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CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PERDA DE VANTAGENS
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário
I - O instituto da perda de vantagens decorrentes da prática do crime em finalidades próprias como mecanismo eficaz de dissuasão da criminalidade que visa o lucro (evitando que a prática do crime se traduza nalgum benefício económico) II - A aplicação desse mecanismo não é eventual, facultativa ou sujeita a critérios de oportunidade III - Tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem (cfr. o art. 110.º, n.º 4, do Código Penal), mostrando-se irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social e que tal pedido haja sido julgado procedente. IV - Só em situações comprovadas e concretas de inutilidade (considerando que o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia), se poderá verificar uma específica e excecional subsidiariedade entre esses dois institutos (a perda de vantagens decorrente da prática do crime e a indemnização também decorrente dessa prática).
Texto Integral
Proc. nº 2769/16.1T9PRT.P1
Recurso Penal
Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 2
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I. Relatório
No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 2769/16.1T9PRT, corre termos pelo Juízo Local Criminal do Porto, AA…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, mediante a acusação do Ministério Público da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelos arts. 107.º e 105.º, nºs. 1, 2 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/1, de 5 de junho, tendo a final sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“PARTE CRIME
Julgo o despacho de pronúncia totalmente procedente, por totalmente provado e, em consequência:
A) Condeno o arguido AA… pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º e 105.º, nºs. 1, 2 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/01, de 05 de Junho, com referência ainda ao art. 5.º, n.ºs 2, 3 e 6 do Decreto-Lei n.º 103/80, atualmente art. 24.º, 38.º, 40.º a 43.º, 53.º, 61.º e 62.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança, aprovado pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 110/2009, de 16/09, que no seu art. 5.º, n.º 1, al. b) revogou o Decreto-Lei n.º 103/80 e arts. 3.º, 10.º, n.º 2 e 13.º do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08/06, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfaz o montante global de 1.920,00€ (mil novecentos e vinte euros).
B) Condeno o arguido no pagamento nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s. (nos termos do disposto nos art.ºs 513º e 514º do CPP e n.º5 do art.º8º do RCP e tabela anexa), reduzida a metade, atenta a confissão integral e sem reservas (art.º 344º, n.º2, do CPP).
PARTE CÍVEL
Julgo o pedido cível procedente por provado e, em consequência:
C) Condeno o demandado AA… a pagar ao Instituto da Segurança Social a quantia de 39.105,80 (trinta e nove mil cento e cinco euros e oitenta), acrescida de juros de mora, a contar, relativamente a cada uma das quantias supra descriminadas, do termo do respetivo prazo de pagamento voluntário, nos termos legais, até efetivo e integral pagamento.
D) Custas da parte cível a cargo do demandado. (art.º 527º do CPC
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E) Da perda de vantagens, requerida nos termos do art.º 111º do C.P.:
Não se declara a perda de vantagens a favor do Estado, face ao pedido de indemnização cível formulado e julgado procedente e por se considerar inútil face às dificuldades económicas do arguido.
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Notifique.
Deposite. […]”.
Inconformado com a decisão de improcedência do pedido de declaração de perda de vantagens a favor do Estado, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“1 - O Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 111º., nºs. 2, 3 e 4, do Código Penal, em sede de acusação, requereu, sem prejuízo dos direitos do lesado, a declaração da perda das vantagens obtidas pelo agente que praticou o facto ilícito típico, quantificando essa vantagem.
2 - O Tribunal a quo proferiu decisão condenatória optando, no entanto, por não declarar a perda da vantagem patrimonial, uma vez que o Instituto da Segurança Social formulou pedido de indemnização civil que foi julgado procedente e por ter sido considerado inútil face às dificuldades económicas do arguido.
3 - Sucede que a dedução de pedido de indemnização cível pelo lesado não impõe qualquer limite ao confisco das vantagens decorrente da prática de um facto ilícito típico.
4 - A perda da vantagem deverá ser sempre declarada, porque exclusivamente determinada por necessidades de prevenção do perigo da prática de novos crimes, imposta pelo ius puniendi do Estado, e visa impor uma ordenação dos bens adequada ao direito, restituindo a situação patrimonial do arguido às circunstâncias existentes em momento anterior ao da prática do facto antijurídico.
5 - Questão diversa é a que se prende, a posteriori, com a efetivação do ressarcimento do ofendido/lesado. Caso se declare perdida a vantagem do crime e paralelamente tenha havido vítima prejudicada pela prática do mesmo, a declaração de perda não terá eficácia prática se existir uma equivalência entre aquilo que vier a ser declarado perdido a favor do Estado, e aquilo que vier a reverter para a vítima do crime, através do pedido de indemnização apresentado ou da execução já instaurada, daí que os direitos da vítima sempre estejam salvaguardados.
6 - A declaração de perda das vantagens do crime nunca prejudica o direito indemnizatório do lesado/demandante, nem obriga o arguido ao pagamento sucessivo da mesma quantia.
7 - Donde, ao contrário do sustentado pelo tribunal recorrido na decisão em crise, não há qualquer conflito entre o instituto do confisco da vantagem do crime e os direitos patrimoniais do lesado, ou os direitos do próprio condenado.
8 - Atento o que precede, deveria ter sido declarada a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial decorrente da prática do facto ilícito típico, quantificada na acusação, sem prejuízo da satisfação dos interesses do lesado/demandante e de eventuais terceiros de boa-fé.
9 - Ao proferir decisão de sentido inverso, violou a douta decisão em crise o disposto nos arts. 111º., nºs. 2, 3 e 4, e 130º., nº. 2, do Código Penal.
Face ao exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogada nesta parte, a douta sentença recorrida e, substituída por outra que declare a perda da vantagem obtida pelo arguido com a prática do facto ilícito típico no montante de €39.105,80, pois só assim se fará JUSTIÇA.”.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo à posição do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se pelo provimento do recurso e consequente revogação parcial da sentença recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como única questão colocada à apreciação deste tribunal, a de saber se foi violado o disposto no art.º 110.º, n.ºs 1 a 4, do Código Penal, devendo ser decretada a perda da vantagem patrimonial obtida pelo arguido com a prática do crime.
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão proferida e o respetivo segmento alvo do presente recurso.
“II – FUNDAMENTAÇÃO
A – FACTOS PROVADOS:
1.A sociedade "BB…, Lda.”, com o NIPC ……… e com o NISS ……….. era uma sociedade por quotas, com sede na Rua …, n.º …, R/C, ….-… Porto, que tinha por objecto o salão de chá, pastelaria, confeitaria, charcutaria, snack-bar e similares e fabrico de pastelaria.
2. A gerência da sociedade "BB…, Lda.” encontrava-se, desde a sua constituição, em 26 de Maio de 1988, e até ao cancelamento da sua matrícula, em 14 de Junho de 2012, afeta ao arguido AA…, o qual exercia a gestão e administração daquela, tendo poderes para a vincular e sendo quem acompanhava a vida empresarial da sociedade, designadamente no seu relacionamento com a Segurança Social.
3. Como legal representante da sociedade era o arguido responsável pelo envio mensal aos Serviços da Segurança Social das folhas de remuneração pagas no mês anterior aos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, encontrando-se obrigado a deduzir dos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários os montantes por estes devidos, a título de contribuição para a Segurança Social, e a entregar neste organismo, até ao dia 15 do mês seguinte a que as contribuições respeitavam, as importâncias que a tal título lhes eram retidas e a partir de Janeiro de 2011, entre o dia 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.
4. Assim, o arguido, no âmbito da actividade da sociedade, procedeu à entrega das declarações de remunerações mensais, em que declarou os descontos que efectuou sobre as remunerações pagas aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários.
5. Porém, em obediência ao plano previamente traçado e decidido, em data não concretamente apurada, localizada em Janeiro de 2003, o arguido não entregou nos serviços da Segurança Social do Porto, o valor das cotizações relativas à aplicação da taxa de 11% e 9,3% sobre o valor dos salários pagos aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, no período de Janeiro de 2003 a Junho de 2004 e Setembro de 2004 a Junho de 2012, nos prazos legalmente estipulados, ou seja, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam e a partir de Janeiro de 2011, entre o dia 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias seguintes, nem nos 30 dias após ter sido notificado, nos termos e para o disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT
Concretizando conforme tabela que segue:
Cotizações 6. Tais quantias ascendem ao montante global de 39.105,80€ (trinta e nove mil cento e cinco euros e oitenta cêntimos).
7. Deste modo e ao longo do período referido, o arguido procedeu ao pagamento dos salários, deduzindo-lhes os montantes resultantes da aplicação da taxa de 11% e 9,3% sobre os mesmos, para efeitos de contribuições para a Segurança Social, montante esse no valor global de 39.105,80€, de que o arguido se apropriou, não o entregando na Segurança Social como estava legalmente obrigado e integrando-o no seu património e utilizando-o em proveito próprio e no interesse da sociedade “BB…, Lda.”.
8. O arguido causou o correspondente prejuízo patrimonial à Segurança Social.
9. O arguido, por si e enquanto representante da sociedade “BB…, Lda.”, atuou de forma livre e consciente, com a intenção concretizada de se apropriar, em proveito próprio e da sociedade “BB…, Lda.”, que geria, das quantias descontadas nos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários daquela, bem sabendo que recebidas tais quantias ficava na situação de fiel depositário desses valores que, assim, passavam a pertencer à Segurança Social, a quem estava legalmente obrigado a entregá-los, nos prazos previstos na lei.
10. O arguido atuou sempre no quadro de uma única resolução que o fez prosseguir a sua conduta durante os referidos períodos.
11. Ao atuar da forma descrita sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
12. O arguido já foi condenado nos autos de proc. comum singular n.º 8444/14.4TDPRT do JL Criminal – Juiz 4 – Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença de 15.12.2016, transitada em julgado em 27.01.2017, pela prática, em 05.06.2014, de um crime de injúria, na pena de 50 dias de multa à taxa de €5,00.
Provou-se ainda que:
13. Com apenas um ano foi viver para Moçambique com o agregado de origem composto pelos pais e sete descendentes, para trabalharem na agricultura, terrenos facultados pelo estado para exploração, não havendo registo de dificuldades económicas.
14. Frequentou o ensino em idade própria tendo obtido o 6º ano de escolaridade, optando, aos 13 anos, por passar a colaborar com os pais. Em 1978, na sequência das dificuldades vivenciadas em Moçambique, nomeadamente ao nível de segurança, regressou a Alfândega da Fé, de onde é natural, onde passou cerca de um ano a viver em casa do irmão mais velho, tendo laborado com este na construção civil. Optou então por se deslocar para o Porto, onde arrendou um quarto e passou a trabalhar na restauração, no Café CC…, de 1979 a 1983, tendo, entretanto, mudado na sequência de uma aliciante oferta salarial para o Restaurante DD…. Algum tempo depois contraiu matrimónio, tendo-se o casal deslocado para o Brasil, onde AA… tinha vários irmãos a viver e a cônjuge tinha igualmente familiares. Assim trabalhou num restaurante em sociedade com uma irmã, em Santos onde residiu até 1986. Aceitou a proposta de um outro familiar no Rio de Janeiro, passando a gerir uma série de padarias até 1994. Surge um período de instabilidade ao nível da segurança tendo sido assassinado um familiar, situação que motivou o seu regresso e do seu agregado, cônjuge e duas filhas, a Portugal. O arguido detinha, então, uma situação económica gratificante tendo-se estabelecido na cidade do Porto com a confeitaria EE….
15. AA…, após regressar do Brasil, adquiriu um andar de tipologia 3 na cidade da Maia. Anos mais tarde, com os problemas financeiros vivenciados e consequente ruptura económica, o andar acabou por ser penhorado e vendido. A partir de 2014, o casal passou a viver com a filha mais nova e companheiro desta no andar que estes tinham arrendado, na morada dos autos. Pouco tempo após, a filha e companheiro emigraram para a Bélgica, onde trabalham na restauração, tendo o arguido e cônjuge passado a viver sozinhos na habitação, sendo que a filha, de 31 anos, integra a mesma residência nos períodos em que permanece em Portugal, sendo esta quem assume todas as despesas da casa ao nível de renda, eletricidade e água.
16. O último emprego do arguido decorreu na confeitaria EE…, que o casal explorou durante vários anos, mencionando o elevado número de horas de trabalho inclusivamente aos fins-de-semana e reduzidos períodos de férias. Na sequência de problemas de liquidez da firma refere ter deixado de cumprir com alguns dos compromissos económicos, o que levou ao cancelamento da atividade e penhora da casa de habitação.
17. Na sequência de um problema grave de saúde, em 2009, o arguido passou a padecer de insuficiência renal crónica efetuando hemodiálise desde 2015, situação que o impossibilitou de trabalhar, acabando por obter a reforma. Neste contexto descreve uma situação económica restritiva, contando para a sua sobrevivência com o valor mensal de 307,00 € referente à reforma, acrescido de 282,57 € de ordenado líquido auferido pelo cônjuge do seu trabalho como cozinheira a meio tempo. O casal conta com a ajuda da filha mais nova que assume todos os gastos com o andar que habitam. Assim o auferido destina-se à alimentação e gastos pessoais, tendo apenas mencionado a quantia de aproximadamente 40 € mensais pela aquisição de medicação, já que, pese o elevado número de medicamentos que necessita diariamente para sobreviver, a maior parte são gratuitos.
18. O quotidiano de AA… está condicionado pelos tratamentos de hemodiálise, três manhãs por semana, sendo que nos períodos da tarde desses dias necessita de descansar. Quando lhe é permitido gosta de caminhar e estar em casa, colaborando nas tarefas domésticas. Mantém relacionamento privilegiado com o agregado constituído, cônjuge e as duas filhas, de 31 e 34 anos. Presentemente, tendo em conta a situação económica e de saúde, a vida social está mais condicionada, mantendo no entanto relacionamento cordial com a comunidade vicinal.
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B - FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa não resultaram quaisquer factos como não provados.”.
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O segmento da sentença recorrida alvo do recurso interposto pelo Ministério Público tem o seguinte teor:
“Da Perda da Vantagem Patrimonial.
Em sede de despacho de acusação, veio o Ministério Público requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111°, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal. Entretanto, o Instituto da Segurança Social, IP, como vimos, deduziu pedido de indemnização civil.
Nos termos do art.º 111º do Código Penal, "1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico. 4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor".
Com tal preceito legal pretende o legislador “anular os benefícios económicos decorrentes do crime, colocando o condenado na situação patrimonial que se encontrava à data da sua prática e, dessa forma, comprovando, perante ele e, sobretudo, perante a própria sociedade, que o crime não compensa”.
Como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do ofendido”.
Pese embora a perda das vantagens do crime esteja dependente da prática de um facto ilícito típico imputável a uma pessoa determinada, não se mostra imprescindível a existência de uma condenação.
Sendo certo que o confisco das vantagens do crime não pode prejudicar os direitos do lesado, “o confisco é transversal a todos os crimes, não dependendo da inexistência de lesados ou da impossibilidade destes fazerem valer os seus direitos (…) a perda das vantagens deverá ser sempre decretada, podendo servir para compensar os danos do lesado, comprovado nos processo ou, mesmo, fora dele.
No caso em apreço resultou apurado que o arguido praticou facto ilícito típico (Abuso de confiança contra a Segurança Social), com o qual obteve um benefício ilegítimo correspondente ao valor não entregue à Segurança Social, no montante global de 39.105,80€.
Entretanto, mais consta dos autos que o Instituto de Segurança Social deduziu o respetivo pedido de indemnização, o qual foi considerado procedente, sendo o demandado condenado no seu pagamento.
Não se nos oferecem dúvidas em face do disposto no n.º2, do artigo 111º do C.P que a vantagem adquirida (por recebimento de quantias recebidas, devidas, liquidadas e não entregues) é suscetível de ser declarada perdida a favor do Estado. Porém, há de ter-se em atenção a expressão utilizada pelo legislador “sem prejuízo dos direitos do ofendido” e integrar a expressão quer no âmbito da sua definição processual penal, quer na abrangência mais geral dos instrumentos internacionais que apelam ao confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime. Assim, em primeiro lugar, o ofendido, nos termos do artigo 68º, nº1, alínea a) do Código de Processo Penal, é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, posição que lhe confere legitimidade para se constituir como assistente. E lesado, nos termos do artigo 74º, nº1, do Código de Processo Penal, é a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime.
Diversas convenções internacionais que vinculam Portugal apelam ao confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime, como forma eficaz de o combater, mas também como forma de indemnizar as próprias vítimas.
Posto isto, como defende Figueiredo Dias, acresce que na normalidade das coisas, quando as vantagens do crime não vão além do prejuízo da vítima, e o lesado não prescinde da reparação apresentando o respetivo pedido, a providência não terá justificação.
Por sua vez, M. Simas Santos e M. Leal-Henriques ponderam “Pode deixar de ser declarada a perda a favor do Estado quando o ofendido ou terceiro tenha uma pretensão tutelada pelo direito civil ao património obtido pelo agente, já que a perda dos proventos ilicitamente obtidos deve servir também para restabelecer o direito do ofendido, não devendo, portanto, piorar a sua situação”. Ainda na ótica de Conde Correia, na problemática do confisco dos proventos do crime podem conflituar eventuais pretensões indemnizatórias do lesado, que pode ver-se na contingência de não fazer valer os seus direitos, e do outro lado, o arguido pode ser constrangido a «pagar» duas vezes.
Ressuma, portanto, do que deixamos exposto que a indemnização das vítimas do crime bem como a prevenção do mesmo, são as finalidades subjacentes ao instituto da perda dos instrumentos, produtos e vantagens do crime; e que a vantagem do crime pode deixar de ser declarada quando o ofendido possa ver restabelecido o seu direito de forma mais eficaz, ou menos onerosa, ou mais vantajosa, por outras vias legais. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do TRP de 07.12.201620.
Assim sendo, parece que a interpretação mais adequada ao pensamento legislativo quanto ao instituto da perda de bens a favor do Estado é que este perdimento deve comprimir-se quando em presença do instituto concorrente do pedido de indemnização pelo lesado e deve expandir-se quando este se desinteressa do seu património, perdido para o agente do crime. Neste sentido, o Acórdão do TRL de 07.11.201921.
Vertendo ao caso dos autos, partilhando o entendimento vertido no douto Acórdão do TRP de 30.04.201922, cremos inexistir razões para condenar o arguido na requerida perda de vantagens a favor do Estado, porquanto nos mesmos foi deduzido pedido de indemnização civil. De facto, e ainda que tal não inviabilize a declaração de perda de vantagens obtidas pelo arguido, a condenação do arguido nos termos pretendidos pelo Ministério Público poderia conduzir a uma dupla condenação. Acresce que igualmente se apurou que o mesmo não terá disponibilidade económica para proceder a tal pagamento, pelo que uma condenação nesse sentido se tornaria inútil. Pelos motivos expostos, improcede a perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Público.”.
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Apreciando os fundamentos do recurso.
Defende o Ministério Público / recorrente que o tribunal a quo, julgando improcedente o pedido de declaração de perda a favor do Estado da vantagem ilicitamente obtida pelo arguido, no valor de € 39.105,80, violou o disposto no artigo 110.º, n.ºs 1 a 4, do Código Penal, já que a lei impõe que a perda de vantagens seja sempre judicialmente decretada, independentemente de ser (ou não) formulado e julgado procedente pedido de indemnização civil.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art.º 110º, nº 1, alínea b), nº 3 e nº 4, do Código Penal, na versão da Lei nº 30/2017, de 30 de maio (de modo equivalente ao art.º 111º, nºs 2 e 4, do CP, na redação anterior):
“1 – São declarados perdidos a favor do Estado:
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
3 – A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 – Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no art. 112º-A”.
Como é salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/2/2019 (disponível em www.dgsi.pt e que aqui se seguirá de perto), a concretização das finalidades subjacentes ao confisco das vantagens do crime poderá erigir-se, brevemente, segundo uma lógica de confluência de dois vetores primaciais.
Primeiramente, à perda das vantagens deverá reconhecer-se, uma marcada finalidade preventiva. Como ensina Figueiredo Dias, “Nas vantagens (…) o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o “crime” não compensa». Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração). (…) necessidade de «aniquilamento do benefício patrimonial ilicitamente conseguido» e, consequentemente, de o Estado «não tolerar uma situação patrimonial antijurídica», operando a «restauração da ordenação dos bens correspondentes ao direito»”.
Num exercício em que se convocam as preponderantes finalidades preventivas e se relacionam os interesses em causa, João Conde Correia estabelece que “O património do condenado deve ser restituído à situação anterior ao seu cometimento, àquilo que ele teria se não o tivesse praticado. Só desta forma será possível, quer ao nível individual, quer ao nível coletivo, prevenir a prática de futuros crimes, impedindo a sua reprodução. O Estado não pode, ao mesmo tempo, proibir uma determinada conduta e permitir que o condenado dela beneficie.”
Na verdade, trata-se do único mecanismo eficaz e não ingénuo de dissuasão da criminalidade que visa o lucro, que é aquela que mais prejuízos inflige aos cidadãos (ainda que muitas vezes sem vítimas identificadas). Poderemos, assim, seguindo esta lógica identificar o segundo grupo de valores protegidos com a remoção das vantagens do crime através do confisco.
Como se refere a este respeito no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12 de agosto de 2015, “além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto”.
Também Euclides Dâmaso e José Luís Trindade reconhecem que o confisco das vantagens serve outros interesses para além das finalidades preventivas, que unanimemente lhe são reconhecidas. Afirmam estes autores que “vai-se cimentando a ideia que a perda ou confisco serve três objetivos:
- o de acentuar os intuitos de prevenção geral e especial, através da demonstração de que o crime não rende benefícios;
- o de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes, propiciando, pelo contrário, a sua aplicação na indemnização das vítimas e no apetrechamento das instituições de combate ao crime; e
- o de reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado, resultantes do investimento de lucros ilícitos nas atividades empresariais”.
Em concretização da necessidade de «restauração da ordem patrimonial» enquanto conjunto de valores protegidos, será ainda imprescindível acrescentar que as medidas ablativas das vantagens do crime visam, não só assegurar a sobrevivência do Estado de Direito, mas essencialmente proteger valores fundamentais de toda a comunidade.
O confisco produz um efeito dissuasivo, mediante o reforço da noção de que o crime não compensa.
Por outro lado, assinala-se que, ao contrário do que sucede no confisco dos instrumentos ou dos produtos, onde o fundamento do confisco radica nas características de um objeto concreto, já no caso das vantagens o que está em causa é um benefício económico, ou se preferirmos, um incremento patrimonial, pelo que, na restauração da situação económica existente antes da prática do crime, é absolutamente indiferente que o confisco opere por referência às vantagens diretas ou ao seu valor. Não existe no âmbito do confisco das vantagens qualquer racionalidade na distinção, para estes efeitos, entre o confisco dos ativos gerados diretamente pela prática do crime, ou o confisco do respetivo valor.
Assim, o confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes. Já no acórdão proferido no processo n.º 282/18.1T9PRD.P1[2] fizemos notar que o legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos – como claramente resulta do disposto no artigo 110.º do Código Penal, na redação introduzida com a Lei 30/2017, reproduzindo, no essencial, o disposto no art.º 111º do Código Penal, na versão anterior à entrada em vigor daquele diploma legal.
Portanto, não se atribui ao intérprete ou ao realizador do direito qualquer margem de discricionariedade na aplicação deste mecanismo ablativo. Como afirma João Conde Correia, “mesmo nos casos em que no confronto com a pena aplicada ele seja insignificante, implique a utilização de meios ou custos desproporcionados, torne muito difícil a obtenção da própria condenação ou seja óbvia a inexistência de bens confiscáveis, o Ministério Público e o juiz não podem prescindir da questão patrimonial e restringir o objeto do processo à questão penal. A adesão do confisco à sorte do processo penal é total, precludindo qualquer tipo de ponderação sobre a sua pertinência ou utilidade prática”.
Também este Tribunal da Relação do Porto vem decidindo, maioritariamente, na sua jurisprudência mais recente e à qual aderimos, relativamente à questão enunciada pelo recorrente que, no tocante à articulação entre a responsabilidade civil (ou fiscal) e perda de vantagens, o instituto da perda de vantagens marca sempre a sua autonomia.
Assim, e como é salientado no acórdão deste TRP, de 22/3/2017 [3], verificados os necessários pressupostos legais, a perda da vantagem decorrente da prática do crime terá de ser decretada sempre, “e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal – aliás, numa harmonia ontologicamente perfeita. Isto é, se efetivamente cobra o crédito a ela correlativo ou não, se o deixa ou não prescrever, se em relação a ele deixa ou não operar qualquer fundamento de oposição, etc. Porque a questão da determinação da perda de vantagens, conexionada que está diretamente com o crime praticado, e competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal, não pode ser deixada à sorte (abdicando o Tribunal de tal poder-dever de decisão, omissão que seria sempre irreversível), de uma futura e eventual reclamação dos valores que o Fisco pudesse entender serem devidos e ao sucesso que tal pretensão pudesse ter. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida.” [4].
Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança [5] e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal. E isto independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho), ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens [6] [7]. Só em situações comprovadas e concretas de inutilidade – pois, como se acentua no acórdão deste TRP, de 11/4/2019 [8], o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia - se poderá verificar uma específica e excecional subsidiariedade entre os dois institutos [9].
Algo que, porém, não sucede no caso concreto.
Deste modo, tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não podia o tribunal a quo deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem (cfr. o art. 110º, n.º 4, do CPP, na redação em vigor à data da prática dos factos), mostrando-se totalmente irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social e que tal pedido haja sido julgado procedente.
Procede, assim, o recurso do Ministério Público, impondo-se a consequente revogação parcial da sentença recorrida.
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III - Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, com a consequente revogação parcial da sentença recorrida, decretando-se a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial ilicitamente obtida pelo arguido com a prática do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, com a sua consequente condenação no pagamento ao Estado da quantia de € 39.105,80.
Não são devidas custas pelo recurso.
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente)
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Porto, 26 de janeiro de 2022.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
_____________ [1] Mantendo-se o texto original, nomeadamente quanto à respetiva ortografia. [2] Datado de 10/12/2019, publicado em www.dgsi.pt e com o seguinte sumário: VI - A vantagem do crime corresponde a um benefício e a eliminação de um benefício não está limitada a objetos certos e determinados. VII - O confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes, mas antes uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre que, por imperativo legal, com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos. VII - Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, tendo presente a sua natureza e finalidade (marcadamente preventivas) e o seu carácter sancionatório (análogo à da medida de segurança) e, para além disso, sendo obrigatório, o juiz não pode, na sentença penal, deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possam coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens. VIII - Tendo ficado demonstrado que a recorrente obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não podia o tribunal a quo deixar de a condenar, como condenou, no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem, mostrando-se totalmente irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social. [3] Relatado pelo Desembargador Francisco Mota Ribeiro e disponível para consulta em www.dgsi.pt. [4] Em sentido absolutamente idêntico, afirma-se no acórdão do TRP de 26/10/2017 (relatado pelo Desembargador Vítor Morgado), igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artº 111º CP, num crime de burla tributária, ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime”. Veja-se, ainda, os acórdãos deste TRP, de 11/4/2019 (Relator: Desembargador João Venade), de 24/10/2018 (Relator: Desembargador José Piedade), de 12/9/2018 (Relatora: Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa), de 25/9/2019 e de 12/7/2017 (Relator: Desembargador Jorge Langweg), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Na Relação de Guimarães, veja-se o recente acórdão relatado pela Desembargadora Isabel Cerqueira, datado de 14/1/2019, também disponível para consulta em www.dgsi.pt. [5] Como é salientado no acórdão do TRP, 22/3/2017, a autonomia entre os dois institutos afirma-se logo “num plano desde logo iminentemente substantivo, o facto de aquele assumir uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança e o outro apenas uma natureza fundamentalmente ressarcitória das perdas e danos sofridos pelo ofendido ou lesado com o comportamento ilícito típico.” [6] Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, página 142: «e se a vantagem obtida corresponder integralmente ao imposto em dívida? Parece-nos que mesmo neste caso o tribunal deve condenar na perda de vantagem correspondente, ainda que se entretanto tiver sido pago o imposto em dívida deva considerar não haver já lugar à condenação por essa vantagem pertencer ao Estado a título de imposto já cobrado. …». [7] Por condensar tudo o que vem de ser exposto, reproduz-se o sumário do acórdão deste TRP, de 25/9/2019 (relatado pelo Desembargador Jorge Langweg). I - O instituto da perda de vantagem do crime constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, com intuitos exclusivamente preventivos. II - Não é determinante da inviabilidade da sua efetivação a opção pela execução tributária ou a omissão de dedução de pedido de indemnização civil. III - Tanto a doutrina como a jurisprudência consideram que a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através da qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito. IV - A vontade do ofendido a propósito da obtenção do ressarcimento devido não pode afetar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa. V - A circunstância de o ofendido ser o próprio Estado, dotado de mecanismos de ressarcimento coercivo bem mais amplos que os concedidos aos particulares, não pode justificar solução diversa, sob pena de colocar em crise o ius imperium manifestado no aludido instrumento de política criminal e os fins preventivos do direito sancionatório. VI - Os mecanismos de cobrança coerciva à disposição do Estado/Autoridade Tributária não deixam de estar sujeitos a determinados requisitos e condicionalismos, não havendo uma absoluta garantia de concretização do ressarcimento. VII – Também eles não afastam a necessidade de fazer vingar os fins de prevenção prosseguidos pelo instituto de perda da vantagem patrimonial. [8] Relatado pelo Desembargador João Venade e disponível em www.dgsi.pt. [9] Cfr., no mesmo sentido, os acórdãos deste TRP de 22/3/2017 e de 26/10/2017.