Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INVENTÁRIO
HERANÇA
LEGADOS
LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA
FORMA DE PROCESSO
REDUÇÃO DE LIBERALIDADES
Sumário
1. Numa situação de herdeiro único de uma herança distribuída em legados: o inventário destina-se a relacionar bens e a servir de base a eventual liquidação da herança; esta liquidação contempla, em sentido amplo, a definição dos termos da imputação dos bens ao herdeiro único, depois de deduzidos dos legados - na totalidade, quando não ofenderem a legítima do herdeiro legitimário, ou reduzidos quando ofenderem a legítima do herdeiro legitimário (atendendo aos regimes: da liquidação da herança, isto é, da satisfação dos seus encargos nos termos do art.2097º do C. Civil; dos encargos globais pelos quais responde a herança, onde se integra o cumprimento dos legados nos termos da parte final do art.2068º do C. Civil; da redução dos legados por inoficiosidade, nos termos dos arts.2168º a 2178º do C. Civil). 2. A adequação da forma de processo afere-se face à pretensão concreta formulada na ação. Para a apreciação de uma pretensão de redução de liberalidades formulada de uma forma aberta e não determinada (com pedido de redução nos termos do art.2174º do C. Civil e sem qualquer concretização de efeitos pretendidos), numa situação juridicamente complexa (de multiplicidade de legatários, de legados, de bens integrados em cada legado) e dependente de determinação ulterior dos valores dos bens (não alegados individualmente e de forma certa e limitativa mas invocados de forma aproximada e com pedidos de avaliação): é adequada a forma especial de inventário para relacionamento de bens e liquidação da herança já instaurado (e atualmente sujeito ao referido regime do RJPI aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março), por este processo especial de interessados ser dotado de fases de maior flexibilidade para o apuramento da inoficiosidade e para a determinação dos seus efeitos (avaliação dos bens e aferição do valor da legítima e se os legados excedem o valor da mesma; no caso dos valores dos legados serem inoficiosos por afetarem a legítima, desencadeamento de processo de escolha e de imputações para redução dos legados e para preenchimento dos mesmos e da legítima).
Texto Integral
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:
ACÓRDÃO
I. Relatório:
Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por M. C. contra A. M. (1), M. I. (2), J. G. e M. M. (3), F. G. e A. V. (4) e Fundação X (5):
1. A autora: 1.1. Pediu o decretamento dos seguintes efeitos jurídicos:
«a) Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que a autora é a única e universal herdeira legitimária do falecido F. V..
b) Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que as deixas testamentárias são inoficiosas, por ofenderem a legítima da autora, devendo, consequentemente ser as mesmas reduzidas em tanto quanto for necessário para que a legítima da autora seja preenchida, nos termos do artigo 2174 do Código Civil.
c) Serem os réus condenados nas custas judiciais e demais encargos legais.» 1.2. Alegou, como fundamentos dos pedidos:
a) Que foi casada, em primeiras núpcias de ambos, com F. L., no regime da separação de bens; que no dia 17 de Março de 2018, na freguesia de …, no concelho de Viana do Castelo, faleceu o mencionado F. L., no estado de casado com a Autora, não tendo deixado descendentes e sendo os seus ascendentes já falecidos.
b) Que F. V. deixou testamento, lavrado no dia 24 de outubro de 2012, no Cartório Notarial da Sua S. A., aberto no dia 26 de março de 2018, no qual, e de acordo com aquela disposição de última vontade, deixou legados por conta da sua quota disponível a pessoas que não são herdeiros legitimários: b1) À 5ª ré legou:
__ A Casa da Quinta ..., composta pelos bens imóveis urbano e rústicos, inscritos nas matrizes sob os arts. … urbano, … rústico, … rústico, ... rústico, … rústico, … rústico, … rústico, ... urbano, … urbano, … urbano e … rústico da freguesia de ..., com um valor patrimonial tributário de € 377 794, 31 mas com valor real de mais de € 3 000 0000, 00.
__ O recheio da Casa …, que inclui «quadros, peças em prata, esculturas, louça da …, tapeçarias, lustres, mobiliário, livros e outras obras de arte, peças de arte sacra tais como imagens de santos, paramentaria, etc algumas delas seculares», que declara terem um valor superior a € 100 000, 00. b2) Ao 3º réu legou os bens móveis que discrimina (duas armas de caça e uma pistola de defesa calibre sete ponto sessenta e cinco ( 7.65) ….; o gumil e lavanda em prata; a cafeteira, em prata, com as armas da casa; os relógios de pulso e de bolso; o samovar russo, em casquinha, e dois samovares franceses; uma bandeja com duas pegas com as armadas do Conde da Foz; todas as jóias que pertenceram à mãe do testador; as jóias do testador; um faqueiro em espinha; objetos de uso pessoal), cujo valor declara desconhecer mas que entende que certamente rondará o valor de € 40 000, 00. b3) Aos 1º, 2º, 3º e 4º réus legou a raiz ou a nua propriedade da Quinta ..., inscrita nos arts.441º e 1772 da freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 2 189, 51 mas com um valor real de mais de € 1 000 000, 00 (prédio este que os réus colocaram à venda por € 1 200 000, 00).
c) Que o autor da herança deixou-lhe a si, sua mulher/aqui autora:
__ O usufruto dos prédios dos apartamentos denominados “…” “, a “…”, “…”, “…, “…”, “…” e de “…”, da parte rústica da Quinta ... e da Quinta ..., usufruto com valores que não sabe quantificar mas que corresponderão a 15% do valor dos bens, face à sua idade.
__ Os depósitos bancários, indicando que o falecido à data da morte tinha: «a) 1012 de acções X S.A no valor total de € €4.883,91 b) 21 obrigações Y Abril 2022 no valor total de €1.000,00 c) 23 obrigações Y Agosto 2022 no valor total de €1.000,00 d) 32 obrigações Y Agosto 2022 no valor total de €1.000,00 e) 20 obrigações Y Novembro 2022 no valor total de €1.000,00 f) 5300 acções BANCO ... no valor total de €1.473,4. g) 10 certificados N. 225 no valor total de €2.147,00 h) 110 certificados S. 50 BANCO ...I no valor total de €3.766,40 i) 140 Certificados sobre o SEP500 BANCO ...I no valor total de €3.851,40 j) 2700 Certificados … no valor global de €32.859,00 k) 80 Certificados … no valor global de €142,24 l) Uma conta de depósitos ordem n.º ……..19 BANCO ... com o montante de €12.718,29 m) Uma conta de depósitos ordem n.º …….. BANCO ... com o montante de €6.468,25 n) Uma conta de depósitos ordem n.º ….. BANCO ... com o montante de €692,08 o) Uma conta de depósitos ordem nº …….. BANCO ... com o montante de €3.532,23 p) Uma conta de depósitos ordem nº …… BANCO ... com o montante de €5.046,13 q) Uma conta de depósitos ordem nº …… BANCO ... com o montante de €2.004,10 r) Depósito à ordem no valor de €8.494,00 s) Depósito a prazo de €1.100,00 t) Depósito a prazo de €10.000,00».
d) Que não existem outros bens, pelo que as deixas testamentárias referidas em b) supra ofendem a sua legítima de ½ da herança, pelo que, consequentemente, são inoficiosas, impondo-se a sua redução em tanto quanto for necessário para que a referida legítima seja preenchida.
e) Que já deu início ao processo de inventário, que corre os seus termos no Cartório Notarial da Dra. S. A. sob o n.º .../18, por forma a proceder à partilha dos bens da herança.
f) Que é controvertido na Jurisprudência dos Tribunais Superiores se o processo de inventário, enquanto processo especial, é o meio processual adequado para a redução das liberalidades por inoficiosidade, nos casos em que aquelas foram realizadas a favor de herdeiros não legitimários, facto este que, por mera cautela de patrocínio e considerando o prazo de caducidade de dois anos previsto no artigo 2178º do Código Civil, motiva a Autora a recorrer à presente ação.
g) Que, nesta ação: pretende a avaliação de todos os bens da herança do de cujus, a avaliação do quantum da sua legítima e a avaliação da eventual necessidade da redução das liberalidades testamentárias feitas aos réus, nos termos do art.2174º do C. Civil; «e, desta forma, porque indubitavelmente a autora sabe que aquelas liberalidades ofendem a sua legítima, deverão as mesmas ser reduzidas em conformidade, nos termos do artigo 2174 do Código Civil, em tanto quanto for necessário para que a sua legítima seja preenchida.». 2. A 5ª Ré- Fundação X apresentou contestação, na qual: 2.1. Defendeu-se por exceção, invocando existir erro na forma do processo, por a pretensão de redução de liberalidades do de cujus F. L., nos termos do disposto no artigo 2178.º do Código Civil, dever ser deduzida no processo de inventário, alegando:
a) Que no âmbito do processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dra. S. A., sob o número .../18, foi proferido, no dia 22.04.2020, despacho no qual se apreciou a sua admissibilidade, referindo-se, face ao requerimento inicial: que o inventariado F. L. não tinha nem descendentes nem ascendentes vivos, sendo a sua mulher, Autora nestes autos, a sua única herdeira legitimária; que o inventariado apenas dispôs dos bens que integravam o seu património através de legados; que, à partida, a Autora não teria legitimidade para intentar o processo de inventário, uma vez que inexiste falta de acordo dos interessados, em virtude de existir apenas uma única herdeira legitimária (1), que não havia incapazes a tutelar (2), que não existem herdeiros em parte incerta ou com incapacidade de facto permanente (3); que, todavia, colocando-se a questão da eventual existência de disposições inoficiosas, o inventário deveria prosseguir os seus termos.
b) Que, atendendo ao teor deste despacho de 22.04.2020 do processo de inventário, bem como ao entendimento da doutrina e jurisprudência, a Autora deveria ter deduzido um incidente de redução de liberalidades por inoficiosidade naquele processo de inventário, ao invés de instaurar a presente ação declarativa comum.
c) Que este entendimento seguido pelo Cartório Notarial da Dra. S. A., no âmbito do processo de inventário, é também sufragado pela mais avalizada jurisprudência dos tribunais superiores, encontrando-se alicerçado na doutrina.
d) Que o erro na forma de processo em causa constituiu uma exceção dilatória que determina a invalidade de todo o processo e a subsequente absolvição da Ré Fundação X da instância. 2.2. Defendeu-se por impugnação, na qual impugnou factos (nos quais não se integra a alegação de instauração do processo de inventário). 3. Os 1º a 4ºs Réus A. M., M. I., J. G., M. M., F. G. e A. V. apresentaram contestação, na qual: 3.1. Defenderam-se por exceção, arguindo: 3.1.1. A ilegitimidade da Ré M. M., alegando que esta é casada em regime de separação de bens com o beneficiário das deixas testamentárias e pedindo que a mesma seja absolvida da instância. 3.1.2. A preterição do litisconsórcio necessário por não terem sido demandados todos os legatários, pedindo que os réus sejam absolvidos da instância. 3.1.3. O erro na forma de processo, tendo em conta:
a) Que a autora admitiu que instaurou um inventário para partilhar os bens da herança, processo este no qual a notária decidiu admitir o inventário apenas para se aferir da eventualidade de existência de disposições oficiosas.
b) Que o meio processual adequado para obter a redução das deixas testamentárias é o incidente do processo de inventário, pois: a ação declarativa de condenação é incompatível com o processo de inventário notarial e extrajudicial; enquanto não estiver definitivamente assente a relação de bens do processo de inventário, não será possível determinar o valor da quota disponível e aferir se a legítima foi afetada.
c) Que, padecendo a causa de um vício insanável, deve determinar-se a anulação de todo o processo e a absolvição dos réus da instância. 3.2. Impugnaram matéria alegada. 4. A Autora respondeu às matérias de exceção, declarando: 4.1. Em relação ao erro na forma do processo: que admite que a questão é controversa; que instaurou a ação declarativa sob a forma de processo comum por cautela de patrocínio, face ao prazo de caducidade em curso e para acautelar que os legatários se viessem a defender com o dever ter usado o processo comum para a redução das liberalidades; que, de qualquer forma, tem-se entendido maioritariamente nos tribunais superiores, em concreto no Tribunal da Relação de Guimarães, que o processo comum é o meio processual idóneo para decidir esta questão, uma vez que as liberalidades foram feitas a pessoas que não são herdeiros legitimários e que, ainda que o pedido de redução possa ser feito no inventário, nada impediria que fosse feito no processo comum. 4.2. Em relação à preterição de litisconsórcio necessário passivo: pediu a intervenção principal provocada passiva de 3 legatários. 4.3. Em relação à ilegitimidadepassiva da ré M. M.: aceitou a arguição. 5. Foi proferida decisão, que considerou existir erro na forma de processo e absolveu os réus da instância, com os seguintes fundamentos e nos seguintes termos:
«4. Ora, analisando a questão suscitada cumpre referir que se vem maioritariamente considerando que o processo adequado para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo de cujus é o processo de inventário, argumentando-se, fundamentalmente, que se está apenas perante uma das muitas sub-operações que integram uma outra operação, mais complexa, que é a operação de partilha de um património hereditário, sendo que o inventário é o processo que no ordenamento jurídico se encontra especialmente desenhado e vocacionado para esse efeito (cfr. neste sentido, na doutrina, LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª ed., pág. 406, BATISTA LOPES, Das doações, págs. 256 e seguintes e ALBERTO DOS REIS, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85º, pág. 341; na jurisprudência, acórdão do STJ de 17.11.1994, CJ/STJ, ano II, tomo 3º, pág. 147, acórdão desta Relação de 8.11.2001, CJ, ano XXI, tomo 5º, pág. 177, acórdão da Relação de Lisboa de 3.05.2007, processo nº 2857/2007-2, acessível em www.dgsi.pt e acórdão da Relação do Porto de 08.10.2018, processo nº 2670/11.5TBPNF.P1, acessível em www.dgsi.pt).
O meio processual adequado à redução de deixas testamentárias inoficiosas é a dedução de um incidente no processo de inventário e não uma ação declarativa comum autónoma àquele processo.
O Tribunal até aceitaria que um herdeiro legitimário que se achasse prejudicado na sua legítima por doação efetuada a herdeiro ou a um estranho lançasse mão da acção declarativa comum, quando, por exemplo, já tivesse sido concluído o inventário e efetuada a partilha dos bens do doador, sem que aí tivesse sido considerada a redução, desde que, nesse caso, alegasse o montante do prejuízo e os termos em que se deveria operar a redução da doação.
No caso em análise, resulta dos documentos juntos aos autos que, no âmbito do processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dra. S. A., sob o número .../18, foi proferido despacho no qual se apreciou a sua admissibilidade. Nesse mesmo despacho é constatado que, compulsando-se o requerimento inicial, o inventariado F. L. não tinha nem descendentes nem ascendentes vivos, sendo a sua esposa, Autora nestes autos, a sua única herdeira legitimária. É ainda feita referência, nesse mesmo despacho, que o inventariado apenas dispôs dos bens que integravam o seu património através de legados. Concluiu-se em tal despacho que o processo de inventário deveria prosseguir os seus termos, com o objetivo de se aferir a eventual existência de disposições inoficiosas.
Assim sendo, verifica-se um erro na forma de processo, nos termos acima expostos.
O erro na forma de processo escolhida conduz a uma nulidade de todo o processo, que constitui excepção dilatória– arts. 278º, nº1, b), 576º, nºs 1 e 2, 577º, b), 578º, todos do Cod. Proc. Civil.
Em face do erro na forma de processo verificado, decide-se declarar nulo o processado e absolver os Réus da instância (arts. 577º al. b) e 576º nº 2 do CPC).
Custas pela Autora.
Registe e notifique.». 6. A autora recorreu do despacho de I-5 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1- A recorrente deu entrada da presente acção peticionando o seu reconhecimento como única herdeira legitimária do falecido F. V., bem como que os recorrentes fossem condenados a reconhecer que as deixas testamentárias são inoficiosas, por ofenderem a legítima da recorrente, devendo, nessa medida, serem reduzidas para que a legítima da autora seja preenchida nos termos do artigo 2714 do Código Civil.
2- Os recorridos contestaram e, entre outros argumentos, alegaram o erro na forma do processo por considerarem, em suma, que o meio processual adequado para dirimir tal questão é o processo especial de inventário, que já estava a correr os seus termos, tendo inclusive a notária responsável pelo mesmo, declarado tal processo próprio para o efeito.
3- O tribunal a quo acolheu a tese dos recorridos, e nessa medida, considerou que os presentes autos não configuravam o meio processual adequado, mas antes será o processo especial de inventário, decidindo pelo erro na forma do processo.
4- Verifica-se erro na forma do processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objecto específico de uma acção com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma acção com processo comum.
5- O processo de inventário destina-se a pôr termo á comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se a partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base a eventual liquidação da herança.
6- O processo de inventário pode ter duas finalidades: a de pôr termo á comunhão hereditária, com a consequente realização da partilha dos bens da herança, ou então a de relacionação de bens hereditários para eventual liquidação da herança.
7- A recorrente é a única herdeira do seu marido, o que excluiu até a necessidade de proceder a inventário com a finalidade de proceder a partilha dos bens da herança.
8- Nos autos, está apenas em causa o pedido de declaração de inoficiosidade dos legados feitos a favor dos recorridos e a sua redução/ revogação.
9- Este pedido da recorrente não se integra na finalidade para que fora estabelecido o processo de inventário e daí que se tenha de seguir a forma de processo comum.
10-O processo comum revela-se adequado a resolver a questão, assegurando às partes todas as garantias de defesa dos seus direitos, designadamente, a avaliação do valor real dos bens – note-se que os legatários só são chamados a intervir no processo de inventário, depois desta avaliação ser feita.
11-é controvertido na Jurisprudência dos tribunais superiores que o processo de inventário, enquanto processo especial, seja o meio processual adequado para redução das liberalidades por inoficiosidade, nos casos em que aquelas foram realizadas a favor de herdeiros não legitimários.
12-As liberalidades foram todas elas feitas a herdeiros não legitimários, uma vez que apenas a recorrente, enquanto cônjuge sobrevivo e não tendo o falecido descentes, nem ascendentes vivos, é a única herdeira universal do falecido F. V..
13-O meio processual idóneo para decidir acerca da redução das liberalidades por inoficiosidade é o processo comum, tal como vem sido decidido nos tribunais superiores, em concreto nesse douto Tribunal da Relação de Guimarães, a este propósito chama-se á colação o decidido nos acórdãos proferidos no âmbito do processo com o número 1346/15.9T8CHV.1 de 20-04-2017 e do processo com o número 31/14.3T8VPC.G1 de 14-01-2016
14-Pese embora a obtenção da redução por inoficiosidade possa ser suscitada em sede do processo de inventário (que no caso até já se encontra a correr), nada impede a sua apreciação em acção própria para o efeito, como aquela que intentou a recorrente.
15-A recorrente é herdeira (única) legitimária do de cujus, pelo que, em defesa da sua legítima, assiste-lhe o direito de pedir a redução das liberalidades que a ofendam e que, por isso, devem ter-se por inoficiosas.
16-No caso sub júdice, está em causa uma situação de redução de liberalidades por inoficiosidade feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário
17-Nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de herdeiros não legitimários, a acção comum é o meio processual adequado à redução as liberalidades por inoficiosidade.
18-Formalmente nada obsta à utilização da forma de processo comum para obtenção da redução por inoficiosidade, nas situações como a presente, sendo que, neste caso, o processo de inventário ficaria suspenso até á decisão proferida no âmbito daquela acção comum.
19-O tribunal a quo andou mal ao julgar verificado o erro na forma de processo, ao entender que esta questão terá que ser dirimida no processo de inventário.
20-A decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que julgue o processo comum o meio processual própria e adequado para decidir a redução de liberalidades por inoficiosidade feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário, devendo os presentes autos seguir os demais trâmites legais subsequentes.
21-A decisão proferida pelo tribunal a quo violou, assim, o disposto no artigo 2168.º, 2169.º, 2174, 2178 do Código Civil.
Termosemque,enosmelhoresdedireitoqueosVenerandosDesembargadoresdoutamentesuprirão,deveopresenterecursoserjulgadoprocedente,porprovadoeemconsequênciaseradecisãoproferidapelotribunalaquorevogadaesubstituídaporoutraquejulgueoprocessocomumomeioprocessualprópriaeadequadoparadecidirareduçãodeliberalidadesporinoficiosidadefeitasafavordequemnãoassumeaqualidadedeherdeirolegitimário,devendoospresentesautosseguirosdemaistrâmiteslegaissubsequentes.
E com tal decisão farão Vexas. Venerandos Desembargadores a acostumada e sã Justiça!».
7. A 5ª ré Fundação X respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Está pendente processo de inventário, a que deu início a Recorrente, com vista a proceder à partilha dos bens da herança, tendo sdo proferido despacho, no dia 22.04.2020, no qual se conluiu que o mesmo deveria prosseguir os seus termos, com o objetivo de se aferir a eventual existência de disposições inoficiosas.
2. Assim sendo, o meio próprio para a Recorrente obter a redução de liberalidades por inoficiosidade é a dedução de incidente naquele processo de inventário, e não a presente ação declarativa comum, como é entendimento da doutrina e jurisprudência.
3. Com efeito, e a título meramente exemplificativo, veja-se o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2018, processo: 2670/11.5TBPNF.P1, no qual foi decidido, de forma lapidar, que “(…) O processo de inventário é o meio processualmente adequado para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades, entre vivos ou por morte, efectuadas pelo autor da sucessão, que ofendam a legítima dos seus herdeiros legitimários (…)” – no mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do STJ, de 24.01.1994, processo: 085660, da Relação do Porto, de 22.06.2006, do STJ, de 17.11.94, CJ/STJ, 1994, III, 145 e www.dgsi.pt, proc. nº 085660, da Relação do Porto, de 22.9.2005 de 16.11.89, CJ, 1989, V, 189, e de 26.01.2004, www.dgsi.pt, proc. 0355994, da Relação do Porto de 03.05.2012 processo: 374/2001.P1.
4. Por seu lado, na doutrina, CRISTINA PIMENTA COLEHO, Código Civil Anotado, V (coord. ANA PRATA), Coimbra, 2017, p. 1075, por referência ao atual quadro legal vigente, e em anotação ao artigo 2178.º do Código Civil, defende que quando está a correr termos processo de inventário com vista à partilha, é nesse processo que a questão da inoficiosidade da liberalidade deverá ser suscitada e avaliada.
5. Já JOSÉ ALBERTO DOS REIS tinha o entendimento supracitado, ensinado: “(…) A inoficiosidade pressupõe, por definição, uma relação de valor entre dois factores: os bens doados, por um lado, a legítima, por outro. Se a doação é de bens certos e determinados, há que pôr os bens doados em equação com os restantes bens da herança do doador; para esse efeito têm de relacionar-se, descrever-se e avaliar-se todos os bens. Estas operações são próprias doprocesso de inventário (…)”, sublinhado nosso.
6. Os presentes autos constituem um exemplo acabado da necessidade de a eventual inoficiosidade ser apreciada em sede do processo de inventário pendente, pelas seguintes razões.
7. A inoficiosidade consubstancia-se na ofensa da legítima dos herdeiros legitimários, por via de liberalidades do autor da herança que excedam o âmbito da sua quota disponível, sendo suscetível de abranger as que ocorram por vida, como é o caso das doações, ou por morte, como é o caso dos legados, nos termos do artigo 2168.º do Código Civil.
8. A quota indisponível e, consequentemente, a quota disponível, determinam-se tendo em atenção o valor dos bens existentes no património do autor da herança à data da sua morte.
9. Todavia, a relação de bens que foi apresentada pela Autora no processo de inventário notarial, no dia 12.05.2020, não se encontra definitivamente consolidada.
10. Desta forma, terá de ser proferido despacho no âmbito do processo de inventário notarial que ordene a citação dos Réus legatários, para que estes possam vir a reclamar da relação de bens apresentada pela Autora, cabeça-de-casal naquele processo, nos termos do disposto no artigo 30.º e 32.º do RJPI.
11. Enquanto a relação de bens relativa ao acervo hereditário não estiver definitivamente assente, não será possível determinar com certeza o valor da quota indisponível - e o valor da quota disponível - da herança e, em consequência, aquilatar se a legítima da Autora foi ou não respeitada, em virtude dos legados.
12. Por todas estas razões, é indubitável que a Autora errou na forma de processo por si utilizada ao intentar a presente ação, com a qual pretende reduzir as liberalidades do de cujus F. L., nos termos do disposto no artigo 2178.º do Código Civil, uma vez que a sua pretensão deveria ter sido deduzida no processo de inventário, como se decidiu na, aliás douda, setença recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, como e de Lei e de
JUSTIÇA!». 8. O Tribunal a quo: admitiu o presente recurso de apelação com subida nos próprios autos, de forma imediata e com efeito devolutivo; após despacho desta Relação a convidar a suprir a omissão da falta de fixação de valor, fixou à causa o valor processual de € 51 000, 00. 9. Foi recebido o recurso nesta Relação com os efeitos já fixados e colheram-se os vistos.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil).
Define-se como questão a decidir: se os pedidos formulados nesta ação declarativa, sob a forma de processo comum (pedidos de reconhecimento e de condenação dos réus a reconhecer que a autora é a única e universal herdeira do falecido e que as deixas testamentária são inoficiosas por ofenderam a legítima; pedido de redução das mesmas em quanto for necessário para que a legítima da autora seja preenchida, nos termos do art.2174º do C. Civil), instaurada na pendência de um processo de inventário a correr em cartório notarial: devem ser conhecidos em processo de inventário (havendo erro na forma de processo) ou se podem ser conhecidos na ação declarativa comum (não havendo erro na forma de processo).
III. Fundamentação:
1. Matéria de facto provada:
1.1. F. L. faleceu a - de março de 2018 e deixou testamento de 24.10.2012 em que deixou legados por conta da sua quota disponível (fls.9 e 10 ss). 1.2. No processo de inventário extrajudicial nº.../18, aberto por óbito de F. L., a correr termos no Cartório Notarial Dra. S. A., em que é cabeça de casal M. C.:
a) A 22 de abril de 2020 a Senhora Notária proferiu despacho, no qual: colocou a questão de ser ou não admissível o processo de inventário, face ao cônjuge falecido não ter deixado descendentes e ascendentes vivos, ter como única herdeira legitimária o seu cônjuge mulher sobrevivo e ter-se limitado no testamento à disposição de bens em legados, de acordo com o teor do testamento e as declarações de cabeça de casal; considerou poder colocar-se a questão da existência de eventuais disposições inoficiosas e declarou aderir à posição de Augusto Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, vol. I, 6ª edição (que refere, nos trechos transcritos: a possibilidade de correr inventário nas situações em que existe um único herdeiro, quando se coloca em causa a redução de liberalidades e deste ser considerado o meio por excelência; parecer não pode exigir-se que seja o único meio, por o inventário não ser obrigatório); concluiu «Assim, (…) devem os autos prosseguir, ainda que de futuro neles tenham de intervir os legatários, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º1 e 4º, n.º2 do RJPI)» (fls.48 a 51).
b)A cabeça de casal apresentou uma relação de bens composta por bens imóveis (com indicação que todos foram legados) e bens móveis (com indicação dos que estão livres e dos que foram legados) e sem indicação de dívidas (fls. 52 a 55). 1.2. A presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, relatada em I supra, relato para o que se remete, foi instaurada por petição inicial eletrónica de 30.04.2020.
2. Apreciação do mérito do recurso:
Impõe-se reapreciar neste recurso se os pedidos formulados nesta ação pela autora e relatados em I supra podem ser conhecidos nesta ação declarativa ou se devem ser conhecidos no processo especial de inventário pendente.
2.1. Enquadramento jurídico: 2.1.1. Formas de processo:
A todo o direito, salvo quando a lei determine em contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou a reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos adequados para acautelar o efeito útil da ação (art.2º/2 do C. P. Civil).
De acordo com o princípio da legalidade das formas de processo, o processo pode ser comum ou especial (art.546º/1 do C. P. Civil), aplicando-se o especial aos casos expressamente designados na lei e o comum a todos os casos a que não corresponda processo especial (art.546º/2 do C. P. Civil).
Assim, quando Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora definiam que o processo comum era o «processo regra» para todos os casos a que não correspondia processo especial e o processo especial era um «processo de exceção» (1), António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa explicam que «a delimitação do âmbito do processo comum é feita através de um critério residual, abarcando todos os litígios a que não corresponda expressamente alguma das formas de processo especial previstas no CPC ou em diplomas avulsos» (2).
A adequação da forma de processo escolhida afere-se face à pretensão formulada na ação, critério este assinalado, nomeadamente e entre outros, pelo Conselheiro Rodrigues Basto («É pela pretensão que se pretende fazer valer, e, portanto, pelo pedido formulado que se há- de aquilatar do acerto ou do erro do processo que se empregou, questão inteiramente distinta das razões da procedência ou da improcedência da ação» (3)) e por António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa («A forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não com referência à pretensão que porventura deveria ter sido deduzida») (4).
O erro na forma de processo ocorre quando para apreciar a pretensão pedida numa ação não é adequada a forma de processo escolhida, erro esse que corresponde a uma das nulidades processuais principais e típicas, prevista e regulada nos arts.193º, 196º, 198º/1 e 200º/2 do C. P. Civil. O Conselheiro Rodrigues Basto, na obra citada, refere «O erro na forma de processo consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Pretende, por exemplo, consignar em depósito uma coisa para cumprimento de uma obrigação, mas se, em vez de usar o processo especial que a lei configurou para tal nos arts.1024.º e segs., usa do processo comum de declaração, comete aquele vício específico. O mesmo sucede quando o autor devia empregar uma forma de processo comum e empregou outra, ou usou de um processo especial quando devia ter usado de processo especial diverso.» (5)
2.1.2. Processo especial de inventário e suas funções: 2.1.2.1. O regime do processo especial do inventário tem sofrido alterações sucessivas, nomeadamente, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1961 aprovado pelo Decreto-Lei nº44 129 de 28 de dezembro e desde a aprovação do Código de Processo Civil de 2013 pela Lei nº41/2013, de 26 de junho.
Quando foi instaurado o processo extrajudicial de inventário do falecido em 2018 (e provado em III-1 supra), no cartório notarial, este corria ao abrigo do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março, nos cartórios notariais. É este mesmo regime (RJPI) que, apesar de revogado pelo art.10º da Lei nº117/2019, de 13 de setembro, se mantém aplicável a todos os processos de inventário que se mantenham nesses cartórios notariais e não sejam remetidos ao Tribunal nos termos dos arts.11º a 13º, de acordo com o art.11º/2 e com as novas redações introduzidas pelo art.11º/3 da referida Lei nº117/2009, de 13 de setembro.
A partir de 1 de janeiro de 2020, os processos de inventário passaram a poder ser judiciais, nos termos do novo regime processual civil aprovado pelos arts.3º, 4º, 5º, 9º da Lei nº117/2019, de 13 de setembro. Este regime é aplicável não só aos inventários instaurados a partir desta data de entrada em vigor do diploma, mas também aos inventários instaurados anteriormente e que venham a ser remetidos ao Tribunal nos termos dos arts.11º a 13º, de acordo com o disposto no próprio art.11º/1 da referida Lei nº117/2009, de 13 de setembro.
No processo especial de inventário pendente e provado em III-1, conexo com o objeto desta ação: é aplicável o regime da Lei nº23/2013, de 5 de março (devidamente atualizada); pode vir a ser aplicável o regime dos atuais arts. 1082º ss Código de Processo Civil, introduzido pelo referida Lei nº117/2019, de 13 de setembro, se o processo especial de inventário vier a ser remetido para o Tribunal. 2.1.2.2. No RJPI aprovado pelaLei nº23/2013, de 5 de março, aplicável ao processo de inventário provado em III-1 e pendente: o nº1 do art.2º do diploma define que o inventário por morte tem as seguintes funções: «1. O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditáriaou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.», caso este último em que o nº2 do art. 2º dispõe que «são aplicáveis as disposições da presente lei, com as necessárias adaptações».
Esta versão literal das duas funções do inventário corresponde àquela que tem estado prevista desde a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código de Processo Civil de 1961 pelo DL nº227/94, de 8 de setembro.
De facto, na versão originária do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo DL nº44129, de 28.12., que já previa duas funções ao inventário por morte: o art.1326º/1 do C. P. Civil definia que a função geral do inventário por morte era a da cessação da comunhão hereditária («1. Aquele que pretenda pôr termo à comunhão hereditária requererá que se proceda a inventário….»); o art.1398º do C. P. Civil, sob a epígrafe específica de «Regime do inventário para descrição e avaliação», previa a possibilidade do inventário se destinar à relacionação e avaliação de bens e à verificação de disposições inoficiosas («Ao inventário que tenha unicamente por fim a descrição e avaliação de bens ou a verificação que não há disposições inoficiosas são aplicáveis as disposições deste capítulo, na parte em que o puderem e deverem ser»).
Todavia, com o DL n.º 227/94, de 08 de setembro, diploma que fez uma revisão da tramitação do inventário prevista no Código de Processo Civil de 1961: o seu art.3º revogou o art.1398º do referido C. P. Civil de 1961; o seu art.2º alterou a redação do art.1326º/1 para a mesma passar a prever não só que o inventário se destinaria à cessação da comunhão hereditária da herança mas também que, não sendo necessária a partilha dos bens, poderia destinar-se à relacionação de bens que servissem de base a eventual liquidação da herança («1- O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.»), sendo que neste segundo caso «são aplicáveis as disposições das secções subsequentes, com as necessárias adaptações», de acordo com o art.1326º/2 do C. P. Civil.
Estas funções, para além de se terem mantido no enunciado RJPI aprovado pela Lei nº23/2013, de 05.03., mantêm-se no novo regime aprovado pela Lei nº117/2019, de 13 de setembro, que revogou o RJPI e reintroduziu o processo especial de inventário judicial no Código de Processo Civil, ainda que estas funções estejam aqui mais explicitadas. De facto, o art.1082º do C. P. Civil, na redação introduzida pelo art.4º da referida lei, previu como funções do inventário: «a) Fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens; b) Relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e servir de base à eventual liquidação da herança, sempre que não haja que realizar a partilha da herança;».
Assim, verificamos que processo especial de inventário por morte de um de cujus, pode ser instaurado:
a) Para fazer cessar a comunhão hereditária e realizar a partilha da herança. Repare-se que a partilha da herança, por sua vez, de acordo com o regime civil em vigor, deve ser feita por inventário «a) Quando não houver acordo de todos os interessados na partilha; b) Quando o Ministério Público entenda que o interesse do incapaz a quem a herança é deferida implica aceitação beneficiária; c) Nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilha realizada por acordo.» (art.2102º/2 do C. Civil, na redação dada pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, que, para além da alteração do texto formal, explicitou a previsão da falta de acordo dos interessados). Ou, quando não haja que se realizar a partilha,
b) Para relacionar os bens que constituem o objeto da sucessão e servir de base a eventual liquidação da herança. Esta função do processo especial de inventário harmoniza o regime processual com a previsão do Código Civil aprovado pelo DL nº47344, de 25.11.1966, que previa desde essa altura que nos casos em que houvesse apenas um único interessado, o inventário a que houvesse de proceder-se nos termos deste nº2 do art.2102º do C. Civil teria «apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança.» (art.2103º do C. Civil).
Neste caso, o que compreende este processo de inventário destinado a relacionar os bens e servir de base à liquidação da herança? Será que este inventário diverge substancialmente daquele previsto no art.1398º do C. P. Civil de 1961 revogado em 1994?
Esta questão desencadeou alguma discussão e discordância jurisprudencial e doutrinária. Entre a doutrina e a jurisprudência que se pronunciaram sobre esta revisão de funções, assinala-se, nomeadamente: Lopes do Rego, em relação ao art.1326º do C. P. Civil de 1961, na nova versão introduzida pelo DL nº227/94, de 08.09., que defendeu «IV- A norma constante do nº2 corresponde, no essencial à que constava do art.1398.º, na redacção anterior à reforma, ressalvando as especificidades de tramitação do inventário destinado exclusivamente ao arrolamento de bens e à eventual liquidação da herança. Eliminou-se, porém, a referência que tal preceito fazia ao inventário destinado apenas à “verificação de que não há disposição inoficiosa”, por se considerar que a redução das liberalidades inoficiosas pode ter lugar, tanto no âmbito de inventário pendente, como em consequência de acção autónoma de redução, intentada em conformidade com o preceituado no art.2178.º do C. Civil.» (6); o AC. do STJ de 24.10.2006, proferido no processo nº06B2650, relatado por Mota Miranda, que entendeu que quando «II - Está apenas em causa a pedida declaração de inoficiosidade da doação e usufruto que foram feitos a favor dos réus - quer se considere o pedido principal quer o pedido subsidiário, ambos têm por base a redução/revogação das liberalidades por inoficiosidade. III - Ora, este pedido dos autores não se integra na finalidade para que foi estabelecido o processo de inventário, e daí que se tenha de seguir a forma de processo comum. IV - A inaplicabilidade das regras do processo de inventário no caso presente surge mais claramente com a revogação do que se dispunha no art. 1398.° do CPC; havendo, como havia, norma que determinava a aplicação das regras do processo de inventário aos casos em que a finalidade era a verificação de disposições inoficiosas e sendo tal preceito legal revogado pelo DL n.° 227/94, de 08-09, só pode entender-se que o legislador pretendeu excluir do processo especial a pretensão, quando única, de verificação de inoficiosidades. V - Tal forma de processo comum não invalida, porém, que havendo lugar a inventário (quer para pôr termo a comunhão hereditária, quer para relacionação dos bens para eventual liquidação da herança) o pedido de declaração de inoficiosidade não possa ser apreciado e decidido nesse processo de inventário - deverá ou poderá sê-lo, considerando que a partilha dos bens da herança está também dependente dessa operação de redução/revogação das inoficiosidades e o processo de inventário destina-se precisamente à partilha dos bens da herança (art. 1376.° do CPC). VI - Só que, então, tratar-se-á de uma questão incidental prévia à realização da partilha dos bens, já que a questão da redução/revogação por inoficiosidade constitui uma das operações que integram a operação da partilha, questão a resolver, portanto, antes da decisão sobre a partilha, salvo se for caso de remessa dos interessados para os meios comuns (arts. 1335.º e 1336.º do CPC).» (7); o AC. da RG de 14.12.2010, proferido no processo nº140/10.8TCGMR.G1, relatado por Isabel Fonseca, declarou distanciar-se do AC. do STJ de 24.10.2006, entendendo que a revogação do art.1398º do C. P. Civil pelo DL nº224/94 não pretendeu afastar o apuramento e a redução das liberalidades do inventário no caso de haver um herdeiro único (8).
Examinando o teor da letra da lei do art.2º/2 e 3 do RJPI (equivalente ao antecedente art.1326º/1 e 2 do C. P. Civil na versão do DL 224/94 e à atual versão do art.1082º do C. P. Civil, introduzido pela Lei 117/2019), letra que harmonizou a redação com o art.2103º do C. Civil de 1966, e interpretando-a de acordo com a harmonia do sistema, considera-se que alteração operada desde 1994 não é determinante na compreensão do âmbito do inventário quando o mesmo não se destine à partilha.
De facto, a possibilidade de ser instaurado e de correr um inventário, em caso de herdeiro único, para relacionar bens e servir de base a liquidação da herança, deve interpretar-se, nomeadamente, com referência: ao regime da liquidação da herança, isto é, da satisfação dos seus encargos nos termos do art.2097º do C. Civil (arts.2097º a 2100º do C. Civil); ao regime dos encargos a que se refere a liquidação (arts.2068º a 2074º do C. Civil), encargos estes que integram não apenas as despesas de «funeral e sufrágios do seu autor», os encargos «com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário», as «dívidas do falecido», mas integram também o «cumprimento dos legados», encargos estes globais pelos quais responde a herança, nos termos do art.2068º do C. Civil. A este propósito, Cristina Pimenta Coelho, em relação a este artigo 2068º do C. Civil, refere «1. (…) Ou seja, os legados são vistos como encargos da herança. 2. Daqui resulta que, regra geral, serão os herdeiros a satisfazer os encargos da herança. A regra é esta: os herdeiros respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido, pelas despesas com o funeral e pelas despesas com a administração da herança e também são eles que devem cumprir os legados» (9).
Assim, compreendendo a liquidação da herança a responsabilidade desta com o cumprimento dos legados (com regime previsto nos arts.2249º a 2280º do C. Civil), a liquidação pode integrar necessariamente também a discussão sobre a sua redução (com o regime previsto nos art.2168º a 2178º do C. Civil) e o seu cumprimento reduzido.
Desta forma, deve entender-se que, quando o processo especial de inventário que não tenha que realizar a partilha e tenha como função a relacionação de bens para servir de base a liquidação da herança, esta liquidação contempla, em sentido amplo, a definição dos termos da imputação dos bens ao herdeiro único, depois de deduzidos dos legados (que podem ter que ser cumpridos na totalidade, quando não ofenderem a legítima do herdeiro legitimário, ou que podem ser reduzidos e serem cumpridos com redução quando ofenderem a legítima do herdeiro legitimário).
2.1.3. Redução das liberalidades 2.1.3.1. O regime de redução de liberalidades encontra-se previsto nos arts.2168º a 2178º do C. Civil, regime no qual se prevê, nomeadamente: que são inoficiosas «as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários» (art.2168º do C. Civil); que os herdeiros legitimários e os seus sucessores podem pedir a redução das liberalidades «em tanto quanto seja necessário para que a legítima seja preenchida» (art.2169º do C. Civil), caducando a ação de redução e inoficiosidades no prazo «de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário» (art.2178º do C. Civil); que as liberalidades são reduzidas por ordem- «A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão.» (art.2171º do C. Civil); que a redução é feita com os seguintes critérios- «1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima. 2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução. 3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.» (art.2174º do C. Civil); «Se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens.» (art.2175º do C. Civil). 2.1.3.2. No regime jurídico do processo do inventário (RJPI) aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março, prevê-se o seguinte procedimento no âmbito da aferição da existência de inoficiosidades.
Por um lado, prevê-se, a nível geral: a legitimidade de legatários e de donatários para intervir em todos os atos do processo, termos e diligências «suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e implicar eventual redução das respetivas liberalidades» numa situação em que existem «herdeiros legitimários» (arts.4º/2 e 10º/1 do RJPI); a competência dos legatários para a aprovação das dívidas e da forma de pagamento quando a herança tenha sido dividida em legados: «1 - Aos legatários compete deliberar sobre o passivo e forma do seu pagamento, quando toda a herança seja dividida em legados, ou quando da aprovação das dívidas resulte na redução de legados.» (art.43º/1 do RJPI).
Por outro lado, prevê-se um regime de «Apuramento da inoficiosidade» de liberalidades (arts.52º a 56º do RJPI) na Secção VIII, com previsão das diferentes fases do processo em que pode ser pedida a avaliação de bens da herança (para aferir o valor da legítima e a existência ou não de excesso de bens legados ou doados a exigir redução) e do regime da escolha e de reposição de bens legados ou valor equivalente:
a) Quando do valor constante da relação de bens resulte que a doação ou o legado são inoficiosos, pode o donatário ou o legatário, independentemente da fase de b) infra, «requerer a avaliação dos bens doados ou legados, ou de quaisquer outros que ainda não tenham sido avaliados» até ao exame do processo para a forma da partilha (art.54º/1 e 3 do RJPI).
b) Quando algum dos interessados tenha declarado pretender fazer licitação sobre bens doados ou legados, numa situação em que há herdeiros legitimários: o donatário e o legatário podem opor-se à licitação de bens doados ou legados, direito de oposição este a manifestar na conferência de interessados se o donatário ou legatário estiver presente ou após notificação para o efeito e antes da licitação, quando não tenha estado presente na conferência (arts.52º/1,4 e 5 e 53º/1 do RJPI), sendo que se o legatário não se opuser, «os bens entram na licitação, tendo o legatário direito ao valor respetivo» (art.53º/3 do RJPI); pode ser pedida a avaliação de bens dos bens, face à oposição de licitação «até ao fim do prazo para exame do processo para a forma à partilha» (arts.52º/1, 2, 6 e 53º/2, 4 do RJPI), sendo que, no caso da oposição ser manifestada por legatários, em particular, «os herdeiros podem requerer a avaliação dos bens legados quando a sua baixa avaliação lhes possa causar prejuízo», ficando sem efeito a licitação (art. 53º/2 do RJPI).
c) Quando «só em face da avaliação dos bens doados ou legados e das licitações se reconheça que a doação ou legado tem de ser reduzida por inoficiosidade», o donatário ou o legatário pode requerer, ainda, a avaliação de outros bens da herança «até ao exame do processo para a forma da partilha» (art.54º/2 e 3 do RJPI).
d) Se as doações ou legados forem inoficiosos:
__ Quando se tratem de doações: «a) Se a declaração recair sobre prédio suscetível de divisão, é admitida a licitação sobre a parte que o donatário tem de repor, a que não é admitido o donatário; b) Se a declaração recair sobre coisa indivisível, abre-se licitação sobre ela entre os herdeiros legitimários, no caso de a redução exceder metade do seu valor, ficando o donatário obrigado a repor o excesso, caso a redução seja igual ou inferior a essa metade; c) Fora dos casos previstos nas alíneas anteriores, o donatário pode escolher, entre os bens doados, os bens necessários para o preenchimento da sua quota na herança e dos encargos da doação, e deve repor os que excederem o seu quinhão, abrindo-se licitação sobre os bens repostos, se for ou já tiver sido requerida, não sendo o donatário admitido a licitar.» (art.52º/3 do RJPI).
__ Quando se tratem de legados: «o legatário repõe, em substância, a parte que exceder, podendo sobre essa parte haver licitação, a que não é admitido o legatário.» (art.55º/1 do RJPI); «Sendo a coisa legada indivisível, observa-se o seguinte: a) Quando a reposição deva ser feita em dinheiro, qualquer dos interessados pode requerer a avaliação da coisa legada; b) Quando a reposição possa ser feita em substância, o legatário tem a faculdade de requerer licitação da coisa legada.» (art.55º/2 do RJPI); fora destes casos, o legatário pode escolher entre os bens legados «os bens necessários para o preenchimento da sua quota na herança e dos encargos» do legado e «deve repor os que excederem o seu quinhão, abrindo-se licitação sobre os bens repostos, se for ou já tiver sido requerida», não sendo o legatário admitido a licitar (art.52º/3-c), ex vi do art.55º/3 do RJPI) (sublinhados em “bold” nossos).
e) Se o notário verificar, no ato de organização do mapa, que existem legados ou doações inoficiosas «ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário escolher, entre os bens legados ou doados, os bens necessários para preencher o valor a que tenha direito a receber» (art.60º/2 do RJPI), face ao disposto no art.2169º do C. Civil e dando cumprimento à exigência do princípio do dispositivo (10) (sublinhados em “bold” nossos).
Este regime corresponde ao regime que se encontrava previsto nos arts.1365º a 1367º e 1376º/2 do C. P. Civil de 1961, com as alterações do DL nº227/94, de 8.9.
O referido regime (do C. P. Civil de 1961 e depois do RJPI) foi alterado e simplificado nos arts.1118º e 1119º do C. P. Civil vigente, introduzidos pelo art.4º da Lei nº117/2019, de 13 de setembro numa secção com a epígrafe «Incidente de Inoficiosidade», e apenas aplicável aos processos que tiverem sido instaurados nos cartórios notariais antes da entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020 se estes forem remetidos para o tribunal nos termos dos arts.11º/1, 12º a 13º da referida Lei nº117/2019, de 13 de setembro (situação que não se encontra demonstrada nestes autos).
Por um lado, o atual art.1118º do C. P. Civil de 2013, com os aditamentos da Lei nº117/2019, prevê um incidente declarativo, com as fases: de apresentação de requerimento inicial pelo herdeiro legitimário, com requisitos de formulação de pedido e de alegação de fundamentos; de contraditório; de produção de prova a requerimento e oficiosa (onde se integra a avaliação) e de prolação de decisão sobre a inoficiosidade e consequências:
«1 - Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade. 2 - No requerimento apresentado, o interessado fundamenta a sua pretensão e especifica os valores, quer dos bens da herança, quer dos doados ou legados, que justificam a redução pretendida e, de seguida, são ouvidos, quer os restantes herdeiros legitimários, quer o donatário ou legatário requerido. 3 - Para apreciação do incidente, pode proceder-se, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, à avaliação dos bens da herança e dos bens doados ou legados, se a mesma já não tiver sido realizada no processo. 4 - A decisão incide sobre a existência ou inexistência de inoficiosidade e sobre a restituição dos bens, no todo ou em parte, ao património hereditário.»
Por outro lado, o art.1119º do C. P. Civil de 2013, com os aditamentos da Lei nº117/2019, prevê as consequências da inoficiosidade (quanto ao dever de reposição do bem) e a forma de concretizar as reposições (no regime da escolha e no regime de licitações): «1 - Quando se reconheça que a doação ou o legado são inoficiosos, o requerido é condenado a repor, em substância, a parte que afetar a legítima, embora possa escolher, de entre os bens doados ou legados, os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber. 2- Sobre os bens restituídos à herança pode haver licitação, a que não é admitido o donatário ou legatário requerido. 3 - Quando se tratar de bem indivisível, o beneficiário da doação ou legado inoficioso deve restituir a totalidade do bem, quando a redução exceder metade do seu valor, abrindo-se licitação sobre ele entre os herdeiros legitimários e atribuindo-se ao requerido o valor pecuniário que tenha o direito de receber. 4 - Se, porém, a redução for inferior a metade do valor do bem, o legatário ou donatário requerido pode optar pela reposição em dinheiro do excesso.».
Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres sublinham, a propósito deste novo regime, em comparação com o antecedente (11):
«O artigo reformula substancialmente o regime do exercício do direito (potestativo) à redução das liberalidades que sejam inoficiosas por obstarem ao preenchimento da legítima (cf.art.1269º do CC). Afastou-se o completo e labiríntico procedimento anterior, que assentava no pressuposto de que as licitações dos interessados permitiam corrigir uma possível subavaliação dos bens que integravam o acervo hereditário e que, por isso, impunha uma restrição, de princípio, à livre avaliação dos bens a partilhar (cf. arts.1365.º ss CPC/61). Este regime foi substituído por um procedimento incidental e contraditório, que é iniciado por qualquer interessado em se prevalecer da inoficiosidade da liberalidade e que tem como requerido o donatário ou legatário visado pelo pedido de redução da liberalidade por inoficiosidade (n.º1).
Substituiu-se também o criticável regime anterior que permitia suscitar a questão da inoficiosidade, mesmo que o seu fundamento não fosse superveniente, apenas aquando da elaboração do mapa da partilha (art.1376.º, n.º2, CPC/61). Agora, o requerimento de redução da liberalidade inoficiosa tem de ser apresentado até à abertura das licitações. (n.º1)». 2.1.3.3. Perante o regime substantivo enunciado em 2.1.3.1. supra, tem-se desencadeado uma grande controvérsia sobre seo pedido de redução das liberalidades e o decretamento dos seus efeitos deve ocorrer em processo especial de inventário (com a tramitação assinalada em 2.1.3.2.) ou se pode ser feito e tramitado em ação declarativa, sob a forma de processo comum (em particular, quando existe apenas um herdeiro legitimário). A. Em relação ao pedido de redução de inoficiosidades, em geral:
a) Uma parte da jurisprudência tem defendido a propriedade geral do processo de inventário para pedir a redução de liberalidades, nomeadamente: o AC. STJ de 17.11.1994, proferido no processo nº085660, relatado por Raúl Mateus, que concluiu: «I - As liberalidades inoficiosas são redutíveis em tanto quanto for necessário para que a legítima dos herdeiros legitimários seja efectivamente preenchida. II - Existindo processo especial - processo de inventário -, para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo de cujus, verifica-se erro na forma de processo se o autor, para esse efeito, opta por uma acção de processo comum.» (12) (explicando previamente, de acordo com citação do mesmo feita no AC. RP de 22.06.2006, que «o processo adequado para se discutir a questão da redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo de cujus é o processo de inventário, e é-o, porquanto se está apenas perante umas das muitas sub-operações que integram uma outra operação, esta altamente complexa, que é a operação de partilha de um património hereditário. Ora, existindo processo especial para a partilha (o processo de inventário ...), apodíctico é, e face ao disposto no artigo 460º, nº 2 do CPC, que o autor errou ao optar para este efeito por uma acção de processo comum» (13)); o AC. RP de 22-09-2005, proferido no processo nº0533146, relatado por Saleiro Abreu (que concluiu «I- O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima dos filhos e discutir a eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador é o processo de inventário. II- Tendo-se em causa que o bem já foi vendido pelo donatário, haverá que ter-se em conta, para aquele efeito, o seu valor à data da abertura da sucessão (art.2109, nº1 do CC), sendo o donatário o responsável pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desse bem.» (14)); o AC. RP de 22.06.2006, proferido no processo nº0632516, relatado também por Saleiro Abreu (que sumariou «O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima dos filhos e discutir a eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador é o processo de inventário» (15)); o AC. RP de 03.05.2012, proferido no processo nº340/2001. P1, relatado por Amaral Ferreira (que sumariou «A redução das liberalidades inoficiosas não é de conhecimento oficioso, devendo ser suscitada pelo interessado no respectivo processo de inventário» (16)); o AC RP de 08.10.2018, proferido no processo nº2670/11.5TBPNF.P1, relatado por Miguel Baldaia de Morais (que concluiu: «II - O processo de inventário é o meio processualmente adequado para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades, entre vivos ou por morte, efectuadas pelo autor da sucessão, que ofendam a legítima dos seus herdeiros legitimários. III - O prazo de caducidade fixado no artigo 2178º do Código Civil somente rege para o caso de liberalidade feita a pessoa que não seja herdeira do autor da sucessão que a realizou; já se o beneficiário dessa liberalidade for seu herdeiro legitimário, então, a todo o tempo, se pode pedir, no respectivo processo de inventário, a redução da liberalidade por inoficiosidade.» (17)).
b) Outra parte da jurisprudência tem condicionado a adequação obrigatória do processo de inventário a determinados casos, admitindo a instauração de ação sob a forma de processo comum noutros (nomeadamente, quando não há legitimidade de instauração do inventário, quando as liberalidades foram feitas a herdeiros não legitimários ou são suscitadas após a partilha): o AC. STJ de 08.11.2002, proferido no processo nº02A740, relatado por Armando Lourenço (considerou «Entendeu-se e entende-se que sendo o donatário herdeiro legitimário, a redução só em processo de inventário podia ter lugar. Isto porque a redução exige que se proceda a um inventário e à fixação do valor da herança e a uma distribuição dos bens que tenha em conta o efeito das alienações gratuitas na legitima. Nos termos em que está regulamentado o exercício do direito de resolução, aliado ao facto de o inventário a todo o tempo poder ser instaurado, sem prejuízo do direito de usucapião, entendeu-se que, neste caso, não havia caducidade.»; e sumariou «O artigo 2178º, CC não é aplicável às situações em que o beneficiário da titularidade seja herdeiro legitimário.» (18)); o AC. RL de 03.05.2007, proferido no processo nº2857/2007-2, relatado por Francisco Magueijo (que concluiu «I - O processo de inventário constitui a sede própria para conhecer da inoficiosidade dos legados a favor dos herdeiros legitimários. A acção prevista no art.º 2178, do Código Civil, reporta-se às situações de as liberalidades terem favorecido quem não for herdeiro legitimário. II – A inoficiosidade do legado constitui questão para, de entre outras, poder ser apreciada e passível de eventual decisão consensual na conferência de interessados.(G.A.)» (19)); o AC. RG de 14.12.2010, proferido no processo nº140/10.8TCGMR.G1, relatado por Isabel Fonseca (que considerou que «A utilização da acção comum com vista à redução de liberalidades inoficiosas está, pois, reservada: - aos sujeitos que não têm legitimidade para instaurar o processo de inventário e que podem ter interesse em ver reconhecida a redução por inoficiosidade, como acontecerá relativamente aos credores de algum herdeiro legitimário, quando se coloca a questão da legítima deste ser afectada pela liberalidade;- aos herdeiros legitimários quando as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume aquela qualidade»; que sumariou «1. O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador, é o processo (especial) de inventário. 2. A acção de redução de liberalidades inoficiosas a que alude o art. 2178º do Cód. Civil, que segue a forma de processo comum, só tem cabimento nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário.» (20)); o AC. RG de 20.04.2017, proferido no processo nº1346/15.9T8CHV.G1, que decidiu de forma ainda mais lata, da possibilidade dos pedidos serem formulados quer na ação declarativa, quer em processo de inventário, sumariando: «1. Não obsta ao recurso à forma de processo comum para obtenção da redução por inoficiosidade, a circunstância de se encontrar pendente processo de inventário. Embora os herdeiros pudessem utilizar para o efeito o processo de inventário, não estão vinculados a tal. 2. Não obstante esta questão também pudesse ser suscitada em sede do processo de inventário que se encontra a correr, nada impede a sua apreciação em acção própria para o efeito intentada. Ao notário incumbirá, se assim o entender, no âmbito do processo de inventário, ordenar a suspensão do processo nos termos do nº 2 do artº 16º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março. O notário pode ainda ordenar suspensão do processo de inventário, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata alguma das questões a que se refere o número anterior, aplicando-se o disposto no n.º 6 do artigo 12.º da Lei 23/2013.» (21). B. Em relação ao pedido de redução de inoficiosidades no caso particular de existir apenas um herdeiro da herança em que o de cujus instituiu liberalidades, a jurisprudência tem assumido, também, posições divergentes, entre as quais se assinalam:
a) Considerou que o pedido de revogação de uma liberalidade devia correr numa ação comum, por não serem adequadas as funções do processo de inventário o AC. RG de 14.01.2016, proferido no processo nº31/14.3T8VPC.G1, relatado por Francisco Cunha Xavier sumariou: «A acção declarativa comum, e não o processo de inventário, é o meio processual adequado para o autor, único herdeiro legitimário do de cujus, pedir a redução/revogação de liberalidades por inoficiosidade.» (22).
b) Considerou que os pedidos de redução eram adequadamente apreciados numa ação comum, sem prejuízo de poderem ser objeto de inventárioo AC. STJ de 24.10.2006, proferido no processo nº06B2650, relatado por Mota Miranda (entendeu «I - O autor é o único herdeiro de sua mãe, o que exclui a necessidade de proceder a inventário com a finalidade de proceder à partilha dos bens da herança; por outro lado, não está em causa qualquer liquidação da herança, o que afasta a necessidade de relacionação de bens em processo de inventário. II - Está apenas em causa a pedida declaração de inoficiosidade da doação e usufruto que foram feitos a favor dos réus - quer se considere o pedido principal quer o pedido subsidiário, ambos têm por base a redução/revogação das liberalidades por inoficiosidade. III - Ora, este pedido dos autores não se integra na finalidade para que foi estabelecido o processo de inventário, e daí que se tenha de seguir a forma de processo comum. IV - A inaplicabilidade das regras do processo de inventário no caso presente surge mais claramente com a revogação do que se dispunha no art. 1398.° do CPC; havendo, como havia, norma que determinava a aplicação das regras do processo de inventário aos casos em que a finalidade era a verificação de disposições inoficiosas e sendo tal preceito legal revogado pelo DL n.° 227/94, de 08-09, só pode entender-se que o legislador pretendeu excluir do processo especial a pretensão, quando única, de verificação de inoficiosidades. V - Tal forma de processo comum não invalida, porém, que havendo lugar a inventário (quer para pôr termo a comunhão hereditária, quer para relacionação dos bens para eventual liquidação da herança) o pedido de declaração de inoficiosidade não possa ser apreciado e decidido nesse processo de inventário - deverá ou poderá sê-lo, considerando que a partilha dos bens da herança está também dependente dessa operação de redução/revogação das inoficiosidades e o processo de inventário destina-se precisamente à partilha dos bens da herança (art. 1376.° do CPC). VI - Só que, então, tratar-se-á de uma questão incidental prévia à realização da partilha dos bens, já que a questão da redução/revogação por inoficiosidade constitui uma das operações que integram a operação da partilha, questão a resolver, portanto, antes da decisão sobre a partilha, salvo se for caso de remessa dos interessados para os meios comuns (arts. 1335.º e 1336.º do CPC).» (23).
c) Consideraram que os pedidos de redução deveriam ser apreciados no inventário, sem prejuízo de nalguns casos poderem correr em ação comum: o AC STJ de 03.06.1992, proferido no processo nº082400, relatado por Máximo Guimarães (concluiu «I - E meio próprio para reduzir doações por inoficiosidade, o processo de inventario, quando haja lugar a este, quer na modalidade de inventario-arrolamento quer por via do inventario-divisão. II - Tal direito de redução e apenas conferido pela lei aos herdeiros legitimários, por só eles serem, ou poderem ser, ofendidos nas suas legitimas. III - Todavia pode haver casos em que se pode usar a acção comum prevista nos artigos 2168, 2169 e 2178 do Código Civil para a finalidade indicada em I. IV - Quando a indagação sobre inoficiosidade não possa ser feita com a necessária segurança no inventario, depois de esgotados todos os meios para isso, remeter-se-ão os interessados para os meios comuns (artigo 1397 do Código de Processo Civil), ou quando houver doações inter-vivos aceites, tal como nos autos, o herdeiro legitimário, ainda em vida do doador, poderá demandar este para assegurar o seu direito a legitima ou a sua expectativa quanto a mesma.» (24)); o AC RP de 26-03-2009, proferido no processo nº0837985, relatado por Teixeira Ribeiro (que sumariou : «I – Mesmo após as alterações às regras processuais introduzidas pelos DD. LL. nº/s 227/94, de 08.09, 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.09, e com o que actualmente dispõe o art. 2178º, do CC, o processo de inventário para partilha de herança continua a ser o meio processual idóneo para nele se apreciar a inoficiosidade e eventual redução de doação feita pelo inventariado tanto a herdeiros como a estranhos à herança. Somente para esse efeito deverá o cabeça de casal incluir na relação de bens a identificação e valor do bem doado. II – Sem embargo, qualquer herdeiro legitimário que se ache prejudicado na sua legítima por doação efetuada a herdeiro ou a um estranho pode lançar mão da acção declarativa comum, sobretudo quando, por exemplo, já tenha sido concluído o inventário e efectuada a partilha dos bens do doador sem que aí tenha sido considerada a redução, desde que, nesse caso, alegue o montante do prejuízo e os termos em que se deverá operar a redução da doação (que poderá ser através da separação e adjudicação de parte do imóvel doado, se este for divisível, ou pela entrega do correspondente valor em dinheiro – arts. 2174º, do CC, e 1364º e 1365º, ambos do CPC) – contanto que ainda esteja em tempo, por não haver decorrido o prazo de dois anos previsto no citado art.2178º, do CC;» (25)).
Nesta controvérsia, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro, nas anotações ao atual art.1118º do C. P. Civil, estabelecem os critérios dependentes da pendência ou falta de pendência de processo de inventário, considerando: que, mesmo quando o processo de inventário é admissível, «nada impede que, antes do inventário ser requerido, algum herdeiro legitimário proponha uma acção autónoma contra os sujeitos visados pelo pedido de redução por inoficiosidade, optando assim por resolver esta questão no âmbito de uma acção ordinária de natureza prejudicial»; que, depois de instaurado o inventário e na sua pendência «não é admissível que (…) os herdeiros legitimários proponham contra outro ou outros interessados uma acção autónoma de redução de liberalidades inoficiosas, dado que, neste caso, o incidente regulado no artigo constituiu o procedimento próprio para a verificação dessas inoficiosidades» (26).
2.2. Situação em análise:
Impõe-se aplicar o direito à concreta situação em análise. Por um lado,na presente ação declarativa sob a forma de processo comum, a autora:
a) Apresentou como fundamento dos pedidos uma situação fático- jurídica complexa, na qual alegou: que o falecido instituiu, pelo menos, 5 legatários e que legou a cada um destes um conjunto de bens (a uns o direito sobre um conjunto de imóveis; a outros o direito sobre um conjunto de bens móveis; a outros, o direito a um conjunto de bens imóveis e móveis), com indicação de valores reais mínimos aproximados (em relação aos quais se depreende que admite que possam ser avaliados no processo em valor superior) e em relação a cada um dos conjuntos de bens legados a cada um dos legatários (não indicando o valor individual de cada um dos bens); que foi beneficiada com legados (o direito de usufrutos sobre os bens imóveis que identifica), cujo valor desconhece e que pensa corresponder a 15% do valor dos bens, e com valores mobiliários de ações de depósitos que indica.
b) Pediu a avaliação de todos os bens da herança para se calcular o valor da sua legítima e verificar a eventual necessidade de redução das liberalidades feitas aos réus (que crê que são inoficiosas e afetam a sua legítima), pedido este que se compreende como um pedido aberto da possibilidade de se avaliarem os bens por valores reais, acima dos valores aproximados e indicativos invocados.
c) Formulou, no seu dispositivo, três pedidos de decretamento de efeitos jurídicos, nos quais: o 1º) e o 2º) pedidos (1º)«Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que a autora é a única e universal herdeira legitimária do falecido F. V..»; 2º) «Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que as deixas testamentárias são inoficiosas, por ofenderem a legítima da autora») são vestibulares do 3º) pedido (Determinar que estas deixas inoficiosas sejam, «consequentemente (…) reduzidas em tanto quanto for necessário para que a legítima da autora seja preenchida, nos termos do artigo 2174 do Código Civil»), sendo que a formulação deste 3º) pedido foi feito de uma forma aberta e indeterminada.
Ora, ainda que se aceite que um herdeiro único pode pedir a redução de liberalidades que afetem a sua legítima numa ação declarativa comum (sobretudo numa situação jurídica não complexa e com efeitos determinados quanto aos termos da redução pretendida), verifica-se que para a apreciação da pretensão essencial formulada neste processo comum, lida de acordo com os seus fundamentos (pretensão de determinação de efeitos jurídicos de redução e de reposição formulada de forma aberta e não determinada; fundamento factual de valor dos bens alegado de forma aproximada, sem certeza e indicação de limite máximo à avaliação), é adequada a forma especial de inventário para relacionamento de bens e liquidação da herança já instaurado (e sujeito ao referido regime do RJPI aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março, enquanto se mantiver no Cartório Notarial), tendo em conta que este processo especial é um processo de interessados e está dotado de fases de maior flexibilidade para o apuramento da inoficiosidade e para a determinação concreta dos seus efeitos.
De facto, um processo de interessados não está sujeito, em geral, aos limites mais estritos de um processo de partes de natureza contenciosa, quer quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, quer quanto ao pedido e aos efeitos jurídicos passíveis de decretar (enquanto a ação declarativa, sob e forma de processo comum, está sujeita ao princípio do dispositivo e à delimitação pela causa de pedir, nos termos dos arts.3º e 5º/1 e 2 do C. P. Civil, não podendo o tribunal, na sua condenação, basear-se em factos que não lhe seja lícito conhecer, nem condenar em efeitos jurídicos que extravasem o âmbito do pedido, nos termos dos art.608º e 609º do C. P. Civil; no processo de inventário, nomeadamente, a pretensão de partilha ou de liquidação do requerente podem ser formulados de forma genérica e aberta e não limitam os efeitos de partilha ou liquidação a operar, e a indicação pelo cabeça de casal de valores aos bens não limita o valor a fixar aos mesmos, através dos procedimentos previstos no processo especial de inventário).
Este processo de inventário, por sua vez, dispõe de fases com uma flexibilidade maior do que aquelas que estão previstas no processo comum (marcado pelas fases dos articulados, de saneamento, de instrução e de julgamento), fases essas que virão a permitir, depois da avaliação dos bens e da aferição do valor da legítima e do valor dos legados, concluir se há inoficiosidade dos legados e, em caso positivo, desencadear o processo de reposições e imputações (com a escolha pelos legatários dos bens que possam preencher o valor que têm direito a receber e com as imputações dos legatários à legítima do herdeiro legitimário, em substância e/ou em dinheiro, nos termos previstos por lei). Por outro lado, encontra-se a correr um processo especial de inventário no cartório notarial desde 2018, numa situação, na qual: de acordo com o despacho da Senhora Notária e com a configuração dada pelas partes nestes autos, existe apenas uma herdeira legitimária, a herança foi distribuída em legados e a relação de bens não discriminou dívidas a pagar, para além dos encargos dos legados; a Senhora Notária admitiu o prosseguimento de inventário, depois de equacionar que se colocava no mesmo a questão da eventual existência de disposições inoficiosas, com a intervenção oportuna dos legatários nos termos dos arts.4º/2 e 10º/1 do RJPI.
Este processo de inventário, neste contexto, apenas pode ter como função a relacionação e a liquidação da herança, por não existir outra razão que o justifique. A liquidação, nesta situação em que foram apenas indicados os legados como encargos da herança, para além do referido em III-2.1.2.- 2.1.2.2., integra necessariamente a pretensão de discussão sobre a inoficiosidade dos referidos legados e a sua redução face à avaliação.
Assim, é neste processo especial de inventário já admitido, pendente e com esta configuração adequada e flexível indicada em III-2.1.3. (ainda que a adequar parcialmente na parte das licitações próprias da partilha) que: deve ser feita a avaliação dos bens, aferido o valor da legítima e se os legados excedem o valor da mesma; e, no caso afirmativo dos valores dos legados serem inoficiosos por afetarem a legítima, deve desencadear-se o processo de escolha e imputações para redução dos legados e para preenchimento dos mesmos e da legítima.
A indicada justificação da autora- de ter tido a intenção de instaurar a presente ação comum para impedir a operância da caducidade (art.2178º do C. Civil) por razões de cautela e face à extensa discussão jurisprudencial, apesar de ser compreensível face à complexa e discordante discussão jurisprudencial, não é apta a tornar adequada a forma de processo comum para apreciar a pretensão essencial complexa e aberta pretendida nesta ação e processo.
Em qualquer caso, a instauração por um único herdeiro legitimário, após a morte do falecido e dentro do prazo de 2 anos, de um processo de especial de inventário para liquidação da herança para discutir os termos da redução dos legados, nomeadamente com a redução ao limite do valor da quota disponível, é apta a impedir a caducidade (arts.2178º, 328º e 331º do C. Civil), uma vez que onde consta “ação” (única via existente em 1966) se deve necessariamente entender o procedimento vigente no qual possa ser pedida (expressa ou implicitamente) a redução das liberalidades (ação judicial, comum ou especial; procedimentos pendentes em cartórios notariais, desde a entrada em vigor da Lei nº23/2013, de 5 de março).
Desta forma, e por razões parcialmente distintas da decisão recorrida, mantém-se a decisão da absolvição da instância dos réus e julga-se improcedente o recurso.
IV. Decisão:
Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação.
*
Custas pela autora (art.527º/1 do C. P. Civil).
*
Guimarães, 17.02.2022
Revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta