Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
MEDIDAS DE COACÇÃO
CAUÇÃO
Sumário
–A fixação da medida de coacção de caução encontra-se regulada, no aspecto do estabelecimento do respectivo montante, no n° 3 do art.º 197° do C.P.P, onde se estabelece que na determinação da mesma “tomam-se em conta os fins de natureza cautelar a que se destina, a gravidade do crime imputado, o dano por este causado e a condição sócio-económica do arguido.”
–Mencionados os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito, decorrentes dos fortes indícios constantes dos autos e alicerçados nos vastos elementos de prova já obtidos no decurso da investigação, perigos estes que serão, nada nada menos, que os fins cautelares que se pretende acautelar bem como a gravidade dos crimes imputados, seja em termos da respectiva punibilidade com pena de prisão, seja pela expressiva quantidade e uma vez que a esmagadora maioria dos ilícitos imputados reveste natureza patrimonial e visava a obtenção para si, e para terceiros, de vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, causando aquele o consequente prejuízo aos lesados no respetivo valor do seu enriquecimento, evidencia-se o elevado prejuízo causado aos Bancos (calculado em pelo menos mil milhões de euros) e ao erário publico (este por relação aos crimes fiscais identificados), mostra-se não só necessária, como adequada e proporcional ao caso concreto a medida de coacção fixada, a qual se revela como a mais eficaz para a salvaguarda das exigências cautelares apontadas.
Texto Parcial
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–
No processo 631/16.7TELSB que para efeitos jurisdicionais corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, o arguido A.. veio impugnar o despacho judicial de 02/07/2021, proferido na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que foi sujeito e que determinou que o recorrente ficasse sujeito, dentre outras, à medida de prestação de caução.
Fundamenta a sua discordância nas seguintes conclusões:
(…)
Fundamenta a sua discordância nas seguintes conclusões: (Transcrição parcial)
“A.–Constitui objecto do presente recurso o identificado despacho judicial, proferido no dia 2 de Julho de 2021, pelo Tribunal recorrido, o Tribunal Central de Instrução Criminal, nos termos do qual são aplicadas ao ora Recorrente várias medidas de coacção. B.–O presente recurso está delimitado à decisão que impôs ao Recorrente a prestação de caução e, subsidiariamente, em relação ao montante fixado para efeitos dessa prestação - artigos 197,° do CPP - ou seja, em concreto, o montante de Um Milhão de Euros (€ 1.000.000,00). C.–Além da já referida medida de coação, foram aplicadas ao Recorrente outras medidas de coacção:
(…)
2.–
(…)
Somos assim de concluir que se encontram devidamente fundamentados os enunciados perigos que estiveram na base do decretamento da caução como medida de coacção.
3.–
Insurge-se ainda o recorrente, suscitando-a como a terceira questão posta no recurso, contra a fixação do valor da caução em 1 milhão de euros qualificando-a de desproporcional, desnecessária e desadequada, não se alcançando qual o juízo, em concreto, efetuado para concluir por tal valor.
A fixação de tal medida encontra-se regulada, no aspecto do estabelecimento do respectivo montante, no n° 3 do art.º 197° do C.P.P, onde se estabelece que na determinação da mesma “tomam-se em conta os fins de natureza cautelar a que se destina, a gravidade do crime imputado, o dano por este causado e a condição sócio-económica do arguido.”
Já tivemos oportunidade de mencionar os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito, decorrentes dos fortes indícios constantes dos autos e alicerçados nos vastos elementos de prova já obtidos no decurso da investigação, perigos estes que serão, nada nada menos, que os fins cautelares que se pretende acautelar.
Quanto à gravidade dos crimes imputados também já nos pronunciámos, seja em termos da respectiva punibilidade com pena de prisão, seja pela expressiva quantidade e que dispensam comentários.
Ora, a esmagadora maioria dos ilícitos imputados revestem natureza patrimonial e visavam a obtenção para si, ora recorrente, e para terceiros de vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, causando aquele o consequente prejuízo aos lesados no respetivo valor do seu enriquecimento.
Da factualidade indiciada evidencia-se o elevado prejuízo causado aos Bancos (calculado em pelo menos mil milhões de euros) e ao erário publico (este por relação aos crimes fiscais identificados).
No tocante à dimensão do rendimento e do património real de A., não nos podemos bastar com a menção que o recorrente faz no seu interrogatório (advogado e gestor de empresas, aufere cerca de 8.000€ a titulo de adiantamentos, tem dois filhos de 21 e 27 anos de idade) porque parcas as informações concretas e que se mostram contrariadas, por relação às empresas, com o vertido nos factos indiciados– n.ºs 182 e seguintes:
“A A., LDA é uma sociedade comercial cujo objeto social é a “compra e venda e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, a promoção imobiliária e a prestação de serviços conexos. Atividades de produção agrícola, nomeadamente no domínio da silvicultura extração de cortiça e comércio por grosso de cortiça em bruto", cujo UAL principal é o …— Compra e venda de bens imobiliários Formalmente, é AJT quem consta como gerente da A., L.DA, mas é A. quem toma as decisões sobre a concreta forma como essa sociedade desenvolve a sua atividade e cumpre as respetivas obrigações declarativas, Apesar de bem saber que, nem a A.Ldª, nem a B.Ldª não tem atividade efetiva, A. fez inscrever na respetiva contabilidade, pelo menos entre 2016 e 2020, diversas despesas pessoais, alheias ao respetivo objeto social, relacionadas com imóveis, viagens, agricultura, alojamento e restauração, arquitetura, consumo de combustíveis, ourivesaria, produção de vinhos, manutenção de veículos, transportes, fabricação e comercio de mobiliário, comércio a retalho e por grosso diverso e outras, de modo a obter vantagens fiscais; Mais fez, pelo menos nos exercícios de 2018 a 2020, a A. LDªe a B.Ldª emitir faturas à X.- SOCIEDADE DE ADVOGADOS SPRL no valor total de € 723.822,48, por conta de serviços que não tinham sido efetivamente prestados, com o propósito de reduzir os lucros dessa pessoa coletiva e, por essa via, os impostos que a mesma seria obrigada a pagar. Finalmente, A. fez ainda a A. LDªc a B. Ldª emitir diversas faturas a clientes da X.–SOCIEDADE DE ADVOGADOS SPRL, de modo a manter os seus reais beneficiários desconhecidos da Autoridade Tributária Os procedimentos acima descritos permitiram a A. decimai, em sede de declaração de IRS para o ano de 2017, não ler recebido qualquer rendimento da Categoria B, e fazer a X. & ASSOCIADOS submeter declarações fiscais que conduziram ao apuramento de uma matéria coletável para efeitos de IRS de, apenas, €101.422,94 (correspondente a 100% da X. & ASSOCIADOS), quando, na realidade, deveria ter apurado um valor de, pelo menos, €259 277,39 O que lhe conferiu uma vantagem fiscal indevida, em sede de IRS, de, pelo menos, €137.588,80; Os procedimentos acima descritos permitiram a A. declarar, em sede de declaração de IRS para o ano de 2018, não ter recebido qualquer rendimento da Categoria B, e fazer a X. e ASSOCIADOS submeter declarações fiscais que conduziram ao apuramento de uma matéria coletável para efeitos de IRS de, apenas, € 283 855,55 (correspondente a 66,84% da X. & ASSOCIADOS), quando, na realidade, deveria ter apurado um valor de. pelo menos, € 376.373,99 O que lhe conferiu uma vantagem fiscal indevida de, pelo menos, €45 555,11; Os procedimentos acima descritos permitiram a A. declarar, em sede de declaração de IRS para o ano de 2019, não ter recebido qualquer rendimento da Categoria B, e fazer a X. & Associados submeter declarações fiscais que conduziram ao apuramento de uma matéria coletável para efeitos de IRS de, apenas, €749.277,20 (correspondente a 71,19 % da X. & ASSOCIADOS), quando, na realidade, deveria ter apurado um valor de, pelo menos, € 1.069.084,04 O que lhe conferiu uma vantagem fiscal indevida de, pelo menos, € 165.409,57; Com tais vantagens em contas dessas sociedades, A. delas fez uso para despesas pessoais e para a aquisição de bens e serviços que nada tinham a ver com o respetivo objeto social, com o propósito, concretizado, de os converter cm ativos cuja ilícita não se tornasse do conhecimento das autoridades públicas. A. atuou de forma livre, deliberada e consciente, com conhecimento de que estava, enquanto contribuinte individual e responsável da X. & ASSOCIADOS, obrigado a manter registos contabilísticos que refletissem a atividade profissional por si desenvolvida e os rendimentos auferidos, e a submeter as declarações fiscais referentes aos exercícios de 2016, 2017, 2018 e 2019 que permitissem à Administração Fiscal deles tomar conhecimento e apurar o valor de impostos devido; Mais atuou com o propósito de fazer inscrever na contabilidade da A. LDªe da B.Ldª despesas que bem sabia não terem conexão com o respetivo objeto social, de as fazer emitir faturas a clientes de A. e da X. & ASSOCIADOS, apesar de bem saber que tais pessoas coletivas não lhes tinham prestado quaisquer serviços, e de as fazer emitir à X. & ASSOCIADOS diversas faturas, apesar de bem saber que tais pessoas coletivas não lhes tinham prestado quaisquer serviços Tudo, com o propósito de omitir dessas declarações fiscais os seus rendimentos que não pretendia ver integralmente tributados e de reduzir o lucro tributável da X. & ASSOCIADOS, através do aumento artificial das respetivas despesas. A. tinha conhecimento que, ao atuar da forma acima descrita, obtinha vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, com prejuízo de igual valor para o Estado, o que logrou concretizar. No dia 4 de maio de 2020, A. foi contactado pelo seu cliente G. que lhe pediu ajuda para fazer chegar à sua sócia ER cerca de €37.500,00, sem conhecimento da Autoridade Tributária, tendo aquele sugerido que transferisse tal valor para a conta da X. & ASSOCIADOS. A. sugeriu ao seu cliente G., que o aceitou, que transferisse para a conta da X. & ASSOCIADOS cerca de € 37,500,00 que pretendia fazer chegar à sua sócia ER sem conhecimento da Autoridade Tributária Proposta que G. tendo, no dia 07/05/2020, creditado nessa conta a referida quantia, a partir de conta bancária sedeada em banco suíço, a qual foi, depois, transferida pela sua secretária T. para conta indicada por ER A. atuou de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito, concretizado, de facilitar a G. e ER a movimentação, pela conta da X. & ASSOCIADOS, de montantes que bem sabia constituírem o produto ou instrumento de atividade ilícita, de modo a conseguir que os mesmos chegassem à posse desta última sem que as autoridades públicas tomassem conhecimento da sua real origem. No ano de 2018, ER fez chegar a indivíduo ainda não concretamente identificado, apenas designado por ‘Y”, um pagamento de cerca de € 500.000,00, que fez inscrever na contabilidade da sociedade de direito maltês, A. , como pagamento de honorários de advogados. No dia 08/07/2020, ER contactou A. informando-o que os auditores da C, LTD estavam a questionar a razoabilidade da realização de pagamento de honorários de advogado em montante tão elevado, e solicitando o seu auxílio para solucionar a questão. Perante isto, A. sugeriu-lhe que apresentasse justificação muito vaga, com a expressão “final settlement with Y.”, de modo a poder levar a crer que o beneficiário tinha intervindo em negociação com tal entidade, e que dividisse os honorários pelos exercícios de 2017 e 2018, o que ER aceitou. Bem sabia A. que, ao proceder desse modo, instruía a sua cliente no sentido de fazer inscrever na contabilidade da C. LTD registos que não tinham correspondência com a realidade, com o propósito de a fazer ocultar às autoridades publicas o real propósito dessa operação, e as vantagens fiscais ou outras que, dessa forma, logrou obter.”
Resulta ainda documentado no Apenso Numérico 1.9, Volume 11, por nós consultado, que o recorrente é proprietário, através da A. Ldª e B. Ldª… , de cinco imóveis com o valor matricial total de cerca €700.000,00, e, diretamente, de dois imóveis com o valor matricial total de cerca de €140.000,00.
Será, pois, por este estado de capacidade económica, indicado quanto aos rendimento que obtinha por via do seu múnus e do rendimento mensal que declarou ser de € 8.000 (não se teve em atenção o mencionado no ponto 113 da motivação “€8.000.000, 00 mensais” que só podemos ter como erro de escrita), e o revelado nos autos quanto ao património que se pode afirmar da real possibilidade de o recorrente prestar a caução fixada.
Os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação de qualquer medida de coacção mostram-se enunciados no art.º 193.º CPP que no seu n.º 1 diz: “As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.”, continuando no seu n.º 2: “A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.”
A necessidade traduz-se em o fim visado pela concreta medida de coacção não poder ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido, de onde decorre, entre outros, o dever de optar preferencialmente pelas medidas de coacção não privativas da liberdade, e pela obrigação de permanência na habitação em detrimento da prisão preventiva. (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, ob. Cit).
Como já se disse, a lei processual consagra ainda o princípio da subsidiariedade da aplicação da prisão preventiva, ou seja, determina, nos arts. 193.°, n.º 2, e 202.°, n.º 1, do Código Processo Penal, que o Juiz só pode impor ao arguido a prisão preventiva quando se revelarem inadequadas, ou insuficientes, todas as outras medidas de coacção.
Porque se traduz na mais grave restrição ao direito fundamental à liberdade, esta deve pautar-se pelos princípios vertidos no art.° 18° da CRP, de que o art.° 193º do CPP é uma emanação. Por outro lado, os art.ºs 27° e 28° da CRP prevêem a prisão preventiva como uma das restrições à liberdade permitidas, quando se verificam os respectivos pressupostos, concedendo-lhe um carácter excepcional, precário e temporariamente limitado (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 189).
Por outro lado, a adequação traduz-se na exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar e a medida a impor. Daqui decorre que as medidas de coacção são aplicadas em função de factos e não da gravidade das penas aplicáveis, não sendo admissível uma presunção legal de perigo baseada na gravidade das imputações (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário ao Código de Processo Penal”, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 545).
O princípio da proporcionalidade consiste na exigência de as medidas de coacção deverem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, em cada estado ou grau do procedimento.
Este princípio tem aqui o sentido de proibição de excesso, impedindo a desproporcionalidade entre, por um lado, o sacrifício que a medida de coacção implica e, por outro lado, a gravidade do crime e a natureza e medida da pena que previsivelmente, com base nele, virá a ser aplicada (neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/09, em que foi relator o Exmo. Desembargador Carlos Almeida, disponível em www.gdsi,pt/jtrl.
Assim, tendo em conta a personalidade do arguido manifestada nos factos praticados, a gravidade dos mesmos, a pena que previsivelmente lhe será aplicada e que são bem patentes os perigos de continuação da atividade criminosa, e de perturbação do inquérito, decorrentes dos fortes indícios constantes dos autos e alicerçados nos vastos elementos de prova já obtidos no decurso da investigação, mostra-se não só necessária, como adequada e proporcional ao caso concreto a medida de coacção fixada, a qual se revela como a mais eficaz para a salvaguarda das exigências cautelares apontadas.
III–
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A., confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.