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REGULAMENTO (CE) Nº 4/2009 DO CONSELHO DE 18/12/2008
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ITALIANA
EMBARGOS DE EXECUTADO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
OMISSÃO
NULIDADE
Sumário
I–Os Tribunais italianos são competentes para apreciar e decidir as ações de alimentos devidos a um jovem menor de idade, de nacionalidade italiana e residente em Itália – art. 3º, al. b) do Regulamento (CE) n. º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.
II–O tribunal competente para a execução da sentença que reconheceu o direito a alimentos e condenou o devedor de alimentos é o do domicílio deste, no caso, um Tribunal português – art. 27º, nº 2 do Regulamento;
III–O direito substantivo aplicável à delimitação da obrigação de alimentos é o do Estado da residência habitual do credor de alimentos, ou seja, o Direito italiano – arts. 15º do Regulamento e 3º, nº 1 do Protocolo.
IV–A regras referida em III- aplica-se igualmente à determinação do direito substantivo aplicável às operações necessárias à liquidação do crédito exequendo.
V–Aplicar o Direito substantivo nacional na operação de liquidação em questão redundaria numa revisão parcial da decisão exequenda, o que constituiria uma violação do Direito da União Europeia – vd. art. 42º do Regulamento.
VI–A lei processual aplicável à execução embargada é a lei portuguesa – art. 41º, nº 1 do Regulamento.
VII–Tendo o Tribunal que proferiu a decisão exequenda aplicado a lei italiana, será esta a lei substantiva a atender no âmbito do incidente de liquidação deduzido no requerimento executivo, bem como nos embargos de executado.
VIII–Se a sentença exequenda condena o obrigado a alimentos a pagar à mãe do alimentando um determinado valor mensal fixo, bem como uma parte das despesas extraordinárias relativas aos gastos inerentes à saúde e educação do alimentando, a determinação dos montantes a peticionar em sede de execução a este título não depende de simples cálculo aritmético.
IX –Uma vez que, nos termos previstos no Regulamento 4/2009 a sentença exequenda não carece de ser revista, deve o exequente liquidar a obrigação no requerimento executivo, e o executado pode opor-se à liquidação por meio de embargos de executado - art. 716º, nº 5 do CPC, que remete para o nº 4 do mesmo preceito.
X–Apesar de impender sobre a exequente um ónus de liquidação relativamente à determinação das quantias cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, não vigora nesta matéria um qualquer ónus de alegação e prova, antes impende sobre o Tribunal uma obrigação de averiguação oficiosa dos factos relevantes para a operação de liquidação – 360º, nº 4 do CPC.
XI–Perante insuficiências alegatórias das partes, só o insucesso das diligências oficiosas a desenvolver pelo Tribunal poderá justificar a decisão do incidente de liquidação por recurso à equidade – art. 566º, nº 3 do CC.
XII–A omissão da realização da audiência prévia, seguida da prolação de despacho saneador-sentença, sem dar prévio conhecimento às partes da possibilidade de vir a considerar não escrito um articulado apresentado pelo embargante, com manifesta preterição do princípio do contraditório, constitui uma verdadeira decisão-surpresa;
XIII–Ainda que assim não fosse, não poderia ter sido proferido despacho saneador-sentença, porquanto o estado da causa o não permitia, já que permaneciam controvertidos e por apurar factos com interesse para a decisão de mérito;
XIV–A prolação de despacho saneador-sentença, nas condições referidas em XII- e XIII-, configura violação do disposto nos arts. 3º, nº 3, 591º, nº 1, al. b), e 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b), e 596º, todos do CPC e tal infracção influiu no exame e decisão da causa, pelo que constitui nulidade nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do mesmo Código.
XV–Em consequência do referido em XIV-, deve o despacho saneador-sentença ser revogado, a fim de ser substituído por outro que determine o prosseguimento da causa, com vista à instrução e julgamento (devendo atender-se ao dever de averiguação oficiosa referido em X-), a fim de se apurarem e dirimirem os factos relevantes para a decisão dos embargos de executado.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.–Relatório
A veio deduzir embargos de executado por apenso à execução especial por alimentos que B havia deduzido contra si.
A execução embargada tem por título executivo uma sentença proferida pelo Tribunal de Paola, Itália, proferida no âmbito de ação declarativa intentada pela ora embargada contra o ora embargante, na qual aquela havia pedido a condenação deste a pagar-lhe uma pensão de alimentos relativa ao filho de ambos.
O dispositivo da sentença exequenda tem o seguinte teor:
“pronunciando-se definitivamente sobra os pedidos propostos, rejeitado qualquer outro pedido, exceção e dedução, assim provê:
- dispõe que o resistente deposite em favor da recorrente, até o dia cinco de cada mês, uma pensão alimentícia equivalente a 500,00 euros, reajustáveis segundo os Índices Istat, a título de manutenção imputada às exigências do filho;
- dispõe que ambas as partes concorram em igual medida ás despesas extraordinárias inerentes à prole, que não tenham caráter exorbitante ou supérfluo;
- nada sobre as despesas.”
Na fundamentação da sentença exequenda o Tribunal de Paola consignou, nomeadamente, o que segue:
“3.–Com referência ao pedido de "reembolso das despesas extraordinárias antecipadas pela mãe para cuidados médicos (dermatológicos, alergológicos, ortodônticos listados), despesas com educação (o ensino médio custou € 1.200,00 ao ano x 5 anos = € 6.000,00), a escola de inglês English School Cambridge (€ 2.450,00 durante 4 anos), € 360,00 pelos 4 exames de Inglês, ou seja, Flyers, KET, PET, FCF apresentado pela parte recorrente, na memória de 17/07/2017, foi declarado inadmissível.
Na verdade, como já citado no parágrafo anterior n. 2, o presente procedimento refere-se à determinação de uma pensão periódica que o Tribunal, nos termos do art 337 septies c.c., poderá dispor a favor do filho maior de idade.
Ao contrário, o pedido de reembolso feito pela mãe ao pai, qualificando-se como pedido regressivo do genitor que tenha declarado ter assumido o ónus pela manutenção também da porção pertencente ao outro genitor, inscreve-se no âmbito da disciplina ditada pelo art. 1209 c.c. para as relações entre devedores solidários (vide Cassação n. 26653/2011, 22506/2010, 15756/2006), sendo, portanto, passível de realização no âmbito de um juízo ordinário de cognição.
A estranheza de tal pedido em relação às exigências invocadas no presente procedimento de jurisdição voluntária comporta, por fim, a sua inadmissibilidade.
4.–Tendo sido tudo considerado, passa-se, então, ao exame do pedido de uma pensão alimentícia que a recorrente solicita que seja colocada a cargo do resistente, devido às necessidades do filho C. 4.1-Quanto à capacidade económica das partes, observa-se que a recorrente pode contar com uma renda líquida anual, resultante de trabalho assalariado, de aproximadamente 21.500,00 euros (vide declarações de renda acostadas aos autos). 4.2-Em relação às condições económicas de A, a defesa do resistente apresentou “declarações de renda relativas aos anos 2013-2014-2015-2016” (anexos n. 2 ao n. 5 datados de 05/05/2017), das quais se evidencia que a última renda anual atesta-se entorno de 6.000,00 reais brasileiros (aproximadamente 2.000,00 euros).
Todavia, as declarações de renda acostadas não parecem estar completas, tratando-se de documentos de uma única página, sem distinção entre as várias fontes de renda e sem diversificação entre os Itens de imposto. Respondendo a tal questão, a parte recorrente ofereceu em contraprova um modelo completo de declaração de renda brasileira (não contestado especificamente pela parte contrária), através do qual evidencia-se a existência de uma seção adequada dedicada acs “Rendimentos tributáveis recebidos de pessoa física” (“rendimentos de pessoa física produzidos no exterior”, conforme tradução fornecida pela defesa da recorrente), além de uma seção relativa ao tipo de ocupação.
Deve, também, considerar-se, que o contrato de locação de 01/04/2014 (depositado eletronicamente no dia 05/06/2017) prevê que o resistente pague, a título de aluguer mensal, um valor de aproximadamente 800,00 reais brasileiros, correspondentes a um depósito anual de 9,600,00 reais brasileiros.
Além disso, o resistente declarou sempre ter correspondido ao filho o valor mensal de 380,00 euros.
Por isso, não se compreende como, perante tais declarações (seja em 2014, seja em 2015), que com uma renda anual total de 6.000,000 reais brasileiros, A tenha sido capaz de bancar as despesas relativas ao citado aluguer, à manutenção mensal do filho, além dos gastos necessários para o seu próprio sustento.
As lacunas presentes na documentação fiscal apresentada pelo resistente e a evidente incongruência dos valores contidos nas declarações de renda levam a considerar que A seja titular de uma renda superior àquela declarada. O que encontraria posterior corroboração na documentação fotográfica acostada aos autos pela recorrente, da qual parece emergir que o resistente exerce a função de comandante na companhia aérea Jet Airways; por outro lado, mesmo negando eficácia probatória a tais fotografias, a defesa do resistente jamais contestou especificamente a circunstância relativa à sua atual ocupação, limitando-se genericamente a deduzir que “o Sr. A ainda não encontrou uma ocupação estável como piloto de linha aérea” (vide pág. 8 da memória de constituição). 4.3-Portanto, considerando as exigências progressivas do filho (documentadas nos autos), o maior tempo de permanência do filho com a mãe e a consequente maior prestação de cuidados domésticos e de assistência assegurada a seu favor, o Conselho considera é quo dispor, a fins equitativos, uma pensão periódica mensal a favor da mãe para a manutenção do filho equivalente a 500,00 euros, reajustáveis segundo os índices Istat; o pai também deverá reembolsar ao outro genitor 50% das despesas módicas não cobertas pelo serviço de saúde nacional, educativas, esportivas e recreativas realizadas e documentadas a favor do filho.
5.–Subsistem motivos válidos para dispor a compensação integral das despesas da ação, também considerada a natureza do presente procedimento.”
No requerimento executivo, a exequente e aqui embargada indicou, como quantia exequenda, o montante de € 22.526,09, discriminado da seguinte forma:
“Valor Líquido: € 22.000,59
Valor dependente de simples cálculo aritmético: € 0,00
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: € 525,50”.
Na sustentação dos montantes que integram a quantia exequenda, consignou o que segue:
“1.–A exequente e o executado são pais de Augusto ....., de nacionalidade brasileira e nascido no dia 20-10-1998. 2.–No dia 20-10-2016, a exequente, intentou, na Secção Civil do Tribunal de Paola, Itália, uma ação destinada à condenação do executado no pagamento de uma pensão de alimentos a favor do filho maior de ambos.
3.–No dia 13-12-2016, o Tribunal de Paola proferiu sentença, mediante a qual condenou o executado:
- No pagamento de uma pensão de alimentos no valor mensal de 500,00€, e ainda,
- No pagamento de 50% de todas as despesas extraordinárias, cfr. sentença/título executivo que se junta sob doc. n.º 1 e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
4.–Em meados de setembro de 2018, o filho maior inscreveu-se no curso de Licenciatura em Ciências Aeronáuticas Instituto Superior de Educação e Ciência, me Lisboa, e em setembro do ano corrente inscreveu-se, também, no curso de ATPL(A) Integrado (Airline Transport Pilot License - Avião) no Instituto de Formação Aeronáutica Lda., em Lisboa, de modo a conseguir tornar-se piloto de aviação.
5.–O referido Augusto viu-se, por conseguinte, na contingência de mudar a sua residência para Lisboa.
6.–Desde logo, no que concerne à Licenciatura em Ciências Aeronáuticas, a exequente incorreu nos seguintes custos, atinentes a propinas:
• INSCRIÇÃO ISEC 15/10/2018 € 125.00
• Prestação ISEC 15/10/2018 € 365,29
• Prestação ISEC 18/10/2018 € 364,71
• Prestação ISEC 06/11/2018 € 365,87
• Prestação ISEC 06/11/2018 € 0,58 (juros)
• Prestação ISEC 10/12/2018 €365,29
• Prestação ISEC 10/01/2019 € 365.29
• Prestação ISEC 08/02/2019 € 365.29
• Prestação ISEC 06/03/2019 € 365.29
• ISEC 13/03/2019 €25,00
• Prestação ISEC 29/04/2019 €365.29
• Prestação ISEC 18/06/2019 € 402.10
• Prestação ISEC 26/07/2019 € 365.29
• Prestação ISEC 26/07/2019 € 37.13 (juros)
• Prestação ISEC 08/2019 (em aberto), tudo no total de € 3.852,42, cfr. faturas, recibos e comprovativos de pagamento que se juntam sob doc. n.º 2.
7.–Por seu turno, no que ao curso de APTL Integrado diz respeito, a exequente incorreu nos seguintes custos, a título de propinas e taxas:
• INSCRIÇAO € 2.000
• 1ª parcela € 10.000
• 2ª parcela € 10.000, tudo no total de €22.000,00 cfr. faturas, recibos e comprovativos de pagamento que se juntam sob doc. n.º 3.
8.–Importa referir que a frequência no mencionado curso de ATPL(A) acarreta o pagamento de uma propina no valor total de 56.000,00€, cfr. documento que se junta sob doc. n.º 4 e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
9.–Tendo em conta o elevado valor da propina em causa (ainda assim o mais económico face às demais escolas de aviação), a exequente logrou alcançar um acordo de pagamento faseado com o IFA, nos seguintes termos:
• Reserva inscrição: 2.000,00€
• Até 30 dias antes da data de início do curso*: 10.000,00€
• 1º dia de aulas: 10.000,00€
• Até 1ª Fase de exames ANAC (a 180 dias do início): 23.000,00€
• Até ao início da Fase IR (voo) (a 360 dias): 8.000,00€
• Até ao início do curso MCC (a cerca de 1 mês do fim): 3.000,00€
10.–Até à presente data, venceram se já 22.000.00€ relativos à referida propina, o que foi oportunamente comunicado ao executado.
11.–Com efeito, o executado deveria ter entregado à exequente a quantia de 11.000,00€, vencida e não paga.
12.–Para suprir a necessidade de aquisição de material escolar do filho maior, a exequente incorreu nos seguintes custos: - Ipad: 369,00€;
- Capa de proteção: 44,99€;
- Capa de proteção para teclado: 49,99€;
- Material diverso: 24,89€, no valor total de 488,87€, cfr. faturas que se juntam sob doc. n.º 5. 13.–Em dezembro de 2018, a exequente suportou as seguintes despesas, relacionadas com a viagem do filho maior para Toulouse numa visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse:
• Bilhete Lisbon - Toulouse 14/12/2018 € 27.50
• Hotel em Toulouse 14/12/2018 € 136.40 : 2 = €68.20 (o recibo está no nome do colega de quarto).
• Bilhete de avião Toulouse - Napoli 16/12/2018 €25.57, tudo no total de € 121,27 cfr. comprovativos de pagamento que se juntam sob doc. n.º 6.
14.–Em 2017 e 2019, o filho maior necessitou de viajar para Roma, no sentido da realização do 1º exame /renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma, incorrendo a exequente nas seguintes despesas:
• Bilhete de comboio Diamante - Roma T. 09/07/2017 € 24.90
• Hotel Villa Torlonia 09/07/2017 € 173.20
• Pagamento Istituto Medicina Aerospaciale - Roma 10/07/2017 € 234,46
• Bilhete de comboio Roma T. - Diamante 12/07/2017 € 30.80
• Bilhete avião Lisbon - Rome 02/07/2019 € 49.12
• Pagamento Istituto Medicina Aerospaciale - Roma 03/07/2019 € 31.46
• Hotel Eurostars 02/07//2019 € 23.88 + 8,00
• Deslocação 03/07/2019 € 6.24
• Bilhete de comboio Roma T. - Scalea 03/07/2019 € 30.80, tudo no total de € 612,72 cfr. comprovativos que se juntam sob doc. n.º 7.
15.–Em 2018, o filho necessitou de viajar para o consulado brasileiro em Roma, incorrendo a exequente nas seguintes despesas:
• Bilhete de comboio Diamante - Scalea 05/02/2018 € 1.80
• Bilhete de comboio Scalea - Roma T. 05/02/2018 €19.90
• Bilhete de comboio Roma T. Scalea 06/02/2018 € 26.00
• Bilhete de comboio Scalea - Diamante 06/02/2019 € 3.40, tudo no total de €51,10, cfr. comprovativos que se juntam sob doc. n.º 8.
16.–Entre setembro de 2018 e setembro do corrente, o filho maior necessitou de se deslocar, por inúmeras, ocasiões, entre Itália e Portugal, incorrendo a exequente nas seguintes despesas:
•B&B Napoli 11/09/2018 € 59,00
•Bilhete Napoli - Lisbon 12/09/2018 €119,12 (59.56)
•Hostel World Lisboa 12/09/2018 €136.00 (pré início Universidade)
•Hostel World Lisboa 20/10/2018 €22.00
Bilhete Toulouse - Napoli 16/12/2018 (N.4)
•Hotel Virgilius - Billa Napoli 16/12/2018 € 33.31
•Bilhete de comboio Napoli – Sapri 17/12/2018 €19.90
•Bilhete de comboio Sapri - Diamante 17/12/2019 €3.80
•Bilhete de comboio Diamante - Lamezia 23-12-2018 €34.00
•Bilhete comboio Lamezia - Milan 23/12/2018 €74.18
•Hotel Atlantic 31/12/2018 €299,20
Bilhete avião Milan -Lisbon 03/01/2019 € 50.80
•Bilhete Lisboa - Barcelona 02-02-2019 €4.92
•Barcelonês Urbany 02/02/2019 € 99.09 : 3 = €33.03
•Bilhete Barcelona -Milão 05-02-2019 € 17.64 + 8.00
•Bilhete Milão - Lamezia 08/02/2019 € 28.79
•Bilhete comboio Lamezia T. - Scalea 08/02/2019 € 9.30
•Bilhete comboio 08/02/2019 Scalea - Diamante €1.80
•Bilhete comboio Diamante - Napoli 20/02/2019 € 0 (pontos acumulados)
•BenBo (Bed & Boarding) Napoli 20/02/2019 €23.75
•Bilhete avião Napoli- Lisbon 20/02/2019 € 22.61 + 11.41
•Bilhete comboio 04/09/2019 Diamante - Napoli € 14.65
•Bilhete avião Napoli - Lisboa 04/09/2019 € 54.23, tudo no total de 1044,39€, cfr. comprovativos que se juntam sob doc. n.º 9 e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
17.–O filho maior necessitou, outrossim, de colocar um aparelho ortodôntico, tendo a exequente incorrido nas seguintes expensas:
• Prestações do aparelho ortodôntico, radiografias, TAC, selagem na Clinica dentária “Studio odontoiatrico Dott. Daniele Arcuri”, em Itália, € 5.202.00
• TAC Dr. Impieri € 90.00
• TAC Biocontrol 19/01/2018 € 56,00
• Bilhete de viagem para fazer a TAC no Biocontrol 19/01/2018 €8.20, tudo no total de 5.356,00€, cfr. comprovativos que se juntam sob doc. n.º 10.
18.–Em 2017, o filho maior necessitou de obter a carta de condução, tendo a exequente incorrido nos seguintes custos:
• Dipartimento Trasporti Terrestri 23/02/2017 €26.40
• Dipartimento Trasporti Terrestri 23/02/2017 €16,00
• Dipartimento Trasporti Terrestri 23/02/2017 €16,00
• ASP CS €16,00, tudo no total de 74,40€, cfr. comprovativos que se juntam sob doc. n.º 11.
19.–Acresce que até à presente data, já se venceram 26 rendas no valor de 400,00€ cada, tudo no total de € 10.400,00, relativas ao locado em Lisboa, cfr. recibo de renda que se junta sob doc. n.º 12. 20.–Conforme determinado judicialmente, a exequente remeteu ao executado todos os recibos referentes às despesas supra, interpelando-o para o pagamento de 50% do valor das mesmas. 21.–Porém, o executado não logrou proceder ao pagamento da quantia devida. 22.–Na presente data, encontra-se em dívida a quantia total de € 22.000,59, referente a 50% de todas despesas extraordinárias discriminadas supra, vencidas e não pagas. 23.–Por seu turno, o executado atrasa-se, constantemente, no pagamento da pensão de alimentos, nunca cumprindo com a data estipulada, isto é, o dia 5 de cada mês. 24.–Ora, a sentença proferida pelo Tribunal de Paola, tendo força executória em Itália, é exequível em Portugal nos termos do disposto no artigo 17.º do Regulamento 4/2009 do Conselho. 25.–Com efeito, a sentença italiana constitui título executivo bastante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 703.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil. 26.–Atento o disposto no artigo 933.º do Código de Processo Civil, deverá a presente execução correr até pagamento de todas as prestações vencidas e bem assim das prestações vincendas, 27.–Incluindo o pagamento de 50% das prestações relativas ao pagamento faseado da propina ao IFA, melhor descritas sob artigo 12.º do presente. 28.–À quantia exequenda acrescerão juros moratórios desde a citação e bem assim juros compulsórios à taxa legal de 5%, nos termos do disposto no artigo 829.ºA, n.º 5 do Código Civil. 29.–O Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa é o competente para a presente execução conforme dispõe o artigo 90.º do Código de Processo Civil. 30.–A dívida é certa, líquida e exigível.”
Na petição de embargos o embargante invocou, como fundamento dos mesmos, a insuficiência do título, nos termos do disposto no art. 729º, al. a) do CPC, aplicável ex vi do art. 731º do mesmo código – vd. art. 27º do requerimento inicial.
Para tanto aduziu a seguinte argumentação:
“
1°
O título executivo que serve de base à presente execução para pagamento de quantia certa especial por alimentos consiste na sentença proferida, em 13/12/2017, pelo Tribunale Ordinario di Paola, Sezione Civile, no âmbito do Processo n.° 579/2016 (n.° cronológico 1260/2017) iniciado pela ora Exequente, ali Demandante, contra o ora Executado, ali Demandado, nos termos do disposto no artigo 17.° do Regulamento n.° 4/2009, do Conselho,
2°
Segundo o qual as decisões proferidas num Estado-Membro vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007 são reconhecidas noutro Estado-Membro sem necessidade de recurso a qualquer processo e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento e as decisões que, nesses termos, tenham força executória podem também ser executadas noutro Estado-Membro, sem que seja necessária uma declaração de força executória (cfr. artigo 17.°, nos 2, do referido Regulamento).
3°
E também nos termos do disposto no artigo 703, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil - sendo certo que, quanto a esta última referência feita pela Executada, crê-se que tal terá constituído certamente um lapso, querendo antes esta ter identificado a alínea a) do mesmo artigo e número, relativa às sentenças condenatórias.
4°
Por esta sentença, o Tribunale Ordinario di Paola, decidiu, no que releva para efeitos da presente execução, condenar o aqui Executado: (i)- no pagamento à Exequente, até ao quinto dia de cada mês, de uma pensão de alimentos, no valor mensal de 500,00€ (quinhentos euros), reajustáveis segundo o índice Istat, a título de subsistência a ser atribuída às necessidades do filho; e (ii)-no pagamento, em igual medida que a Exequente, de despesas extraordinárias incorridas, que não tenham um caráter exorbitante ou supérfluo.
5°
Analisada, contudo, a exposição de factos contida no requerimento executivo facilmente se conclui que o requerido no mesmo extravasa o âmbito de condenação da referida sentença, razão pela qual não se mostra possível à Exequente vir exigir o valor monetário que solicita ao Executado.
6°
A Exequente, em total desrespeito dos limites da condenação prescritos na referida decisão judicial, fixou, de forma manifestamente empolada e encapotada, o montante da dívida exequenda que agora vem exigir no valor de 22.000,59 € (vinte e dois mil euros e cinquenta e nove cêntimos), sem que o mesmo se mostre, contudo, admissível, face ao que fora determinado na sentença do Tribunale Ordinario di Paola.
Vejamos então:
II.–DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
7°
Tal como avançado no requerimento executivo, a Exequente e o Executado tiveram uma breve relação ocasional, da qual nasceu C, a 20/10/1998, de nacionalidade brasileira e atualmente maior de idade.
8°
No dia 20/10/2016, a Exequente, intentou, na Secção Civil do Tribunale Ordinario di Paola em Itália, uma ação destinada à condenação do Executado no pagamento de uma pensão de alimentos - embora o pai, nessa altura, estivesse já a pagar uma pensão de alimentos no valor de € 380,00 mensais - a favor do filho maior.
9°
No dia 13/12/2017, o Tribunale Ordinario di Paola preferiu sentença, mediante a qual estabeleceu, como referido supra, o valor mensal de alimentos de 500,00 € (quinhentos euros) e o pagamento de 50% de despesas extraordinárias incorridas que não tenham um carácter exorbitante ou supérfluo.
10°
Sucede que, no requerimento executivo, a cuja execução se vem oferecer oposição, são apresentados um conjunto de valores e ditas despesas relativas, em concreto, às seguintes categorias: 1.-Custos atinentes a propinas relacionadas com a Licenciatura em Ciências Aeronáuticas, tudo no total de 3.852,42 €; 2.-Custos a título de propinas e taxas com o curso de APTL Integrado, tudo no total de 22.000 €, cabendo supostamente ao Executado entregar à Exequente a quantia de 11.000 €; 3.-Despesas com a aquisição de material escolar do filho maior, tudo no valor total de 488,87 €; 4.-Despesas relacionadas com a viagem do filho maior para Toulouse, em dezembro de 2018, numa visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse, tudo no valor total de 121,27 €; 5.-Despesas relacionadas com viagens e hotéis do filho para Roma em 2017 e 2019 no sentido da realização do 1.° exame/renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma, tudo no valor total de 612,72 €; 6.-Despesas incorridas com a viagem que o filho necessitou de fazer em 2018 para o consulado brasileiro em Roma, no valor total de 51,10 €; 7.-Despesas com viagens e hotéis entre setembro de 2018 e setembro de 2020, em que o filho necessitou de se deslocar, por inúmeras ocasiões, entre Itália e Portugal, tudo no valor total de 1044,39 €; 8.-Expensas relacionadas com um aparelho ortodôntico que o filho necessitou de colocar, tudo no valor total de 5.356,00 €; sendo que de 9.02.2016 a 21.11.2017, no valor de 4.122,00€, que já tinham sido anulados pela sentença do Tribunal de Paola, na sentença proferida a 13.12.2017, o que significa que, mesmo que algo fosse devido, sempre se teria de deduzir esse valor ao valor reclamado, como se referirá abaixo; 9.-Despesas com a carta de condução que o filho necessitou de obter em 2017, tudo no valor total de 74,40 €; e 10.-Valor corresponde a 26 rendas vencidas no valor de 400,00 € cada, relativas a um locado em Lisboa, tudo no valor total de 10.400,00 €: neste aspeto, apenas foi exibido um único recibo, como se refere abaixo.
11º
No entanto, e tal como o Executado já havia feito notar à Exequente por meio de carta dirigida no passado dia 09/09/2019, relativamente à interpelação que esta lhe havia enviado para pagamento de alimentos e despesas ao filho maior, tais despesas não se revelam, na sua grande maioria, necessárias e adequadas e, nessa medida, não são devidas pelo Executado (cfr. Documento n.° 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais tidos por convenientes).
12°
Efetivamente, e tal como já invocado pelo Executado nessa sede: a sentença que serve de título executivo nos presentes autos é clara quanto ao facto de a obrigação de pagamento de 50% a título de despesas extraordinárias se conter em despesas que não sejam exorbitantes ou supérfluas.
13°
É que em causa não está uma qualquer despesa extraordinária, estão sim em causa despesas razoáveis e, nalguns casos, em especial quando em causa estejam questões de particular importância para a vida de um filho, despesas que ambos os Progenitores têm de consentir previamente.
14°
E nos termos do artigo 1905.°, n.° 2, do CC “Para efeitos do disposto no artigo 1880.°, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência” (realce e sublinhado nossos).
15º
Neste sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.° 1156/15.3T8CTB.C2, de 12/19/2017 fixa que:
A obrigação de alimentos a maiores está assim dependente da verificação de três pressupostos:
- não ter o requerente completado a sua formação profissional no momento da emancipação ou maioridade;
- ser razoável exigir dos pais o seu cumprimento;
- definição do tempo normalmente requerido para complemento da formação” (realce e sublinhado nossos)
16°
No entanto, pode igualmente ler-se no referido Acórdão quanto ao que “o que deve entender-se, o que releva, para efeitos de tal cláusula de “razoabilidade”?”, o seguinte:
“Relevarão/militarão, para tal juízo de razoabilidade, as possibilidades económicas do jovem maior (os rendimentos de bens próprios e/ou do trabalho que ele eventualmente tenha) e a dimensão dos recursos dos progenitores; como relevarão/militarão, para o efeito de saber se os recursos económicos dos progenitores, conquanto num juízo de prognose, são adequados às despesas vindouras, as circunstâncias ligadas à capacidade intelectual e ao aproveitamento escolar que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação; a duração e dificuldade relativa dos estudos que o filho maior pretenda prosseguir ou concluir.
Significa isto — sublinha-se — que o financiamento dos estudos, por parte dos progenitores, não pode ser perspectivado como um direito absoluto do filho” (realce e sublinhados nossos).
17°
Também como sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/04/2008, Processo n.° 08A943,
“A obrigação excepcional prevista neste normativo [artigo 1880.° do CC] tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário ” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade - é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.”
18°
Ora, posto isto, resulta claro que não cabe ao Executado suportar despesas extraordinárias que não sejam razoáveis e que não se encontrem dentro dos padrões de vida que este é capaz de proporcionar ao seu filho.
19°
Sendo certo que, vindo agora a Exequente, mais uma vez, chamar à colação despesas que entende caberem naquelas referidas despesas extraordinárias, caber-lhe-ia então justificar a necessidade do incurso das despesas cujo pagamento vem requerer e a razoabilidade das mesmas, o que, no entanto, esta não logrou fazer.
20°
Não existindo, assim, nos presentes autos uma qualquer fundamentação ou esclarecimento em relação a cada um dos itens acima referenciados no artigo 10.° supra, a título de exemplo, quanto às viagens, alojamentos e materiais referenciados.
21°
Em concreto, não existe um esclarecimento sobre a que se destinaram tais despesas e por que motivo foram incorridas, com a exceção óbvia relacionada com despesas relacionadas com a educação, quanto às quais também nos pronunciaremos.
22°
Ademais, existe, não raras vezes, um recurso (i) a faturas que não a recibos efetivamente emitidos quanto às supostas despesas incorridas e (ii) a alegados documentos comprovativos, uns sem valor associado, outros relativamente aos quais não se percebe a que despesas correspondem, outros ainda em nome da ora Exequente que não em nome do filho, e outros que não se mostram sequer legíveis.
23°
Sendo certo que, como se notará também, em muitos casos foram invocadas despesas anteriores à data do trânsito em julgado da sentença que serve como título executivo nesta sede.
Resulta, assim, que,
24°
A pretensão da Exequente ao instaurar a presente execução mais não é senão promover o pagamento de uma quantia monetária não incluída em qualquer prestação alimentar ou despesas extraordinária razoável e não exorbitante contempladas na referida sentença, extravasando, dessa forma, o âmbito das obrigações a que se mostra sujeito o Executado nos termos da sentença proferida pelo Tribunale Ordinario di Paola.
25°
Razão pela qual, a matéria trazida aos autos - e que, aliás, já havia sido discutida em sede do processo que correu termos no Tribunale Ordinario di Paola - é matéria espúria que não pode ser abrangida pela sentença em causa.
26°
Donde resulta inexistir uma causa debendi ou qualquer direito da Exequente em receber qualquer quantia relativa às despesas que vem invocar no presente processo.
27°
Não constituindo, por essa razão, e nos termos do artigo 729.°, alínea a), do CPC (e, à cautela, do disposto no artigo 731.° do mesmo Código), a sentença em causa título executivo nos presentes autos para os efeitos pretendidos pela Exequente, isto é, a execução do valor total de 22.000,59 € (vinte e dois mil euros e cinquenta e nove cêntimos).
28°
Devendo, em consequência, V. Exa. declarar a extinção da presente execução, nos termos e para os efeitos do artigo 734.°, n.° 2, do CPC.
Em concreto,
A)–DA NÃO JUSTIFICAÇÃO DOS VALORES EM CAUSA
29°
Relativamente aos custos relacionados com: i)-as propinas da Licenciatura em Ciências Aeronáuticas, no valor total de 3.852,42 €, ii)-as propinas e taxas com o curso de APTL Integrado, tudo no total de 22.000,00 €, cabendo supostamente ao Executado entregar à Exequente a quantia de 11.000,00 €; iii)-as despesas com a aquisição de material escolar do filho, no valor total de 488,87 €; iv)-as despesas relacionadas com a viagem do filho maior para Toulouse, em dezembro de 2018, numa visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse, no valor total de 121,27 €; v)-as despesas relacionadas com viagens do filho para Roma em 2017 e 2019 no sentido da realização do 1.° exame/renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma, tudo no valor total de 612,72 €; vi)-o valor corresponde a 26 rendas vencidas no valor de 400,00 €cada, relativas a um locado em Lisboa, tudo no valor total de 10.400,00 €,
30°
Cumpre, desde já, dizer o seguinte: invoca a Exequente no seu requerimento executivo que em meados de setembro de 2018, o filho maior se inscreveu no curso de licenciatura em Ciências Aeronáuticas Instituto Superior de Educação e Ciência, em Lisboa, e em setembro do ano corrente se inscreveu, também, no curso de ATPL(A) Integrado (Airline Transport Pilot License - Avião) no Instituto de Formação Aeronáutica Lda., em Lisboa, de modo a conseguir tornar-se piloto de aviação.
31°
E que, em consequência, se viu o filho na contingência de mudar a sua residência para Lisboa.
32°
Ocorre que, as referidas matrículas, tal como o Executado já teve oportunidade de transmitir à Exequente, por diversas vezes, foram efetuadas sem prévio consentimento do Executado (cfr. Documento n.° 1, já junto, e Documento n.° 2, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais tidos por convenientes),
33°
Consentimento esse que ainda hoje não existe, da mesma forma como o Executado nunca teve nem conhecimento nem deu qualquer prévio consentimento a nenhuma das viagens alegadamente realizadas pelo filho, e cujos custos a Exequente pretende agora imputar-lhe.
34°
Tal resulta, designadamente, do e-mail trocado entre os Progenitores, no dia 12 de janeiro de 2018, em que este referiu expressamente à aqui ora Exequente que:
“No que diz, respeito aos estudos de Augusto ....., confirmo que não estou de acordo que você o inscreva no curso de ATPL em Ponto Sor, na G Air Training Centre, tanto porque não acho que este seja o caminho para o Augusto. Acho que, em vez disso, deveria se aplicar e fazer estudos Universitários normal em Itália. Sei que existe um Consenza uma boa Universidade de Engenharia. Até porque as despesas para este curso de ATPL na G Air são altíssimos e excessivos.
Não tenho condições económicas para suportar nem 50% das despesas e custos necessários para realizar esse curso. Acho que esse curso é megalómano, exorbitante e excessivo.
Além disso, gostaria de salientar que o Tribunal de Justiça decidiu que as despesas extraordinárias, incluindo as despesas escolares, às quais devemos contribuir e dividir com 50% a cada um, não deve ser EXORBITANTE. Isso é excessivo, e o Curso de Piloto, em questão, tem um custo definitivamente EXCESSIVO E EXORBITANTE.
[…]
Por isso, não estou obrigado a participar de uma despesa tão alta e por tão pouco tempo, nem tenho dinheiro para isso”. (realces e sublinhados nossos).
35°
Não obstante, a Exequente continua incessantemente a exigir ao Executado, como ocorreu mais recentemente no dia 02/01/2021, despesas relativas às referidas matrículas, no caso, e designadamente, (i) a renovação First Class Medical Certificate no Instituto Médico Aeroespecial de Roma, em 10/12/2020; (ii) material de suporte para estudo de exames a realizar no ATPL; (iii) valores relativos a uma caução e renda com um imóvel em Lisboa, (iv) entre outras, que, no total, perfazem, segundo alega, um valor de 50% de 377, 45 € (Documento n.° 3, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais tidos por convenientes),.
36°
Do exposto resulta que, em janeiro de 2018, o Executado informou a Exequente de que entendia que o menor deveria frequentar o Ensino Universitário em Itália, tendo esta logrado, porém, matricular o filho de ambos em Portugal, à revelia do Executado.
37°
Ora, sendo a frequência de um estabelecimento escolar uma questão de particular importância, a mesma deveria ter sido decida ou por comum acordo ou com intervenção do Tribunal.
38°
Não tendo sido esse o caso, e não tendo havido consentimento por parte do Executado quanto à frequência dos cursos acima referidos - ATPL e Instituto de Formação Aeronáutica - o Executado não pode ser considerado responsável pelo respetivo pagamento, na medida em que as inscrições em causa foram feitas sem o seu conhecimento ou consentimento.
39°
Ao que acresce que nem o mesmo tem capacidade financeira para suportar tais despesas, tal como transmitiu, nessa altura, à Exequente.
40°
Razão pela qual todas as despesas invocadas relacionadas com os cursos em causa, viagens e hotéis se revelam, na ótica do Executado, despesas exorbitantes e excessivas, não sendo adequadas ao padrão de vida que o Executado poderia proporcionar ao filho maior, razão pela qual não são por si devidas à Exequente.
41°
Aliás, da documentação junta aos autos pela Exequente resulta precisamente, por um lado, que a mesma bem sabia que o Executado não concordava com as referidas inscrições e, por outro, que esta, ainda assim, decidiu atuar no sentido de determinar unilateral e autoritariamente qual seria o futuro escolar do filho maior.
42°
Veja-se os e-mails por esta juntos como Documento n.° 3 no requerimento executivo, designadamente o e-mail do dia 23/08/2018 em que a mesma impõe que “o interesse do Augusto em curso de Ciências aeronáuticas (ISEC) Lisboa, ministrado em simultânea com o curso atpl, comunico que no próximo mês, ele e eu iremos para Lisboa para fixar as condições de pagamento e fazer a inscrição para iniciar o curso, no dia 24 de setembro de 2018. Em qualidade de genitor, conto com a sua presença neste encontro e também com 50% das despesas de viagem e estadia do Augusto” (realce e sublinhado nossos).
43°
Também do e-mail que esta envia ao Executado no dia 29/08/2019 se retira que a mesma sabe que atuou à revelia do Executado e contra aquela que era a sua vontade sem, contudo, ter logrado debater essa questão e tentado chegar a qualquer acordo: “daria para vc me ligar hoje ou amanhã para conversarmos sobre uma possível solução sobre o curso de piloto do Augusto?” (realce e sublinhado nossos).
44°
Ademais, tal questão quanto à frequência do referido curso já foi discutida e decidida no processo principal, pelo Tribunale Ordinario di Paola, que negou serem as mesmas devidas pelo aqui Executado, por se tratarem de despesas “inadmissíveis” (cfr. Documento n os 4, 5 e 6 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais tidos por convenientes),
45°
Efetivamente, tal como resulta do Documento n.° 1 junto pela Exequente ao requerimento executivo, em concreto da tradução do mesmo, da sentença que serviria de título executivo aos presentes autos resulta que:
“3.-Com referência ao pedido de ‘reembolso das despesas extraordinárias antecipadas pela mãe para cuidados médicos (dermatológicos, alergológicos, ortodônticos listados), despesas com educação (o ensino médio custou 1.200,00 ao ano x 5 anos = 6.000,00) a escola de English Scholl Cambridge (2.450,00 durante 4 anos), 360,00 pelos 4 exames de Inglês [...I, apresentado pela parte recorrente, na memória de 17/07/2017, foi declarado inadmissível.
Na verdade, como já citado no parágrafo anterior n.° 2, o presente procedimento refere-se à determinação de uma pensão periódica que o Tribunal, nos termos do artigo 337.° [...], poderá dispor a favor do filho maior de idade.
Ao contrário, o pedido de reembolso feito pela mãe ao pai [...] inscreve-se no âmbito [...] para as relações entre devedores solidários [...], sendo, portanto, passível de realização no âmbito de um juízo ordinário de cognição.
A estranheza de tal pedido em relação às exigências invocadas no presente procedimento de jurisdição voluntária comporta, por fim, a sua inadmissibilidade” (realces e sublinhados nossos).
46°
Ainda relativamente às despesas relativas às rendas quanto ao locado em Lisboa, como já adiantámos supra, entendemos que a vinda do filho maior para Lisboa, para a realização do referido curso, não se provou corresponder a qualquer opção racionalmente justificável.
47°
Como o Executado teve oportunidade de transmitir à Exequente, havia em Itália, em concreto em Cosenza, boas entidades que ministravam cursos universitários, designadamente em Engenharia,
48°
Atualmente, dada a situação caótica que o mundo atravessa, em que a atividade de aviação está parada e sem qualquer perspetiva de melhorar nos próximos tempos, a opção pelo curso de aviação resultou, como o Pai já antecipara, absolutamente estéril.
49°
Pelo que, a opção de o filho vir para Lisboa não foi, na ótica do Executado, uma opção válida e concretamente adequada e ponderada face às possibilidades que o filho maior tinha ao seu dispor noutro país onde residia com a Mãe.
50°
Ao que acresce o facto de não terem sido juntos aos autos quaisquer comprovativos de que tais despesas foram liquidadas, não existindo nos autos quaisquer recibos relativos às referidas rendas, com exceção do Documento n.° 3 relativo a um recibo de Outubro de 2018.
51°
Ademais, existem também despesas quanto à aquisição de material escolar (i.e. iPad, capa de proteção, capa de proteção para teclado e material diverso) que não logram ser justificadas nos presentes autos, não tendo a Exequente justificado em que é que tais despesas são necessárias ao sustento do filho, considerando-se, assim, que, diferentemente, são despesas supérfluas e não despesas extraordinárias atendíveis.
52°
Aliás, a Exequente junta aos autos, como Documento n.° 5, um talão de pagamento no valor de 369,00€ sem justificar a origem deste valor, para além de juntar outros de difícil leitura.
53°
Também relativamente ao Documento n.° 6 junto pela Exequente, relativo a uma viagem feita para Toulouse, em dezembro de 2018, numa visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse, a cuja não exigibilidade já se fez referência supra, importa referir que a Exequente faz referência a um recibo num Hotel em Toulouse que estará em nome do colega de quarto do filho que parece encontrar-se na contra folha de um dos bilhetes de avião, não sendo, contudo, percetível esse documento.
54°
A acrescer, do Documento n.° 7 junto pela Exequente relativo às viagens do filho para Roma em 2017 e 2019 no sentido da realização do 1.° exame/renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma, e sobre as quais o Executado também já se pronunciou supra, não consta, na sua primeira folha, sequer um preço associado ao talão junto (que não a uma fatura comprovativa de liquidação).
55°
Também relativamente (i) às despesas incorridas com a viagem que o filho necessitou de fazer em 2018 para o consulado brasileiro em Roma, tudo no valor total de 51,10 € e (ii) às viagens e hotéis entre setembro de 2018 e setembro de 2020, em que o filho necessitou de se deslocar, por inúmeras ocasiões, entre Itália e Portugal, tudo no valor total de 1044,39 €, a Exequente não logrou justificar devidamente o motivo e a necessidade das mesmas,
56°
Nem o Executado foi tido ou achado, mais uma vez, antes da realização das mesmas para sua concordância, ou pelo menos, tomada de conhecimento, pelo que os alegados valores comportados com as mesmas não são, mais uma vez, exigíveis ao Executado, sendo antes valores supérfluos e desadequados, não integrando, por isso, qualquer despesa extraordinária de caráter razoável e atendível.
57°
Além de que a Documentação junta como n.° 9 não é clara e suscita dúvidas quanto à verdadeira origem e motivos dos valores em causa, o que leva a concluir-se, mais uma vez, não ser o Executado devedor de tais encargos.
58°
Veja-se, a título de exemplo, a informação de voo do dia 12/09/2018 e do dia 23/12/2018, da qual constam como passageiros, para além do filho maior de ambos, a própria Exequente.
59°
E veja-se também, e logo na primeira folha deste documento, o facto de o bilhete em causa ter sido adquirido em ou para Nápoles, local onde nem o filho nem a Exequente residem.
60°
Também da confirmação de reserva do dia 31/12/2018, resulta uma marcação de 3 noites num hotel em Milão.
61°
Ora, estes não seriam comprovativos relativos às viagens do filho entre Itália e Portugal?
62°
É que, para além de o Executado não ter tido nem o mínimo conhecimento nem, em consequência, ter dado seu consentimento às viagens aparentemente realizadas, denota-se, por demais, a desadequação das mesmas e o carácter supérfluo destas, a título de exemplo, e como se mostrou, viagens intra-Itália e não entre Itália e Portugal, muitas delas num curto espaço de tempo, ao que acresce o facto de alguns documentos serem apenas talões/faturas e não recibos comprovativos da liquidação das referidas despesas.
63°
Ao que acresce que, se o Executado está a frequentar um curso, mal se compreende o tempo livre que despende em viagens constantes e permanentes para fora de Portugal e dentro de Itália...
64°
E, por fim, diga-se ainda, como se viu, o facto de, nalguns desses comprovativos, resultar também informação de viagem quanto à Exequente - o que é verdadeiramente inadmissível e o Executado não pode suportar.
65°
Ademais, também as despesas incorridas com a carta de condução que o filho necessitou de obter em 2017, tudo no valor total de 74,40 €, não logram ser devidamente provadas ou justificadas, não tendo sido juntos quaisquer comprovativos de que tais despesas foram liquidadas, tendo sido, ao invés, juntos apenas documentos avulso, tanto quanto nos parece, nos valores de 16,00€ ou 26,40€, dos quais não se retira a efetiva liquidação do valor total invocado pela Exequente.
B)–DAS DESPESAS ANTERIORES À DATA DO TRÂNSITO DA SENTENÇA QUE SERVE DE TÍTULO EXECUTIVO
66°
Relativamente às despesas incorridas com um aparelho ortodôntico que o filho terá necessitado de colocar, no valor total de 5.356,00 €, importa ter em consideração, desde logo, o seguinte: (i) não só os recebidos juntos, como Documento n.° 10 pela Exequente, datam quase todos eles de 2016 ou de 2017 (i.e. em data anterior à da sentença ora em causa, isto é, 13/12/2017), com a exceção de alguns recebidos que datam de 2018 (alguns dos quais em data anterior ao trânsito em julgado da sentença), (ii) como um dos recebidos se encontra em nome da Exequente e não do filho maior,
67°
Sendo que, reitere-se, de 9.02.2016 a 21.11.2017, tais despesas que se cifraram em 4.122,00€, já tinham sido anuladas pela sentença do Tribunal de Paola, proferida a 13.12.2017, o que significa que, mesmo que algo fosse devido, sempre se teria de deduzir esse valor ao valor reclamado, o que a Exequente de má fé e sabendo que tais despesas foram anuladas, se absteve de fazer. É notoriamente uma manifestação de clara litigância de má fé!
68°
Razão pela qual as respetivas expensas não são devidas pelo Executado nem podem pelo mesmo ser suportadas, sendo aliás manifestamente infundadas.
69°
Ademais, desde já se diga, mais uma vez, que a Exequente não logrou demonstrar o motivo da realização dos alegados tratamentos ortodônticos, bastando-se em juntar aos autos os referidos recebidos.
70°
Não seria expectável que um Pai antes de confrontado com um tratamento ortodôntico realizado ao filho, no valor de 5.356,00 €, fosse antes informado do motivo pelo qual se mostra importante realizar tal intervenção médica? Ou até que ao mesmo fosse pedido consentimento para a realização da mesma?
71°
Mais uma vez, cremos que a resposta será positiva e que a despesa incorrida se revela, não só exorbitante, como não logrou ser fundamentada ou justificada por parte da Exequente, pelo que não pode agora, e por todos os motivos supra alegados, vir ser imputada ao Executado.
C)–DO VALOR TOTAL PETICIONADO
72°
Por fim, importa ter presente que o valor peticionado - embora não devido, tal como explicado supra pelo Executado - não corresponde a 50% da soma dos valores totais das referidas despesas, pelo que se aproveita, igualmente, para retificar a soma desses valores a qual se cifraria no valor de 20.074,38 € (vinte mil euros, setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos) e não no valor de 22.000,59 € (vinte e dois mil euros e cinquenta e nove cêntimos).
Assim,
73°
Por tudo quanto se expôs, deverá V. Exa. considerar não ter a Exequente título executivo válido e legalmente eficaz para a execução do valor total de 20.074,38 € (vinte mil euros, setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos) e, em consequência, declarar-se extinta a presente execução, nos termos e para os efeitos do artigo 734.°, n.° 2, do CPC, rejeitando-se liminarmente a presente execução, sem recurso a qualquer diligência prévia à penhora e/ou à penhora propriamente dita.
No mais,
III.–DO EFEITO DO RECEBIMENTO DOS EMBARGOS
74°
Crê o Executado que o recebimento dos presentes embargos deverá suspender o prosseguimento da execução nos termos da alínea c), n.°1, do artigo 733.°, do CPC, uma vez que na presente oposição está em causa a impugnação da exigibilidade da alegada obrigação exequenda, devendo, nessa medida, ser ouvido o embargado para que V. Exa. possa apurar se a referida suspensão é justificável sem a prestação de caução.”
Concluiu pela procedência dos embargos, pedindo que o Tribunal declare extinta a execução.
Recebidos os embargos, contestou a exequente pugnando pela sua improcedência e pelo prosseguimento da execução.
Para tanto aduziu a seguinte argumentação:
“
1.º
Improcedem totalmente, tanto de facto como de Direito, os Embargos apresentados à presente Execução, conforme se demonstrará.
2.°
Impugnam-se expressamente todos os artigos do articulado apresentado por serem falsos ou versões distorcidas da realidade, seja por mero desconhecimento, seja pelo facto de serem conclusões de Direito extraídas de factos que, como nos propomos a demonstrar, não permitem extrair as mesmas.
3.°
Consideram-se ainda impugnados todos os factos que estejam em contradição com a presente Contestação, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 574.° do C.P.C., e com o Requerimento Executivo.
4.°
Ademais, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 368.° do Código Civil (doravante, C.C.), impugnam-se expressamente os documentos juntos pelo Embargante, quanto ao seu teor e quanto a todos os efeitos legais e probatórios que deles se pretenda retirar, uma vez que consubstanciam meras reproduções mecânicas, cuja autoria se desconhece e cuja autenticidade é impossível de ser certificada, pelo que também a veracidade do seu conteúdo não pode ser atestada.
5.°
Os Embargos apresentados consubstanciam uma exposição de factos gongórica, em que o Embargante profere afirmações indemonstradas e carecidas, por completo, de qualquer prova, tudo com o intuito de obnubilar o espírito do Meritíssimo Julgador.
6.°
A Embargada regista a encenação do Embargante, não lhe atribuindo especial importância, até porque o articulado apresentado aos presentes autos está impregnado de falsidades e deturpações da realidade, que ora se esclarecerão.
7.°
Salvo o devido respeito, o Embargante procura furtar-se a uma responsabilidade que bem sabe que tem, servindo-se de argumentos sem qualquer fundamento e trazendo aos autos uma narrativa completamente desfasada da realidade, enviesada com graves imprecisões e adulteração deliberada dos factos.
I.–DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
8.°
Nos termos da sentença da Sezione Civile do Tribunale Ordinário di Paola, que serve de título executivo à presente Execução, o Executado, aqui Embargante, foi condenado no pagamento à Exequente, aqui Embargada: i)-de uma pensão de alimentos, no valor mensal de € 500,00 (quinhentos euros), reajustáveis segundo o índice Istat, a título de subsistência a ser atribuída às necessidades do filho, até ao quinto dia de cada mês; e ii)-das despesas extraordinárias incorridas, que não tenham um carácter exorbitante ou supérfluo, em igual medida que a Exequente, aqui Embargada.
9.°
Ora, com os presentes Embargos, o Embargante vem sustentar a sua oposição à Execução na (alegada) inexistência de título executivo por considerar que o aí requerido corresponde a um conjunto de despesas extraordinárias de carácter exorbitante, supérfluo ou irrazoável e, nessa medida, extravasa o âmbito de condenação da sentença proferida.
10.°
Com o devido respeito, não assiste qualquer razão ao Embargante.
11.°
Desde logo, e porque se menciona o âmbito de condenação da sentença supra referida, importa referir que, desde Maio de 2020, o Embargante pura e simplesmente não efectua o pagamento da pensão de alimentos no valor mensal de € 500,00 (quinhentos euros) para subsistência do filho.
12.°
Daqui resulta manifesto o incumprimento da sentença condenatória citada na sua totalidade por parte do Embargante.
13.°
Também se diga que o Embargante nunca cumpriu atempadamente com o pagamento da referida pensão de alimentos, isto é, até ao 5.° dia de cada mês, como dita a sentença.
14.°
Este incumprimento peremptório e liminar de uma sentença judicial referente ao pagamento de alimentos ao filho por parte do Embargante, piloto de aviação com um nível de vida bem acima da média, deve merecer a censura deste Tribunal
15.°
Prosseguindo, quanto às despesas extraordinárias cujo pagamento se prossegue não se vislumbra qualquer carácter exorbitante, supérfluo ou irrazoável nas mesmas, inserindo-se estas confortavelmente no âmbito da sentença condenatória proferida.
16.°
Em concreto, as despesas extraordinárias in questio respeitam a: a)-Propinas da Licenciatura em Ciências Aeronáuticas, no Instituto Superior de Educação e Ciência (ISEC) em Lisboa; b)-Propinas e taxas do Curso de Airline Transport Pilot License - Avião (ATPL(A)) Integrado, no Instituto de Formação Aeronáutica, também em Lisboa; c)-Aquisição de material escolar, no âmbito da sua formação profissional; d)-Custos relacionados com uma visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse, em Dezembro de 2018, no âmbito da sua formação pelas instituições de ensino supra referidas; e)-Custos relacionados com deslocação e alojamento para realização do 1.° exame e renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma, no âmbito da sua formação profissional; f)-Custos incorridos com uma viagem que o filho necessitou de fazer para o consulado brasileiro em Roma, em 2018; g)-Deslocação e alojamento no âmbito das várias deslocações entre Portugal e Itália, entre Setembro de 2018 e Setembro de 2020; h)-Custos relacionados com a colocação de um aparelho ortodôntico, por motivos de saúde do filho; i)-Custos com a carta de condução; j)-Rendas relativas a um locado na cidade de Lisboa, onde obrigatoriamente reside por imperativo da sua formação profissional nas instituições supra mencionadas.
17.°
Como é fácil de ver, as despesas extraordinárias em causa reportam-se a despesas de educação, saúde e habitação, que consubstanciam necessidades básicas e mínimas da dignidade humana do filho das partes.
18.°
Por sua vez, estas despesas não são exorbitantes ou supérfluas.
19.°
Pelo contrário, revestem-se de um carácter de necessidade, proporcionalidade, adequação e razoabilidade.
20.º
Não se olvide que estamos a falar maioritariamente de custos directa e indirectamente associados à formação profissional do filho que, à semelhança do pai, aqui Embargante, pretende ser piloto de aviação.
Ora,
21.°
e sem esquecer que já foi proferida sentença condenatória (que, aliás, ora se executa) quanto à matéria aqui em discussão,
22.°
nos termos do disposto no art. 1878.°, n.° 1 do C.C., compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação.
23.°
O art. 1879° do C.C. prevê que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.
24.°
Por sua vez, o art. 1880° do C.C. estatui que, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, se mantém a obrigação de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
25.°
E o n.° 2 do art. 1905.° do C.C. dispõe que, para efeitos do disposto no artigo 1880.° do C.C., entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
26.°
O art. 1880.° do C.C. não consagra um caso de direito a alimentos, mas, antes, uma extensão da obrigação dos pais sustentarem os filhos além da maioridade, para que seja possível estes concluírem a sua educação superior.
27.°
O regime especial previsto no art.° 1880.° do C.C. afasta as regras relativas à obrigação geral de alimentos previstas no art.° 2003.° e seguintes do C.C., sendo um regime específico que visa beneficiar os filhos maiores.
28.°
O art.° 1880.° é uma excepção ao art.° 1877.°, ambos do C.C., no que concerne a um dos aspectos das responsabilidades parentais: a obrigação de alimentos, enquanto obrigação de os pais proverem ao sustento dos seus filhos, durante a formação profissional e académica destes.
29.°
Assim, o filho necessitado de alimentos mantém, após a maioridade, a obrigação de alimentos devida durante a menoridade.
30.°
Nestes termos, o filho maior que não tenha completado a sua formação profissional continuará a beneficiar da pensão alimentar antes acordada ou estabelecida até que a sua formação se conclua.
31.°
De acordo com a doutrina e a jurisprudência mais autorizadas, o critério de razoabilidade presente no art. 1880.° do C.C. assenta, não na (in)existência de culpa grave do filho, mas, antes, na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam os conceitos de razoabilidade e (in)exigibilidade.
32.°
Os requisitos objectivos estão relacionados com as possibilidades económicas do jovem maior e com os recursos dos seus progenitores, como acontece no contexto de uma obrigação geral de alimentos (art. 2004.° C.C.).
33.°
E os requisitos subjectivos dizem respeito a todas as circunstâncias ligadas ao jovem beneficiário de alimentos, como, por exemplo, a capacidade intelectual e o aproveitamento escolar do mesmo.
Aqui chegados,
34.°
resulta evidente que estão preenchidos todos os requisitos legais para a exigibilidade da obrigação de alimentos que recai sobre o Embargante, incluindo o referido critério de razoabilidade.
35.°
De facto, o filho ainda não concluiu a sua formação profissional.
36.°
Não obstante, revela uma capacidade intelectual elevada, tem demonstrado um aproveitamento escolar extremamente positivo2 e são-lhe reconhecidas pelos seus pares as qualidades e aptidões de um bom piloto de aviação, profissão que, por sua vez, é alvo de uma forte procura no sector da aviação e goza de um elevado reconhecimento social e profissional.
37.°
De todo o exposto, resulta evidente que inexiste qualquer falta de razoabilidade da obrigação de alimentos que recai sobre o Embargante no que toca às despesas aqui em discussão, a qual, sempre se diga, teria de ser provada pelo obrigado alimentar, o que não sucedeu.
Por outro lado,
38.°
também não colhe o argumento de que as referidas despesas extraordinárias foram efectuadas sem o prévio consentimento do Executado ou à sua revelia.
39.°
Efectivamente, não podem ser imputados nem à Exequente nem ao seu filho o silêncio e o desinteresse generalizado do Executado para com este, os quais são exclusivamente imputáveis ao Embargante.
40.°
Aliás, se assim não se entendesse, estaria (re)descoberta a pólvora: a inércia do progenitor obrigado aos alimentos isentá-lo-ia do pagamento de toda e qualquer despesa que o filho incorresse ou necessitasse, na medida em que, no seu silêncio, nada confirmara ou dissera.
41.°
Tal entendimento consubstanciaria manifestamente abuso de direito e fraude à lei, na medida em que seria frontalmente contrário à ratio do direito em questão, que visa proteger o interesse do filho.
42.°
Note-se bem que a Exequente sempre comunicou reiterada e constantemente ao Executado todas as vicissitudes referentes ao projecto de vida do filho, procurando o apoio e a orientação do Executado na educação do filho.
43.°
No entanto, o Embargante limita-se a duas atitudes.
44.°
Ou não responde, remetendo-se ao seu silêncio.
45.°
Ou, quando responde, descarta por completo as suas responsabilidades parentais e as obrigações impostas pela referida sentença condenatória.
46.°
As duas atitudes têm o mesmo resultado: apesar de o procurarem, a Exequente e o seu filho não podem contar com o Executado.
47.°
Nem no plano pessoal e familiar, nem no plano patrimonial (caso contrário, não estaríamos aqui).
Vejamos.
48.°
No dia 19 de Julho de 2017, a Exequente enviou o seguinte e-mail ao Executado, relativamente ao futuro profissional do filho, na sequência da conclusão do ensino médio/secundário por parte deste:
(...)
Olá! Após o Augusto ter superado o exame médico de 1a classe, estamos hoje em Bergamo, para conhecer e obter maiores informações sobre o curso da GAir Training Center (escola de voo) com sede em Ponte de Sor (Portugal), onde o Augusto quer fazer o curso. Como o meu interesse é ajudá-lo e vc escreveu que se preocupa com o futuro dele, poderíamos conversar e resolver isso entre a gente? Posso te enviar o e-mail da GAir, com todas as informações. Se preferir vir pessoalmente, será bem vindo. O que vc acha?
Marcia
49.°
O Embargante não respondeu.
50.°
Poucos dias depois, e apelando aos conhecimentos práticos e à experiência do Embargante enquanto piloto de aviação, a Embargada voltou a pedir a sua ajuda,
enviando-lhe o seguinte e-mail:
(...)
Oi! Posso te enviar o conteúdo programático da escola de vôo para vc dar uma olhada?
51.°
O Embargante voltou a não responder.
Perante o silêncio do Embargante e porque era uma decisão concernente a ambos os pais, a Embargada voltou a tentar contactar o Embargante em Dezembro de 2017:
(...)
Em relação as despesas extraordinárias do Augusto, as quais devem ser dividas entre nós dois, conforme definido judicialmente, precisamos resolver a questão dos estudos dele.
Ele concluiu o ensino médio em julho e até agora já perdeu meio ano sem estudar, apesar de estar apto desde julho para iniciar o curso de ATPL, conforme o certificado medico da ENAC de 1° classe, que te enviei por e-mail em julho.
A escola de voo que nos informamos é a GAir com sede em Ponte de Sor em Portugal, com duração estimada de 18 meses. O curso teórico pode ser feito também em Bergamo e os voos em Ponte de Sor. Sendo o custo de vida menor em Portugal o Augusto sugere fazer em Portugal. O próximo screening (seleção) vai ser em Fevereiro, com inicio do curso dia 26 de Março 2018.
Segue abaixo os valores do curso (ATPL (A) CADET PROGRAMME G AIR) para CADA UM DE NOS:
Screenig: €250 + Application fee €1.995 (1° mês)
2° pagamento: €9.667,5
Outros pagamentos a partir do 3° mês €1.450,89 por mês (durante 14 meses). Segue em anexo o valor do curso, as condições de pagamento e o programa. Estou à disposição, aguardo notícias.
Informações sobre o curso e a GAir: http://www.gairg.com/pt/
53.°
A Exequente expressou a sua preocupação com a educação e o futuro do filho, que aguardava há meses qualquer input por parte do seu pai quanto a este assunto.
54.°
Inclusive, a Exequente teve o cuidado de indicar ao Executado os valores do curso que o filho pretendia, enviar as condições de pagamento e o programa curricular e explicar que, tendo em conta que o custo de vida em Portugal era menor, o filho sugeria realizar o referido curso em Portugal.
55.°
Mas a resposta do Executado não veio.
56.°
Nesta sequência, no dia 11 de Janeiro de 2018, a Exequente voltou a insistir com novo e-mail:
(....)
Estou aguardando o seu retorno em relação o curso de piloto do Augusto. Obrigada Marcia
57.°
A resposta do Executado viria a surgir no dia seguinte, onde manifestou a sua discordância pela realização daquele curso pelo filho e a sua preferência pela frequência de um curso de engenharia pelo mesmo, conforme Documento n.° 2 junto com os Embargos.
58.°
Após o filho reiterar que realmente pretendia ser piloto, no dia 7 de Fevereiro de 2018, a Exequente contactou o Executado nesse sentido e a solicitar que ajudasse na escolha de uma outra instituição de ensino com melhor preço e qualidade e que fosse da sua concordância:
(...)
Conversando com o Augusto, ele pediu para você sugerir/informar algum outro ATPL se você não concorda com os da GAir. Por favor se você puder verificar outros com preços melhores e de qualidade, nos informe. Estou pensando na possibilidade de um empréstimo bancário. Mas com o meu salário mensal, o empréstimo não cobriria o valor do curso. Então pensei em te perguntar se mesmo que não seja com 50% do curso, com quanto você poderia contribuir? Mário outro dia ele me falou que quando nos 3 estávamos passeando em Cosenza, conversamos sobre isso. Inicialmente sugeriu uma Universidade e ele disse: Mas se eu já sei que quero ser piloto. Então você me perguntou se a minha amiga psicóloga fazia teste de aptidão para o caso. Mas a aptidão é tanta que ele obteve diretamente o certificado de 1a classe. Eu penso que no fundo você fala todo orgulhoso do Augustinho para os seus amigos e por outro lado ele gosta de você e espera sempre a sua ligação. Obrigada Marcia
59.º
A resposta do Executado foi no sentido de não o chatearem com o assunto da educação do filho:
(...)
60.°
Posto isto, a Exequente voltaria a enviar e-mail ao Executado a 9 de Março de 2018, onde reiterou o interesse do filho em prosseguir o curso de Aviação, e não de Engenharia, numa instituição de ensino portuguesa mais vantajosa do ponto de vista académico e financeiro:
(...)
Quanto aos estudos do Augusto, conversamos, falei que você acha importante fazer uma Universidade, mas o Augusto não quer fazer engenharia. Porém está interessado em ir no dia 22 de março, na Universidade ISEC de Lisboa, para obter maiores informações sobre o curso de Ciências aeronáuticas, em parceria com a escola de vôo Sevenair (aproveitando para participar do open day no dia 24 de março). Resumindo, em 3 anos obtém a Licenciatura em ciências aeronáuticas e Licença de piloto atpl, com melhores preços e condições de pagamento que a Gair. Marcia
61.°
O Executado não respondeu.
62.°
Nesta sequência, e COMO A VIDA E A EDUCAÇÃO DE UM FILHO NÃO PODEM FICAR À ESPERA QUE UM PAI SE DIGNE A PARTICIPAR ACTIVAMENTE NO SEU PROJECTO DE VIDA, através de e-mail de 23 de Agosto de 2018, a Exequente informou o Executado que o filho iria inscrever-se na instituição de ensino anteriormente referida para frequentar o mencionado curso de aviação e que contava com a presença do Executado neste momento importante da vida do filho:
(...)
Como já exposto anteriormente, o interesse do Augusto em cursar o curso de Ciências aeronáuticas (ISEC) Lisboa, ministrado em simultânea com o curso atpl, comunico que no próximo mês, ele e eu iremos para Lisboa para fixar as condições de pagamento e fazer a inscrição para iniciar o curso, no dia 24 de setembro de 2018.
Em qualidade de genitor, conto com a sua presença neste encontro e também com 50% das despesas de viagem e estadia do Augusto.
Por favor, entre em contato para maiores informações sobre a data do encontro.
Muito obrigada
Marcia
63.º
No final do mês de Outubro de 2018, a Exequente informou o Executado das despesas incorridas com o curso do filho, tendo ainda esclarecido que o mesmo iria fazer uma visita de estudo a Toulouse, que adquirira um iPad para a Universidade e que arrendou um quarto para viver em Lisboa:
(...)
Em anexo recibo da candidatura Universitaria, condições de pagamento do curso e envio do depósito da para o ISEC que compreende:
€125 - Matrícula €35 - Dossier €365 - Setembro €365 - Outubro TOTAL: €890
Quando serão pagas as prestações do atpl modular, eles vão descontar o valor das mensalidades que estão sendo pagas.
No dia 14-12-2018, os alunos irão visitar a Airbus Em Toulouse - despesa previstas €200 (viagem, hotel, ingresso, transporte local, comida).
Augusto precisou alugar um espaço para morar em Lisboa, pagar um mês de caução e um mês antecipado, comprar um IPad, que serve para a Universidade, se inscreveu em uma academia, transporte, lanche, comida, despesas com viagens de férias e controle do aparelho ortodôntico, precisei enviar uma caixa com o computador dele e outros pertences...
Assim que juntar estes recibos te encaminho.
Mário estou tentando resolver tudo na melhor maneira possível e para garantir um futuro satisfatório para o Augusto.
Me coloco à disposição para dialogar.
Muito obrigada.
Marcia
64.°
Já em Agosto de 2019, a Exequente contactou o Executado por causa da dificuldade em obter financiamento, a título individual, para os estudos do filho, apelando, uma vez mais, à sua ajuda:
(...)
Conforme falamos sobre o IFA (Aviation Training Center, em Portugal), o aluno pode solicitar o financiamento junto ao banco BPI de Sintra, para o curso de piloto atpl do IFA, desde que os pais sejam os fiadores, então eu fui a fiadora do financiamento que o Augusto solicitou para pagar em 10 anos, com prestações mensais baixas nos 3 primeiros anos, para após, arrumar um emprego e continuar a pagar. Mas hoje quando liguei para o banco, recebi a notícia de que o financiamento não foi aprovado. Fiquei muito triste. A gerente me informou que a probabilidade de ser aprovado é maior, se o pai também é fiador do aluno.
O curso tem início dia 09/09/2019, quando deverá ser pago o valor, conforme informado no e-mail do IFA, que te reencaminharei a seguir. Aliás, uma prestação já deveria ter sido paga um mês antes do início do curso.
Paguei €2.000 de inscrição para segurar o valor do curso (como podes ver no e- mail do IFA que este valor já foi liquidado -os €2.000).
O Augusto ainda não sabe que o financiamento não foi aprovado. Então pensei em pedir para você ser também o fiador, para resolvermos juntos este problema e seguirmos todos em paz.
Muito obrigada.
Márcia
65.°
O silêncio fala por si e, do supra exposto, é patente uma falta de interesse generalizada do Executado relativamente à vida e à educação do seu filho.
66.°
A Exequente e o filho sempre procuraram e consultaram o Executado, mas a verdade nua e crua é que o Executado não quis saber e, desinteressadamente, não quis acompanhar o projecto de vida do filho.
67.°
Não obstante, a Exequente sempre teve o cuidado e a consideração de tentar envolver o Executado nas tomadas de decisão quanto ao futuro e à educação do filho e, apesar do seu desinteresse, de o informar dos desenvolvimentos da vida do filho e das despesas em que incorria com a sua educação, habitação e saúde.
Ademais,
68.°
também naufraga o argumento invocado pelo Embargante de que a Embargada estaria (alegadamente) a impor uma escolha ao filho pela área da Aviação, com a qual o Embargante não concordava.
69.°
É que, ironicamente, como resulta dos Embargos apresentados e do exposto supra, é o próprio Embargante quem pretendia impor a sua própria vontade quanto ao futuro profissional do filho, que, no seu entender, deveria passar pela área da Engenharia.
70.°
Bastaria ao Embargante auscultar o seu próprio filho para perceber que este sente uma maior vocação pela Aviação e que não está em causa qualquer imposição por parte da Embargada.
71.°
Vocação essa que acaba por ser fomentada pela profissão do próprio pai, aqui Embargante, que, como nos ensina a Psicologia, exerce uma influência determinante na psique do filho, apesar do seu desinteresse.
72.°
Realmente, a História repete-se e é digno de nota que, apesar do pai do Embargante (avô paterno do filho) ter pretendido que o Embargante seguisse a sua carreira de diplomata, o Embargante acabou mesmo por seguir a carreira de piloto de aviação, tendo tirado o respectivo curso nos Estados Unidos da América, onde, certamente, aí sim, os custos foram exorbitantes, ao contrário do que sucede nos presentes autos.
73.°
Dignos de registo são, ainda, os dotes de adivinhação do Embargante que, ainda antes de o filho ter iniciado a Licenciatura em Ciências Aeronáuticas, em Setembro de 2018 (!), já antecipava a actual situação caótica provocada pela pandemia COVID- 19 no sector da aviação e que a opção do filho pelo curso de aviação seria absolutamente estéril (cfr. artigo 48 ° dos Embargos).
74.°
De todo o modo, sempre se diga que a profissão de piloto de aviação continua e continuará a ser uma profissão com elevada procura no mercado a nível internacional, como indicam as mais reputadas fontes nesse âmbito, que prevêem recordes para o período pós-pandemia:
Aviation will need 27,000 new pilots in 2021 as shortage continues despite downturn
Despite an industry slump that has seen mass pilot lay-offs, the global civil aviation industry will still require an estimated 27,000 new pilots by the end of 2021, or 264,000 over the coming decade.
(https://www.fliahtalobal.com/strateav/aviation-will-need-27000-new-pilots-in-2021-as- shortage-continues-despite-downturn-cae/141036.article)
Ryanair predicts strong recovery after record annual loss
(https://www.reuters.com/article/uk-rvanair-results idUSKBN2A11EL)
Boeing Predicts Latin America Will Need 2,610 New Aircraft By 2040
(https://simpleflving.com/boeing-latin-america-aircraft-demand-2040/)
Boeing Foresees Need For4,400 New Planes In Southeast Asia By 2040
(https://simpleflving.com/boeing-asia-new-plane-need-2040/)
As Embraer Forecasts Growth for Aviation in Africa
(https://www.thisdavlive.com/index.php/2021/02/26/as-embraer-forecasts-growth-for-aviation-in-africa/)
Ademais,
75.°
é de realçar - pelos piores motivos - o alegado pelo Embargante nos artigos 44.° e 45.° dos Embargos apresentados.
76.°
Aí, em clara e gritante litigância de má-fé, o Embargante tenta perpassar a ideia de que a sentença que motivou a presente acção executiva considerou não serem devidas pelo Executado as despesas com a educação e com a saúde que a Exequente incorreu com o filho, por se tratarem de despesas “inadmissíveis” (cfr. art. 44.° dos Embargos).
77.°
Isto é grosseiramente falso!
78.°
A própria sentença é clara ao referir que “A estranheza de tal pedido em relação às exigências invocadas no presente procedimento de jurisdição voluntária comporta, por fim, a sua inadmissibilidade”.
79.°
A sentença condenatória que serve de título executivo à presente instância executiva limita-se a pronunciar-se sobre a admissibilidade processual daquele concreto pedido naquele procedimento, cujo fito era unicamente a determinação de uma pensão periódica a favor do filho maior.
80.°
Em momento algum o Tribunal entra no mérito da questão ou na consistência material ou substantiva de tal pretensão.
Por último,
81.°
na sequência do supra exposto, refira-se que não existem escolas de aviação perto da residência da Exequente, pelo que o filho sempre teria de suportar não apenas os custos da formação em Itália, já de si mais caros, mas também os custos de habitação e de vida nesse país, também superiores aos correspectivos em Portugal.
82.º
Assim, sendo os custos de formação, de habitação e de vida bastante inferiores em Portugal relativamente a Itália, a realização da formação profissional do filho em Portugal é a solução lógica e economicamente mais racional.
83.°
O Embargante que tirou o curso de aviação nos Estados Unidos da América e que é piloto de aviação de profissão bem saberá.
84.°
Acrescente-se que as viagens intra Itália para que o Embargante chama a atenção têm uma justificação muito simples.
85.°
É que a Exequente tem residência em Diamante, onde não existe um aeroporto.
86.°
Daí que, quando tem necessidade de se deslocar a Itália, por motivos de saúde, profissionais ou de cidadania, o filho escolha a viagem mais económica para os aeroportos de Roma, Nápoles ou Milão, consoante os preços praticados na altura da reserva.
87.°
Depois, dos referidos aeroportos até ao local de destino, o filho tem ainda o cuidado financeiro de não embarcar em viagens de comboio de alta velocidade devido aos preços manifestamente superiores, optando pelas viagens de comboio normais, com paragens e necessariamente mais lentas, mas também mais económicas.
Concluindo,
88.°
dos argumentos expostos resulta como consequência lógica e inevitável que, não obstante o urdido no seu articulado, a pretensão do Embargante carece de qualquer fundamento legal.
89.°
Como resulta de todo o exposto, o filho e a Exequente sempre informaram o Executado de tudo o que concerne à vida do seu filho em comum e sempre tentaram envolver o Executado nessa mesma vida, que, por sua vez, manifesta indiferença, despreocupação e desinteresse.
90.°
No entanto, mesmo tendo sido proferida sentença judicial a condená-lo no pagamento de uma pensão de alimentos e de metade das despesas extraordinárias a favor do filho e bem conhecendo essa sentença, o Executado furta-se constantemente ao seu cumprimento.
91.°
O Executado não paga a pensão mensal de alimentos do filho desde Maio de 2020.
92.°
O Executado não pagou - nem sequer parcialmente - qualquer das despesas extraordinárias em que o filho incorreu, sejam as que estão em discussão nos presentes autos, sejam quaisquer outras que tenham ocorrido posteriormente à entrada do requerimento executivo.
93.°
A conduta e o incumprimento do Executado levaram (e levam) a que a Exequente tenha de enfrentar e liquidar, a título individual, todos os compromissos e os encargos financeiros relacionados com a vida pessoal e profissional do filho, o que é manifestamente incomportável e tem causado sérias dificuldades financeiras para os dois.
94.°
Para além disso, o desinteresse generalizado pela vida do filho e o incumprimento da obrigação de alimentos por parte do Embargante têm tido o efeito nefasto de prejudicar gravemente a vida e a formação profissional do filho.
95.°
Apesar de fazer tudo o que lhe compete, o filho vê o seu esforço e o seu futuro comprometidos.
96.°
Devido à dificuldade financeira decorrente da falta de contribuição do seu pai, aqui Embargante, que incumpre a sua obrigação de pagamento da pensão mensal de alimentos e das demais despesas extraordinárias, ao arrepio do que foi judicialmente declarado na sentença que serve de título executivo a esta instância executiva,
97.°
a Exequente e o filho têm dificuldade em acorrer às despesas normais do sustento deste e não tem conseguido liquidar as propinas e demais quantias pecuniárias relacionadas com a sua formação e a sua habitação,
98.°
Um exemplo claro destas consequências foi o facto de o filho ter sido forçado a sair do locado que tinha arrendado em Lisboa por falta e atraso no pagamento das rendas.
99.°
Em suma, e atendendo aos factos supra alegados e às soluções de Direito trazidas à colação, devem os Embargos de Executado ser julgados improcedentes, por não provados, com as demais consequências legais.
II.–DO EFEITO DO RECEBIMENTO DOS EMBARGOS
100.°
Por fim, o Embargante alega, laconicamente, que os presentes embargos devem ser recebidos com efeito suspensivo da instância executiva, porquanto impugna a exigibilidade da obrigação exequenda, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 733.° do CPC.
101.°
Contudo, a Embargada discorda, na totalidade, do entendimento sufragado pelo Embargante.
102.°
Para além de resultar evidente da matéria carreada para os autos a exigibilidade da obrigação exequenda, os efeitos que o incumprimento do Embargante tem acarretado para os interesses do filho têm sido intoleravelmente perniciosos.
103.°
Neste conspecto, é de concluir pela (óbvia) não atribuição de efeito suspensivo à instância executiva, por inexistirem fundamentos para tal.
104.°
Assim, à presente instância só poderá ser atribuído efeito suspensivo caso o Embargante preste caução idónea, como dita a al. a) do n.° 1 do artigo 733° do C.P.C.
III.–CONCLUSÃO
105.°
Em suma e em conclusão, à presente data, o Executado é devedor das seguintes quantias: 1)-5.500,00 Euros, a título das 11 (onze) prestações mensais de pensão de alimentos não pagas; 2)-2.400,595 Euros, a título de 50% das propinas e outras quantias pecuniárias devidas pela Licenciatura em Ciências Aeronáuticas13; 3)-28.560,00 Euros, a título de 50% das propinas e outras quantias pecuniárias devidas pelo Curso de APTL Integrado14 (2.000,00 € de inscrição já facturados; 20.000 € referentes às primeiras duas prestações já facturados, 1.000,00 € pagos em 15 de Junho de 2020 para dar continuação ao curso após os atrasos nos pagamentos, 22.000,00 € referente à 3.a prestação ainda em dívida e não facturado, 8.000,00 € referente à 4.a prestação ainda em dívida e não facturado, 3.000 € referentes ao pagamento da license delivery ainda em dívida e não facturado, 1.120,00 € referentes ao módulo PBN); 4)-5.540,00 Euros, a título de 50% das rendas vencidas pelo(s) locado(s) em Lisboa desde Outubro de 2018 até à presente data15; 5)-244,435 Euros, a título de 50% do valor do material escolar adquirido pelo filho; 6)-60,635 Euros, a título de 50% das despesas com a visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse; 7)-306,36 Euros, a título de 50% das despesas relacionadas com viagens e alojamento do filho para Roma para realização do 1.° exame e primeira renovação no Instituto de Medicina Aeroespacial de Roma; 8)-25,55 Euros, a título de 50% das despesas com a viagem que o filho necessitou de fazer para o Consulado Brasileiro em Roma; 9)-522,195 Euros, a título de 50% das despesas com viagens e alojamento entre Setembro de 2018 e Setembro de 2020, relativamente a deslocações do filho entre Itália e Portugal; 10)-2.678,00 Euros, a título de 50% das despesas com o aparelho ortodôntico que o filho necessitou de colocar; 11)-29,20 Euros, a título de 50% das despesas com a carta de condução do filho; 12)-80,00 Euros, a título de 50% das despesas com serviços dentários; 13)-350,00 Euros, a título de 50% da despesa com a aquisição de um Headset Bose A20 usado para as lições de voo; 14)-44,00 Euros, a título de 50% da despesa com a aquisição do Aviation Exam; 15)-148,455 Euros, a título de 50% das despesas com a mais recente renovação First Class Medical Certificate no Instituto Médico Aeroespacial de Roma e respectiva viagem e alojamento.
106.º
Tudo isto no valor total de 46.489,425 Euros, cujo pagamento se peticiona para todos os efeitos legais.”
Notificado da contestação[1], o embargante apresentou um requerimento com o seguinte teor:
“A, Executado e Embargante nos autos supra identificados, notificado da contestação apresentada por B, (doravante, “Embargada ou Exequente”), com a referência citius 404129692, designadamente da ampliação do pedido deduzida pela Embargada na sua contestação, vem apresentar resposta, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 3, do CPC, o que faz nos termos seguintes:
I.–QUESTÕES PRÉVIAS
1.-Em primeiro lugar, importa frisar que o Embargante conhece e reconhece as suas responsabilidades, não pretendendo, seja por que via for, furtar-se às mesmas, ao contrário do que a Embargada pretende vir dizer aos autos. 2.-Tal não pode, contudo, significar que essas suas responsabilidades sejam deturpadas e pervertidas, com o intuito de delas se retirar supostas obrigações que não lhes correspondem. 3.-Em segundo lugar, a Embargada apresenta na sua contestação entre o mais, argumentos novos e imprecisos, em virtude dos quais clama por censura do Tribunal, extravasando, assim, o pedido que inicialmente havia sido por si apresentado, o qual, aliás, já de si ultrapassava a condenação da sentença do Tribunale Ordinario di Paola. 4.-Em terceiro lugar, e quanto à matéria aduzida nos artigos 16.° e ss. da contestação relativamente à discussão sobre o carácter exorbitante, supérfluo ou irrazoável das despesas extraordinárias requeridas pela Embargada ao Embargante, desde já se remete para toda a factualidade apresentada em embargos de executado, na qual se pôde, tanto quanto se crê, demonstrar que tais despesas, na sua grande maioria, não eram nem necessárias nem adequadas nem razoáveis, não tendo logrado, uma vez mais, a Embargada demonstrar a necessidade do incurso das mesmas - com parte das quais, aliás, o Embargante sempre discordou, o que sempre afirmou perentoriamente junto da Embargada. 5.-Sendo, no entanto, caricato que a Embargada venha dizer agora que as referidas despesas consubstanciam necessidades básicas e mínimas da dignidade humana do filho. 6.-É que se para a Embargada uma necessidade básica de educação corresponde ao valor de uma Licenciatura de 3.852,42 € e ao valor de um Curso de 22.000,00 € então ficam, desde já, claros os padrões pelos quais a mesma se rege, os quais não correspondem, por certo, ao padrão do homem médio comum de qualquer sociedade, donde resulta que, se assim se considerasse, então nenhuma despesa seria exorbitante ou supérflua. 7.-Sendo certo que tais despesas, tal como já sublinhado nos presentes autos, foram realizadas sem o consentimento prévio do Embargante, pelo que não pode colher nem a argumentação da Embargada quanto ao silêncio e desinteresse generalizado daquele, nem quanto à fantasiosa consequência que daí pretende retirar relativa ao suposto abuso de direito e fraude à lei, já que, para além de o Embargante ter, por inúmeras vezes, demonstrado a sua discordância quanto à frequência do curso de aviação em causa por parte do filho, num primeiro momento da sua formação, apresentou, igualmente alternativas para que o seu filho pudesse seguir os seus estudos. 8.-Em quarto lugar, tal como já defendido na oposição apresentada, o pedido que é feito pela Embargada carece de título executivo, uma vez que as despesas ora em discussão foram consideradas inadmissíveis pelos tribunais italianos. 9.-Por fim, e em quinto lugar, a Embargada vem ilegal e inadmissivelmente ampliar o pedido inicialmente formulado, o que não pode deixar de ser tido em consideração por V. Exa.
Mas vejamos, mais de perto,
II.–DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
10.-A Embargada vem defender a tese de que “quanto às despesas extraordinárias cujo pagamento se prossegue não se vislumbra qualquer carácter exorbitante, supérfluo ou irrazoável nas mesmas, inserindo-se estas confortavelmente no âmbito da sentença condenatória proferida”. 11.-Para tanto, sustenta que as despesas extraordinárias em causa: a)-Consubstanciam necessidades básicas e mínimas da dignidade humana do filho das partes; b)-Não são exorbitantes ou supérfluas; c)-Revestem-se de um carácter de necessidade, proporcionalidade, adequação e razoabilidade; e d)-São custos direta ou indiretamente associados à formação profissional do filho. 12.-Ocorre que, e como bem refere a Embargada, já foi proferida sentença condenatória sobre esta precisa matéria na sentença de 13/12/2017, do Tribunale Ordinario di Paola, Sezione Civile, no âmbito do Processo n.° 579/2016 (n.° cronológico 1260/2017), na qual se determinou serem as despesas extraordinárias ora em discussão (ou quase todas elas) inadmissíveis, 13.-Donde resulta, por essa razão, estar o pedido ora em causa enfermado de vício procedimental e material, por não estar sustentado em qualquer título executivo certo, líquido e exigível, devendo ser declarada extinta a presente execução, nos termos e para os efeitos do artigo 734.°, n.° 2, do CPC. 14.-Na verdade, não corresponde à verdade que o Tribunal Italiano não tenha entrado no mérito da questão ou na consistência material ou substantiva da pretensão da Embargada, porque efetivamente entrou. 15.-Tanto, resulta não só da passagem da sentença já transcrita pelo Embargante na sua oposição:
“3.-Com referência ao pedido de ‘reembolso das despesas extraordinárias antecipadas pela mãe vara cuidados médicos (dermatológicos, alergológicos, ortodônticos listados), despesas com educação (o ensino médio custou 1.200,00 ao ano x 5 anos = 6.000,00) a escola de English Scholl Cambridge (2.450,00 durante 4 anos), 360,00 pelos 4 exames de Inglês [...], apresentado pela parte recorrente, na memória de 17/07/2017, foi declarado inadmissível. Na verdade, como já citado no parágrafo anterior n.° 2, o presente procedimento refere-se à determinação de uma pensão periódica que o Tribunal, nos termos do artigo 337.° [...], poderá dispor a favor do filho maior de idade.
Ao contrário, o pedido de reembolso feito pela mãe ao pai [...] inscreve-se no âmbito [...] para as relações entre devedores solidários [...], sendo, portanto, passível de realização no âmbito de um juízo ordinário de cognição.
A estranheza de tal pedido em relação às exigências invocadas no presente procedimento de jurisdição voluntária comporta, por fim, a sua inadmissibilidade” (realces e sublinhados nossos). 16.-Da qual se retira não só uma reiteração da declaração de inadmissibilidade do pedido em si - isto é, do pedido materialmente considerado -, como também uma estranheza (e consequente inadmissibilidade) pelo pedido formulado naquele processo - duas coisas distintas mas não incompatíveis entre si.
17.-Como também da seguinte passagem da referida sentença relativa às despesas extraordinárias,
“4.3.- o pai também deverá reembolsar ao outro [pro]genitor 50% das despesas médicas não cobertas pelo serviço de saúde nacional, educativas, esportivas e recreativas realizadas e documentadas a favor do filho”, nas quais não se incluíram, por decisão do Tribunal, as despesas que vêm agora ser novamente reclamadas pela Mãe. 18.-Ora, resulta claro que, não só o referido Tribunal entrou no mérito da questão e, em concreto, na pretensão da Embargada, como o teria necessariamente que ter feito para decidir a questão em apreço, isto é, não só a fixação de uma pensão de alimentos, como igualmente a fixação de um critério para as despesas extraordinárias fixadas em face daquilo que estava ali a ser exigido pela Progenitora. 19.-Aliás, foi precisamente porque o Tribunal considerou as despesas extraordinárias solicitadas pela Progenitora, aqui Embargada, exorbitantes e inadmissíveis, que sentiu necessidade acrescida e fundada em fixar um critério, partindo das despesas que estavam a ser apresentadas naquele processo, e que este considerou inadmissíveis, para chegar àquelas despesas que devem ser consideradas suportáveis e razoáveis por ambos os Progenitores, através de um raciocínio de inferência lógica.
Assim, 20.-Resulta à saciedade, que as despesas extraordinárias em causa foram analisadas pelo Tribunal de Paola, tendo sido proferida decisão material relativamente à pertinência das mesmas, no sentido da sua inadmissibilidade, 21.-Tendo-se ali, por isso, definido quais as despesas extraordinárias que deveriam, daí para a frente, ser suportadas por cada um dos Progenitores, no caso: 50% das despesas médicas não cobertas pelo serviço de saúde nacional, educativas, desportivas e recreativas realizadas e documentadas a favor do filho. 22.-Donde resulta que a maioria das despesas em discussão nos presentes autos foram excluídas das despesas extraordinárias que devem ser suportadas por cada um dos Progenitores, precisamente por ali se ter anulado as referidas despesas apresentadas, não existindo, nessa medida, qualquer litigância de má-fé por parte do Embargante. 23.-Sendo certo que as restantes despesas ora em causa na presente ação são de natureza idêntica às já discutidas na referida sentença italiana, donde resulta igualmente a sua inadmissibilidade.
Ora, 24.-A presente execução carece, assim, de título executivo, estando, por isso, condenada à sua extinção.
Ainda que assim não se considere, o que não se concede, importa ainda ter presente o seguinte relativamente a tudo o que vem sendo afirmado pela Embargada na sua contestação: 25.-Tal como referido supra, é risível o argumento de que as despesas em causa consubstanciam necessidades básicas e mínimas da dignidade humana do filho das partes. 26.-É que - e reportando-nos, a título de exemplo, ao Curso de Airline Transport Pilot License e a todas as despesas inerentes ao mesmo, como as propinas da Licenciatura em Ciências Aeronáutica, a aquisição de material escolar para o referido Curso, as viagens que o mesmo supostamente implicou, o imóvel que foi arrendado nessa decorrência - tal como resulta dos autos, o Curso em causa é altamente dispendioso, para além de implicar um pagamento avultado no seu momento inicial de inscrição e num curto espaço de tempo. 27.-Não tendo - nem nunca tendo tido - o Embargante recursos financeiros para suportar tais encargos. 28.-Situação da qual sempre deu nota à Embargada, quer antes da contenda judicial decorrida em Itália, quer durante, quer depois; nunca tendo, por isso, dado o seu consentimento para a frequência do referido Curso (com todas as despesas a ele associadas) por parte do filho. 29.-Assim, não só o Embargante sempre deixou claro que não teria disponibilidade financeira para pagar as referidas ditas “despesas escolares", como sempre denotou qual a sua posição relativamente a esta matéria, no sentido de não concordar que o filho frequentasse tal Curso. 30.-Ora, é certo que resulta da lei, não só o direito de todos os Pais participarem na educação dos seus filhos, como, em certos casos, o dever de nela participarem designadamente financeiramente, mas daí não resulta um qualquer dever, mas antes um dever de acordo com as suas possibilidades (e quando em causa esteja questão de particular importância para a vida do filho, com o consentimento prévio de ambos os Progenitores), nos termos dos artigos 1874.° e 2004.°, do Código Civil (“CC”). 31.-Sendo certo que resulta igualmente da letra do artigo 1905.°, n.° 2, do CC que em causa não está uma qualquer despesa extraordinária, mas sim despesas razoáveis, razoabilidade essa que deverá ser aferida, designadamente, em função da dimensão dos recursos dos Progenitores, não podendo, por essa razão, o financiamento de quaisquer estudos, por parte dos Progenitores, ser visto como um direito absoluto do filho, porque não é. 32.-Ora, efetivamente não só o Embargante não tem condições financeiras para suportar os custos inerentes a um Curso de piloto desta dimensão, como não teria para suportar o estilo de vida que, em geral, o seu filho parece gozar no seu quotidiano, realizando inúmeras viagens em locais aparentemente luxuosos (cfr. Documento n.° 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido, que corresponde a diversas fotografias do filho do Embargante). 33.-Donde resulta que as despesas ora apresentadas pela Embargada, atenta aquela que sempre foi a situação financeira do Embargante e atento o facto de essas despesas serem as mesmas exatas despesas (ou de carácter idêntico) que haviam sido apresentadas pela Embargada junto do Tribunal de Paola, relativamente às quais foi tomada uma decisão em 13/12/2017, continuam a ser despesas de carácter exorbitante e algumas, aliás, supérfluas. 34.-Aliás, também não se diga que as despesas em causa são necessárias, proporcionais, adequadas e razoáveis, na medida em que das mesmas resultam, e apenas a título de exemplo, 23 tratamentos ortodônticos realizados no valor total de 5.356,00 € relativamente aos quais não existe qualquer discriminação ou justificação (cfr. Documento nº 2, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido) e inúmeras viagens e estadias em hotéis em Roma, Milão, entre outras, realizadas pelo filho. 35.-Também quanto ao argumento de se tratarem de custos que direta ou indiretamente estão associados à formação profissional do filho, diga-se, ainda, que, não só tais despesas foram consideradas inadmissíveis pela sentença a que supra se fez referência, como as mesmas foram feitas à revelia da vontade do Progenitor, como, ainda, foi por este sugerido que o filho, num primeiro momento frequentasse um curso superior numa universidade, de preferência estatal. 36.-Curso esse que o Progenitor sempre asseverou representar uma despesa que seria compatível com as suas possibilidades financeiras. 37.-Aliás, como bem relembra a Progenitora, os critérios de razoabilidade ínsitos no artigo 1880.°, do CC assentam na verificação também de requisitos objetivos, dentre os quais os recursos dos Progenitores, sendo certo que o Embargante não tem um nível de vida bem acima da média, sendo esta uma afirmação completamente infundada e meramente especulativa, não resultando, sequer, qualquer prova concreta disso mesmo nos presentes autos, e isto porque tal seria impossível. 38.-Aliás, o salário do Executado sempre foi apenas suficiente para este levar uma vida normal sem grandes gastos, nunca tendo, por exemplo, comprado uma casa própria. 39.-Aliás, a média dos salários dos pilotos de avião demonstra que os mesmos não recebem salários milionários, como a Exequente pretende vir demonstrar. 40.-Mais, depois de uma das companhias em que o Executado trabalhou ter falido, este não voltou a receber qualquer remuneração financeira, sendo que, no último ano de existência da mesma, trabalhou sem salário na esperança de que a referida empresa sobrevivesse. 41.-Sendo que, já nessa época, o Executado pagava, voluntariamente, 20% do seu salário bruto em pensão de alimentos ao seu filho, tendo depois começado a pagar 280,00 €, tendo, mais tarde, igualmente de forma voluntária, aumentado esse valor para 380,00 €, valores esses que considerou justos e adequados face à sua realidade, isto é, face ao seu nível de vida e às suas possibilidades financeiras. 42.-Resultando, assim, também que os argumentos trazidos pelo Embargante não são falsos ou distorcidos da realidade, ao contrário das exigências da Embargada, as quais se mostram nitidamente fora da realidade e abusivas em relação ao que foi estipulado pelo Tribunal de Paola, onde ficou claro que as despesas agora reclamadas extravasavam as despesas extraordinárias fixadas pelo Tribunal, não estando nelas incluídas. 43.-Não pode igualmente valorar-se a impugnação feita dos documentos juntos pelo Embargante na sua oposição já que a mesma carece de qualquer fundamento verosímil, uma vez que os documentos em causa são cópias de e-mails trocados entre os Progenitores, tal como a própria Embargada apresenta nos presentes autos. 44.-Tanto que, se assim fosse, todas as “meras reproduções mecânicas, cuja autoria se desconhece e cuja autenticidade é impossível de ser certificada, pelo que também a veracidade do seu conteúdo não pode ser atestada” juntas pela Embargada nos presentes autos - isto é, e-mails, recibos, reservas de viagens, várias despesas ortodônticas cujos tratamentos não aparecem especificados, entre outros - careceriam igualmente de autenticidade e veracidade. 45.-Razão pela qual, e se assim for considerado por V. Exa., se impugna igualmente toda a documentação junta aos autos pela Embargada. 46.-Nem se venha igualmente dizer que os embargos apresentados carecem “por completo, de qualquer prova”, na medida em que da prova junta aos autos resultou bem claro as exigências constantes feitas pela Embargada ao Embargante, no sentido de este proceder ao pagamento de despesas relativamente às quais já havia sido tomada uma decisão judicial. 47.-Como já referido, o Embargante nunca procurou furtar-se a nenhuma responsabilidade. 48.-Tanto assim é que sempre pagou uma pensão de alimentos ao seu filho, agora fixada no valor de 500,00 €. 49.-Sendo certo que, apenas desde maio de 2020, tal não sucede, na medida em que, desde abril de 2020, o Embargante não recebe nenhum salário, uma vez que está desempregado, ou qualquer tipo de ajuda monetária (cfr. Documento n.° 3, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido). 50.-Acrescenta-se ainda que o Embargante tem tido, devido à crise que a aviação tem sofrido, acrescida à atual crise pandémica, grandes dificuldades em encontrar trabalho na sua área. 51.-Encontrando-se atualmente a conta bancária corrente do Embargante com um saldo positivo de 1,00 €, juntando-se para o efeito o comprovativo bancário disso mesmo, bem como comprovativo do extrato bancário do Embargante desde 1 de janeiro de 2021 (cfr. Documento n.° 4, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido).
Pois bem, 52.-Inexiste um total incumprimento da sentença condenatória citada supra, mas tão somente um incumprimento relativo à pensão de alimentos no valor de 500,00 €, pelas razões agora explicadas, isto é, o Embargante não tem capacidade económica e está desempregado há um ano, vivendo atualmente em casa da sua Mãe. 53.-No entanto, e como forma de demonstrar (i) a boa fé com que o Embargante tem atuado e atua durante todo este processo; (ii) a cooperação que este pretende demonstrar no presente processo; e (iii) a consciência que tem da necessidade do cumprimento das suas responsabilidades, o Embargante procedeu, à data de hoje, ao pagamento do valor das pensões de alimentos em atraso, desde maio de 2020 até ao presente momento, cujo valor total se cifra em 5.500,00 € (cfr. Documento n.° 5, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido) 54.-Sublinhando-se, assim, uma vez mais, que o Embargante não logra furtar-se das suas responsabilidades e das obrigações que sobre si impendem, designadamente por determinação judicial; o que o Embargante tão somente não pode aceitar é que lhe sejam atribuídas hipotéticas obrigações que sobre si não impendem e que estão vetadas à irrazoabilidade e à imprudência - uma vez que a Embargada sempre soube que este não teria capacidade financeira para pagar as despesas por si apresentadas e ora em discussão. 55.-Acrescenta-se que o Embargante está, no presente momento, com a sua licença de piloto de aviação (brasileira) vencida, desde 30/06/2020, aguardando uma proposta de emprego para a renovar, renovação essa que lhe custará à volta de 7 mil dólares, para além da necessidade de realizar um novo exame médico e das viagens inerentes a São Paulo, uma vez que a sua licença é brasileira (cfr. Documentos n.os 6, 7 e 8, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos). 56.-Também quanto ao facto de o Embargante nunca cumprir atempadamente com o pagamento da referida pensão de alimentos, desde já se diga que tal afirmação é falsa, procurando apenas criar uma imagem negativa do Embargante junto do presente Tribunal, tal como resulta dos documentos que ora se juntam e que comprovam os pagamentos atempados da pensão de alimentos realizados pelo Embargante (cfr. Documento n.° 9, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzidos). 57.-Tendo o Embargante, quando tais atrasos ocorriam, muitas das vezes motivados pelo atraso no pagamento do seu salário por parte da companhia em que trabalhava, procurado sempre justificar os mesmos junto da Embargada (cfr. Documentos n.os 10 e 11, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos).
A acrescer, 58.-E embora se trate de argumentos totalmente laterais para a presente ação, a verdade é que não será pelo facto de o filho estar a obter bons resultados no Curso que está a frequentar que daí advenham um sucesso garantido na sua formação de pilotagem e um sucesso igualmente garantido nas suas oportunidades profissionais. 59.-Isto porque não só o Curso em causa tem uma componente prática muito elevada, que não é lecionada nos primeiros anos do Curso e que só mais à frente permitirá aferir ou não da excelência do piloto, como o sector da aviação mundial se encontra a sofrer uma crise sem precedentes, a qual se encontra já instalada muito antes da crise pandémica (cfr. Documentos n.os 12, 13 e 14, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos). 60.-Também quanto aos supostos silêncios e desinteresse por parte do Progenitor, já ficou claro nos autos que o Progenitor demonstrou, desde sempre, qual a sua posição relativamente ao rumo que os estudos do seu filho deviam levar, tendo tal assunto sido discutido entre os Progenitores e mais tarde em Tribunal, pelo que tal acusação não pode ser dirigida ao Progenitor que, durante anos, tem vindo a ser bombardeado com pedidos de pagamentos relativos a um sem fim de despesas relacionadas com o seu filho, com as quais, sempre disse que não concordava ou as quais não lhe foram nem são razoável e justificadamente apresentadas. 61.-Sendo certo que o alegado nos artigos 58.° e 59.° da contestação não se encontra devidamente enquadrado, uma vez que, em momento anterior aos referidos e-mails (datados de 7 de fevereiro de 2018 e 20 de fevereiro de 2018), no dia 13 de dezembro de 2017, havia sido proferida a referida sentença do Tribunal de Paola, donde resultou, que todas as exigências constantes e quase diárias feitas por parte da Exequente ao Executado tinham ficado clarificadas na referida decisão. 62.-Ora, o Executado encontrava-se psicologicamente cansado de todas as exigências que lhe eram constantemente feitas pela Exequente, estando inclusive à data do e-mail em causa no Brasil à procura de emprego. 63.-No mais, é falso que a Exequente tenho comunicado ao Executado as vicissitudes do projeto de vida do filho, procurando a orientação e apoio do Executado, já que o que esta sempre fez foi pura e simplesmente impor um determinado projeto ao Executado, procurando apenas que este o pagasse sem mais. 64.-Aliás, tal como resulta do documento n.° 5 junto com os embargos, no recurso interposto pela Exequente em Itália contra o Executado, a mesma bem referenciou que: “o filho frequenta o último ano do Liceu e fará o curso para conseguir a licença de piloto de aeronaves completo € 65.000 mais o reembolso de despesas de transferência fora da sede” (realce e sublinhado nosso), já daqui resultando a clara determinação e imposição feita pela Progenitora. 65.-Sendo certo que o Executado procurou, por diversas vezes, falar com o seu filho por telefone, designadamente sobre o seu futuro escolar, o que sempre se mostrou frustrado, tendo o filho inclusive referido que não tinha nada a conversar com o Pai, apenas fazendo exigências do foro financeiro, quando, como parece resultar supra, o mesmo tem, até, uma vida desafogada, repleta de viagens e ostentação (cfr. Documento n.° 15, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido).
Na verdade, 66.-Nunca o filho procurou falar com o seu Pai sobre o seu projeto de vida ou sobre as suas escolhas ou estabelecer quaisquer laços de afeto com este, apenas procurando fazer cobranças, maioritariamente, através da Mãe. 67.-Sendo certo que, quando estas eram feitas pelo próprio, se limitava a remeter as despesas sem nada mais dizer ao seu Pai nos e-mails que lhe enviava, como por exemplo, um Bom dia (cfr. Documentos n.os 16 e 17, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos). 68.-Mais, depois do e-mail que ora se logrou juntar, datado de 18 de junho de 2018, nunca mais o Executado obteve uma resposta do seu filho ou teve qualquer comunicação com este. 69.-Não se podendo, em consequência, olvidar o comportamento do filho (maior) no tocante ao seu relacionamento com o Progenitor. 70.-É que não será apenas o Progenitor que tem direitos e deveres, existindo o mesmo binómio na esfera jurídica do filho, resultando que o filho tem reiteradamente incumprido deveres elementares de respeito exigíveis numa relação de filiação. 71.-Sendo certo que “são ofensivos dos direitos de um progenitor, por parte de um filho, por exemplo: i. a falta de resposta do filho aos seus contactos, quer pessoalmente, quer através de outros canais de comunicação; ii. o facto de o filho bloquear o progenitor nas redes sociais; [...] v. a recursa sistemática do filho em estar ou falar com o progenitor; vi. a ausência de interesse do filho relativamente a tudo o que se relacione com o seu progenitor (1)[2]” (realces e sublinhados nossos) 72.-E que: “Estas situações de facto podem, a nosso ver, servir de causa justificativa da ausência de obrigação do progenitor alimentar o filho maior, que assim deve passar a ser capaz, de reger a sua pessoa, assim como de dispor dos seus bens, o que, aliás, decorre de artigo 130.°, do CC", já que o “exercício de um direito alimentar, nas circunstâncias referidas, corresponderia a um verdadeiro abuso de direito do filho em relação ao progenitor, nos termos do 334.° do citado diploma, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (realces e sublinhados nossos) - no estudo que ora se cita está em causa uma pensão de alimentos, que não despesas extraordinárias, que, por maioria de razão, não seriam devidas em harmonia com a argumentação apresentada.
Assim, 73.-Todos os e-mails relativamente aos quais a Progenitora invoca que não obteve resposta se demonstraram, à data do envio dos mesmos, repetitivos e persecutórios, uma vez que tal assunto já havia sido discutido entre ambos em diversas sedes (telefonicamente, por e-mail e em Tribunal), tendo dessas conversas ou declarações resultado bem claro não ter o Progenitor condições económicas para suportar, designadamente, as despesas relacionadas com o curso ATPL(A) Integrado. 74.-Não obstante, a Progenitora decidiu, motu proprio, seguir em frente com a inscrição do filho no referido Curso e impor, em determinada altura, perante os tribunais italianos o pagamento de tais despesas ao Progenitor, as quais foram, nessa sede, consideradas inadmissíveis como referenciado supra. 75.-Mas mais, as insistências da Progenitora só vieram demonstrar que teria sido inútil novas respostas ou novos inputs por parte do Progenitor sobre o referido tema, tal como a Progenitora vem agora clamar, na medida em que esta com ou sem respostas por parte do mesmo, decidiu tomar a decisão de inscrever o filho no referido Curso, quando já conhecia as intenções do Progenitor, bem como insistir, de forma obstinada e posteriormente à decisão do Tribunal de Paola, sobre o mesmo assunto junto do Progenitor. 76.-Sendo certo que, tal como resulta do documento n.° 2 junto com os embargos, no dia 12 de janeiro de 2018, mesmo depois da decisão do Tribunal de Paola, o Executado voltou a transmitir, uma vez mais, e considerando a experiência que tem do ramo, a sua discordância relativamente à frequência do referido Curso por parte do filho e as inerentes razões, nunca tendo o Executado demonstrado qualquer preferência por um curso de Engenharia mas sim por um curso universitário, de preferência estatal, tendo dado como exemplo uma boa universidade de Engenharia em Cosenza, perto da residência do filho. 77.-Nessa altura, o que o Progenitor fez foi alertar (i) não só para o facto de não lhe ser possível acarretar com tais despesas, uma vez que as mesmas estavam fora do seu alcance financeiro, como também (ii) para o facto de tal investimento ser muitíssimo alto e poder depois não oferecer 100% de fiabilidade quanto a um emprego, considerando inclusive que o setor da aviação é muito delicado e volátil, experiências que o Progenitor já viveu fruto da fragilidade das companhia aéreas em que trabalhou (cfr. Documento n.° 18, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido). 78.-Além do mais, também foi explicado pelo Pai, à data, que quando um aluno acaba o curso, termina-o com aproximadamente 160 horas de voo mais 55 horas de simulador, sendo que não existe nenhuma empresa que contrate pilotos com essa experiência, exigindo-se, pelo menos, entre 500 horas e 1000 horas de voo (cfr. Documento nº 19, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido). 79.-Sendo certo que muitas delas também exigem o type rating do avião, o que implica também um custo elevado (e.g. a do B737ng, no Brasil, custa 20.000 dólares para fazer esse treino). 80.-Foi também reiterado pelo Progenitor que, caso o filho não conseguisse arranjar um emprego depois de terminar o Curso, teria que acarretar com os custos de horas de voo e exame médico anual para manter a licença válida, uma vez que não estaria vinculado a qualquer companhia. 81.-O Progenitor sempre considerou, por isso, mais seguro o filho fazer, num primeiro momento, um curso universitário para ficar com essa formação garantida, não obstante, de futuro, vir a frequentar um curso de aviação, podendo, então o filho, já comparticipar dos custos do mesmo fruto do seu trabalho. 82.-Sendo certo que nem a Mãe nem o filho ouviram os conselhos do Pai, decidindo seguir com tal inscrição e vindo, posteriormente, apresentar as respetivas despesas.
Pergunta-se: 83.-E se um filho quisesse ser astronauta, o que implicaria despesas milionárias, um Pai teria igualmente de suportar tal sonho, sem mais, (mesmo que não tivesse condições para tal)?
Ora, 84.-Ficou claro não existir qualquer título executivo que sustente o pedido formulado pela Embargada, devendo a presente execução ser declarada extinta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 734.°, n.° 2, do CPC. 85.-Tendo ficado igualmente claro que, mesmo que assim não se considere, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio, as despesas que consubstanciam o pedido formulado na presente ação são despesas de carácter exorbitante e/ou supérfluo não se enquadrando nas despesas extraordinárias fixadas na sentença preferida em 13/12/2017, pelo Tribunale Ordinario di Paola, Sezione Civile, no âmbito do Processo n.° 579/2016 (n.° cronológico 1260/2017), sendo certo que, vir incluí-las, agora, nessas despesas implicaria não só uma revisão da decisão judicial italiana em causa, como implicaria uma revisão dos alimentos fixados nessa decisão, revisões essas que não se mostram legalmente admissíveis nesta sede.
Prosseguindo,
III.–DA INADMISSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
86.-Por fim, importa repor a clareza quanto às regras do presente processo, uma vez que a ampliação do pedido requerido pela Embargada, nos artigos 105.° e 106.° da contestação, para além de infundada em termos de facto e de direito, não é admissível. 87.-É que a Embargada vem agora reclamar o pagamento do valor total de € 46.489,425, valor esse que se reporta, no seu entender, às quantias de que o Executado é devedor à presente data.
Ora, 88.-Nos termos do artigo 265.° n.° 2 do CPC (artigo que reproduz, grosso modo, o anterior artigo 273.°, na redação do DL n.° 180/96, de 25-9), pode ampliar-se o pedido apenas se “a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
Isto é, 89.-A ampliação do pedido não pode assentar numa nova causa de pedir nem numa ampliação da causa de pedir inicial, como decorre claramente do artigo 265.° n.° 1 do CPC. 90.-Como igualmente entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27/02/2007 “A ampliação do pedido [...] não pode assentar nem numa causa de pedir ex novo, nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir inicial, como é indiscutível face ao n.° 1 do art. ° 273.°do CPC (Proc. 424/2001.C2.dgsi.pt). 91.-Ora, a Embargada vem, assim, não só (i) aumentar os valores de determinadas despesas que já haviam sido por si apresentadas e que se encontrariam “estabilizadas” no requerimento executivo, como é o caso do valor das propinas e outras quantias pecuniárias devidas pelo Curso de APTL Integrado agora no valor de 28.560,00 € a título de 50%, e do valor das rendas vencidas pelo locado em Lisboa, agora no valor de 5.540,00 € a título de 50%, como vem também (ii) aditar despesas novas, como é o caso das constantes dos pontos 12), 13), 14) e 15), do artigo 105.° da contestação, ou seja, novos serviços dentários, despesas com a aquisição de material de aviação e despesas relacionadas com a renovação First Class Medical Certificate no Instituto Aeroespacial em Roma e respetiva viagem e alojamento - o que não deixa de ser curioso, uma vez que tal renovação poderia ter sido igualmente realizada no país onde o filho do Embargante reside, em Portugal. 92.-Despesas essas, com a exceção dos serviços dentários, uma vez mais, relacionadas com o Curso em que o filho se inscreveu sem o consentimento Pai, como materiais para o mesmo, viagens e hotéis, as quais se revelam, na ótica do Executado, despesas exorbitantes e excessivas, não sendo adequadas ao padrão de vida que o Executado poderia proporcionar ao filho maior, razão pela qual não são por si devidas à Exequente. 93.-Ademais, estamos novamente perante despesas, designadamente quanto à aquisição de material escolar, que não logram ser devidamente justificadas nos presentes autos, não tendo a Exequente justificado em que é que tais despesas são necessárias ao sustento do filho, considerando-se, assim, que, diferentemente, são despesas supérfluas e não despesas extraordinárias atendíveis. 94.-Nem o Executado foi tido ou achado, mais uma vez, antes da realização das mesmas para sua concordância, ou pelo menos, tomada de conhecimento, pelo que os alegados valores comportados com estas despesas não são, mais uma vez, exigíveis ao Executado, sendo antes valores supérfluos e desadequados, não integrando, por isso, qualquer despesa extraordinária de caráter razoável e atendível. 95.-Resulta claro que a ampliação de pedido constante da contestação da Embargada deve ser indeferida por configurar um ato legalmente inadmissível, 96.-Por estar legalmente vedado à Embargada ampliar o pedido que formulou em sede de requerimento executivo com factos posteriores à apresentação do mesmo ou que já deveriam ter sido ali alegados ou, pelo menos, conjeturados como eventuais factos (despesas) futuros. 97.-Com efeito, todos os factos alegados nos artigos 105.° e 106.° não contidos anteriormente no requerimento executivo apresentado pela Embargada mais do que um “aperfeiçoamento” ou “acrescento” ao pedido inicial, constituem factos novos e/ou posteriores ao mesmo. 98.-Como bem decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/12/1994, “Não é admissível, por não corresponder ao desenvolvimento ou a uma consequência do pedido primitivo, a ampliação na qual se formula um pedido que podia e devia ter constado da petição inicial”. (BMJ 442.° - 265) (sublinhado e realce nosso). 99.-Requer-se assim, subsidiariamente, para o caso de não se considerar que deva ser julgado inadmissível a ampliação de pedido, que sejam dados por não escritos todos os novos factos contidos nos pontos 2) e 4), do artigo 105.° da contestação e todos os factos contidos nos pontos 12), 13), 14) e 15), do mesmo artigo e que, assim, seja desconsiderado o valor de 46.489,425 € ínsito no artigo 106.° da contestação a que ora se vem dar resposta, por deles constarem factos legal e processualmente inadmissíveis.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS:
A)–DEVE SER DECLARADA EXTINTA A PRESENTE EXECUÇÃO, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ARTIGO 734.°, N.° 2, DO CPC POR INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO; E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, B)–NÃO DEVE SER ADMITIDA A AMPLIAÇÃO DO PEDIDO FORMULADA PELA EMBARGADA, POR A MESMA SER ILEGAL E INADMISSÍVEL DO PONTO DE VISTA PROCESSUAL; C)–SUBSIDIARIAMENTE, SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVE SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE O PEDIDO AMPLIADO ORA DEDUZIDO PELA EMBARGADA, POR NÃO PROVADO.”
Notificada deste requerimento, a embargada nada disse.
Seguidamente, a Mmª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho[3]:
“Compulsados os autos afigura-se que os mesmos reúnem já todos os elementos necessários para proferir decisão.
Deste modo, notifique as partes para, no prazo de dez dias, querendo, se pronunciarem nos termos do disposto no nº3 do art. 3º do CPC”.
Na sequência da notificação deste despacho, o embargante apresentou um requerimento, que intitulou de “alegações finais”, pugnando pela procedência dos embargos, e concluindo nos seguintes termos:
“Razão pela qual se requer a V. Exa. que: a)-declare extinta a presente execução, nos termos e para os efeitos do artigo 734.°, n.° 2, do CPC, por inexistência de título executivo; e, caso assim não se entenda, b)-não admita a ampliação do pedido formulada pela Embargada, por a mesma ser ilegal e inadmissível do ponto de vista processual; c)-subsidiariamente, se assim não se entender, julgue totalmente improcedente o pedido ampliado deduzido pela Embargada, por não provado.”
Notificada deste requerimento, a embargada apresentou um requerimento, que também intitulou “alegações Finais”, que rematou nos seguintes termos:
“(…) devem os presentes Embargos de Executado ser declarados totalmente improcedentes, por não provados, e, consequentemente, ser decretado o ulterior prosseguimento da acção executiva.”
Seguidamente foi proferida a seguinte decisão:
“Da ampliação do pedido
A embargada em sede de contestação veio ampliar o pedido trazido aos autos. Da leitura do articulado apresentado resulta pretender dar à execução despesas que teve com o filho e que entende serem também da responsabilidade do embargante. Este, sem aguardar pela pronúncia do Tribunal, fazendo uso do disposto no art. 3°, n°3 do CPC, veio pugnar pela inadmissibilidade da ampliação formulada.
Analisada a ampliação do pedido trazida a estes conclui-se que as despesas ali reclamadas assentam no mesmo título executivo que ali é invocada. Ou seja, está em causa uma eventual cumulação de execuções dos arts. 710° e 711°, ambos do CPC, a ser apresentada na acção executiva. Assim sendo, não se admite a ampliação apresentada por ausência de fundamento legal.
A matéria alegada a tal propósito ter-se-á por não escrita.
Custas do incidente pela embargada, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC
Do articulado de resposta do embargado
No que diz respeito ao articulado de resposta do embargante, em particular o escrito na rubrica "questões prévias" não se vislumbra em que se alicerça o invocado direito de resposta do embargado, atentas as regras processuais vigentes. Na verdade, a embargada respondeu com a sua versão dos factos, impugnando a versão trazida a juízo pelo embargante. Não existe, pois, matéria de excepção que determine a possibilidade de resposta do embargante do ponto de vista processual. A alegada situação de impossibilidade económica do embargante para comparticipar nas despesas do filho a ser entendida como relevante deveria ter sido invocada em momento prévio (isto é, na petição de embargos), até porque, segundo se deixa escrito na peça processual sub iudice não é uma situação nova (cfr. artigo 27).
Assim sendo, desentranhe (do processo físico e informático), devolvendo ao apresentante.
Custas do incidente pelo embargante com taxa de justiça em 1 UC.
Do valor da acção:
Como resulta do n°1 do art. 306° do CPC compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever das partes procederem à sua indicação. Por regra, o momento para proceder a tal fixação é aquando da prolação do despacho saneador.
O valor dos embargos é o da execução a que os mesmos vão apensos.
A exequente deu à execução o valor de capital de €22 00059,00, correspondente ao montante que pretende ver coercivamente cobrado ao executado aqui embargante. Este último sustenta que tal valor não está correcto indicando o de €20 074, 38.
Resulta do disposto no art. 297° do CPC no seu n°1 que se a acção se destina a obter qualquer valor certo em dinheiro é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação ou acordo em sentido diverso.
Efectuado o cálculo aritmético verifica-se assistir razão ao embargante, sendo certo que na sua contestação a embargada nada disse em contrário.
Deste modo, fixa-se o valor da acção em €20 074, 38 (vinte mil setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos).
***
A apresentou embargos de executado contra B, estando ambos regularmente representados nos autos. O executado invocou desde logo a inexistência de título executivo sustentando que as despesas cujo pagamento é exigido pelo exequente são exorbitantes e supérfluas, pelo que não têm cobertura na sentença que aquela invoca como título executivo. Por outro lado, afirma ainda o executado que tais despesas não se mostram justificadas. Acresce que no que diz respeito à sua contribuição para as despesas relativas a aparelho ortodôntico afirma o executado ora embargante que as mesmas já foram excluídas da sua responsabilidade por decisão judicial. A embargada contestou os embargos apresentados, pugnando pela sua total improcedência. Recordar a embargada que a Sezione Civile do Tribunale Ordinario di Paola, na sentença que serve de título executivo a esta acção, condeno o executado a pagar-lhe a favor do filho de ambos: a) uma pensão de alimentos no valor mensal de €500,00, reajustáveis segundo o índice Istat, a título de subsistência para as necessidades do filho, bem como as despesas extraordinárias que não tenham carácter exorbitante ou supérfluo e que serão a dividir em partes iguais por ambos os progenitores. Refere a embargada que desde Maio de 2020 o embargante não paga a pensão de alimentos acima indicada. Por outro lado, considerando que o embargante é piloto de aviação civil tem um nível de vida acima da média, pelo que as despesas indicadas longe de ser supérfluas e exorbitantes são necessárias, proporcionais, adequados e razoáveis. Refere ainda a embargada que o embargante tem demonstrado um silêncio e desinteresse generalizado pelo filho, sendo que tal inércia não pode agora sustentar a sua posição processual de forma válida. Quanto à sentença condenatória invocada pelo embargante a seu favor revela a embargada que a mesma se limitou a pronunciar-se sobre a admissibilidade processual daquele concreto pedido naquele procedimento, cujo objectivo era apenas a determinação de uma pensão periódica a favor do filho maior. Não tomou, assim, conhecimento do mérito do pedido formulado.
O Tribunal é o competente.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões de que cumpra
Conhecer.
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A única questão a decidir consiste em determinar se a embargada dispõe de título executivo para as despesas que pretende executar coercivamente.
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II–Fundamentação de facto
A)–Factos provados 1.–Por sentença proferida a 13 de Dezembro de 2017 pelo Tribunal de Paola foi o executado ora embargante condenado a pagar a seu filho pensão alimentícia no valor de €500,00 mensais, anualmente atualizável. Na mesma decisão foi ainda determinado que os progenitores concorrem em igual medida no pagamento das despesas extraordinárias inerentes à prole que não tenham carácter exorbitante ou supérfluo. 2.–São as seguintes as despesas reclamadas na execução apensa:
- Custos atinentes a propinas relacionadas com a licenciatura em ciências aeronáuticas - €3 852, 42
- Custos a títulos de propinas e taxas com curso de APTL Integrado €22,000,00, cabendo ao executado pagar €11 000,00.
- Despesas com aquisição de material escolar - 488,87
- Despesas relacionadas com viagem filho a Toulouse em dezembro de 2018 visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse - €121, 27
- Viagens e hotéis em Roma - 2017 e 1019 para realizar 1° exame/renovação no Instituto de Medicina Aerospacial de Roma, tudo no valor total de €612, 72; e
- Valor correspondente a vinte e seis rendas vencidas no valor de €400,00 cada, relativas a um locado em Lisboa, tudo no valor total de €10 400,00.
- Valor relativo a despesas ortodônticas, no montante de €4122,00. 3.–O embargante não concordou com a escolha académica do filho, pretendendo que o mesmo estudasse engenharia. 4.–O embargante é piloto de aviação 5.–A embargada manteve o embargante informado sobre as opções escolares do filho comum e enviou-lhe a documentação relativa às despesas solicitando que pagasse a sua parte. 6.–O embargante não tem interesse pelo percurso académico do filho. 7.–Encontra-se penhorado nos autos veículo de marca Porsche de que o embargante é proprietário.
B)–Factos não provados
Não existem factos não provados com relevo para a decisão a proferir. C)–Motivação da decisão de facto
A convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não prova assentou n ponderação crítica e conjugada da prova produzida analisada à luz de regras de experiência comum e critérios de normalidade. Assume desde logo relevo a sentença que serve de título executivo, a qual se mostra junta aos autos traduzida. Teve-se igualmente em atenção a prova documental junta aos autos. Nesta sede assumiu particular relvo o exame dos comprovativos das despesas cujo ressarcimento se pretende, bem como as comunicações de email feitas pela embargada ao embargante. Tais comunicações assumiram duplo relevo. Por um lado, demonstram que as despesas foram comunicadas ao embargado em momento prévio à instauração da presente execução. Por outro lado, também demonstram o desinteresse patenteado pelo executado quanto às escolhas de seu filho, um desinteresse de que não pode agora pretender socorrer-se para não ser obrigado ao pagamento da sua parte das despesas. Veja-se o e-mail enviado à embargada a fls. 82 datado de 20 de Fevereiro de 2018 onde o embargante escreveu "Márcia, Recebi um e-mail de Augusto me perguntando em relação aos seus estudos. Agradeço que não me moleste."
***
O Tribunal não responde a matéria conclusiva, impugnativa ou de Direito.
II–Do Direito
Apurados os factos cumpre determinar as consequências jurídicas dos mesmos à luz do direito aplicável.
Os embargos à execução são uma alternativa da parte executada para impugnar uma execução forçada, cabíveis apenas em execuções autónomas, como é a que deu origem aos presentes autos. Trata-se, pois, de uma possibilidade concedida ao executado de impugnar as razões subjacentes à execução. Quando a mesma tem por fundamento uma sentença, os fundamentos possíveis de defesa estão expressa e taxativamente previstos na lei. A este propósito indica o art. 729° do CPC como fundamento possível de embargos perante execução baseada em sentença: a)-Inexistência ou inexequibilidade do título; b)-Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c)-Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d)-Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e)-Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f)-Caso julgado anterior à sentença que se executa; g)-Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h)-Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i)-Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
O embargante lança mão da alínea a) do citado preceito legal, sustentando desde logo a inexistência de título executivo. Tal entendimento não pode ser sufragado. Desde logo, porque existe sentença judicial transitada em julgado que serve de base à execução e cuja existência e termos o executado ora embargante não impugna. Alega o mesmo que as despesas apresentadas são exorbitantes e supérfluas, pelo que não podem sem entendidas como estando integradas no título dado à execução. Na verdade, a sentença determina, para além do mais, a repartição de despesas extraordinárias que não tenham carácter exorbitante e supérfluo. Trata- se, naturalmente, de conceitos vagos e indeterminados cujo real alcance apenas pode ser obtido analisando o caso concreto. Para tanto, desde logo, cumpre analisar a natureza das despesas. As trazidas aos autos são atinentes à educação e saúde (estas últimas, relativas a tratamento ortodôntico) do filho do embargante. Nessa medida, não podem considerar-se supérfluas. Um outro critério de avaliação é o do concreto montante apresentado como sendo da responsabilidade do embargante. Naturalmente, mais uma vez essa apreciação tem de fazer-se tendo em atenção a situação sócio-económica daquele. Ora, não obstante o embargante afirmar que as despesas são excessivas, exorbitantes certo é que na sua petição inicial nada diz sobre a sua condição económica e impossibilidade de arcar com a sua quota parte nas mesmas. Alega em abstracto, mas nada diz sobre a sua situação económica concreta. É certo que nos emails trocados com a embargada refere não ter meios para arcar com tal despesa, mas em concreto nada é dito.
Aliás, quanto às capacidades económicas do embargante cabe recordar o que consta da própria sentença que sustenta a execução: "(...) As lacunas apresentadas na documentação fiscal apresentada pelo resistente e a evidente incongruência dos valores contidos nas declarações de renda levam a considerar que A seja titular de uma renda superior àquela declarada. O que encontraria posterior corroboração na documentação fotográfica acostada aos autos pela recorrente, da qual parece emergir que o resistente exerce a função de comandante na companhia aérea Jet Airways; por outro lado, mesmo negando eficácia probatória a tais fotografias, a defesa do resistente jamais contestou especificadamente a circunstância relativa à sua actual ocupação, limitando-se genericamente a deduzir que "o Sr. da Costa Fernandes ainda não encontrou uma ocupação estável como piloto de linha aérea" (cfr. fls. 64 do autos principais.).
Foram tais considerações que estiveram subjacentes à fixação de pensão de alimentos mensal a cargo de A no valor de €500,00 a favor do seu filho. Por outro lado, é o próprio embargante quem vem dar notícia nos autos de que lhe foi penhorado um veículo de marca Porsche. Como decorre de regras de experiência comum trata-se de um veículo de gama alta, com um preço elevado e que apenas pode ser obtido por quem tenha rendimentos acima da média. Tais considerações não podem deixar de ser tidas em conta na ponderação do que sejam ou não despesas exorbitantes. O filho do embargante estuda (aliás, seguindo um curso que lhe permitirá seguir as pisadas daquele), sendo as despesas feitas (propinas, material escolar, visitas de estudo e renda de casa em Lisboa) adequadas à idade e actividade académica desenvolvida. O embargante invoca a seu favor o art. 1880° do Código Civil. Sob a epígrafe Despesas com os filhos maiores ou emancipados estatui aquele preceito que se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Mais uma vez, o critério de razoabilidade tem de ser aferido em concreto e não esgrimido de forma geral e abstracta. Se as capacidades económicas do embargante diminuíram face ao apurado na sentença dada à execução sempre poderia o mesmo lançar mão de acção de alteração/cessação de obrigação de pensão de alimentos, tanto mais que as despesas cuja execução ora se pretende se estendam por vários anos (2018 a 2020) e foram levadas ao seu conhecimento em momento prévio.
Deste modo, conclui-se que as despesas apresentadas não são em concreto exorbitantes ou supérfluas, pelo que estão contidas no título dado à execução.
Sustenta ainda o embargante que as indicadas despesas não estão documentadas, não concretizando, porém, de forma pormenorizada a que se reporta a falta de concretização. O que se retira das alegações do embargante é que o mesmo não concorda com as escolhas académicas do filho, sendo certo que daí não resulta que possa eximir-se a contribuir para as mesmas, ponderada a idade do jovem e a situação financeira do progenitor.
Alega ainda o embargante que as despesas com o aparelho ortodôntico datam de 2016 e 2017, sendo de data anterior ao trânsito em julgado da sentença que serve de título executivo e, por esse motivo, não são devidas, estando ainda em nome da exequente e não do filho. A embargada contraria esse entendimento afirmando que o tribunal italiano apenas não tomou conhecimento de tal pedido por razões processuais. Pode ler-se na sentença dada à execução quanto a tais despesas (cfr. fls. 62/ 63 dos autos de execução: “(…) Na verdade, como já foi citado no parágrafo anterior n02 o presente procedimento refere-se à determinação de uma pensão periódica que o Tribunal, nos termos do art. 337º septies c.c. poderá dispor a favor do filho maior de idade. Ao contrário, o pedido de reembolso feito pela mãe ao pai, qualificando-se como pedido regressivo do genitor que tenha declarado o ónus pela manutenção também da porção pertencente ao outro genitor, inscreve-se no âmbito da disciplina ditada pelo art. 1299o cc. Para as relações entre devedores solidários (...) sendo, portanto, passível de realização no âmbito de um juízo ordinário de cognição. A estranheza de tal pedido em relação às exigências invocadas no presente procedimento de jurisdição voluntária comporta, por fim, a sua inadmissibilidade".
Do exposto resulta que, não tendo a sentença dada a execução apreciado esta parte do pedido ali formulado pela agora exequente/embargada (ainda que por razões processuais) efectivamente aquele aresto não é título executivo para as despesas ortodônticas do jovem. Nessa parte, procedem os embargos.
IV–Decisão
Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo parcialmente procedente os embargos apresentados por A contra B.
Em consequência, decide-se:
a)- O não prosseguimento da execução para cobrança coerciva dos valores despendidos nos tratamentos ortodônticos do filho C, no indicado valor de € 4122,00 (quatro mil cento e vinte e dois euros);
b)- A improcedência do demais invocado pelo embargante, com o consequente prosseguimento da execução intentada.
Valor da acção: € 20 074, 38 (vinte mil setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos).
Custas na proporção dos decaimentos.”
Inconformado, o embargante interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões: A.–A Sentença recorrida vem, entre o mais, indeferir o articulado do Recorrente do dia 20/04/2021, com a referência citius 29000551, determinando o seu desentranhamento dos autos, baseando tal decisão em entendimento jurídico errado. B.–Foi coartada ao Recorrente a possibilidade de se defender, tendo este apenas tomado conhecimento desse facto em momento posterior àquele em que aceitou o prosseguimento do processo sem a realização de audiência prévia ou julgamento precisamente por ter confiado que toda a matéria que havia trazido ao processo teria sido devidamente apreciada pelo Tribunal a quo. C.–O Recorrente conformou-se com a possibilidade de ser tomada decisão sem julgamento por ter confiado que aquele Tribunal teria admitido toda a matéria trazida aos autos pelo Recorrente e por ter confiado também na estabilidade da instância e segurança jurídica do processo. D.–O Tribunal a quo vem também na Sentença recorrida dar como provados determinados factos que são falsos e que não se encontram, por qualquer forma, estabilizados, no presente processo. E.–O Recorrente foi, assim, surpreendido com a decisão ora recorrida que mais não é do que uma verdadeira decisão surpresa que vem condicionar a defesa do Recorrente em momento posterior à aceitação por parte deste da continuação do processo sem realização de julgamento. F.–O Tribunal a quo pronunciou-se sobre determinados factos, já em sede de decisão final, sem, previamente, ter concedido ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre tal decisão ou sem a realização de audiência prévia, assim atuando o decisor em frontal violação com o previsto n.° 3 do artigo 3.° do CPC. G.–O Tribunal a quoviolou, assim, o imperativo processual consagrado no artigo 3.°, n.° 3, do CPC, o que gerou uma nulidade processual que torna a decisão (porque nula) insuscetível de subsistir na ordem jurídica. H.–Nulidade que, atento o estabelecido no n.° 2 do artigo 195.° do CPC determina a anulação da decisão proferida. I.–A Sentença recorrida revela-se, igualmente, material e juridicamente errada e sustentada em argumentação inexata e enviesada tal como se verá, não podendo, por isso, proceder. J.–É falso que o Embargante tivesse pretendido que o filho estudasse engenharia e que não tenha interesse no percurso académico do filho, sendo igualmente tendencioso fixar-se apenas que o Embargante não concordou com a escolha académica do filho sem acrescentar também a justificação apresentada por este para tal. K.–Todas as extensas trocas de e-mails juntas aos autos só vêm demonstrar uma coisa: que não houve silêncios e desinteresse por parte do Progenitor e que não é verdade que o Recorrente não tenha interesse no percurso académico do filho, tal como também resulta como provado na Sentença recorrida. L.–A Recorrida ignorou, antes, o facto - e o Tribunal a quo também o parece ter feito - de que em causa estava uma questão de particular importância (a frequência de um estabelecimento escolar), a qual careceria de ser decidida ou por comum acordo ou com intervenção do Tribunal. M.–Não tendo havido consentimento por parte do Recorrente quanto à frequência dos cursos ATPL e Instituto de Formação Aeronáutica, o Recorrente não pode ser considerado responsável pelo respetivo pagamento, na medida em que as inscrições em causa foram feitas sem o seu conhecimento ou consentimento. N.–Sendo certo que o que está em causa nos presentes autos, tal como o próprio Tribunal a quo referenciou, é saber se existe título executivo para as despesas que se pretendem executar coercivamente e não se as mesmas foram comunicadas ao suposto devedor. O.–O Tribunal a quo não teve em consideração nem valorou na Sentença recorrida o comportamento do filho (e também da Recorrida) relativamente ao Recorrente. P.–É igualmente falso que o Recorrente não tenha logrado concretizar, de forma pormenorizada, a que se reporta a falta de concretização das despesas apresentadas pela Recorrida. Q.–Nos termos da lei, não se revela necessário o Recorrente vir pôr em causa os termos da sentença judicial proferida pelos tribunais italianos para vir sustentar que os valores reclamados pela Recorrida não cabem dentro da referida sentença e que, por isso, não existe título executivo para as concretas despesas reclamadas. R.–O requerimento executivo da Recorrida extravasa o âmbito de condenação da referida sentença proferida, em 13/12/2017, pelo Tribunale Ordinario di Paola, Sezione Civile, no âmbito do Processo n.° 579/2016 (n.° cronológico 1260/2017), razão pela qual não se mostra possível à Exequente vir exigir o valor monetário que solicita ao Executado. S.–As referidas despesas são exorbitantes (aquelas que se prendem diretamente com a educação) e supérfluas (designadamente, viagens realizadas, estadias em hotéis, etc.), tendo o Tribunal a quo feito uma errada interpretação das concretas despesas ora em discussão ao não as considerar exorbitantes e supérfluas à luz das regras da experiência comum. T.–Despesas essas que os tribunais italianos já haviam considerado exorbitantes e inadmissíveis, fixando, nessa sequência, um critério de admissibilidade para as despesas extraordinárias, partindo das despesas que estavam a ser apresentadas naquele processo e que estão agora em discussão, e que este considerou inadmissíveis, para chegar àquelas despesas que devem ser consideradas suportáveis e razoáveis por ambos os Progenitores, através de um raciocínio de inferência lógica. U.–O Tribunal a quo reconhece ter conhecimento de que o Recorrente invocou não ter capacidades financeiras para arcar com a sua quota parte nas despesas e ter, no entanto, dúvidas sobre em que se traduz, em concreto, essa impossibilidade, razão pela qual nunca a posição do Tribunal a quo poderia ter sido a de imputar as referidas despesas ao Recorrente, sem mais. V.–O Tribunal a quo deveria ter solicitado esclarecimentos ao Recorrente sobre a sua concreta situação financeira, para ver esclarecida uma questão de extrema relevância para a presente ação e nunca deveria ter rejeitado o requerimento apresentado pelo Recorrente, o qual densificava precisamente essa questão. W.–O Tribunal a quo impossibilitou o Recorrente de exercer as suas garantias de defesa, em violação do princípio da cooperação e do inquisitório. X.–O Tribunal a quodemonstra na Sentença recorrida ter construído o seu entendimento sobre a situação financeira do Recorrente com base em argumentos supérfluos e, mais uma vez, completamente desviados da realidade. Y.–A Sentença recorrida deve, assim, ser declarada nula.
Rematou as suas conclusões nos seguintes termos:
“deve: a)- Ser declarada a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal de 1.a instância, anulando-se a Sentença e ordenando-se a realização de julgamento; b)- Subsidiariamente, se assim não se entender, ser julgado procedente, por provado, o recurso de apelação que ora se interpõe, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.a instância, e substituindo-se por outra que negue provimento integral à execução intentada pela Recorrida.”
A recorrida apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões: I.–Inconformada com o Recurso in casu, vem a Embargada apresentar as devidas contra-alegações, entendendo que não se descortina nem uma razão para nos desviarmos da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo. II.–O Recorrente crê que lhe foi coarctada a possibilidade de se defender, sendo consequentemente, violado o princípio do contraditório o que acarretaria, no seu entendimento, uma nulidade processual. III.–Descortinados os seus argumentos é clarividente que não lhe assiste razão, desde logo porque, o princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que, antes da prolação da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie - o que, no presente caso, efectivamente sucedeu. IV.–Desde logo, são as suas próprias ações ao longo do processo que contradizem o que alega: nomeadamente: inicia o Recorrente, no ponto 13 das suas Alegações, por explanar que, aquando da apresentação de Contestação, lançou mão do seu direito ao contraditório, pelo que se terá pronunciado quanto à sua versão dos factos apresentados na Resposta à referida Contestação; V.–Posteriormente, com a prolação do despacho de 20.05.2021, o Tribunal a quo é elucidativo ao referir que, “[c]ompulsados os autos afigura-se que os mesmos reúnem já todos os elementos necessários para proferir decisão”, razão pela qual determina a notificação das partes para, “no prazo de dez dias, querendo, se pronunciarem nos termos do disposto no n°3 do art. 3° do CPC.”, ou seja, precisamente para cumprir o princípio do contraditório. VI.–Perante isto, o Recorrente exerceu efectiva e plenamente o seu contraditório, pronunciando-se em sede de Alegações Finais e não se opondo à tomada de decisão, bem sabendo para que servem as Alegações Finais. VII.–O próprio Recorrente reconhece, no ponto 21 das suas Alegações, que “conformou-se com a possibilidade de ser tomada decisão sem julgamento” e seguidamente, confessa que “anuiu na omissão da referida diligência processuaf”. VIII.–O Tribunal forneceu às partes a possibilidade de pronúncia nas questões em discussão. IX.–Face ao exposto, a nulidade ora alegada pelo Recorrente deverá ser julgada totalmente improcedente. X.–Continuando: uma vez invocada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, recai sobre o aqui Recorrente o ónus preceituado no artigo 640.° do CPC. XI.–É certo que o Recorrente impugna os factos dados como provados constantes dos n.°s 3, 5 e 6 da Sentença a quo, no entanto, o Tribunal a quo analisou devidamente e com o necessário rigor toda a prova constante dos autos e deu o devido enquadramento fáctico à questão sub judice, decidindo a matéria de facto de forma correcta, acertada, exemplar e em conformidade com a verdade material, XII.–razão pela qual se deve manter incólume e inalterada a douta Sentença proferida no que a essa matéria (de facto) diz respeito.
A.–PONTO 3) DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE
XIII.–Entende o Recorrente não corresponder à verdade que tivesse pretendido que o filho estudasse engenharia. XIV.–Contudo, falha em demonstrar em que medida é que o Tribunal a quo proveio por uma interpretação enviesada das comunicações entre os Progenitores para dar como provados factos falsos, como alega no Ponto 68 das suas Alegações XV.–É que resulta das próprias palavras do Recorrente que este não concorda com a escolha académica do filho “por não considerar que este seria o caminho a seguir pelo filho”, sugerindo até a Universidade de Engenharia. XVI.–Tanto assim é, que se encontra reforçado na letra do e-mail que invoca: “No que diz respeito aos estudos de Augusto, confirmo que não estou de acordo que você o inscreva no curso de ATPL em Ponto Sor, na G Air Training Centre, tanto porque não acho que este seja o caminho para o Augusto. Acho que, em vez disso, deveria se aplicar e fazer estudos Universitários normal em Itália. Sei que existe um Consenza uma boa Universidade de Engenharia.”. XVII.–Logo, outra não pode ser a interpretação que não a dada pelo Tribunal a quo e, que no fundo, foi ulteriormente reforçada pelo Recorrente no ponto 63 das suas Alegações. XVIII.–razão pela qual se deve manter inalterado o referido ponto da matéria de facto dada como assente pela douta Sentença a quo.
B.–PONTO 5) DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE XIX.–Mais uma vez, patrocinada pela escassez de argumentos, o Recorrente apela à erroneidade da decisão, entendendo, sem mais, que o Tribunal a quo deu como provado que a Progenitora manteve o Progenitor sempre informado das opções escolares do filho. XX.–Ora, como ficou provado em sede prévia, pela diversidade de e-mails juntos aos autos, não logra o Recorrente provar que o Tribunal a quo tivesse considerado este facto como provado com base numa errada apreciação da prova. XXI.–Face à prova junta em sede de Contestação, nomeadamente os Documentos n.° 3, 4, 5, 6 e 7, são notórias as consecutivas, mas infrutíferas, tentativas de comunicação das informações em questão ao Progenitor. XXII.–Da referida prova documental, resulta, ainda, que a Recorrida obtinha em troca somente silêncios ensurdecedores ou respostas como a que a Recorrente previamente recorda no ponto 80 das suas Alegações de Recurso: “Márcia, Recebi um e-mail de Augusto me perguntando em relação aos seus estudos. Agradeço que não me moleste.” XXIII.–Do exposto, resulta que, de facto, a Recorrida acautelou o devido dever de informação que sobre si impendia, mantendo o Recorrente informado sobre as opções escolares do filho comum e enviando-lhe a documentação relativa às despesas para que este pagasse a sua parte, razão pela qual se deve manter inalterado o referido ponto da matéria de facto dada como assente pela douta Sentença a quo
C.–PONTO 6) DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE
XXIV.–Entende o Recorrente que “é falso que o Recorrente não tenha interesse no percurso académico do filho.”, subsumindo-se no facto de que as “extensas trocas de e-mails juntas aos autos só vêm demonstrar uma coisa: que não houve silêncios e desinteresse por parte do Progenitor (...)”. XXV.–No entanto, ao contrário do que é dito pelo Recorrente, este tanto não dava respostas como pedia para não ser incomodado; revelador disso mesmo são as respostas como a previamente citada, independentemente do contexto que se tente invocar, onde há um claro desinteresse, XXVI.–mas, mais, um incompreensível desprezo face às tentativas de contacto tanto da Progenitora, no que a assuntos relativos ao filho diz respeito, como do próprio filho. XXVII.–Assim, é factual que “O embargante não tem interesse pelo percurso académico do filho”, razão pela qual se deve manter inalterado o referido ponto da matéria de facto dada como assente pela douta Sentença a quo.
Aqui chegados, XXVIII.–atenta a frágil impugnação efectuada pelo Recorrente e o ónus estabelecido no artigo 640.°, n.° 1 do C.P.C., XXIX.–ao não invocar com exactidão e clareza os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnada e ao não indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida face aos pontos impugnados, o Recorrente não cumpriu o ónus previsto no citado artigo 640.°, n.° 1 do C.P.C., XXX.–o que determina tout court a rejeição imediata do recurso quanto à matéria de facto e o consequente não conhecimento do mesmo.
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO A QUO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO
XXXI.–Nos termos do n.° 2 do art. 639.° do C.P.C., versando o presente recurso sobre matéria de Direito, incumbia ao Recorrente o cumprimento do ónus de alegar e formular conclusões que indicassem: i)-as normas jurídicas violadas (al. a)); ii)-o sentido com que, no entender do Recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (al. b)); iii)-caso invocado erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do Recorrente, deveria ter sido aplicada (al. c)).
XXXII.–Porém, como é notório, não resulta das conclusões do Recorrente, nem das suas Alegações, o cumprimento do ónus estabelecido. XXXIII.–Nestes termos, incumprido o referido ónus pelo Recorrente, o recurso quanto à matéria de Direito ora apresentado pelo Recorrente deverá ser liminarmente rejeitado.
Sem prescindir, XXXIV.–sempre se refira que, se, por um lado, o Tribunal a quo efectuou um correcto e acertado julgamento da matéria de facto do presente litígio, por outro, aplicou irrepreensivelmente as normas jurídicas à base factual que decantou, tendo dado o devido enquadramento jurídico à questão sub judice e decidindo-a conforme a Lei e o Direito. XXXV.–No presente caso, o Embargante lançou mão do fundamento previsto pela al. a) do referido normativo legal, invocando a inexistência de título executivo. XXXVI.–Naturaliter, tal entendimento não pode ser sufragado, porque existe uma sentença judicial transitada em julgado que serve de base à execução e cuja existência e termos o Embargante não impugna. XXXVII.–O Embargante, ora Recorrente, alega que as despesas apresentadas são exorbitantes e supérfluas, razão pela qual entende não poderem estar integradas no título executivo. XXXVIII.–Naturalmente, também aqui não assiste qualquer razão ao Embargante. XXXIX.–Com efeito, não se vislumbra qualquer carácter exorbitante, supérfluo ou irrazoável nas despesas cujo pagamento se prossegue, inserindo-se estas despesas confortavelmente no âmbito da sentença condenatória proferida. XL.–Para o efeito, cumpre, antes de mais, analisar a natureza das despesas e, efectivamente, as trazidas aos autos são atinentes a despesas de educação, saúde e habitação, que consubstanciam necessidades básicas e mínimas da dignidade humana do filho das partes e, como tal, não podem ser consideradas supérfluas, revestindo-se, pelo contrário, de um carácter de necessidade, proporcionalidade, adequação e razoabilidade. XLI.–Como bem refere a decisão a quo, a apreciação do concreto montante apresentado como sendo da responsabilidade do Embargante tem de ser efectuada considerando a situação socioeconómica do mesmo. XLII.–Ora, apesar de o Embargante afirmar que as despesas são excessivas e exorbitantes, o certo é que nos autos omite, porque lhe convém, qualquer informação acerca da sua condição económica em concreto e da consequente impossibilidade de arcar com a sua quota-parte das despesas do filho.
Dito isto, XLIII.–Competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação (1878.°/1 C.C.), os pais apenas ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (1879 ° CC). XLIV.–Atingida a maioridade ou alcançada a emancipação, se o filho não houver completado a sua formação profissional, mantém-se a referida obrigação de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (1880° C.C.). XLV.–Nestes termos, o filho maior que não tenha completado a sua formação profissional continuará a beneficiar da pensão alimentar antes acordada ou estabelecida até que a sua formação se conclua.
In casu, XLVI.–O filho das partes ainda não concluiu o respectivo processo de educação ou formação profissional, nem o mesmo foi livremente interrompido,
encontrando-se a estudar num curso que lhe permitirá seguir as pisadas do pai e demonstrando aproveitamento escolar. XLVII.–As despesas feitas (propinas, material escolar, visitas de estudo e renda de casa em Lisboa) são adequadas à idade e à actividade académica desenvolvida. XLVIII.–Para além disso, considerando a factualidade constante dos autos, a exigência da obrigação de alimentos ao Executado-Embargante no que às despesas aqui discutidas respeita mostra-se razoável, adequada e proporcional.
Aqui chegados, XLIX.–resulta evidente que estão preenchidos todos os requisitos legais para a exigibilidade da obrigação de alimentos que recai sobre o Embargante, incluindo o referido critério de razoabilidade. L.–Deste modo, conclui-se que as despesas in questio não são exorbitantes ou supérfluas, pelo que estão contidas no título executivo.
Concluiu pela total improcedência da apelação e consequentemente pela integral confirmação da sentença recorrida.
A mmª Juíza a quo admitiu o recurso, que qualificou como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este Tribunal, o relator proferiu despacho convidando o apelante a completar as suas alegações, nos termos previstos no art. 639º, nº 3 no tocante às conclusões Q. a U., o que este veio a fazer, presentando conclusões reformadas cujo teor, na parte que ora interessa é o seguinte: Q.–Nos termos da lei, em concreto do artigo 729.º, do CPC, não se revela necessário o Recorrente vir pôr em causa os termos da sentença judicial proferida pelos tribunais italianos para vir sustentar que os valores reclamados pela Recorrida não cabem dentro da referida sentença e que, por isso, não existe título executivo para as concretas despesas reclamadas. R.–O requerimento executivo da Recorrida extravasa o âmbito de condenação da referida sentença proferida, em 13/12/2017, pelo Tribunale Ordinario di Paola, Sezione Civile, no âmbito do Processo n.º 579/2016 (n.º cronológico 1260/2017), razão pela qual não se mostra possível à Exequente vir exigir o valor monetário que solicita ao Executado. S.–Por esta razão, o Tribunal a quofez, com todo o respeito, uma interpretação enviesada daquele que foi o fundamento de oposição à execução baseada em sentença chamado à colação nos presentes autos e respetivo modo de invocação. T.–As referidas despesas são exorbitantes (aquelas que se prendem diretamente com a educação) e supérfluas (designadamente, viagens realizadas, estadias em hotéis, etc.), tendo o Tribunal a quo feito uma errada interpretação das concretas despesas ora em discussão ao não as considerar exorbitantes e supérfluas, à luz, antes de mais, das regras da experiência comum. U.–Despesas essas que os tribunais italianos já haviam considerado exorbitantes e inadmissíveis, fixando, nessa sequência, um critério de admissibilidade para as despesas extraordinárias, partindo das despesas que estavam a ser apresentadas naquele processo e que estão agora em discussão, e que este considerou inadmissíveis, para chegar àquelas despesas que devem ser consideradas suportáveis e razoáveis por ambos os Progenitores, através de um raciocínio de inferência lógica. V.–Em face do exposto, o Tribunal a quoviolou na Sentença recorrida o critério de razoabilidade ínsito no Código Civil no artigo 1905.º, que deve presidir à fixação de alimentos devidos ao filho em caso de divórcio. W.–No mais, o Tribunal a quo não atendeu igualmente na sua decisão ao preceituado nos artigos 1906.º, n.º 1 e 1874.º, n.º 1 do Código Civil: (i) por não ter tido em consideração na sua decisão que a Recorrida incorreu sem o consentimento do Recorrente nas despesas em causa nos presentes autos, à revelia do preceituado na Lei relativamente às questões de particular importância na vida de um filho; e (ii) por não ter tido em consideração que em causa nos presentes autos está também um filho que falta grosseiramente ao seu dever de respeito para com o Pai, tudo o que, além de ser condenável, carece de revisão. X.–O Tribunal a quo reconhece ter conhecimento de que o Recorrente invocou não ter capacidades financeiras para arcar com a sua quota parte nas despesas e ter, no entanto, dúvidas sobre em que se traduz, em concreto, essa impossibilidade, razão pela qual nunca a posição do Tribunal a quo poderia ter sido a de imputar as referidas despesas ao Recorrente, sem mais. Y.–Ao não ter solicitado esclarecimentos ao Recorrente sobre a sua concreta situação financeira, em face das dúvidas que demonstrou ter, o Tribunal a quo impossibilitou o Recorrente de exercer as suas garantias de defesa e violou os princípios do inquisitório e da cooperação e, em consequência, o preceituado nas seguintes normas do CPC, artigos 7.º, 411.º e 590º, n.º 4. Z.–O Tribunal a quo, ao bastar-se com as alegações do Recorrente sobre o facto de não possuir capacidades financeiras – que reconheceu serem abstratas – ao invés de procurar aferir em concreto da real situação económica do Recorrente, violou igualmente o critério de razoabilidade ínsito no artigo 1880.º, do CC. AA.–OTribunal a quo deveria ter solicitado esclarecimentos ao Recorrente sobre a sua concreta situação financeira, para ver esclarecida uma questão de extrema relevância para a presente ação e nunca deveria ter rejeitado o requerimento apresentado pelo Recorrente, o qual densificava precisamente essa questão. BB.–O Tribunal a quo impossibilitou o Recorrente de exercer as suas garantias de defesa, em violação do princípio da cooperação e do inquisitório. CC.–O Tribunal a quo demonstra na Sentença recorrida ter construído o seu entendimento sobre a situação financeira do Recorrente com base em argumentos supérfluos e, mais uma vez, completamente desviados da realidade.
DD.–A Sentença recorrida deve, assim, ser declarada nula.
Notificado, o embargante não se pronunciou.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
2.–Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[5]).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[6].
No caso em análise, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a)-A nulidade do despacho saneador-sentença apelado, por violação do princípio do contraditório e por preterição da realização da audiência prévia e da audiência final – conclusões A. a H., V. a Y., e AA., BB., e DD. b)-A impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto – conclusões J e K.; c)- A falta de título executivo – conclusões. I., e N. a X., Z., e CC.;
3.–Fundamentação
3.1.– Os factos
3.1.1.- Factos provados:
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1.–Por sentença proferida a 13 de dezembro de 2017 pelo Tribunal de Paola foi o executado ora embargante condenado a pagar a seu filho pensão alimentícia no valor de €500,00 mensais, anualmente atualizável. Na mesma decisão foi ainda determinado que os progenitores concorrem em igual medida no pagamento das despesas extraordinárias inerentes à prole que não tenham carácter exorbitante ou supérfluo. 2.–São as seguintes as despesas reclamadas na execução apensa:
-Custos atinentes a propinas relacionadas com a licenciatura em ciências aeronáuticas - €3 852, 42
-Custos a títulos de propinas e taxas com curso de APTL Integrado €22,000,00, cabendo ao executado pagar €11 000,00.
-Despesas com aquisição de material escolar - 488,87
-Despesas relacionadas com viagem filho a Toulouse em dezembro de 2018 visita de estudo ao Museu de Aeroscopia de Toulouse - €121, 27
-Viagens e hotéis em Roma - 2017 e 1019 para realizar 1° exame/renovação no Instituto de Medicina Aerospacial de Roma, tudo no valor total de €612, 72; e
-Valor correspondente a vinte e seis rendas vencidas no valor de €400,00 cada, relativas a um locado em Lisboa, tudo no valor total de €10 400,00.
-Valor relativo a despesas ortodônticas, no montante de €4122,00. 3.–O embargante não concordou com a escolha académica do filho, pretendendo que o mesmo estudasse engenharia. 4.–O embargante é piloto de aviação 5.–A embargada manteve o embargante informado sobre as opções escolares do filho comum e enviou-lhe a documentação relativa às despesas solicitando que pagasse a sua parte. 6.–O embargante não tem interesse pelo percurso académico do filho. 7.–Encontra-se penhorado nos autos veículo de marca Porsche de que o embargante é proprietário.
3.1.2.–Factos não provados:
O Tribunal a quo considerou inexistirem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
3.2.–Os factos e o direito
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação que cumpre apreciar, importa então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.
Da conjugação destes instrumentos de Direito internacional e de Direito da União Europeia resultam as seguintes conclusões:
- O tribunal competente para definir a obrigação de alimentos era o Tribunal italiano, visto que à data da propositura da ação, o filho do embargante e da embargada tinha menos de 21 anos de idade, residia em Itália, e optou pelo foro do seu domicílio – art. 3º, al. b) do Regulamento;
-O tribunal competente para a execução da sentença que reconheceu o direito a alimentos e condenou o devedor de alimentos era o do domicílio deste, ou seja, um Tribunal português – art. 27º, nº 2 do Regulamento;
- O direito substantivo aplicável à delimitação da obrigação de alimentos é o do Estado da residência habitual do credor de alimentos, ou seja, o Direito italiano – arts. 15º do Regulamento e 3º, nº 1 do Protocolo. Esta regra aplica-se igualmente à determinação do direito substantivo aplicável às operações necessárias à liquidação do crédito exequendo.
-A lei processual aplicável à execução embargada é a lei portuguesa – art. 41º, nº 1 do Regulamento.
A sentença exequenda condenou o embargante a pagar à embargada, a título de alimentos devidos ao filho de ambos: i-Uma pensão mensal no valor de € 500; ii-50% das despesas extraordinárias incorridas
Analisando os dois segmentos do dispositivo da sentença exequenda, afigura-se evidente que os mesmos consubstanciam condenações em prestações pecuniárias ilíquidas, sendo certo que a liquidação do primeiro depende de simples cálculo aritmético, ao passo que a liquidação do segundo exige algo mais, a saber, a invocação das concretas despesas incorridas, e a demonstração de que as mesmas são devidas, de acordo com os critérios definidos na fundamentação da mesma sentença.
No sentido exposto, cfr. acs. RC 1705-2011 (Pedro Martins), p. 76/10.2T6AVR-A.C1; e RC 25-06-2013 (Barateiro Martins), p. 367/07.0TMCBR-D.C1. Com efeito, pode ler-se no sumário do primeiro aresto referenciado:
“ 1.-(…). 2.-(…). 3.-A liquidação de prestações alimentares actualizáveis, depende apenas de simples cálculos aritméticos, pelo que pode ser feita num requerimento executivo. 4.-A liquidação de obrigações resultantes de sentenças (mesmo que homologatórias) que não dependa de simples cálculos aritméticos, deve ser feita num incidente do processo declarativo; se não o for, não existe título nessa parte (art. 47/5 do CPC).”
E no sumário do segundo aresto referido pode ler-se:
“ 1-Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, não estamos perante uma liquidação dependente de simples cálculo aritmético. 2-É o caso da cláusula dum acordo homologado por sentença – em que um dos pais se compromete a suportar despesas de saúde dos filhos – em que, para a liquidação, é necessário acrescentar as despesas entretanto ocorridas. 3-Hipótese esta em que o incidente de liquidação (art. 378.º do CPC) é o único meio de liquidar (para depois executar) tal condenação, que é genérica.”
Aplicando este entendimento ao caso vertente, importa ter presente que sendo a operação de liquidação uma operação que visa a execução da sentença, a competência internacional para a apreciação desta questão pertence ao Tribunal onde a decisão for executada.
Quanto à lei aplicável ao incidente de liquidação, cremos que se terão de seguir os mesmos critérios acima gizados: a lei processual aplicável é a do país em que a decisão for executada; mas a lei substantiva a atender na operação de liquidação é a mesma lei substantiva que foi aplicada pelo Tribunal que proferiu a sentença exequenda.
Mais concretamente no tocante à aplicação do direito substantivo, afigura-se que a solução adotada é a única que respeita os limites da jurisdição do Estado que proferiu a decisão exequenda, visto que a liquidação não é uma operação neutra, antes tem que atender ao regime aplicável à obrigação de alimentos. Aplicar o Direito substantivo nacional na operação de liquidação em questão redundaria numa revisão parcial da decisão exequenda, o que se traduziria numa violação do Direito da União Europeia – vd. art. 42º do Regulamento.
Assim, a liquidação dos valores devidos a título de 50% das despesas extraordinárias deve atender ao disposto no CPC2013 e ao direito substantivo italiano[9].
Resta aferir qual o concreto regime processual da liquidação das obrigações exequendas.
Como é sabido, o CPC prevê, que nos casos em que o título executivo é uma sentença, em regra a liquidação de obrigações que dependam de simples cálculo aritmético é feita no próprio requerimento executivo, ao passo que a liquidação de obrigações que não dependem de simples cálculo aritmético é feita em incidente processado nos autos da ação declarativa em que foi proferida a sentença exequenda – arts. 609º, nº 2, 358º, nº 2, e 716º, nº 1 do CPC.
Mas quando o título executivo é uma sentença estrangeira, o regime a seguir é diferente.
Com efeito, se a sentença estrangeira for objeto de um processo especial de revisão de sentença estrangeira[10], cremos que a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético deve ter lugar através de incidente a tramitar nos autos do mencionado processo especial.
Já quando a sentença estrangeira não careça de ser revista, como sucede nos casos abrangidos pelo Regulamento 4/2009, aplica-se o art. 716º, nº 5 do CPC, que remete para o nº 4 do mesmo preceito: O exequente liquida a obrigação no requerimento executivo, e o executado pode opor-se à liquidação por meio de embargos de executado.
Ora, no âmbito do incidente de liquidação, a jurisprudência tem salientado que inexiste ónus da prova, visto que um non liquet, resultante da falta de prova dos factos de que depende a liquidação conduziria a uma situação de denegação de justiça, atenta a circunstância de o direito do credor já ter sido reconhecido por sentença, ou noutro título executivo. Neste sentido cfr. acs. STJ 29-05-2014 (Serra Baptista), p. 130/09.3TBCBC.G1.S1; e STJ 09-01-2019 (António Leones Dantas), p. 1691/07.7TTLSB.1.L1.S1;
Por isso, o art. 360º, nº 4 do CPC, consagra um dever de indagação oficiosa dos factos relevantes para a operação de liquidação.
Aliás, se destas diligências não resultar o apuramento de factos suficientes para concretizar a liquidação, deve o Tribunal decidir de acordo com a equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do CC.
Não obstante, tal não significa que o credor não deva alegar e provar os factos consubstanciadores da liquidação – Vd. ac. RC 11-05-2021 (Moreira Carmo), p. 216/17.0T8SRT.C1. Nessa medida, alguma doutrina refere que impende sobre o credor o ónus da liquidação[11].
No caso vertente, os factos relevantes para a liquidação da obrigação exequenda, na parte que respeita a despesas extraordinárias, serão os seguintes:
- que a exequente incorreu nas despesas que invoca;
- os factos adequados a habilitar o Tribunal a concluir que tais despesas se encontram abrangidas pelos critérios de elegibilidade definidos na sentença exequenda, ou seja, que se trata de despesas médicas não cobertas pelo serviço de saúde nacional, educativas, desportivas e recreativas, digam respeito ao filho da exequente e do executado[12],e que,sendo extraordinárias,não tenham caráter exorbitante, nem supérfluo[13].
Tudo isto tendo desde já presente que o direito substantivo aplicável na operação de liquidação destas obrigações alimentares é o Direito italiano e não o Direito português, como repetida, mas equivocadamente sustentaram as partes e o Tribunal a quo.
Todas estas considerações relevam para a apreciação da questão da invocada nulidade da decisão apelada, visto que a mesma se funda na violação do princípio do contraditório, sendo certo que como é natural o direito a contradizer se equaciona e delimita em função do objeto do litígio e das normas substantivas e processuais que regem esse mesmo litígio.
3.2.2.-Da nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório e da preterição da realização da audiência prévia e da audiência final
Nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Trata-se da consagração expressa do princípio do contraditório na vertente da proibição da prolação de decisões surpresa, garantindo aquele preceito às partes a sua efetiva intervenção no desenvolvimento de todo o litigio, sob pena de nulidade da decisão que o não respeite: é o que se chama de contraditório dinâmico.
Como bem se aponta no ac. STJ 17-06-2014 (Mª Clara Sottomayor), p. 233/2000.C2.S1, “deve esclarecer-se, (…), que se tem entendido que o art. 3.º do CPC não introduz no nosso sistema o instituto da proibição de decisões surpresa tal como foi configurado na Alemanha, país donde dimanou e tem longo historial, verificando-se importantes diferenças de regime entre o Código de Processo Civil português e o alemão.
O direito ao contraditório (Rechtliches Gehör), no direito alemão constitui um direito fundamental, baseado na dignidade da personalidade humana, e está consagrado no artigo 103.º, I, da Constituição Alemã, onde se afirma: «Perante o tribunal todos têm direito a ser ouvidos».
Este princípio constitucional tem seguimento nos §§139, n.º 2 e 278, n.º 3 da Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil alemão), deles resultando que o legislador germânico confere ao direito ao contraditório uma dimensão que vai muito para além do que comporta, mesmo em interpretação extensiva, a lei portuguesa, até porque entre nós não existe preceito correspondente ao §139 da ZPO (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-06-2009, processo n.º 09B0523, relatado pelo Conselheiro João Bernardo).
A doutrina aceita, contudo, o princípio da proibição das decisões surpresa, enquanto proibição de decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, entendendo que esta vertente do direito ao contraditório tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado. Neste sentido, antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra.”
Por seu turno, diz LEBRE DE FREITAS[14]:
“Por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que; a) formulado um pedido ou tomada uma posição poi uma parte devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar. Assim se garantia o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorras da fiscalização recíproca das afirmações e provas feitas pelas partes.
A esta conceção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do principio do contraditório deixou assim de ser a defesa. no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”
Sobre esta matéria da proibição das decisões-surpresa, e em comentário ao ac. STJ 02-06-2020 (Lima Gonçalves), p. 496/13.0TVLSB.L1.S1, sustentou MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA:[15] “O CPC trata das nulidades processuais nos art.ºs 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art.º 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença? A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite. Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art.º 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é. A nulidade processual decorrente do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art.º 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art.º 195.º, n.º 1, CPC. Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art.º 615.º, n.º 1, CPC. O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC. Assente esta distinção básica entre a sentença considerada como trâmite e a sentença considerada como acto, importa tratar agora do problema relacionado com as decisões-surpresa e com a sua correcta solução jurídica. A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC? Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer. A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar. Note-se que, como se tem vindo a repetir neste Blog, esta solução é a única que é compatível com a impugnação da decisão-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisão, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma não poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo.[…] Uma última observação: é preciso ler com muito cuidado toda e qualquer doutrina e toda e qualquer jurisprudência que se tenha pronunciado sobre o problema antes de ter surgido no panorama legislativo português a temática da decisão-surpresa. Efectivamente, não se pode dizer que já antes não houvesse casos que, agora, seriam enquadráveis na decisão-surpresa. O que faltava na altura era a visão de que a decisão-surpresa constitui, em si mesma, um vício processual autónomo e próprio.”
Deste breve excurso decorre, pois que a inobservância do princípio do contraditório subjacente à prolação de uma decisão surpresa pode ser enquadrada de dois modos diversos:
- como nulidade processual (secundária), nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do CPC – vd., entre outros, os acs. RP 27-01-2015 (M. Pinto dos Santos), p. 1378/14.4TBMAI.P1; RG 19-04-2018 (Eugénia Cunha), p. 533/04.0TMBRG-K.G1; RP 02-12-2019 (Eugénia Cunha), p. 14227/19.8T8PRT.P1; e STJ 13-01-2005 (Araújo de Barros), p. 04B4031;
ou
- como nulidade da sentença, decorrente de excesso de pronúncia, nos termos previstos no art. 615º, nº 1, al. d) do mesmo código – vd. acs.; STJ 13-10-2020 (António Magalhães), p. 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1;
Pela nossa parte, aderimos resolutamente à primeira tese, por duas razões:
- Em primeiro lugar, porque a origem e causa do vício – a violação do princípio do contraditório – se situa a montante da decisão recorrida – a sentença, embora só se revele com a prolação desta;
- E em segundo lugar porque o regime da nulidade da sentença não justifica, a nosso ver, e de forma suficiente, a eventual reposição da tramitação do processo em momento anterior à prolação daquela. Com efeito, do disposto no art. 665º do CPC resulta que declarando nula a sentença, o Tribunal da Relação substitui-se à primeira instância na decisão da causa. Ora, a anulação dos efeitos de uma decisão surpresa pode implicar que o processo recue até um momento processual anterior à fase do julgamento. Tal é o que sucede quando a decisão surpresa é um despacho saneador-sentença, em que tal operação pode implicar que o processo deva ser retomado com a realização de uma audiência prévia, a fim de, em tal diligência, ser exercido o direito ao contraditório, para de seguida ser proferido despacho saneador e eventualmente delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e, só posteriormente, vir a ter lugar a audiência final. Como não descortinamos no regime das nulidades da sentença, fundamento legal para justificar a reposição do processo em momento anterior à fase do julgamento, cremos que o regime das nulidades secundarias é o que melhor se adequa ao tratamento do vício em análise. Neste sentido, cfr. os acs. deste coletivo de 04-06-2019, p. 214/16.1T8MFR.L1; 24-09-2019, p. 8333/16.8T8ALM.L1.L1; de 08-10-2019, p. 10371/18.7T8LSB.L1.
Analisemos então a questão à luz do disposto no art. 195º do CPC.
Estabelece este preceito que não se verificando os casos previstos nos números anteriores[16], “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No caso vertente é manifesto que a lei não prevê especificamente que a omissão da realização de audiência prévia seguida da prolação de despacho saneador-sentença sem que seja previamente concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e tomarem posição quanto às questões de Direito em discussão na causa, tal como resultam dos articulados constitua nulidade processual, pelo que só poderá estar em causa uma nulidade secundária.
Assim, serão requisitos da verificação de uma tal nulidade:
- a prática de ato que a lei não permita, ou a omissão de ato ou formalidade que a lei imponha;
- que tal ato ou omissão influa no exame ou decisão da causa
A este propósito haverá que recordar que em regra o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais não é o recurso para o tribunal da Relação, mas a arguição de nulidades perante o Tribunal recorrido[17].
Não obstante, caso a nulidade se revele por efeito de uma decisão recorrível, então o meio próprio para a impugnar será o recurso.
Com efeito, já em 1945 ensinava ALBERTO DOS REIS[18]:
“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Na mesma linha se pronunciou MANUEL DE ANDRADE[19]: “(...) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Também ANTUNES VARELA[20] dizia: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Finalmente argumentou ANSELMO DE CASTRO[21]: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, analisando questão semelhante àquela que se discute nos presentes autos, cfr. ac. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8].
No caso em apreço, a nulidade invocada surge coberta pelo despacho saneador-sentença recorrido, na medida em que este foi proferido sem ter sido precedido de qualquer decisão que anunciasse tal intenção.
No caso em apreço, o apelante considera que o despacho saneador-sentença constitui uma decisão surpresa, na medida em que o mesmo decidiu rejeitar o requerimento apresentado em 20-04-2021[22] e determinar o seu desentranhamento dos autos, sem que as partes tivessem tido a oportunidade de se pronunciar sobre tal questão.
Mais sustenta o apelante que caso soubesse que o Tribunal ponderava rejeitar aquele requerimento, não teria assentido a que o Tribunal decidisse a causa sem a realização da audiência prévia e da audiência final.
Na ótica do apelante, o despacho saneador-sentença apelado consubstancia uma decisão surpresa porquanto no momento em que se pronunciou sobre a sugerida dispensa daquelas audiências estava convencido de que o Tribunal a quo iria apreciar o mérito dos embargos ponderando também os argumentos invocados no requerimento cujo desentranhamento veio a determinar.
Vejamos então.
Como resulta do longo excurso constante do relatório, na parte final da contestação a embargada elencou um conjunto de despesas relativas ao filho Augusto que totalizam € 46.489,425, valor este claramente superior ao indicado no requerimento executivo (vd. arts. 105º e 106º do mencionado articulado).
Notificado da contestação, o embargante e ora apelante apresentou um requerimento[23], no qual:
- Reiterou o entendimento de que se verifica o vício da falta de título executivo, manifestou não dispor de recursos financeiros para suportar as despesas reclamadas, e requereu a junção de uma série de documentos – ponto II., arts. 10. a 85;
- Pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da “ampliação do pedido exequendo” – ponto III., arts, 86. a 99.
Para justificar a apresentação de tal requerimento, o embargante invocou expressamente o disposto no art. 3º, nº 3 do CPC – vd. 1º parágrafo do requerimento em questão.
Afigura-se inegável que a tramitação ordinária dos embargos de executado apenas comporta dois articulados.
Contudo, a dedução de um pedido de ampliação do pedido exequendo, manifestada na contestação configura um ato processual que a lei não admite, e nessa medida configura uma irregularidade processual que o embargante tinha o direito de invocar.
Por outro lado, não tendo ainda tido lugar a audiência final, assistia ao embargante o direito de juntar documentos, nos termos previstos no art. 423º, nº 2 do CPC.
Neste contexto, verifica-se que pelo menos na parte em que invocou a inadmissibilidade da pretendida ampliação do pedido exequendo e requereu a junção de documentos, o requerimento do embargante subsequente à contestação não podia ser considerado inadmissível.
É certo que poderia o mesmo requerimento ser considerado inadmissível, na parte em que exorbitasse dos limites do exercício do direito ao contraditório.
Neste particular entendeu o Tribunal a quo que “a alegada situação de impossibilidade económica do embargante para comparticipar nas despesas do filho a ser entendida como relevante deveria ter sido invocada em momento prévio (isto é, na petição de embargos), até porque, segundo se deixa escrito na peça processual sub iudice não é uma situação nova (cfr. artigo 27º)”.
Não obstante, verifica-se que já no art. 34º da petição de embargos tinha o apelante invocado ter oportunamente comunicado à embargada que as despesas decorrentes ao curso frequentado pelo filho representavam um custo excessivo e exorbitante, e que “não tenho dinheiro para isso”.
Isso mesmo é reafirmado no art. 39º do mesmo articulado, no qual o embargante afirmou: “nem mesmo o embargante tem capacidade financeira para suportar tais despesas”.
Nesta conformidade, a questão da capacidade financeira do embargante, ou a falta dela, não constitui, de modo algum uma questão nova, que o mesmo apenas invocou no requerimento cujo desentranhamento o Tribunal determinou.
Aliás, essa questão é essencial para a operação de liquidação dos créditos invocados pela exequente, pois só assim se poderá aferir se as mesmas não têm caráter exorbitante.
Note-se que, como já referimos, interessa à embargada alegar os factos subjacentes à operação de liquidação, e que o Tribunal a quo está vinculado a um dever de indagação oficiosa nos termos previstos no art. 360º, nº 4 do CPC, aplicável ex vi do art. 716º, nº 4 do CPC.
Tal significa que no contexto da presente causa cabia ao Tribunal a quo averiguar, se necessário ex officio, da situação financeira do embargante, maxime dos seus rendimentos e despesas.
Seja como for, ainda que assim se não entendesse, sempre se deveria considerar que a consequência do vício apontado pelo Tribunal a quo não poderia ser o desentranhamento do requerimento do embargante, mas tão só a ineficácia do mesmo quanto à parte afetada. O que se alcançaria declarando não escritos os arts. do mesmo requerimento que se considerassem ter exorbitado daqueles limites.
Por outro lado, tendo manifestado o entendimento de que poderia proferir decisão final imediatamente após os articulados, sem informar as partes da possibilidade de vir a decidir no sentido da inadmissibilidade quer da ampliação do pedido exequendo, quer do requerimento do embargante, o Tribunal veiculou uma mensagem suscetível de ser interpretada no sentido de que iria conhecer do mérito da causa considerando os argumentos invocados pelo embargante no já mencionado articulado.
Como refere o embargante, caso tivesse sido informado da possibilidade de ser determinado o desentranhamento deste articulado, poderia ter optado por não aceitar a sugestão do Tribunal no sentido da imediata decisão da causa, sem a realização da audiência prévia, e sem a realização da audiência de julgamento.
Importa também considerar se no caso em apreço se justificava a preterição da realização da audiência prévia e da audiência final.
Fá-lo-emos seguindo muito de perto a argumentação expendida a propósito da audiência prévia nos acs. deste Tribunal e Secção, de 14-05-2019 (José Capacete), proc. 3078/17.4T8LRS.L2, que o ora relator subscreveu na qualidade de adjunto e ao que se sabe ainda inédito, e RL 04-06-2019 deste mesmo coletivo, p. 214/16.1T8MFR.L1-7.
Como é sabido, a modelação da audiência prévia é produto da reforma do processo civil que culminou com a publicação da Lei nº 41/2013, de 26-06, que aprovou o CPC2013.
Lê-se na exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII, que veio a dar origem à referida Lei, que “(...) como medidas essenciais prevê-se a criação de um novo paradigma para a ação declarativa e para a ação executiva, a consagração de novas regras de gestão e de tramitação processual, nomeadamente a obrigatoriedade da realização da audiência preliminar tendo em vista a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova”.
No mesmo documento se afirma que “a audiência prévia é, por princípio, obrigatória porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela improcedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
(...)
Numa perspetiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia. Nessa hipótese, o juiz proferirá despacho saneador, proferirá despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, programando e agendando ainda os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração. Notificadas as partes, se algumas delas pretender reclamar do que foi decretado pelo juiz (exceção feito ao despacho saneador, cuja impugnação haverá de ser feita por via de recurso, nos termos gerais), o meio próprio é requerer a realização da audiência prévia destinada a tratar dos pontos sob reclamação».
Estas ideias mereceram acolhimento nos artigos 591º a 593º do CPC (aplicáveis aos embargos de executado ex vi do art. 732º, nº 2 do CPC), que no que releva para a apreciação da questão em análise dispõem o seguinte:
art. 591º 1-Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a)-Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º; b)-Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c)-Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d)-Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e)-Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f)-Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g)-Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
art. 592.º
1- A audiência prévia não se realiza: a)-Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b)-Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
art. 593.º 1-Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
No caso vertente não releva o art. 597º, uma vez que o valor da presente causa é superior a metade da alçada da Relação.
Ora, como se afere das disposições legais citadas, caso pretenda conhecer imediatamente, em sede de despacho saneador do mérito da causa, deve o juiz convocar audiência prévia, sendo-lhe vedado, sem prévia consulta e assentimento das partes, dispensar aquela diligência.
Com efeito, interpretando tais disposições legais dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[24]:
“Do confronto dos art. 591º, nº 1, 592º, nº 1, 593º e 597 resulta claro que a tramitação de uma ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação (…) incluirá, em curso normal, uma audiência prévia, regra que apenas comporta duas exceções tipificadas: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nos casos indicados no art. 592º, nº 1; quando o juiz dispense a realização da audiência, ao abrigo do art. 593º, nº 1. Com tais ressalvas, a audiência previa é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade (…)”.
“o cotejo dos arts. 591.º, n.º 1, al. b), 592.º, n.º 1, al. b) (“havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória”) e 593.º, n.º 1 (“nas ações que hajam de prosseguir”) mostra bem o relevo que o legislador atribui à audiência prévia enquanto espaço privilegiado para a garantia das partes, em função da natureza (formal ou material) das decisões a tomar no despacho saneador e do impacto dessas decisões na própria causa.
Se o juiz projetar conhecer apenas de uma exceção dilatória no despacho saneador, julgando-a procedente e absolvendo o réu da instância, poderá dispensar a audiência prévia, desde que tal exceção tenha sido debatida nos articulados, aplicando-se o art. 592.º, n.º 1, al. b).
Sempre que projete conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma exceção perentória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art. 591.º, n.º 1, al. b).
Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo, no sentido de que as ações declarativas não incluídas na previsão do art. 597.º não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto de uma audiência prévia”.
Com efeito, resulta claramente do disposto no nº 1 art. 593º que a dispensa de audiência prévia só é admissível quando esta se destine aos fins previstos nas als. d), e) e f) do art. 591º, ou seja, quando se destine à prolação de despacho saneador (stricto sensu), fazer operar a adequação formal, e proferir despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, bem como, se for o caso disso, decidir de reclamações que as partes entendam deduzir.
Poder-se-ia objetar que a circunstância de a citada norma remeter para a al. d) do nº 1 do art. 591º e este referir o nº 1 art. 595º, e não apenas a al. a) deste último abriria espaço para que se considere que aquela remissão abrange igualmente a al. b) deste último preceito, que rege o despacho saneador-sentença.
Essa dificuldade interpretativa foi enfatizada por J. H. DELGADO DE CARVALHO[25].
Cremos, contudo, que essa interpretação colidiria frontalmente com a circunstância de o nº 1 do art. 593º não conter nenhuma referência à al. b) do nº 1 do art. 591º, bem como porque do nº 2 do art. 593º resulta de forma clara que nos casos de dispensa de audiência prévia a ação prossegue com vista à realização da audiência final.
Na verdade, como bem refere RUI PINTO[26], «no que ao problema tange, há que ir às als. b) e d) do n.º 1 do artigo 591.°: verificada a necessidade de ambos os fins eles são interdependentes. Assim, “faculta-se às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa" e depois profere-se o competente despacho saneador julgando as exceções e/ou do mérito. Portanto, não se discute as exceções dilatórias e o mérito sem que a seguir não se julgue em saneador; não se julga em saneador sem discutir. Trata-se, pois, de um saneador que termina a causa por absolvição da instância ou que conhece do mérito (total ou parcialmente), nos termos das duas alíneas do n.º 1 do presente artigo.
A ratio subjacente é a de que o tribunal que está em condições de pôr termo à causa (seja por procedência de exceção dilatória, seja por julgamento integral do mérito) ou de, sem pôr termo à causa, conhecer do mérito parcial (julgamento de um pedido cumulado contra uma mesma parte ou de uma exceção perentória) deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, cumprindo o artigo 591.º n.º 1 al. b) (salvo se, porventura, se tratar de exceção dilatória insanável conhecida oficiosamente e que, por evidente, dispense discussão, ou em certos casos de factos a provar por documento (...). Trata-se, afinal, da mesma faculdade que as partes teriam se o processo prosseguisse até à audiência final ao abrigo do artigo 604.º n.º 3 al. e).
Visa-se, deste modo, garantir o contraditório e evitar, como efeito secundário uma decisão-surpresa, em conformidade com o artigo 20.º n.º 4 CRP e o artigo 3.º n. 3”
Também PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LOUREIRO[27] referem que “a audiência prévia é de realização necessária, com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer parcialmente do mérito da causa (art. 591.º, n.º 1, al. b)), se a questão parcelar não tiver sido discutida nos articulados. O conhecimento da totalidade do mérito da causa não é de considerar, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”.
A audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione de todo o mérito da causa e a questão não tiver sido debatida nos articulados, o que vale dizer que pode ser dispensada no caso oposto (art. 547.º). Esta decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes (art. 3.º, n.º 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.
Note-se que a al. b) do n.º 1 do art. 591.º não prevê a realização da audiência [prévia] para o juiz decidir o mérito da causa. Este fim decisório vem, sim, previsto na al. d) do mesmo número – veja-se, ainda, o art. 595.º, n.º 1, al. b)). O fim contido na al. b) visa, sim, assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, o qual poderá se garantido mos termos acima referidos”.
Assim, sempre que o tribunal considerar que é de proferir de imediato decisão que ponha termo à causa deve ter lugar a audiência prévia para o fim previsto no art. 591.º, n.º 1, al. b).
Daí que, como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[28], a prolação de despacho saneador-sentença em desrespeito pelas referidas disposições legais configura uma nulidade por se resultar da omissão de um ato processual (a audiência prévia) suscetível de influir no exame e na decisão da causa, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC.
Neste sentido cfr. acs. RL 13-11-2014 (Ana de Azeredo Coelho), p. 673/03.2TYLSB.L1-6; RE 10-05-2018 (Mata Ribeiro), p. 2239/15.5T8ENT-A.E1; RE 24-05-2018 (Tomé Ramião), p. 10442/15.1T8STB-A.E1; RG 17-01-2019 (José Cravo), p. 4833/15.5T8GMR-A.G3.
Aqui chegados, cumpre reconhecer que também se afigura plausível uma via interpretativa que ressalvadas certas condições permita a dispensa da audiência prévia mesmo em casos em que o Tribunal entenda que o estado da causa admite e justifica a prolação de despacho saneador-sentença.
Na verdade, como salienta MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[29], “O que importa assegurar é que a tramitação alternativa continue a garantir um processo equitativo, pelo que há que determinar qual é o standard mínimo que resulta da tramitação legal e que deve ser respeitado em qualquer procedimento alternativo definido pelo juiz. Nesta perspectiva, pode dizer-se que em qualquer tramitação tem de estar assegurada a possibilidade de as partes alegarem as suas razões de facto e de direito e de realizarem a prova dos factos controvertidos, bem como a oportunidade de o tribunal se pronunciar tanto sobre a matéria de facto, como sobre a de direito e, quanto a esta última, quer numa perspectiva processual, quer numa óptica substantiva. Respeitado este standard mínimo, toda a tramitação determinada pelo juiz está em condições de ser válida.”
Assim, alvitra JH DELGADO de CARVALHO[30] que é possível compatibilizar a regra de que a decisão antecipada da causa deve ter lugar na audiência prévia com a admissão de exceções, fruto da adequação formal.
Como sustenta este autor, “deve ser permitido que o juiz, quando pretenda conhecer imediatamente de questão substancial que põe termo ao processo, possa ouvir as partes para que estas influenciem a sua decisão, em lugar de ter de convocar a audiência prévia nos termos do art. 591.º, n.º 1, al. b), 2.ª parte, e 593.º, n.º 1, a contrario sensu; mas, em contrapartida, o juiz deverá prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes (cf. art. 3.º, n.º 3).
Sendo assim, quando o juiz pretenda, no despacho saneador, conhecer imediatamente de questão substancial que põe termo ao processo, as partes podem ser notificadas para habilitarem o juiz a conhecer do mérito da causa, de modo a influenciarem a sua decisão. A notificação das partes, com a finalidade de estas poderem influenciar o juiz na discussão do mérito da causa, dispensa a realização da audiência prévia, se as partes concordarem com essa dispensa.
A dispensa da audiência prévia, para garantia da equidade processual e a igualdade das partes, fica, contudo, dependente de o juiz prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes, como decorrência da boa-fé processual e da recíproca cooperação entre as partes e o juiz. A comunicação da visão perspetivada pelo juiz é também importante para permitir confirmar ou infirmar a existência de condições para, sem mais provas, o juiz poder conhecer do mérito da causa.
Este procedimento é, indiscutivelmente, uma boa técnica de agilização e simplificação processual, como instrumento de organização de todo o serviço do juiz, e evitaria a deslocação das partes e seus mandatários ao tribunal apenas para a realização, a maior parte das vezes, das alegações finais.
Um dos princípios estruturantes do processo civil é o de que tem de haver contraditório em relação a tudo quanto possa constituir uma decisão surpresa, seja uma questão de facto, seja uma questão de direito. O contraditório, para ser autêntico e efetivo, não se reporta apenas aos factos alegados pelas partes e às posições por estas assumidas; também abrange a identificação das normas que o juiz entende aplicar e a interpretação que delas venha a fazer, dado que a sentença – precedida ou não do julgamento da matéria de facto – deve ser uma peça previsível para as partes, quer no domínio dos factos que devam ser considerados nessa decisão pelo tribunal, quer no domínio do direito aplicável.
Nesta senda, é de considerar uma decisão surpresa, não tanto a aplicação de uma norma que não foi equacionada pelas partes, mas antes o enquadramento jurídico da pretensão que não é previsível, face à evolução da doutrina e da jurisprudência e, sobretudo, do que foi invocado e debatido pelas partes na fase dos articulados. De igual modo, constitui uma decisão surpresa a interpretação de uma norma que, mesmo que haja sido considerada pelas partes, não é usualmente seguida pela doutrina ou pela jurisprudência, nem essa interpretação foi assumida pelas partes nos articulados.
É que embora seja livre de aplicar e interpretar o direito (cf. art. 5.º, n.º 3), não estando sujeito nessa tarefa de indagação às alegações das partes – podendo, por isso, decidir num sentido que não foi pedido pelas partes –, o juiz não pode adotar uma solução jurídica para a resolução do caso concreto em apreciação, ainda que juridicamente possível – ou seja, situada dentro do quadro geral e abstratamente permitido pela lei –, que seja diferente das correntes maioritárias na doutrina e na jurisprudência sem que previamente tenha ouvido as partes, e lhes haja transmitido qual é a sua posição sobre a questão em litígio e como pensa dirimir essa questão.
Só com este sentido o n.º 3 do art. 3.º garante um efetivo e autêntico contraditório e, nessa medida, assegura a igualdade das partes, pois é sabido que nem sempre estas dispõem, por quem lhes presta assistência jurídica, de igual qualidade técnica.
Isto significa, por seu turno, que já não viola o contraditório, por não constituir uma decisão surpresa, a decisão que não vai ao encontro da suposição que as partes houverem feito ou da expetativa que elas possam ter acalentado, quer quanto às questões de facto, quer quanto às questões de direito.
Noutras palavras, os fundamentos de direito da decisão não só devem estar ínsitos ou relacionados com o pedido que é formulado como também devem de antemão ser conhecidos ou perspetivados pelas partes como sendo fortemente possíveis. A ausência de uma probabilidade forte justifica a audição das partes, nos termos do n.º 3 do art. 3.º, antes de o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa. As partes só têm a obrigação de prever a solução do juiz se ela corresponder a uma das diversas soluções plausíveis da questão de direito; já não quando se traduz numa inflexão relevante da qualificação jurídica maioritariamente perfilhada na doutrina e na jurisprudência, sem correspondência no enquadramento assumido e discutido nos articulados”.
Esta abertura a soluções de maior flexibilidade interpretativa que com respeito do princípio do contraditório, proporcionem espaço para adequação formal (arts. 6º e 547º do CPC), e possibilitem a dispensa da audiência prévia também nas situações em que o processo deva terminar mediante a prolação de despacho saneador, maxime com despacho saneador-sentença foi igualmente acolhida nos acs. RL 05-05-2015 (Cristina Coelho), p. 1386/13.2TBALQ.L1-7; RP 24-09-2015 (Judite Pires), p. 128/14.0T8PVZ.P1; RL 08-02-2018 (Cristina Neves), p. 3054-17.7T8LSB-A.L1-6; e 11-12-2018 (Arlindo Crua), p. 103/16.0T8OER-A.L1-2, RL 16-10-2018 (Ana Rodrigues da Silva), p. 1713/16.0T8CSC.L1, e RL 14-05-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 2172/18.9T8ALM.L1[31].
Uma tal adequação do processado deve, contudo, respeitar de forma escrupulosa o princípio do contraditório, e a obter a prévia e esclarecida anuência das partes. Assim, reiteramos o entendimento manifestado no já citado ac. deste Tribunal de 14-05-2018, no sentido de que:
“i)-a audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir não tiverem sido debatidas nos articulados; ii)-a audiência pode ser dispensada quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir já se mostrem debatidas nos articulados; iii)-nada obsta a que, com vista à dispensa da audiência prévia, tencionando o juiz conhecer de todo o mérito da causa, e não se encontrando as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir suficientemente debatidas nos articulados, o juiz notifique as partes para, por escrito, se pronunciarem sobre aquelas razões; iv)-tanto no caso referido em ii), como no caso referido em iii), o juiz deve, no entanto, em cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 3:
a)- consultar as partes, nos termos do art. 3.º, n.º 3, no sentido de indagar se se opõem à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual;
b)- o juiz deve prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes;
v) no caso de alguma das partes não concordar com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deve obrigatoriamente realizar-se.”
No caso que nos ocupa, é manifesto que as condições acima enunciadas para a dispensa da audiência prévia com vista à prolação de despacho saneador-sentença não foram cumpridas na medida em que, como já se referiu, o Tribunal a quo não informou as partes da possibilidade de vir a rejeitar o requerimento do embargante subsequente à contestação.
Aqui chegados cumpre ainda apreciar se no caso dos autos poderia, de todo, ser proferido despacho saneador-sentença.
Com efeito, estabelece o art. 595º, nº 1, do CPC que o despacho saneador se destina conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais invocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso (al a)), bem como a “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas”.
Interpretando este preceito, a jurisprudência dominante tem entendido que sempre que a solução da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis, dependa de factos que ainda não se acham assentes, de acordo com as regras de direito probatório material, não pode ser prolatado despacho saneador-sentença.
Porém, não ignoramos que em sentido diverso se pronunciaram ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[33], para quem “nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação de mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na ampliação da matéria de facto (…).”
Este parece ser igualmente o entendimento de LEBRE DE FREITAS[34].
Não obstante, no caso em apreço em caso algum se deveria concluir que os autos continham os elementos suficientes para a prolação de decisão final.
Com efeito, e como se alcança da leitura da petição de embargos, o embargante impugnou os factos alegados pela embargada no que toca às despesas invocadas, tendo também invocado a força probatória de vários dos documentos juntos com o requerimento executivo para sustentar a liquidação proposta no requerimento executivo (cfr. por ex., os arts. 22º, e 50º e segs. da petição de embargos).
Ora, como os documentos em questão não têm valor probatório pleno, e ambas as partes arrolaram testemunhas, não descortinamos fundamento que sustente a possibilidade de o Tribunal a quo formar convicção apenas sustentado em tais documentos.
É que no contexto do incidente de liquidação em apreço o Tribunal a quo era chamado a apurar, desde logo:
-A que despesas em concreto se reporta cada um dos documentos juntos;
-Quais os concretos factos que permitem concluir que tais despesas são extraordinárias, e se reportam à satisfação de necessidades de saúde e educação do filho do embargante e da embargada;
-Quais os concretos factos que permitem concluir que tais despesas são compatíveis com a situação financeira do embargante (o que implica a indagação da mesma situação).
Tudo isto, tendo em conta que o Direito material aplicável é o Direito italiano, e que neste contexto, o conceito de despesas extraordinárias tem sido objeto de especial densificação quer na doutrina, quer na jurisprudência[35].
Donde se conclui que no caso dos autos não podia a causa ter sido decidida no despacho saneador, o que implica que a sua tramitação seja orientada no sentido de a factualidade controvertida ser dirimida mediante a prova que vier a ser produzida em audiência final.
Nesta conformidade, concluímos que a omissão da realização da audiência prévia, seguida da prolação de despacho saneador-sentença, nos termos em que ocorreu, com manifesta preterição do princípio do contraditório, constituindo uma verdadeira decisão-surpresa, configura violação do disposto nos arts. 3º, nº 3, 591º, nº 1, al. b), e 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b), e 596º, todos do CPC e que tal infração influiu no exame e decisão da causa, pelo que constitui nulidade nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do mesmo Código.
Tal nulidade tem como consequência a anulação da decisão recorrida, quer no que diz respeito aos segmentos decisórios intitulados “da ampliação do pedido” e “do articulado de resposta do embargado”, quer na parte em que conhece do mérito dos embargos, devendo ser proferido novo despacho, que determine a realização da audiência prévia (art. 591º, nº 1º do CPC, ex vi do art. 732º, nº 2 do mesmo código), com as finalidades previstas nos arts. 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b), e 596º, todos do CPC, incluindo a especial ponderação da necessidade de o embargante prestar esclarecimentos acerca da sua situação financeira, ao abrigo do disposto no art. 591º, nº 1, al. c) do CPC.
3.2.3- Da impugnação da decisão sobre matéria de facto e da falta de título executivo
Face ao exposto no ponto que antecede, fica prejudicada a apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto e da questão relacionada com a alegada falta de título executivo – art. 608º, nº 2, 2ª proposição, do CPC, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo código.
3.2.4.- Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
No caso em apreço, face à procedência da presente apelação, e tendo a apelada pugnado pela confirmação da decisão apelada, as custas deverão ficar a cargo desta.
4.–Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação procedente e, em consequência, anular a decisão recorrida, quer no que diz respeito aos segmentos decisórios intitulados “da ampliação do pedido” e “do articulado de resposta do embargado”, quer na parte em que conhece do mérito dos embargos, devendo tal decisão ser substituída por despacho que determine a realização da audiência prévia (art. 591º, nº 1º do CPC, ex vi do art. 732º, nº 2 do mesmo código), com as finalidades previstas nos arts. 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b), e 596º, todos do CPC, incluindo a especial ponderação da necessidade de o embargante prestar esclarecimentos acerca da sua situação financeira, ao abrigo do disposto no art. 591º, nº 1, al. c) do CPC.
Custas pela apelada.
Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa (com declaração de voto, que segue)
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Votei a decisão por concordar com o entendimento de que, no caso, a omissão da realização da audiência prévia, seguida da prolação de despacho saneador-sentença, nos termos em que ocorreu, sem prévia informação às partes da possibilidade de vir a ser indeferida a ampliação do pedido exequendo e indeferido o requerimento do embargante, integra uma preterição do princípio do contraditório que pode ter influenciado a adesão à dispensa daquela audiência, no pressuposto de que tais argumentos seriam considerados.
Todavia, ao contrário da posição que fez vencimento (como referi no voto de vencida lavrado no acórdão proferido em 8-10-2019, no processo n.º 10371/18.7T8LSB.L1.L1-7, mencionado na decisão), entendo que essa omissão se comunicou à decisão proferida, de modo que tal fundamento de recurso reveste a natureza de arguição de uma nulidade daquela decisão, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC, sufragando os argumentos do Professor Miguel Teixeira de Sousa, aliás, amplamente reproduzidos no acórdão; se a violação do princípio do contraditório é a causa do vício consistente na decisão-surpresa, nenhum prurido decorre de a causa surgir em momento anterior ao efeito; nada impede que o reconhecimento de uma nulidade da sentença determine a regressão a fase processual anterior, pois o vício (violação do contraditório) terá de ser suprido; por sua vez, o retorno ao momento da realização de audiência prévia e eventual enunciação de temas de prova, justifica-se sempre que se detecte a necessidade de apuramento de factos controvertidos relevantes para a decisão da causa, pois o tribunal apenas pode conhecer do mérito desta, nos termos do art. 665º do CPC, se dispuser de todos os elementos necessários para o efeito.
Micaela Sousa
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[1]REfª 404129692, de 30-03-2021. [2]In III Jornadas de Direito da Família e da Criança - O direito e a prática forense, “Os Alimentos a Filhos Maiores em Sede De Tribunal”, de Carla Francisco, Juiz de Direito no Juízo de Família e Menores de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Centro de Estudo Judiciários e Ordem dos Advogados. [3]Refª 404686486, de 20-05-2021. [4]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 114-116. [5]Adiante designado pela sigla “CPC”. [6]Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116. [7]Cfr. a mesma sentença. [8]Adiante designado por “Regulamento”. [9]Divergimos, assim, do entendimento manifestado pelas partes e seguido pelo Tribunal a quo que, sem invocarem qualquer fundamento para a aplicação da Lei substantiva nacional, invocaram argumentos fundados no Código Civil português. [10]Arts. 978º e segs. do CPC. [11]Vd. SALVADOR DA COSTA, “Os incidentes da instância”, 10ª ed., Almedina, 2019, pp. 236-251. [12]Vd. último parágrafo da fundamentação da sentença exequenda. [13]Vd. dispositivo da mesma sentença [14]Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 4.ª Edição, Gestlegal, 2017, pp. 126-127. [15]“Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária” in Blog do IPPC, disponível no seguinte endereço: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html [16]Que regulam as matérias da nulidade de todo o processado decorrente da ineptidão da petição inicial – art. 186º; a falta de citação – arts. 187º a 190º; a nulidade da citação – art. 191º; o erro na forma de processo – art. 193º; e a falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória – art. 194º. [17]Podendo as partes recorrer da decisão que decidir o incidente de arguição de nulidades, se em função do valor da causa, essa decisão for recorrível – cfr. art. 629º do CPC. [18]”Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 507-508. Em sentido idêntico cfr. do mesmo autor, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1º, 3ª Ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 381. [19]“Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 183. [20]“Manual de processo civil”, Coimbra Editora, 2ª Ed., 1985, p. 393. [21]“Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, Almedina, 1982, p. 134. [22]Refª 29000551/ 38610976. [23]Refª 29000551/38610976, de 20-04-2021 (fls. 123 ss.). [24]“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 685 (nota 1.), e 691 (nota 2.) [25]“A fase da condensação no processo declarativo”, Quid Juris, 2015. [26]“Código de Processo Civil anotado”, Vol II, 2018, p. 116. [27]“Primeiras notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. I, Almedina, 2013, p. 494. [28]Ob. cit., p. 685. [29]“Apontamento sobre o fim da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, p. 6. Este estudo encontra-se disponível em https://www.academia.edu/5187428/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Apontamento_sobre_o_princípio_da_gestão_processual_no_novo_Código_de_Processo_Civil_10.2013_ [30]“A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual: para lá dos receios do legislador”, disponível em https://drive.google.com/file/d/0B_2uiKt1Gu35VzMyQU9IWmd6V1U/view. [31]Os dois últimos arestos citados foram relatados pela 1ª adjunta deste coletivo de juízes, e à data da prolação do presente acórdão não se mostravam publicados. [32]Apesar de o sumário deste aresto não conter qualquer referência à questão em apreço… [33]Ob. cit., p. 697. Vejam-se igualmente ABRANTES GERALDES, “Temas da reforma do processo civil“, II vol., Almedina, 1997, pp. 128-129; e PAULO PIMENTA, “Processo civil declarativo”, 2ª ed., almedina, 2018, p. 287. [34]“A ação declarativa comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., 2013, p. 2017, e nota de rodapé nº 20. [35]A título de exemplo, cfr. MARCELLA FERRARI, “L’assegno di mantenimento in favore dei figli”, disponível em https://www.altalex.com/guide/assegno-di-mantenimento-figli; e STUDIO CATALDI, “Spese straordinarie per i figli: il vademecum”, acessível em https://www.studiocataldi.it/articoli/15281-le-spese-straordinarie-per-i-figli-ecco-un-breve-vademecum.asp#ixzz7IL5ZGAZl. [36]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.