RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
FALSIDADE
DOCUMENTO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I. O recurso extraordinário de revisão permite a quem tenha ficado “vencido” ou “prejudicado” num processo já findo por decisão transitada em julgado a sua reabertura, mediante a invocação de determinados fundamentos previstos taxativamente na lei.
II. A apresentação de documento apenas é admissível quando: i) o documento, por si só e sem recurso a outros elementos probatórios, se afigure suscetível de derrubar o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente; e ii) o recorrente não tenha podido fazer uso dele por desconhecimento da sua existência, ou em virtude da sua inexistência, devendo a revisão ser liminarmente rejeitada se o documento houver sido já apresentado no processo em que foi proferida a decisão em crise. Segundo o art. 696.º, al. c), do CPC, o documento deverá ser novo e suficiente.
III. Segundo o art. 696.º, al. b), do CPC, o recurso de revisão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) falsidade de depoimento; ii) demonstração do nexo causal entre a referida falsidade e a decisão revidenda; iii) ausência de possibilidade de discutir a falsidade no processo em foi proferida a sentença a rever.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I – Relatório

1. A 24 de abril de 2017, nos autos referenciados, apenso A, foi proferida sentença, no Tribunal de l.ª Instância, que julgou os embargos deduzidos por Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., e Outros, contra Parvalorem, S.A., totalmente procedentes.

2. Por acórdão de 11 de dezembro de 2018, o Tribunal da Relação ... revogou aquela sentença, ordenando o prosseguimento da execução.

3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de maio de 2019, confirmou a decisão do Tribunal da Relação ....

4. Foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi admitido.

5. A matéria de facto fixada no Tribunal de 1.ª Instância não foi impugnada por via de recurso ordinário.

6. A 13 de março de 2020, Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., e Outros, Executados na ação que lhes foi movida pela Parvalorem, S.A., à luz do art. 696.º, als. b) e c), do CPC, apresentaram, no Tribunal de 1.ª Instância, recurso extraordinário de revisão com fundamento na existência de um documento não admitido, na existência de um documento novo e na falsidade de um depoimento.

7. A 22 de junho de 2020, no Juízo de Execução ..., foi proferido despacho judicial que indeferiu liminarmente o requerimento de recurso de revisão, por se considerar que o mesmo deveria ter sido apresentado no Tribunal da Relação .... Conforme esse despacho:

Vieram "Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., EE, AA, BB e CC interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do consignado no art.° 696. °/b)/c) CPC, da decisão final transitada em julgado que conheceu os Embargos de Executado (Apenso-A) deduzidos no âmbito da Ação Executiva n.° 7361/15.... que corre termos neste Juízo de Execução .../Juiz-....

Os Embargos de Executado foram instaurados contra a Execução a 11-01-2016.

Em 1."Instância, os Embargos de Executado assumiram o n.° 7361/15...., e a 24-04-2017 foi proferida sentença que julgou os Embargos de Executado totalmente procedentes e determinou a extinção da Ação Executiva.

A sentença foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação ..., onde correu termos sob o n.° 7361/15...., e onde foi proferido, a 11-12-2018, acórdão que revogou a sentença da 1." Instância e que em sua substituição proferiu decisão que ordenou o prosseguimento da Ação Executiva.

O acórdão do Tribunal da Relação ... foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde correu termos sob o n.° 7361/15...., e onde foi proferido, a 09-05-2019, acórdão que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação ....

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, onde correu termos sob o n.° 679/19, e onde foi proferida, a 08-01-2020, decisão sumária que não conheceu o recurso.

Determina o art.° 697.71 CPC que o recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.

Parece ser largamente dominante na doutrina e na jurisprudência de que a revisão compete ao Tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado que se pretende rever. A título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2019 (15/10....):

"I - Nos termos do art° 697°, n.° 1, do Código de Processo Civil, o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de Ia instância.".

No caso concreto:

A sentença proferida neste Tribunal de 1." Instância foi revogada e substituída, pelo que não tem existência jurídica qualquer decisão de 1." Instância passível de revisão. Deste modo, ao instaurarem o recurso neste Tribunal de 1." Instância não observaram os Recorrentes as regras da competência dos Tribunais em razão da hierarquia (arts. 67.° a 69° CPC), optando por um Tribunal absolutamente incompetente para conhecer da causa [art. ° 96.7a) CPC], o que implica o indeferimento liminar do recurso de revisão (arts. 99.71/" segunda parte", 699.71, e 641.71/"parte final" CPC)”.

8. A 14 de julho de 2020, foi interposto recurso de apelação desta decisão do Juízo de Execução ..., sustentando-se que o recurso de revisão deveria prosseguir no Tribunal de 1.ª Instância.

9. Por acórdão de 26 de janeiro de 2021, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte:

"O tribunal competente para o recurso de revisão é o tribunal que proferiu a decisão objeto deste recurso (artigo 697.°, n.° 1, do CPC).

Tendo existido recurso de apelação ou de revista, o tribunal competente é, respetivamente, o da Relação ou o STJ, independentemente do sentido da decisão ser confirmatório ou revogatório da decisão anterior".

10.  Portanto, o recurso de apelação foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

11. A 16 de fevereiro de 2021, foi interposto recurso de revista do referido acórdão do Tribunal da Relação ..., com as seguintes Conclusões:

"A) - Começa o douto Ac. por analisar a questão das novas diligências de prova:

No que respeita às diligências (nomeadamente de prova), o art.7 00°, n° 3, da lei em análise diz-nos: «Quando o recurso tenha sido dirigido a um tribunal superior, pode este requisitar ao tribunal de Ia instância, de onde o processo subiu, as diligências que se mostrem necessárias e que naquele não possam ter lugar».

Assim, no caso, não é o tribunal de Ia instância o hierarquicamente competente.

B) - Há posições que defendem a propositura de acção na primeira instância por causa da matéria de facto e também porque é lá que está o processo, sendo esta instância que envia o processo para tribunal superior, mas há a posição dominante que defende que o processo deve ser intentado onde se deu o trânsito em julgado e será este tribunal a requisitar diligências à primeira instância a qual também toma decisões, logo a jurisprudência não é assim tão uniforme

C) - Mas e bem refere o douto Ac. no ponto 9o das suas conclusões, que os recorrentes solicitam ao douto tribunal da Relação que:

"Mas também e muito respeitosamente requer-se ao Tribunal da Relação que se pronuncie sobre qual o tribunal competente para o presente pleito devido às divergências existentes, nos termos do artigo 101 do CPC.

Veja-se Ac. do Tribunal da Relação ..., no processo 980/09...., datado de 13-04-2010 que refere:

"I - A infracção das regras de competência em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo e enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (art°s 101°e 102°, n° 1, do CPC).

II - Dispõe o n° 1 do art° 772° do CPC, na redacção conferida pelo art° Io do Dec. Lei n° 303/2007, de 24/08, que o recurso de revisão "...é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever ".

D) - A solicitação dos recorrentes e a sua argumentação, no recurso, não foi contraditada, pela Relação, nem tão pouco desmontada, invocando-se um acórdão do S.T.J., como jurisprudência, que refere "parece uniforme", ou seja, salvo o devido respeito e melhor opinião, parecer não é o mesmo que ser uniforme, pelo que se mantém a argumentação, supra invocada.

E) - Mas, nas alegações, requereu-se ainda ao Tribunal da Relação que, caso não fosse o seu entendimento, se pronunciasse sobre qual seria o tribunal competente para julgar o pleito, o qual apenas decidiu sobre a incompetência do tribunal de primeira instância, não decidindo contudo qual teria competência, se o Tribunal da Relação ou se o Supremo Tribunal de Justiça, mas por uma questão de justiça, devemos considerar que o douto Tribunal da Relação, "nos factos a considerar" e quanto a nós, teve a percepção e análise correcta das questões a decidir.

F) - Ora tendo o tribunal da Relação decidido que o tribunal de primeira instância era incompetente em razão da hierarquia, solicita-se nos termos do n.° 1 do artigo 101°do CPC, que seja o Supremo Tribunal de Justiça, ouvido o ministério público que decida qual o tribunal competente, pois pretendem os recorrentes que não se verifique uma denegação de justiça ou uma omissão de pronunciamento, já que as suas expectativas precisam de uma decisão que esclareça qual o tribunal competente para o exercício do direito.

G) - Acresce que o que os recorrentes pretendem ver provado é a inexistência de qualquer prestação em atraso, como resulta da sua posição e defesa, porque não reapreciar a sua argumentação seria duma enorme injustiça que levaria a perder definitivamente uma causa com base num facto falso.

H) - Tais pretensões visam acautelar os direitos dos ora recorrentes, não só a nível do plano jurídico, como mesmo no plano constitucional, nomeadamente através da salvaguarda da sua segurança jurídica e protecção da confiança, princípios basilares do estado de direito.

I) - Veja-se o douto AC. do S.T. Administrativo de 13-11-2007, para oproc. 0164A/04, sobre os princípios da confiança e da segurança jurídica:

"I - O princípio do Estado de Direito concretiza-se ati-avés de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.

II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2o da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte.

III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado. "

TERMOS EM QUE, NA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, DEVE SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ACOLHA A MATERIALIDADE FLUENTE DAS CONCLUSÕES TECIDAS".

12. Não houve contra-alegações.

13. A 20 de abril de 2021, o Senhor Procurador Geral Adjunto do Ministério Público foi de opinião que, tratando-se de rever a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2019, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação ... de 11 de dezembro de 2018, conforme a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal competente para conhecer do recurso de revisão interposto pelos Executados é este mesmo Tribunal.

14. Por acórdão de 4 de maio de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

Pelo exposto, acordam em:

- Confirmar o acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª Instância de indeferimento liminar do Recurso de Revisão, por não ser o Tribunal competente.

- Determinar, nos termos do art. 101, nº 1 do CPC a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, como sendo o Tribunal onde deve ser interposto o recurso de revisão, nos termos do nº 1 do art. 697 do CPC”.

15. Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., e Outros vieram dizer o seguinte:

"(…) tendo sido notificados do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vêm por este meio dar conhecimento que nesta data remeteram ao tribunal de Ia Instância o requerimento que se segue, no sentido de o recurso de revisão ser doutamente apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seguimento da sua decisão".

16. Conforme o despacho de 15 de junho de 2021:

“É certo que sendo instaurada ação em Tribunal julgado incompetente os autos podem ser remetidos ao Tribunal julgado competente, para aí prosseguirem seus termos.

Porém, no Tribunal competente hão-de os autos ser objeto de distribuição.

Este tribunal decidiu o recurso de revista que lhe foi solicitado apreciar e, o que agora está em causa é a tramitação do recurso de revisão.

São situações distintas.

Tendo em conta o disposto nos arts. 203° e 205° do CPC, remetam-se os autos à Secção Central, para efeitos de distribuição”.

17. Dispensaram-se os vistos - art. 657.º, n.° 2, ex vi do art. 679.º, do CPC -, tendo sido, oportunamente, enviadas aos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos, por correio eletrónico, cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes.


II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões de saber:

- se o recurso de revisão interposto por Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., e Outros, com base no art. 696.º, als. b) e c), do CPC, é ou não admissível;

- se deve ou não ser alterada a decisão revidenda.


III – Fundamentação

A) De Facto

Foi dada como provada a seguinte factualidade:

“A) – A exequente é portadora de um título com a palavra “livrança” nele inscrita, junto a fls. 23 dos autos principais, no valor de € 106.603,47, com data de emissão em 16/6/2015, no ..., com data de vencimento em 26/6/2015, onde se diz, para além do mais, “financiamento bancário”, estando colocado um carimbo “sem despesas” e ainda “no seu vencimento, pagarei(emos) por esta única via de livrança ao BPN - Banco Português de Negócios, S.A. ou à sua ordem a quantia de cento e seis mil seiscentos e três euros e quarenta e sete cêntimos, ali estando inscrito a lápis “n.º 01-1732-25”, subscrita pela sociedade executada (requerimento executivo);

B) - No verso do documento referido em A), após a expressão “bom para aval” encontram-se apostas as assinaturas dos Embargantes e ainda, após a expressão “endossada à Parvalorem, S.A. por via da cessão de créditos” o carimbo do “Banco BIC Português, S.A.” e duas assinaturas (requerimento executivo e matéria do art. 37.º da contestação);

C) - A livrança referida em A) não foi paga à exequente (requerimento executivo);

D) – Por escrito intitulado “contrato de cessão de créditos” celebrado entre “BPN - Banco Português de  Negócios, S.A.” e a Exequente, datado de 30/12/2010, foram cedidos a esta os créditos constantes do anexo a tal escrito, indicados relativamente à sociedade executada no valor de € 67.184,49 (requerimento executivo);

E) - A sociedade executada dirigiu ao “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.” escrito datado de 26/2/2010, com o assunto “Garantia de responsabilidades – envio de livrança – autorização de preenchimento” onde se encontra consignado: “(…) Nos termos acordados com V. Exª, enviamos uma livrança em branco, por nós subscrita, e avalizada pelas pessoas abaixo identificadas, destinada a garantir o pagamento de todos os valores que por nós se mostrarem em dívida a V. Exª por crédito concedido e/ou a conceder, e valores descontados e/ou adiantados, até ao limite de euros 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos euros), acrescido dos respectivos juros, despesas e encargos, desde já autorizando V. Exª a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto a data de vencimento, local de pagamento (BPN – ...) e ao valor a pagar, o qual corresponderá aos valores que por nós forem devidos aquando da sua eventual utilização. O BPN, conforme melhor lhe convier, pode apresentar a livrança a pagamento, ou descontá-la, utilizando o seu produto para pagamento dos seus créditos, ficando desde já autorizado a apor nela a cláusula “sem despesas” com a consequente dispensa de apresentação a protesto em caso de não pagamento. A subscritora autoriza ainda o BPN a proceder ao débito, na sua conta de depósitos à ordem, pelo montante relativo ao pagamento do correspondente imposto de selo. …”, seguida da aposição de carimbo e assinatura, e, após a expressão “autorização dos avalistas”, “Estamos de acordo com o preenchimento da livrança nos termos supra referidos e tomei conhecimento que as responsabilidades assumidas no título de crédito são, nos termos da regulamentação aplicável, comunicadas à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.”, seguida das assinaturas dos executados pessoas singulares (requerimento executivo, matéria dos arts. 21.º, 27.º da petição inicial de embargos, matéria dos arts. 5.º, 19.º, 26.º, 37.º da contestação);

F) – Com data de 26/2/2010 foi formalizado um escrito intitulado “Acordo de Regularização de Responsabilidades”, constando o “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.” como primeiro outorgante ou “BPN”, a sociedade executada como segunda outorgante ou “Mutuária”, representada pelo Embargante Vasco José Ferreira Pratas como gerente e com poderes para o acto, ali estando consignado: “Considerando que a mutuária é devedora ao BPN da quantia global de € 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos euros) (…), que a celebração do presente contrato não implica a novação das obrigações decorrentes das responsabilidades que o presente contrato visa regularizar, mantendo-se todos os vínculos dos devedores à tipologia das responsabilidades originárias, os outorgantes decidiram celebrar um acordo de regularização de responsabilidades, o qual, para além do consignado nos considerandos supra, se regulará ainda pelo disposto nos artigos seguintes: Artigo primeiro (confissão de dívida): a mutuária confessa-se devedora ao BPN da quantia de € 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos euros) (…); Artigo segundo (reescalonamento da dívida): pelo presente contrato, a mutuária e o BPN, aceitam consolidar e diferir no tempo, pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses, o pagamento da dívida referida na cláusula anterior no montante de € 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos euros), obrigando-se a mutuária a liquidar esse montante em prestações mensais de capital e juros, porém as prestações serão debitadas ao dia 15 de cada mês (…); Artigo Terceiro (juros): 1. Os valores utilizados vencem juros à taxa Euribor a três meses, apurada através da média aritmética simples das cotações diárias das taxas Euribor de igual periodicidade à taxa Euribor atrás indicada que vigorarem no mês anterior à data de início de cada período de contagem de juros, arredondada à milésima (…) acrescida de um spread de 5,5%. 2. No primeiro período de contagem de juros, a taxa anual nominal aplicável será de 6,180%. 3. À taxa nominal referida no número anterior corresponde a taxa anual efectiva (TAE) (…) 6,4491% (…); Artigo quarto (mora): No caso de mora no pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato (prestações de capital e juros), poderá o BPN proceder à sua compensação com quaisquer títulos ou valores que tenha em sua posse, independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal; Artigo quinto (pagamentos): Todos os pagamentos emergentes deste contrato, quer relativos a capital e demais encargos, serão debitados nas datas-valor referidas no presente contrato, na conta de depósitos à ordem aberta em nome da mutuária com o n.º ...50 sediada na agência de ..., a qual esta se obriga a manter devidamente provisionada para o efeito, autorizando desde já o BPN a proceder à respectiva movimentação daquela conta; Artigo sexto (garantias): No momento da outorga do presente contrato será entregue ao BPN uma livrança em branco, subscrita pela mutuária e avalizada por AA, Vasco José Braz Ferreira Pratas, BB e CC, para garantia de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pelos Mutuários perante o BPN até ao limite de € 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos euros), acrescido de juros, despesas e encargos, incluindo por isso os valores emergentes deste contrato; a mutuária desde já autoriza o BPN a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (BPN – ...) e ao valor a pagar, o qual corresponderá aos créditos de que em cada momento, a mutuária seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes. O BPN poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos; Artigo sétimo (comissões, despesas e honorários) 1. Sem prejuízo do estabelecido no artigo quarto, correrão por conta da mutuária e serão por eles pagas todas e quaisquer despesas, encargos, comissões, impostos e taxas, designadamente as que resultarem da abertura/celebração, alteração/renovação/encerramento e execução deste contrato e das garantias a ele associadas, de acordo com o preçário do BPN que a mutuária reconhece ter-lhe sido facultado. 2. Serão também de conta da mutuária todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, que o BPN haja de fazer para garantia e cobrança do seu crédito, despesas que desde já se fixam em 4% (quatro por cento) sobre o valor que se mostrar devido; Artigo oitavo (exclusão de novação – cessão de créditos): 1. O BPN poderá ceder os seus créditos sobre a mutuária ou a sua posição contratual, sem necessidade de autorização, nomeadamente para efeitos de titularização (…); Artigo nono (vencimento antecipado): O não cumprimento pela mutuária de qualquer das obrigações aqui assumidas, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, determinará o imediato e automático vencimento de toda a dívida e, em consequência a exigibilidade de tudo quanto constituir o crédito do BPN (…) (requerimento executivo, matéria dos arts. 2.º, 3.º, 4.º, 5.º da contestação);

G) - O documento referido em A) foi entregue à Exequente para garantir o acordado no escrito referido em F) (requerimento executivo);

H) - A Exequente enviou aos embargantes, cartas registadas, em 16/6/2015, sob o assunto “Resolução de acordo de regularização de responsabilidades celebrado em 26/2/2010 no valor de € 69.600,00 – preenchimento de livrança”, com o seguinte teor: “(…) Conforme oportunamente comunicado, esta sociedade adquiriu, por via de contrato de cessão de créditos, o crédito detido pelo BPN - Banco Português de Negócios, S.A. sobre V. Exªs (…) Conforme comunicação que lhe foi remetida pelo BPN - Banco Português de Negócios, S.A. o referido contrato encontra-se resolvido desde 18/10/2010. Consequentemente, estando vencidas todas as obrigações decorrentes do referido contrato, devem V. Exªas proceder ao pagamento de todos os valores em dívida (capital, juros e impostos), cujo montante ascende a € 106.603,47 (cento e seis mil seiscentos e três euros e quarenta e sete cêntimos) até ao dia 26 de Junho de 2015. Na falta de pagamento do valor em questão, procederemos à instauração em Tribunal do respectivo processo de execução. (…)” (matéria do art. 16.º da petição inicial de embargos);

I) - A Exequente e a Intrum Justitia enviaram aos embargantes, cartas em 18/3/2014 à sociedade executada e em 13/11/2014 aos demais executados, sob o assunto “Responsabilidades accionadas judicialmente”, com o seguinte teor: “(…) A Intrum Justitia em representação do nosso cliente Parvalorem, S.A., (…) vem pela presente informar e solicitar a V. Exªas o seguinte: encontram-se accionadas judicialmente as seguintes responsabilidades: operação ...02, descrição mútuo renegociados; Atendendo às repercussões que as acções judiciais normalmente têm sobre a esfera jurídico-patrimonial dos visados, e porque é nosso objectivo encontrar uma solução mais célere, menos dispendiosa e com objectivos práticos que assentem numa nova condição perante as instituições de crédito e a sociedade em geral (um verdadeiro fresh start) vimos por este meio solicitar um contacto de V. Exª com os nossos serviços através do nº ...14 ou por email para o endereço .... Estamos certos que podemos ter uma solução para este delicado assunto. (…)” e no caso dos executados pessoas singulares com o seguinte teor: “(…) Em representação do nosso cliente Parvalorem, S.A., vimos pela presente informar V. Exªas que se encontram accionadas judicialmente responsabilidades para com aquela entidade, nas quais é titular Vasco Pratas - Com. Automóveis Unip., Lda. E V. Exªas co-responsáveis. Atendendo às repercussões que as acções judiciais normalmente têm sobre a esfera jurídico-patrimonial dos visados, e porque é nosso objectivo encontrar uma solução mais célere, menos dispendiosa e com objectivos práticos que assentem numa nova condição perante as instituições de crédito e a sociedade em geral (um verdadeiro fresh start) vimos por este meio solicitar um contacto de V. Exª com os nossos serviços através do nº ...14 ou por email para o endereço .... Estamos certos que podemos ter uma solução para este delicado assunto. (…)” (matéria dos arts. 18.º e 19.º da petição inicial de embargos);

J) - A Exequente e o BPN - Banco Português de Negócios, S.A. enviaram à sociedade executada e aos embargantes BB e Vasco Pratas, cartas em 25/2/2011, sob o assunto “cessão de créditos de que o BPN - Banco Português de Negócios, S.A. era titular”, com o seguinte teor: “(…) Vimos pela presente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 583.º do Código Civil, notificar que o BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (…) transmitiu os créditos emergentes das operações identificadas no Anexo, bem como as respectivas garantias e outros acessórios à sociedade “Parvalorem, S.A.” (…). Mais informamos que, até comunicação em contrário da Parvalorem e sem prejuízo do direito desta agir judicialmente (se aplicável), o pagamento dos créditos cedidos poderá continuar a fazer-se através do BPN ou por outro meio que venha a ser oportunamente comunicado. Esclarecemos que na ausência de qualquer comunicação relevante, o BPN continuará a debitar a conta bancária associada ao pagamento dos créditos indicados ou outra conta bancária na qual tenham sido depositados fundos para pagamento desses créditos, nos termos devidos, desde que essas contas tenham saldo positivo disponível (…) Anexo: nº contrato: ...02, produto: mútuos (…)” (matéria do art. 4.º da contestação);

K) - A Exequente e o Banco BIC enviaram à embargante AA, carta em 11/6/2015, sob o assunto “cessão de créditos”, com o seguinte teor: “(…) Vimos pela presente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 583.º do Código Civil e no art. 356.º do CPC, informar e notificar V. Exª que, na qualidade de avalista do processo abaixo identificado, por contrato de cessão de créditos, celebrado em 30/12/2010, o BPN – Banco Português de Negócios, S.A., tendo alterado a sua denominação para Banco BIC Português, S.A. (…) transmitiu os créditos a seguir identificados de que era titular sobre a empresa “Vasco Pratas – Comércio Automóveis Unipessoal, Lda.” bem como as respectivas garantias e acessórios, à sociedade “Parvalorem, S.A.” (…). Crédito: emergente de um contrato designado de acordo de regularização de responsabilidades ocorrido em 26/2/2010 no montante de € 69.600,00. Nos termos e para os efeitos previstos no art. 356.º do CPC ficam V. Exª notificada que, querendo, pode contestar a cessão de créditos efectuada. Prazo para apresentar a contestação: 1 dias a contar da data da recepção da presente notificação, a que acresce a dilação nos termos legais. (…) Por fim, informamos que: a) até comunicação em contrário da Parvalorem, para pagamento extrajudicial, total ou parcial, dos créditos acima indicados, poderá também dirigir-se ao BIC; b) a cessão dos créditos acima identificados foi acompanhada da transmissão das garantia existentes (…)” (matéria do art. 4.º da contestação);

L) - O BPN - Banco Português de Negócios, S.A. enviou à sociedade executada carta em 7/10/2010, sob o assunto “resolução e vencimento antecipado no contrato de mútuo nº ...02”, com o seguinte teor: “(…) Com referência ao contrato de mútuo acima identificado, celebrado entre o BPN - Banco Português de Negócios, S.A. e V. Exª, vimos pela presente, nos termos daquele contrato e com fundamento em incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do mesmo, resolver o identificado contrato, com efeitos no dia 18/10/2010. Contudo, a presente resolução ficará sem efeito se, até à data indicada, V. Exª proceder ao pagamento integral dos montantes devidos ao BPN na presente data, ao abrigo do contrato em referência, acrescido dos juros de mora que venham a vencer-se até à data do pagamento, calculados nos termos contratualmente estabelecidos, bem como dos demais encargos e despesas, devendo para o efeito contactar o gestor abaixo indicado. No caso de o pagamento integral do montante actualmente em dívida (acrescido dos juros que se vençam até esse momento e demais encargos e despesas) não ser efectuado até à referida data, as demais prestações pecuniárias estipuladas no contrato vencer-se-ão antecipadamente, nos termos contratualmente previstos, no dia 19/10/2010, passando o pagamento de todas as prestações a ser devido nessa data. Para os efeitos previstos no parágrafo anterior, informamos que, caso V. Exª não proceda entretanto a qualquer pagamento, o montante total devido ao BPN ao abrigo do aludido contrato será de € 73.276,76, acrescido dos juros de mora que se vençam até integral pagamento. O indicado valor de € 73.276,76 corresponde ao somatório das prestações vencidas, designadamente nos termos da presente comunicação, dos juros relativos ao período de mora, das despesas e demais encargos, conforme se discrimina: prestações vencidas: € 69.846,66; juros relativos ao período de mora: € 45,24; despesas e demais encargos: € 3.382,86. Na eventualidade de V. Exª não estar em condições de efectuar o reembolso da totalidade do valor em dívida, ao abrigo do identificado contrato, este Banco manifesta-se, desde já disponível para negociar com V. Exª a reestruturação da dívida remanescente ou um financiamento para pagamento da mesma, devendo contactar-nos para o efeito. Agradecemos que, de futuro, os contactos de V. Exª sobre esta matéria sejam efectuados junto do vosso gestor de conta, Sr. DD, designadamente através do telefone nº ...44 e/ou do e-mail ... . Se V. Exª preferir, poderá dirigir os contactos para: Nome: EE, telefone: ...90; (…) email: ... (…) (matéria do art. 20.º da contestação);

M) - O BPN - Banco Português de Negócios, S.A. enviou aos embargantes BB e Vasco Pratas, cartas em 7/10/2010, sob o assunto “resolução e vencimento antecipado no contrato de mútuo nº ...02”, com o seguinte teor: “(…) Vimos informar V. Exª na qualidade de garante das obrigações de Vasco Pratas - Com Automóveis Unip., Lda. Devedor no contrato de mútuo acima identificado, que este Banco procedeu à resolução do mesmo e declaração de vencimento antecipado dos montantes devidos ao abrigo desse contrato de mútuo, com fundamento no incumprimento de obrigações pecuniárias, conforme texto que aqui se transcreve: “Com referência ao contrato de mútuo acima identificado, celebrado entre o BPN – Banco Português de Negócios, S.A. e V. Exª, vimos pela presente, nos termos daquele contrato e com fundamento em incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do mesmo, resolver o identificado contrato, com efeitos no dia 18/10/2010. Contudo, a presente resolução ficará sem efeito se, até à data indicada, V. Exª proceder ao pagamento integral dos montantes devidos ao BPN na presente data, ao abrigo do contrato em referência, acrescido dos juros de mora que venham a vencer-se até à data do pagamento, calculados nos termos contratualmente estabelecidos, bem como dos demais encargos e despesas, devendo para o efeito contactar o gestor abaixo indicado. No caso de o pagamento integral do montante actualmente em dívida (acrescido dos juros que se vençam até esse momento e demais encargos e despesas) não ser efectuado até à referida data, as demais prestações pecuniárias estipuladas no contrato vencer-se-ão antecipadamente, nos termos contratualmente previstos, no dia 19/10/2010, passando o pagamento de todas as prestações a ser devido nessa data. Para os efeitos previstos no parágrafo anterior, informamos que, caso V. Exª não proceda entretanto a qualquer pagamento, o montante total devido ao BPN ao abrigo do aludido contrato será de € 73.276,76, acrescido dos juros de mora que se vençam até integral pagamento. O indicado valor de € 73.276,76 corresponde ao somatório das prestações vencidas, designadamente nos termos da presente comunicação, dos juros relativos ao período de mora, das despesas e demais encargos, conforme se discrimina: prestações vencidas: € 69.846,66; juros relativos ao período de mora: € 45,24; despesas e demais encargos: € 3.382,86. Na eventualidade de V. Exª não estar em condições de efectuar o reembolso da totalidade do valor em dívida, ao abrigo do identificado contrato, este Banco manifesta-se, desde já disponível para negociar com V. Exª a reestruturação da dívida remanescente ou um financiamento para pagamento da mesma, devendo contactar-nos para o efeito. Agradecemos que, de futuro, os contactos de V. Exª sobre esta matéria sejam efectuados junto do vosso gestor de conta, Sr. DD, designadamente através do telefone nº ...44 e/ou do e-mail ... . Se V. Exª preferir, poderá dirigir os contactos para: Nome: EE, telefone: ...90; (…) email: ... (…) (matéria do art. 20.º da contestação);

N) - O documento referido em A) foi preenchido de acordo com o escrito referido em E) (matéria do art. 27.º da contestação);

O) - Ao longo dos anos, os Embargantes tiveram contactos com o BPN, a Intrum Justitia e a exequente, com intenção de regularizar as quantias à data em dívida, nomeadamente após a recepção da carta descrita em M), efectuando pagamentos parcelares da mesma, de três prestações das quatro em falta à época (matéria do art. 46.º da contestação) – facto colocado em crise no presente recurso de revisão.

Resultou não demonstrado que:

1) – Que a sociedade executada realizasse com o BPN um contrato para liquidar a conta caucionada no valor de cerca de € 75.000,00 onde os executados pessoas singulares fossem os correspondentes avalistas (matéria do art. 2.º da petição inicial de embargos);

2) – Que do contrato referido em 1) fossem pagas inúmeras prestações, nunca lhes tendo sido entregue qualquer recibo de quitação ou extracto com o valor em divida, permanecendo a executada, e demais executados, sem saber o saldo da sua divida, isto apesar de o sócio gerente da empresa sempre ter procurado obter essas informações, o que nunca conseguiu (matéria do art. 3.º da petição inicial de embargos);

3) – Que como em 2010 havia um plafond de letras de € 10.000,00 já prescritos e valores de prestações em atraso, foi proposta à executada empresa, através do BPN, a renegociação do contrato descrito em F) (matéria do art. 4.º da petição inicial de embargos);

4) - Que, para que a renegociação referida em 3) fosse possível, fosse exigido à executada empresa que pagasse as letras no valor de € 10.000,00 e respectivos juros, o que teve de ser aceite e pago (matéria dos arts. 5.º, 31.º da petição inicial de embargos);

5) - Que, apesar da negociação referida em 3) e do acordo existente nunca fosse realizado contrato para ser entregue à sociedade executada, pelo que nunca esta soube em concreto quais as condições a que estava sujeita (matéria do art. 6.º da petição inicial de embargos);

6) - Que o contrato referido em F) não fosse devidamente assinado pelos Embargantes nem fosse entregue a qualquer destes (matéria do art. 7.º da petição inicial de embargos);

7) - Que as letras referidas em 4) nunca lhe fossem entregues, o que impossibilitou que a sociedade executada demandasse os aceitantes e recuperar os valores que pagou (matéria do art. 8.º da petição inicial de embargos);

8) – Que desde a data da aceitação de renegociação do mútuo, sempre a sociedade executada, através do seu sócio gerente procurasse saber, junto da Intrum Iustitia, os valores em dívida, o que nunca conseguiu (matéria do art. 9.º da petição inicial de embargos);

9) – Que unicamente conseguisse uma informação, em 2014, através da colaboradora da empresa referida em 8), Sra. FF, com o mail ..., que lhe afirmou estar em dívida um valor de € 65.497,41, a que acresceriam € 11.384,22 de juros de mora (matéria do art. 10.º, 32.º da petição inicial de embargos);

10) – Que à quase totalidade dos executados, nunca lhes fosse comunicada a cessão de créditos, mas apenas à executada CC (matéria dos arts. 11.º, 13.º e 15.º da petição inicial de embargos);

11) – Que a resolução invocada em H), datada de 18/10/2010 nunca fosse comunicada aos executados, nem à sociedade executada empresa, nunca sendo a empresa devedora interpelada para fazer o pagamento, nem tão pouco os avalistas (matéria do art. 17.º da petição inicial de embargos);

12) – Que do título não conste qualquer cláusula “sem despesas” (matéria do art. 25.º da petição inicial de embargos);

13) – Que a exequente inobservasse o referido em E) (matéria dos arts. 29.º, 31.º, 36.º da petição inicial de embargos).”

B) De Direito

Tipo e objeto de recurso

1. Está em causa o recurso de revisão interposto pelos Executados Vasco Pratas – Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., Vasco José Pratas, AA, BB e CC, ao abrigo do art. 696.º, als. b) e c), do CPC, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso de revista por si interposto, confirmando a decisão do Tribunal da Relação.

2. Trata-se de decisão final proferida nos autos de embargos de executado deduzidos pelos ora Recorrentes, em que estes invocaram, em síntese e no que ao recurso de revisão importa, o pagamento de diversas prestações e o desconhecimento do montante já satisfeito. Os então Embargantes alegaram, ainda, i) que o valor em dívida era, em 2010, de € 69.600,00, ii) que liquidaram a quantia de € 10.000,00, iii) que nunca assinaram o contrato de renegociação da dívida existente e ii) que “a resolução invocada e que se diz datada de 18/10/2010 nunca foi comunicada aos executados, nem principalmente à executada empresa, como teria obrigatoriamente de ser, nunca sendo a empresa devedora interpelada, desse resolução e para fazer o pagamento, nem tão pouco os avalistas, o que configura uma exceção que se requer” (cf. art. 17 do requerimento inicial).

3. Com relevância para a questão em apreço, importa referir que a matéria que se discutiu e que os Recorrentes pretendem voltar a debater diz respeito à eficácia da declaração resolutiva remetida por BPN - Banco Português de Negócios, S.A., aos Embargantes/Executados. Efetivamente, como resulta do facto provado sob a letra M), a credora - BPN - Banco Português de Negócios, S.A. -, na declaração de resolução deixou claro que esta ficaria sem efeito se, até à data da respetiva produção de efeitos (18 de outubro de 2010), os então devedores procedessem ao pagamento integral da dívida até então vencida.

4. Assim, nesta sede, a discussão levada a cabo pelas Instâncias centrou-se nas seguintes questões: i) se, até 18 de outubro de 2010, os Executados procederam ao pagamento das quantias em dívida à data do envio da declaração de resolução e ii) sobre quem impendia o ónus da prova desse pagamento.

5. Com base na factualidade dada como assente, o Tribunal de 1.ª Instância julgou os embargos procedentes, determinando a extinção da execução. Entendeu que a Exequente Parvalorem, S.A., não logrou demonstrar, como lhe competia, a eficácia da resolução por si operada.

6. A Exequente Parvalorem, S.A., interpôs, então, recurso de apelação para o Tribunal da Relação ..., tendo em sede de contra-alegações os então Recorridos/Executados, ora Recorrentes, anexado um documento, junto ao presente recurso de revisão como documento n.º 1.

7. Nenhuma das partes impugnou a matéria de facto.

8. O Tribunal da Relação ... indeferiu o requerimento de junção de documento, tendo revogado a decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Considerou resultar demonstrado que os Executados não procederam ao pagamento das quantias em dívida à data do envio da declaração de resolução [facto provado sob a letra O)].

9. O Supremo Tribunal de Justiça, chamado a decidir, confirmou integralmente o acórdão do Tribunal da Relação ..., ponderando, essencialmente, que a declaração de resolução ficou sujeita à condição resolutiva de pagamento das quantias em dívida e que tal condição não se verificou, pelo que a resolução do contrato de mútuo produziu os respetivos efeitos.

10. Deste último acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que, por despacho de 8 de janeiro de 2020, decidiu não conhecer do recurso.

11. Tal decisão transitou em julgado a 23 de janeiro de 2020 (cf. certidão emitida a 31 de aneiro de 2020, constante do apenso A).

(In)admissibilidade do recurso

1. O recurso extraordinário de revisão permite a quem tenha ficado “vencido” ou “prejudicado” num processo já findo por decisão transitada em julgado a sua reabertura, mediante a invocação de determinados fundamentos previstos taxativamente na lei. Visa retificar os erros de julgamento de que padeça uma decisão transitada em julgado, substituindo a decisão revidenda por outra que não enferme daqueles vícios.

2. Este recurso extraordinário comporta duas fases distintas: de um lado, a fase rescindente (art. 700.º do CPC), destinada ao conhecimento do fundamento do recurso, mantendo-se ou revogando-se a decisão objeto de revisão e, de outro, a fase rescisória, que depende da procedência do recurso e se destina à reapreciação da causa e proferimento de nova decisão (art. 701.º do CPC).

3. Impõe-se referir ainda, como prévia à fase rescindente, a fase de admissão do recurso, que se destina, fundamentalmente, a receber ou rejeitar o recurso, sendo este de indeferir “quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (cf. art. 699.º do CPC)

4. Com efeito, “(…) o recurso será rejeitado, além do mais, se faltar a legitimidade activa, se a decisão ainda não tiver transitado em julgado ou se tiver sido excedido algum dos prazos de caducidade previstos no art. 697.º, n.º 2, do CPC. A rejeição liminar pode fundar-se ainda na falta de junção dos elementos documentais que a lei impõe ou na falta de alegação de elementos de facto pertinentes para o preenchimento de cada um dos fundamentos de revisão se, neste caso, se verificar uma verdadeira situação de ineptidão traduzida na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. Por fim o requerimento deverá ser rejeitado quando se constate que os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão, designadamente, quando não conduzam ao resultado pretendido ou quando inexista uma relação de causalidade entre o facto e a decisão revidenda[1].

5. Os Recorrentes interpõem recurso de revisão com base no art. 696.º. als. b) e c), do CPC, segundo o qual: “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

6. Pretendem colocar em crise o facto provado sob a letra O) [“os Embargantes tiveram contactos com o BPN, a Intrum Justitia e a exequente, com intenção de regularizar as quantias à data em dívida, nomeadamente após a recepção da carta descrita em M), efectuando pagamentos parcelares da mesma, de três prestações das quatro em falta à época”], concretamente o segmento em que se afirma que os Embargantes, ora Recorrentes, apenas liquidaram três das quatro prestações em dívida ao tempo do envio da missiva descrita no facto provado sob a letra M).

7. Efetivamente, com base no facto provado sob a letra O), o Tribunal da Relação ... e o Supremo Tribunal de Justiça concluíram que, perante o não pagamento integral da quantia em dívida, a declaração de resolução se deveria ter por eficaz.

8. A leitura das suas alegações de recurso permite concluir que os Recorrentes pretendem demonstrar que, ao tempo do envio da declaração de resolução (7 de outubro de 2010), encontravam-se em dívida três prestações, que foram integralmente pagas até 18 de outubro de 2010.

9. Dependendo a eficácia da resolução do contrato de mútuo da falta de pagamento da quantia em dívida e tendo este pagamento ocorrido, sempre haveria que concluir pela ineficácia da resolução.

10. Os Recorrentes têm legitimidade para a interposição deste recurso extraordinário, já que ficaram vencidos na causa em que foi proferida a decisão a rever.

11. Importa, assim, apreciar se se verifica, ou não, algum fundamento de rejeição imediata do recurso (art. 698.º, n.º 1, do CPC).

Arts. 696.º, al. c), e 698.º, n.º 2, do CPC

1. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma consistente e reiterada que a apresentação de documento apenas é admissível quando: i) o documento, por si só e sem recurso a outros elementos probatórios, se afigure suscetível de derrubar o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente; e ii) o recorrente não tenha podido fazer uso dele por desconhecimento da sua existência (superveniência subjetiva), ou em virtude da sua inexistência (superveniência objetiva), devendo a revisão ser liminarmente rejeitada se o documento houver sido já apresentado no processo em que foi proferida a decisão em crise[2].

2. O documento deverá, pois, ser novo e suficiente, significando a novidade que “o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele”, de um lado e, de outro, a suficiência que tal documento, por si só, deve implicar “uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida[3].

3. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum intencionar a prova de factos novos – pré-alegação[4].

4. A impugnação ou a demonstração de factos (pré-alegados) deve, assim, impor uma alteração da decisão em crise, sendo de rejeitar o recurso sempre que da prova de um facto ou da sua exclusão não resulte uma decisão mais favorável ao recorrente.

5. Importa, pois, analisar, separadamente, cada um dos documentos juntos aos autos.

Documento n.º 1

1. No que respeita ao documento n.º 1 anexado com o recurso de revisão (extrato bancário), pode dizer-se que este não é passível de sustentar a pretensão dos Recorrentes.

2. De facto, este documento encontra-se datado de 27 de junho de 2017, tendo sido junto pelos ora Recorrentes em sede de contra-alegações de recurso de apelação, a 3 de julho de 2017, não sendo, pois, possível considerá-lo superveniente à decisão em crise.

3. É verdade que o pedido de junção de tal documento foi indeferido. Contudo, tal decorreu da incúria processual dos Recorrentes que, podendo impugnar a matéria de facto (art. 636.º, n.º 2, do CPC), não o fizeram.

4. Não se verifica, pois, quanto a este documento o requisito da novidade, sendo manifesto que o prazo de interposição de recurso se mostra esgotado (art. 697.º, n.º 2, al. c), do CPC).

5. Não se encontra outrossim preenchido o pressuposto da suficiência. Na verdade, o documento em apreço corresponde a um extrato bancário, que é um simples documento particular sujeito à livre apreciação do julgador e que não demonstra, de forma inequívoca, que, à data do envio da missiva se encontravam em dívida três prestações e que estas foram integralmente pagas pelos Recorrentes. Deste documento resulta um pagamento no valor de € 65.984,98 que não foi alegado pelos Recorrentes e que apenas se compreende no quadro da cessão de créditos invocada nos autos de execução (ocorrida a 30 de dezembro de 2010), com o pagamento efetuado à cedente BPN - Banco Português de Negócios, S.A., pela cessionária/Exequente Parvalorem, S.A..

6. Afigura-se, pois, evidente que tal documento não contém força probatória para, por si só, abalar as bases em que se fundou a decisão revidenda e para permitir a afirmação, pretendida pelos Recorrentes, de que, ao tempo do envio da declaração de resolução, se encontravam em dívida três prestações e que estas foram integralmente satisfeitas.

7. Por fim, o segmento do facto em crise não foi alegado por nenhuma das partes em sede de articulados, tendo sido adquirido para o processo por decisão oficiosa do Tribunal de 1.ª Instância. Efetivamente, os Embargantes, ora Recorrentes, alegaram o desconhecimento do valor dos pagamentos realizados, assim como da declaração de resolução invocada pela Exequente.

8. Os Recorrentes não podem tirar proveito da introdução oficiosa de um facto para, através do presente recurso de revisão, demonstrar um outro facto que não foi alegado em sede própria (prestações em falta e pagamento do valor correspondente).

9. Não é igualmente observado o requisito da pré-alegação.

10. Entende-se, por conseguinte, que o recurso deve, nesta parte, ser rejeitado.

Documento n.º 2

1. Por seu turno, o documento n.º 2, junto pelos Recorrentes, pode ser considerado superveniente à decisão revidenda.

2. De facto, atendendo à data do documento (22 de fevereiro de 2020), há que concluir que este documento é ulterior à data de trânsito em julgado da decisão a rever, tendo os Recorrentes interposto recurso dentro do prazo previsto no art. 697.º, n.º 2, al. c), do CPC.

3. Coloca-se, todavia, a questão de saber se é ou não suficiente. Entende-se que não.

4. Efetivamente, trata-se de uma informação comunicada pela Exequente Parvalorem, S.A., à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, indicando como “data de fim 15-03-2020” e como “data da entrada do incumprimento 29-12-2020”.

5. A “data de fim” (15 de março de 2020), de acordo com a informação fornecida pelo Banco de Portugal, diz respeito à “data em que se prevê que o crédito esteja totalmente amortizado”. Trata-se, pois, de mera previsão, que corresponde ao prazo de duração inicial do contrato [cf. facto provado sob a letra F)], que não tem a virtualidade de servir como afetar o facto provado sob a letra O).

6. No que concerne à “data da entrada do incumprimento” (29 de dezembro de 2020), sendo verdade que corresponde, de acordo a informação prestada pelo Banco de Portugal, àquela “do primeiro pagamento em atraso”, certo é que são os próprios Recorrentes a afirmar que “também nem corresponde à verdade”.

7. Os Recorrentes assumem que a informação constante da referida comunicação ao Banco de Portugal não é fidedigna, não indicando sequer qual a data do incumprimento a levar em linha de conta.

8. Deste modo, o documento em apreço não apresenta a virtualidade de demonstrar o único facto que, em abstrato, seria relevante para os Executados, que não foi alegado por qualquer das partes e que se traduz na determinação do número de prestações em dívida aquando do envio da carta de resolução e no respetivo pagamento.

9. Afigura-se, pois, manifestamente, insuficiente para abalar o juízo probatório propugnado pelo Tribunal de 1.ª Instância.

10. Note-se, ainda, que, não sendo mencionado pelos Recorrentes, aquele registo de devedores diz respeito à credora Parvalorem, S.A., cessionária que adquiriu o crédito a 30 de dezembro de 2010 (cf. contrato junto aos autos de execução). É, pois, por referência a esta credora que deve ser interpretada tal comunicação, sendo evidente que a data de incumprimento foi fixada atendendo à data da cessão de créditos, não se confundindo com a data de incumprimento perante o credor originário/cedente BPN - Banco Português de Negócios, S.A..

11. Assim, a data de incumprimento perante a credora Parvalorem, S.A., não releva para a discussão da data do vencimento da obrigação perante o credor originário.

12. Não é, por outro lado, observado o requisito da pré-alegação, nos termos mencionados supra, porquanto os Recorrentes pretendem com este documento demonstrar factos não alegados em sede própria.

13. Consequentemente, entende-se que o documento junto não se reveste de qualquer relevância no âmbito do que se discute nestes autos de revisão, devendo o recurso ser, igualmente, rejeitado nesta parte.

Arts. 696.º, al. b), e 698.º, n.º 1, do CPC

1. Está em causa o segundo fundamento invocado pelos Recorrentes, i.e., a falsidade de depoimento de GG, funcionário da Exequente.

2. Segundo o art. 696.º, al. b), do CPC, o recurso de revisão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) falsidade de depoimento; ii) demonstração do nexo causal entre a referida falsidade e a decisão revidenda; iii) ausência de possibilidade de discutir a falsidade no processo em que foi proferida a sentença a rever.

3. Nesta sede, “a falsidade que constitui requisito do recurso de revisão não corresponde a uma qualquer divergência entre depoimentos, antes pressupõe que o seu teor tenha sido dolosamente produzido pelos respectivos emitentes contra a realidade por eles conhecida, ou seja, que os mesmos com ele tenham pretendido influir no resultado da acção e, efectivamente, determinado a decisão a rever[5].

4. Assim, não basta a mera invocação de contradições entre um determinado depoimento e outro meio de prova, sendo antes essencial alegar e demonstrar que quem prestou depoimento sabia que faltava à verdade e que atuou com esse mesmo propósito.

5. A este propósito, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça perfilha o entendimento de que a apreciação da falsidade de depoimento não tem de ser feita em ação autónoma e prévia ao recurso de revisão[6].

6. Nestes moldes, “presentemente, perante o disposto nos artigos 696.º, al. b), e 698.º, do CPC, já não está consagrada a exigência de que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em acção autónoma e prévia ao recurso de revisão – podendo ter lugar na própria instância de recurso –, nem, portanto, de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade, ou que, para instrução do requerimento inicial, se apresente a certidão de tal sentença[7].

7. Este é o entendimento que encontra um mínimo de correspondência na letra da lei e que leva em devida linha de conta a alteração legislativa ocorrida em 2003. De facto, até 2003, o legislador estabelecia, no CPC, que o recurso de revisão com fundamento na falsidade de depoimento apenas seria procedente quando se apresentasse “sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de (…) depoimento”. Tal exigência foi eliminada, não se encontrando consagrada no art. 696.º, al. b), do CPC. Considera-se, assim que a evolução legislativa não consente outra interpretação que não seja a de admitir que a prova da falsidade se faça na fase rescindente do recurso.

8. A eliminação daquele requisito torna essencial realçar aquilo que alguma jurisprudência vem exigindo a este propósito: não basta suscitar quaisquer dúvidas sobre o depoimento de uma testemunha, ou juntar documentos sem força probatória sólida que permita, pelo menos, considerar como provável que tal falsidade exista: “a revisão não pode ter como base, apenas, indícios da razão daquele que a pretende, mas sim uma consistente demonstração de que essa razão é provável, ou seja, o art. 771.º do CPC exige que o documento por si só indicie tal probabilidade” ; “Interpretação mais ampla deste preceito constituiria uma infracção ao princípio do processo equitativo do art. 20.º, n.º 4, da CRP, bem como ao princípio da confiança ali previsto[8].

9. Afigura-se necessário que a parte prejudicada não tenha podido discutir a falsidade do depoimento no processo em que foi proferida a decisão a rever: se o não fez por incúria processual, não poderá voltar a fazê-lo em sede de recurso de revisão. Com efeito, “(…) não se justifica a revisão da decisão transitada se se apurar que a materialidade invocada no recurso de revisão já fora invocada no decurso da acção, onde só não foi considerada em virtude de deficiente desempenho da parte interessada, o mesmo é dizer, da sua imperfeita percepção do princípio da auto-responsabilidade processual. Como tal, perante os valores tutelados pelo caso julgado, a interposição e a aceitação do recurso extraordinário de revisão não pode ser suportado no mero inconformismo do recorrente relativamente ao resultado que foi judicialmente declarado e cuja modificação o mesmo não pode pretender alcançar como se de um recurso ordinário de apelação se tratasse[9].

10. Impõe-se, pois, apreciar a admissibilidade do presente recurso de revisão com fundamento na falsidade de testemunho.

11. No caso sub judice, o depoimento em crise foi determinante para a inclusão na matéria de facto provada do segmento factual mencionado supra, podendo afirmar-se que na ausência do depoimento de GG faltariam elementos ao Tribunal de 1.ª Instância para concluir nos termos em que o fez quanto ao número de prestações em dívida à data do envio da missiva e quanto ao pagamento efetuado pelos Recorrentes. Por sua vez, o facto provado sob a letra O) foi determinante para o desfecho do pleito.

12. Efetivamente, da leitura da decisão do Tribunal de 1.ª Instância resulta que o depoimento de GG se revestiu de particular importância para a conclusão de que, a 7 de outubro de 2010, quatro prestações estariam em dívida; assim, mediante o confronto com o depoimento de Vasco Pratas, o Tribunal concluiu que a totalidade da quantia em dívida não se encontrava satisfeita ao tempo da produção de efeitos da declaração de resolução.

13. Se o nexo causal é de fácil verificação no caso concreto, parece claro, todavia, que não se encontram preenchidos os restantes pressupostos.

14. Desde logo, os Recorrentes não imputam a GG uma qualquer conduta dolosa, no sentido de aquele haver faltado conscientemente à verdade com o objetivo de influir na decisão a proferir. De facto, a esse propósito, invocam que GG tinha “a obrigação e o dever acrescido de saber que à data eram devidas 6 (seis) prestações e não 7 (sete) como testemunhou”. Tal afigura-se manifestamente insuficiente para sustentar um recurso de revisão, nos termos da jurisprudência supra mencionada.

15. De resto, reconduzindo-se o fundamento de recurso de revisão à análise de documento (n.º 1) pré-existente, os Recorrentes podiam, querendo, discutir a falsidade do depoimento no âmbito do processo em que foi proferida a decisão a rever.  Não havendo colocado em crise o depoimento de GG, mormente em sede de impugnação da matéria de facto, não será de admitir que o venham a fazer no âmbito de um recurso de revisão. Não se encontra, pois, verificado, o requisito da impossibilidade de discussão da falsidade em momento prévio ao proferimento da decisão a rever.

16. Não pode, por outro lado, retirar-se do documento n.º 1 (extrato bancário) a falsidade de depoimento de GG, não bastando que de tal documento decorra uma contradição com o declarado pela testemunha para que se afirme que esta faltou, de forma dolosa, à verdade.

17. Porque se trata de uma afetação séria de valores de certeza e segurança jurídica, admitida a título excecional, a procedência do recurso de revisão não pode basear-se em alegações inconsistentes, infundadas e levianas, próprias da parte que não se conformou com a decisão definitiva sobre o mérito da causa e procura, por essa via, encontrar mais uma instância de recurso. Não se preenche a hipótese da al. b) do art. 696.º do CPC quando o recorrente se limita a alegar a falsidade do depoimento testemunhal sem trazer aos autos qualquer elemento probatório sólido para sustentar essa falsidade. E ainda que o depoimento fosse falso, o facto que através dele se deu como provado (a emissão de uma fatura) não foi considerado como determinante do sentido da decisão sobre o mérito da causa (no processo principal), de condenar a ré a pagar o valor respeitante ao incumprimento do contrato[10].

18. O mesmo se diga a propósito do documento n.º 2 (comunicação à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal), valendo aqui as considerações tecidas sobre a forma como o mesmo deve ser interpretado. Trata-se de um documento preenchido de acordo com as instruções emitidas pela cessionária Parvalorem, S.A., que não é suscetível de atestar a data do incumprimento do contrato celebrado com o credor originário. Assim, à semelhança do documento n.º 1, o documento n.º 2 não se reveste de força probatória bastante para, por si só, determinar a conclusão de que GG faltou, dolosamente, à verdade.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em rejeitar o recurso de revisão interposto por Vasco Pratas - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., e Outros, por ser manifestamente improcedente.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 02-02-2022


Maria João Vaz Tomé (relatora)

António Magalhães

Jorge Dias


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[1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, p. 570.
[2] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 400/11.0TBCVL-E.C1.S1.
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 90/13.6T2VGS.P1.S1. Vide, no mesmo sentido, inter alia, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2014 (João Trindade), proc. n.º 2139/06.0TbBRG-G.S1; de 17 de outubro de 2019 (Raimundo Queirós), proc. n.º 2657/15.9T8LSB-Q.L1.S1; de 11 de novembro de 2020 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 8250/15.9T8VNF.G1.S1-A; de 14 de janeiro de 2021 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 84/07.0TVLSB.L1.S1-A; de 9 de março de 2021 (José Raínho), proc. n.º 850/14.0YRLSB.S3; de 1 de outubro de 2021 (Henrique Araújo), proc. n.º 2199/10.9TVLSB-A.S1.
[4] Vide Acórdãos do Supremo Tribunal de 19 de setembro de 2013 (Fernando Bento), proc. n.º 663/09.1TVLSB.S1; de 19 de janeiro de 2017 (João Trindade), proc. n.º 39/16.4YFLSB; de Justiça de 24 de maio de 2018 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 412/12.7TBBRG-C.S1.
[5] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2017 (Alexandre Reis), proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1.
[6] Vide, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2017 (Alexandre Reis), proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1; de 6 de junho de 2019 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 98/16.0T8BGC-A.G1.S1; de 5 de maio de 2020 (Maria Olinda Garcia), proc. n.º 2178/04.5TVLSB.L2.S1.
[7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2017 (Alexandre Reis), proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 331 e ss.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, p. 499; José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 225; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2009; J. Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Lisboa, Quid Juris, 2013, p. 161.
[8] Vide, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2011 (Bettencourt Faria), proc. n.º 1242-L/1998.P1.S1.
[9] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2017 (Alexandre Reis), proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1.
[10] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2020 (Maria Olinda Garcia), proc. n.º 2178/04.5TVLSB.L2.S1.