplicação da lei mais favorável leva a que, no caso dos autos, a moldura contraordenacional seja de € 1.700,00 a € 3.000,00, numa contraordenação, e de € 500,00 a € 44.890,00, na outra.
4ª-Pelo que, sendo a “moldura” dos três anos de prescrição entre os valores de € 2.493,99 e € 49.879,79, parece-nos manifesto que a situação dos autos não se enquadra nesse quadro - porque os valores mínimos isso impedem.
5ª-Estamos perante uma contradição insanável - a douta decisão recorrida aplica o regime prescricional do RGCO considerando uma moldura contraordenacional que a mesma decisão recorrida já descartara ao aplicar a sanção.
6ª-Deve, assim, aplicar-se o regime prescricional previsto no RGCO, como fez a decisão recorrida, mas observando a moldura contraordenacional (de € 1.700,00 a € 3.000,00, e de € 500,00 a € 44.890,00) que foi considerada na aplicação da contraordenação.
7ª- “Mesmo que no momento da condenação tivesse sido aplicada a lei nova em nome do princípio da aplicabilidade de lei nova mais favorável, ainda assim se impõe aplicar a lei vigente à data dos factos para aferir da prescrição da pena se a lei nova não se mostrasse mais favorável” (vide Acórdão de 27-11-2013 do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Proc. 236/96.7/BAND-A.C1).
8ª-Isto porque “há que distinguir e tratar separadamente a componente da prescrição do procedimento criminal da componente da pena” (mesmo Acórdão).
9ª-Ou seja, e é esta a tese que se nos afigura a única que corresponde à boa interpretação do regime legal, no caso dos autos a aplicação da lei mais favorável impõe que se aplique a lei nova para a fixação da pena e a lei antiga, no caso o RGCO, quanto à prescrição do procedimento contraordenacional.
10ª-Mas considerando, obviamente, a moldura contraordenacional da lei nova.
11ª-No caso dos autos, porque está em causa coima mínima de montante inferior a € 2493,99 (são de € 1.700,00 e de € 500,00), o procedimento contraordenacional extingue-se por prescrição após decorrido um ano sobre os factos acusatórios.
12ª-Tendo esses sido praticados em 6 de Abril de 2017, como atesta a ASAE, a prescrição ocorreu em 7 de Abril de 2018 - uma vez que, como se vê do Processo, entre essas datas não ocorreu qualquer acto interruptivo da mesma.
13ª-Aliás, após a defesa presencial apresentada em 19 de Setembro de 2018, também já decorreu bem mais de um ano até à notificação da decisão a que ora se responde (decorreram dois anos e dez meses).
14ª-Está, assim, prescrito o procedimento contraordenacional.
15ª-Deve, com os fundamentos atrás indicados, ser reconhecida e declarada, in totum, a prescrição do procedimento contraordenacional.
16ª-Ao decidir como o fez violou a douta decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação, entre outros, as alíneas b) e c) do artigo 27° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO).”
Termina no sentido de ser declarada a prescrição do procedimento contraordenacional.

O M.º P.º, em resposta a tal recurso, concluiu:

1.-No presente caso, sendo aplicável uma coima até €3.000,00 e outra até €44.890,00, o prazo de prescrição do procedimento de contraordenação é três anos, nos termos do disposto no artigo 27.°, n.°1, alínea b), do Regulamento Geral das Contraordenações e Coimas.
2.-Ora, os factos que deram origem ao presente processo ocorreram em 06/04/2017. A recorrente foi notificada para exercer o direito de defesa em 13/07/2018 e procedeu-se à audição de arguido em 19/09/2018. Em 06/07/2021 foi proferida decisão administrativa, a qual foi notificada à recorrente por via postal registada, cujo aviso de receção foi assinado em 26/07/2021. Em 20/09/2021 foi proferido despacho a proceder ao exame preliminar do recurso da decisão da entidade administrativa, o qual foi notificado a recorrente por ofício datado de 24/09/2021.
3.-Pelo exposto, existiram as causas de interrupção previstas no artigo 28.°, n.°1, alínea c) e d) e a causa de suspensão prevista no artigo 27.°A, alínea c), ambos do Regulamento Geral das Contraordenações e Coimas, pelo que, caso não exista mais nenhuma causa de suspensão da prescrição, o presente procedimento por contraordenação irá prescrever, salvo melhor opinião, apenas em 06/04/2022.”

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer em que defende a improcedência do recurso.
Notificado para os efeitos do art.º 417º n.º 2 CPP, veio o recorrente responder ao parecer em que reafirma o que alegara no recurso.

II.–
Efectuado o exame preliminar, foi determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência.
A questão posta no recurso e a apreciar cinge-se a saber se o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, seja à data da decisão judicial que indeferiu essa pretensão seja agora.
Invoca a recorrente, como primeira questão e tal como já havia feito em sede de impugnação judicial da decisão administrativa, que o procedimento contra-ordenacional se encontra já prescrito.
Passando a apreciar a, novamente, invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional, diremos que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Como o mesmo reconhece, os factos em apreço nos autos dizem respeito ao dia 6 de Abril de 2017 e daí retira o recorrente que, devendo ser aplicado à contagem do prazo prescricional o regime decorrente da lei antiga – embora não identifique os diplomas que estabelecem esse regime – isto apesar de ter sido aplicada a lei nova – que também não identifica – no momento da condenação.  
Fazendo apelo ao que se mostra decidido na sentença recorrida, foi ali efectuado num exercício de opção pelo regime punitivo que deveria ser aplicado ao caso e que se ficou pelo regime actual, em vigor à data da decisão, como se vê no ponto IV supra citado – o decorrente do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que procedeu à alteração de vários preceitos do RJACSR, entre os quais se incluem os artigos 124.° e 143.°, passando a estabelecer que a contraordenação em que a recorrente foi condenada, consubstanciada em incumprimento de requisitos gerais de higiene, é punível com coima de €1.700 a €3.000.
Por sua vez, o regime punitivo anterior e que se encontrava vigente à data dos factos - as disposições conjugadas dos artigos 126.° e 128.° do RJACSR, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, em conjugação com os artigos 3.° e 4.° do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril e punível pela alínea b), do n.º 2, do artigo 143.° em conjugação com o artigo 124.°, n.º 2, - correspondia uma moldura da coima aplicável num mínimo de €3.200 e o máximo de €6.000 (por se tratar de uma microempresa). 

Com base nas molduras da coima acima referidas e por força do disposto no art.º 27.° do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas:
«O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

b)-  Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
“. (destaques nossos)
temos que o prazo prescricional normal é de três (3) anos, em ambos os regimes.
Retiramos daí que a alegação feita e o que se  mostra inserido na conclusão 11º de que o prazo prescricional aplicável ao caso é de um ano – al. c) do art.º 27º RGCO - não tem o mínimo apoio legal, pois a coima máxima aplicável em qualquer dos regimes situa-se acima do mínimo referido no art.º 27º al. b) citado.
Decorre daí também que o alegado na conclusão 12ª não tem qualquer cabimento.

Prescreve, ainda, o artigo 27.°A do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas:
«1-A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a)- Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b)- Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.0;
c)- Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2- Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.» (destaque nosso)

Dispõe, por último, o artigo 28.° do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas:

«1-A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a)-Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b)-Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c)-Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d)-Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 
2-Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3-A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade

No caso dos autos, como acima se disse, os factos que deram origem ao presente processo ocorreram em 06/04/2017.
No âmbito da fase administrativa do presente processo, o recorrente foi notificado para exercer o direito de defesa em 13/07/2018, tendo existido audição do arguido em 19/09/2018 conforme fls. 26 e 28.
Em 06/07/2021 foi proferida decisão pela competente entidade administrativa — conforme fls. 31 a 36.
Tal decisão foi notificado ao recorrente por via postal registada, cujo aviso de recepção foi assinado em 26/07/2021 - conforme fls. 55.
Em 20/09/2021 foi proferido despacho a proceder ao exame preliminar do recurso da decisão entidade administrativa, o qual foi notificado ao recorrente por ofício datado de 24/09/2021 — conforme fls. 62 e 63.
Todos os identificados momentos processuais constituem causas de interrupção do prazo prescricional, iniciando-se a contagem de novo prazo após cada uma delas, sendo que o último deles constitui causa de suspensão, e por força da qual se terá como integrante da ressalva temporal inserida no n.º 3 do art.º 28º supra citado, pelo período de 24/09/2021 a 9/11/2021 (data da decisão final do recurso de impugnação), ou seja, por 1 (um) mês e 16 (dias).
A este período de ressalva, resultante da suspensão por via dos actos processuais acabados de referir, importa acrescentar os períodos de suspensão da prescrição i) estabelecidos no art.º 7º n.º 3 da Lei 1-A/2020 de 19.03 [A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos], com inicio a 9 de Março de 2020 (art.ºs 10º da Lei 1-A/2020 de 19.03, 5º da Lei 4-A/2020 de 6.04 e 37º do Decreto Lei 10-A/2020 de 13.03) até 3 de Junho de 2020 (art.ºs 8º e 10º da Lei 16/2020 de 29.05) e ii) o estabelecido no art.º 6º-C n.º 3 da Lei 4-B/2021 de 1.02, com inicio a 22.01.2021 (art.º 4º da referida Lei) até 6 de Abril de 2021 nos termos do art.ºs 5º e 6º da L13-B/2021 de 5.04.

A aplicação deste regime excepcional de suspensão da prescrição a procedimentos, no caso contraordenacionais, por factos anteriores à respectiva instituição mostra-se conforme à Constituição da Republica Portuguesa, mormente aos art.ºs 19.º, n.º 6 e 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, tal com o decidiu o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 798/2021 de 21.10.2021, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos em que se decidiu: “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes”.

Por esta via e face ao prazo prescricional máximo de 4 (quatro) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezasseis) dias estabelecido nos termos dos art.ºs 27º n.º 1 al. c), 27º A, n.º 1 al. c) e 2 e 28º n.ºs 1 e 3 RGCO acrescido dos períodos acima identificados, de suspensão excepcional decorrente da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, forçoso é concluir que o procedimento ainda não se encontra prescrito.

III.–
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação em, embora com fundamentos algo diversos, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CAC, Lda.
Custas a cargo do recorrente fixando a taxa de justiça em 4 UC.


Elaborado e revisto pelo primeiro signatário.



Lisboa, 8 de Fevereiro de 2022.



JoãoCarrola
Luis Gominho