PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA NOTÓRIA
MARCA DE PRESTIGIO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário

I. A classificação de uma marca como notória apela a um critério de avaliação quantitativo, enquanto que a classificação de uma marca como marca de prestígio apela preferencialmente a um critério de avaliação qualitativo.
II. A notoriedade e o prestígio devem ser considerados na avaliação do grau de semelhança e possível confusão ou associação entre as marcas em confronto.
III.  Enquanto que o juízo avaliativo de imitação entre marcas comuns e marcas notórias não prescinde da verificação do erro ou confusão, diversamente, nas marcas de prestígio, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência tem sustentado que a protecção não depende da prova do risco de erro ou confusão entre as marcas em confronto.
IV. O titular da marca de prestígio deve demonstrar a existência de elementos que permitam concluir pelo risco sério de diluição, degradação ou parasitismo, para que proceda a recusa de registo a marca posterior.
(elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO:
1. Beiersdorf AG, intentou ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 647609 a C..., pedindo que fosse revogado o despacho recorrido, com consequente recusa do registo para assinalar os produtos e serviços descritos nas classes 3, 5, 8, 18, 21 e 35.
Alegou em síntese que, impunha-se a recusa de registo da marca registanda, por constituir uma imitação das suas marcas prioritárias, e por ser plausível que possam ocorrer situações de concorrência desleal, porque embora os sinais em confronto não sejam idênticos, apresentam semelhanças muito elevadas, o que aliado à identidade de produtos e serviços potenciam o erro ou risco de confusão do consumidor ou a associação da marca registanda à mesma proveniência das marcas prioritárias.
Alegou, ainda, o uso intensivo das marcas prioritárias, o seu carácter distintivo e a reputação e prestígio por estas granjeado ao longo dos anos, a nível mundial, no sector dos produtos de higiene e cosméticos, sendo frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas, e notícia frequente em imprensa diversa, concluindo que, pela notoriedade e prestígio das suas marcas, na União Europeia e em Portugal, a Recorrida retirará vantagem desleal do carácter distintivo e da reputação das marcas da Recorrente e nessa medida existirá uma diluição intolerável da reputação e carácter distintivo daquelas.
2. A Recorrida apresentou resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da concessão do registo.
3. Foi proferida sentença final pela qual se decretou o seguinte:
“Pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto por Beiersdorf AG, mantendo-se a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Custas pela recorrente - (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Valor da causa: 30.000,01 euros.
Registe, notifique e, após trânsito, comunique ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial.”
4. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença final, em que, nas conclusões:
i) impugna a matéria de facto, pugnando pela ampliação dos factos provados;
ii) impugna a decisão de direito, com fundamento em errada interpretação dos artigos 232º nº 1 al. b) e h) e 238º nº 1 todos do NCPI.
 Conclui, pedindo que seja o presente recurso de apelação julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra que recuse parcialmente a marca registanda para assinalar os produtos e serviços que foram objecto do recurso.
5. A Recorrida não ofereceu contra-alegações.
6. Foram observados os vistos legais.
7. No presente recurso de apelação, a Apelante formulou as seguintes
CONCLUSÕES
a. O recurso é interposto da sentença do Tribunal a quo, pois, salvo o devido respeito, que é muito, a Apelante entende que aquele Tribunal decidiu incorrectamente, interpretando e aplicando mal as normas em causa, designadamente, os artigos 232º, nº 1, alínea b), 2ª parte e alínea h) e 238.º n.º 1 todos do CPI, tendo ainda decidido erradamente (por omissão de pronúncia) sobre concretos pontos de facto relevantes para a decisão da causa que deveriam ter sido dado como provados.
b. Com efeito, e antes de mais, a sentença não se pronunciou sobre a notoriedade, reputação e carácter distintivo adquirido das marcas da Apelante e da respetiva prova documental junta aos autos pela Apelante que, a título demonstrativo, confirmam essa mesma notoriedade, reputação e carácter distintivo adquirido.
c. Distintividade essa que, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial sedimentado, constitui um dos fatores relevantes a ter em conta na comparação de marcas e na avaliação do risco de confusão, na senda aliás de decisões bem conhecidas do Tribunal de Justiça da EU de que de resto a Apelante deu conta.
d. Assim, atenta a prova documental (por amostragem) junta aos autos pela Apelante– documentos nºs 11 a 19, inclusive – deveria a sentença recorrida ter dado como provados os fatos vertidos nesses documentos, designadamente:
e. - Que as marcas da Apelante são frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas nomeadamente entre os anos 2008 a 2021;
f.- Que as marcas da Apelante foram eleitas marca de confiança há 20 anos consecutivos.
g. - Que em 2020 a marca NIVEA (a mais escolhida na Europa) teve uma penetração no mercado de mais 50%, só equivalente a uma outra marca, a Coca-cola.
h. Factos que se requer sejam aditados aos fatos dados como provados.
i. Por outro lado, a sentença recorrida interpretou e aplicou em sentido errado as normas que constituem fundamento jurídico da decisão previstas nos arts.º 232 nº 1, alíneas b) e h) e 238.º n.º 1, e ainda no artigo 11º do Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho
j. Efectivamente, a sentença recorrida desde logo entendeu que quer o INPI quer a Apelante “em concordância” consideravam estarem verificados os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 238º do CPI pelo que não tinha que os apreciar, subsumindo-se a questão jurídica a apreciar somente à análise do requisito plasmado na alínea c) do mesmo artigo, questão única sobre a qual se debruçou.
k. Sucede que, apesar de haver concordância entre a Apelante e o INPI quanto, apenas, à conclusão da verificação do requisito previsto na alínea b) do citado artigo, os fundamentos da Apelante e do INPI diferem, o que não é despiciendo pois faz toda a diferença na apreciação do risco de confusão entre os sinais.
l. Assim, ao invés de fazer uma análise global e interdependente do risco de confusão a sentença recorrida decidiu apenas e exclusivamente se debruçar sobre a análise isolada do requisito referido na alínea c) do artigo 238º do CPI, o que brevemente efetuou em 2 parágrafos, numa única página.
m. Na verdade, enquanto que o INPI genericamente entendeu que com relação a todos os produtos assinalados pela marca registanda nas classes 3, 5, 8 e 21, aos produtos “estojos de beleza” na classe 18 e aos serviços de “venda a retalho online relativos a cosméticos” e “serviços de venda a retalho online relacionados com produtos cosméticos e de beleza” na classe 35 existe identidade e afinidade, não obstante a citada conclusão, a Apelante entende que não existe apenas uma mera afinidade entre os produtos assinalados pelas marcas em confronto, mas sim uma verdadeira identidade e esta diferença poderá ter, e tem, impacto, na apreciação global dos sinais em confronto e na apreciação do risco de confusão, conforme adiante melhor se explanará.
n. Identidade porquanto os produtos e serviços evidenciados constituem sinónimos uns dos outros, logo são produtos e serviços idênticos e não meramente afins.
o. Por outro lado, ainda, as categorias onde se inserem os produtos e serviços assinalados pelas marcas prioritárias são as mais das vezes mais latas que os produtos e serviços mais restritos que a marca registanda visa assinalar. Logo, porque mais lato, o âmbito de protecção das marcas prioritárias abrange totalmente os produtos e serviços da marca registanda e, por conseguinte, também por este motivo estamos perante identidade entre uns e outros.
p. Nessa medida, encontra-se verificado o segundo requisito legal previsto na alínea b) do artigo 238º do CPI por existência de identidade entre os produtos e serviços supra assinalados.
q. Acresce que quanto à análise do requisito legal vertido na alínea c) do nº 1 do artigo 238º do CPI a sentença recorrida não decidiu bem. Esta deve ser uma análise que deve ser feita de forma global, efectuada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem o conteúdo de cada um, em manifesto detrimento das diferenças que poderiam oferecer os seus diversos pormenores quando isolados e separadamente considerados.
r. Desde logo temos que as marcas da Apelante de registo internacional nº936721 e de registo da UE nº000012609 e nº013142112 são marcas verbais constituídas exclusivamente pela expressão de fantasia NIVEA.
s. E mesmo no caso das marcas mistas nº240791 e nº 015034077, o elemento figurativo reduz-se à fonte de letra usado e nada mais, pelo que não constitui um elemento impressivo.
t. A marca registanda é constituída pela palavra NINAE, aposta sob um fundo retangular negro.
u. Assim, efectuando uma comparação global e sucessiva dos sinais em confronto, ressalta de imediato e à primeira vista, sem necessidade de qualquer dissecação dos mesmos (dissecação que de resto, como é entendimento pacífico, não deve ser feita neste tipo de comparações) resulta que: os sinais em confronto são todos compostos por um único elemento verbal central e dominante; o referido elemento verbal em todos os sinais é constituído por uma única palavra de fantasia; por sua vez essa palavra em todos os sinais em confronto é constituída por 5 letras. e a estrutura dos sinais apresenta o mesmo número de consoantes (2) e vogais (3);
v. De resto, os sinais em confronto diferem apenas na terceira letra – em que temos a consoante ‘N’ versus ‘V’ – e a quarta e quinta letras são constituídas pelas mesmas vogais ‘E’ e ‘A’ mas em ordem reversa;
w. Constata-se, portanto, existir semelhança, pelo menos média, entre os sinais. De resto, neste mesmo sentido e em caso muito semelhante, decidiu já esta Relação no acórdão proferido no processo número 328/19.6YHLSB.L1 e publicado no BPI 2021/04/19 disponível para consulta pública em https://inpi.justica.gov.pt/Boletim-da-propriedade-Industrial onde estavam em causa os sinais IKEA vs KITEA.
x. Ademais, de acordo com a jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça, a existência ou não de risco de confusão depende de uma apreciação global de vários factores interdependentes, incluindo, por exemplo: a semelhança dos produtos e serviços, a semelhança dos sinais, os elementos distintivos e dominantes dos sinais em situação de conflito, o carácter distintivo da marca anterior, e o público relevante.
y. In casu, concatenados todos os factores a ter em conta, da comparação entre os sinais em apreço no caso concreto, resulta que:
- Identidade de produtos/serviços: os sinais em confronto dirigem-se a produtos e serviços idênticos nas classes que foram objeto de recurso.
- público relevante: o público relevante é o mesmo (consumidor de produtos de beleza e de cosmética).
- Semelhança dos sinais: os sinais em confronto oferecem semelhanças visuais e fonéticas em grau médio.
- Carácter distintivo dos sinais prioritários: as marcas prioritárias adquiriram evidente eficácia distintiva sendo reconhecidas pelo público relevante e demais players, mesmo os não consumidores dos produtos em causa, conforme atesta a prova documental junta aos autos pela Apelante, que a sentença recorrida não considerou. De resto as marcas prioritárias fazem parte do imaginário coletivo, constituindo marcas notórias e mesmo de prestígio, como poucas.
- por fim, a identidade dos produtos/serviços em causa compensa o grau médio da semelhança entre as marcas.
z. Ora retomando a linha de raciocínio que supra se descreveu, a decisão recorrida é errada quando concluiu pela inexistência de risco de confusão dos sinais, pois que na verdade e como resulta do princípio da interdependência, a decisão recorrida deveria ter tido em conta que quanto maior o grau de identidade dos produtos/serviços, maior a possibilidade de confusão entre os sinais e o risco de associação das respectivas origens empresariais aumenta consideravelmente.
aa. Por outro lado, existe também a mera possibilidade de se verificar concorrência desleal, pelo erro e confusão do consumidor perante os sinais em confronto a que já se aludiu, também por este motivo a marca registanda deveria ter sido recusada; com efeito, o reconhecimento de que o requerente da marca pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível, independentemente da intenção daquele, é também um fundamento autónomo de recusa nos termos do disposto na alínea h), n.º 1 do art.º 232.º do CPI.
bb. De facto, não poderá ser desconsiderado – como fez o INPI – que o uso de um sinal semelhante afecta não apenas a função essencial da marca que consiste na garantia prestada aos consumidores quanto à proveniência de certo produto ou serviços, mas também, outras funções.
cc. Entende assim a Apelante que a marca registanda não possui no seu conjunto eficácia distintiva suficiente para a afastar das marcas prioritárias, não sendo suficientes as dissemelhanças que existem entre os sinais para afastar qualquer possibilidade de confusão ou de associação ou até de aproveitamento parasitário da reputação granjeada pelas marcas prioritárias, podendo diluir o carater distintivo destas se for concedida.
Concluiu, pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que recuse parcialmente a marca registanda para assinalar os produtos e serviços que foram objeto do recurso da Apelante.
                                                            *
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
De acordo com o disposto no art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. ([1]).
                                                        *
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
A. Se deve ser ampliado o elenco dos factos provados;
B. Se deve ser recusado o registo da marca da Recorrida por verificação de imitação com as marcas da Recorrente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

a) Por despacho de 3/12/2021, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, concedeu o registo da marca nacional n.º 647609, pedida em 5/8/2020, com a seguinte configuração:
b) A marca referida assinala produtos e serviços das classes 3, 5, 8, 14, 18, 21, 25 e 35 da classe de Nice.
Cfr. teor da decisão constante do processo de registo, remetido aos autos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial;
c) A recorrente é titular da marca internacional nº 240791, com proteção em Portugal, para assinalar produtos das classes 1, 3, 5 de Nice, e com a seguinte configuração:
d) A recorrente é titular da marca internacional nº 936721, NIVEA, com proteção na União Europeia, para assinalar produtos das classes 5, 29 e 30 de Nice;
e) A recorrente é titular da marca internacional nº 951550, com proteção na UE, para assinalar produtos das classes 3-5-24-25-27-28-29-30-35-38-41- 43-44 de Nice, e com a seguinte configuração:
f) A recorrente é titular das marcas da UE nºs 000012609, 013142112 e 018214341, NIVEA;
g) A recorrente é titular da marca da UE nº 015034077, para assinalar produtos das classes 3-5-16-25-44 de Nice, e com a seguinte configuração:

h) As marcas referidas em c) e ss. foram pedidas e concedidas em data anterior à do pedido da marca aludida em a) e b).
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
A. Impugnação da decisão de facto:
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”([2])
Cumpridos, no essencial, tais ónus pela Apelante, cumpre conhecer da pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A Apelante insurge-se, nas Conclusões a. a h., quanto ao facto de o tribunal a quo ter decidido erradamente(por omissão de pronúncia) sobre concretos pontos de facto relevantes para a decisão da causa, os quais deveriam ter sido dados como provados.
Alegou que a sentença não se pronunciou sobre a notoriedade, reputação e carácter distintivo adquirido das marcas da Apelante e da respectiva prova documental por si junta aos autos que o comprovam, a título demonstrativo ( doc. Nº 11 a 19 inclusive), concluindo que essa distintividade, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial sedimentado, constitui um dos factores relevantes a ter em conta na comparação de marcas e na avaliação do risco de confusão.
Compulsado o requerimento de recurso de impugnação judicial apresentado pela Apelante, verifica-se que, sob o capítulo IV- Do uso intensivo das marcas prioritárias e do seu carácter distintivo e da reputação e prestígio por estas granjeados ao longo dos anos, nos arts. 48º a 53º, a Apelante fez alusão à notoriedade e prestígio, na União Europeia e em Portugal, das suas marcas, no sector dos produtos de higiene e cosméticos, do seu elevado carácter distintivo, conhecida de uma forma geral por todos, sendo frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas e notícia frequente em imprensa diversa, como ilustrou nos referidos documentos nº 12 a 19 juntos com esse requerimento.
E, de facto, na sentença recorrida não se faz uma única alusão a essa matéria de facto, nem a questão da marca notória, e marca de prestígio é minimamente abordada na fundamentação jurídica da decisão.
Apenas aquando da prolação do despacho de admissão do presente recurso, a Sra Juiza a quo, entendendo que a Recorrente havia suscitado a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, acaba por dizer que como entendeu que inexistia risco de confusão se tornara inútil a apreciação daqueles institutos e, por esse motivo os factos eram irrelevantes em face das soluções de direito, fazendo, de forma confusa, alusão aos factos não provados.
Acontece que, a Sra Juiz a quo não fez qualquer elenco dos factos não provados, como se lhe impunha, por força do disposto no art. 607º nº 4 do CPC, quando deveria ter declarado quais, dos factos alegados pelas partes, julgava não provados e porquê.
Fazer uma alusão genérica do tipo que fez na sentença recorrida “não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que por conseguinte, importe registar como não provados” é, salvo o devido respeito, o mesmo que nada.
Para mais quando, como veremos, os factos alegados pela Apelante relativos à notoriedade e prestígio das suas marcas prioritárias deviam ter sido ponderados na decisão da causa, à luz das várias soluções de direito plausíveis, atendendo às implicações ao nível do juízo de apreciação do risco de confusão, ainda que o tribunal a quo entendesse que, à luz da solução de direito que ia perfilhar tais factos não iriam “afectar a decisão de mérito”.
Era importante e, era devido às partes, que aqueles factos alegados tivessem sido elencados, de forma expressa, nos factos provados ou nos factos não provados, em função da análise da prova documental junta para o efeito e, daí extraídas as devidas ilações jurídicas, ainda que a solução de mérito fosse a mesma que veio a ser proferida, dando às partes a oportunidade de, dela discordando,  submeter à reapreciação deste Tribunal da Relação.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Relação deve ainda, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”(nº 2 al. c) do CPC).
No caso em apreço, apesar da total omissão do elenco dos factos não provados e, da total omissão dos factos mencionados pela Apelante relativos à notoriedade e prestígio das suas marcas na decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida (objecto desta impugnação da decisão de facto) e, da mesma acarretar a nulidade da decisão proferida pela 1ª Instância, à luz do referido preceito legal, tendo a prova apresentada pela Apelante natureza documental, tem de se entender que, este Tribunal da Relação deverá substituir-se ao tribunal a quo e alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, ampliando-a, por constarem do processo os elementos que o permitem fazer, sem ter de ordenar a baixa do processo à 1ª Instância.
Vejamos.
Pugnou a Apelante, pelo aditamento aos factos dados como provados, dos seguintes factos vertidos naqueles documentos, sob as Conclusões e), f) e g):
1º-“Que as marcas da Apelante são frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas nomeadamente entre os anos 2008 a 2021;
2º- Que as marcas da Apelante foram eleitas marca de confiança há 20 anos consecutivos.
3º- Que em 2020 a marca NIVEA (a mais escolhida na Europa) teve uma penetração no mercado de mais 50%, só equivalente a uma outra marca, a Coca-cola.”
O 1º facto a aditar foi alegado pela Apelante sob o art. 51º do requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial, não foi objecto de oposição pela Recorrida e mostra-se suficientemente fundamentado nos documentos de natureza particular juntos sob os nº 11 a 16, os quais não foram impugnados e, que dão conta de estudos da empresa Brand Finance que de forma sustentada tem vindo a referenciar a marca NIVEA entre 2008 e 2021 como estando avaliada, a nível mundial, nas tabelas de classificação das maiores marcas de cosméticos e melhores marcas globais, sempre presente nesse período em lugares cimeiros em rankings internacionais, estimando inclusivamente o seu valor a nível mundial, permitindo formar a convicção séria de que este facto está demonstrado nos autos, devendo, assim, ser aditado aos factos provados.
Relacionado com este facto está também o 3º facto cujo aditamento é pretendido pela Apelante, que se reporta a uma transcrição de parte de um daqueles estudos, de onde consta: “Na Europa Nivea foi a marca de beleza e cuidados pessoais mais escolhida. Beiersdorf com a sua marca Nivea- a marca mais escolhida na Europa- foi um grande exemplo do que Cawthray disse. A marca teve uma impressionante penetração na Europa, ele disse, atingindo mais de 50% das famílias da região. Mesmo para além da saúde e beleza, a única outra marca na Europa que tem mais de 50% de penetração é a Coca-Cola”.
 Essas menções constam do documento nº 16, não impugnado, pelo que, se deverá dar por provado que aquilo mesmo foi mencionado num dos referidos estudo, deferindo-se o aditamento do facto com a seguinte redação:
-De acordo com um dos referidos estudos internacionais, em 2020, a Nivea foi a marca de beleza e cuidados pessoais mais escolhida na Europa e que teve uma penetração no mercado que atingiu mais de 50% das famílias da região, só equivalente à Coca-Cola.
O 2º facto a aditar foi alegado pela Apelante no art. 52º do requerimento de de interposição do recurso de impugnação judicial, no contexto de essa menção ter sido feita em notícias da imprensa, relativas à eleição da marca NIVEA como marca de confiança há 20 anos consecutivos, a qual consta efectivamente do documento nº 17, não impugnado, devendo aditar-se tal facto com a menção expressa, mais uma vez, que aqueles factos foram assim noticiados, passando a ter a seguinte redação:
-Na imprensa, em notícia divulgada em 2020, a marca Nivea foi mencionada como tendo sido eleita marca de confiança há 20 anos consecutivos.
Pelo exposto, procedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, altera-se, nesta parte, a decisão recorrida, admitindo-se a ampliação dos factos provados acima determinada, nos seguintes moldes, seguindo a identificação alfabética do elenco dos factos provados da sentença recorrida:
i) As marcas da Apelante são frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas, nomeadamente entre os anos 2008 a 2021;
j) De acordo com um dos referidos estudos internacionais, em 2020, a Nivea foi a marca de beleza e cuidados pessoais mais escolhida na Europa e que teve uma penetração no mercado que atingiu mais de 50% das famílias da região, só equivalente à Coca-Cola.
k)Na imprensa, em notícia divulgada em 2020 a marca Nivea foi mencionada como tendo sido eleita marca de confiança há 20 anos consecutivos.
Pelo exposto, procede nesta parte, o recurso atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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B. Recusa de registo da marca da Recorrida por verificação de imitação com as marcas da Recorrente.
O presente recurso vem interposto da sentença recorrida que manteve o despacho do Director de Marcas do INPI que concedeu o pedido de registo da marca nacional nº 647609
Tal como decorre das conclusões de recurso, a Apelante considera que o tribunal a quo interpretou de forma incorrecta os arts. 232º nº 1 al. b) e h) e 238º nº 1 todos do CPI e o art. 11º do Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho.
A Marca da União Europeia- Marca da UE- encontra-se regulada pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Junho de 2017, adquire-se por registo (art. 6º do RMUE) produz os mesmos efeitos em toda a União Europeia -carácter unitário- ( art. 1º nº 2 do RMUE) e, a sua disciplina jurídica é autónoma das leis nacionais no que diz respeito aos efeitos da Marca da UE ( art. 17º nº 1 do RMUE).
O conceito de Marca da UE consta do art. 3º da Diretiva (UE) nº 2015/2436, bem como do art. 4º do Regulamento (UE) nº 2017/1001, sendo um sinal constituído, nomeadamente, por palavras, incluindo nomes de pessoas, ou desenhos, letras, algarismos, cores, a forma dos produtos ou da embalagem do produto, ou sons, desde que tais sinais possam distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas e ser representados no Registo de Marcas da União Europeia de uma forma que permita que as autoridades competentes e o público identifiquem, de forma clara e precisa, o objecto da proteção concedida ao titular da marca.
Segundo o art.9º do Regulamento (UE) nº 2017/1001 “(…) o registo de uma marca da UE, confere ao seu titular direitos exclusivos, de proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a) idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b )idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca.
Os direitos conferidos por uma marca da UE são oponíveis a terceiros a partir da data de publicação do registo da marca ( art. 11º nº 1 do RMUE).
A matéria de infrações a marcas da UE encontra-se regulada pelo direito nacional em matéria de infrações a marcas nacionais (art. 17º nº 1 do RMUE), sendo nesta parte competentes os tribunais nacionais (arts. 123º ss do RMUE).
Segundo o art. 232º nº 1 do CPI “constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
- al. b) a reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
-h) o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
Por seu turno, dispõe o art. 238º nº 1 do CPI que, “a marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
Da conjugação dos dois preceitos legais acima reproduzidos retiramos que, constitui fundamento de recusa do registo de marca a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, se ambas se destinarem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, quando ambas tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada.
À luz do art. 249º nº 1 al. a) a proteção conferida pelo registo no caso de reprodução será absoluta, se se verificarem dois requisitos cumulativos (dupla identidade):
-se as marcas da Apelante e da Apelada forem idênticas;
-se estão a ser ambas utilizadas para assinalar produtos ou serviços idênticos.
Prescindindo este preceito legal, neste caso específico, da prova de existência de um risco de confusão ( presume-se a inevitabilidade de existência de risco de confusão).[3]
Assim já não ocorre em caso de imitação, exigindo o referido preceito legal a análise da verificação do requisito cumulativo da possibilidade de erro ou confusão em caso de semelhança entre os sinais.
No caso sub judice, não estamos perante um caso de reprodução, hipótese em que necessário seria que existisse dupla identidade: identidade de sinais e identidade de produtos, tendo a própria Apelante admitido não existir identidade de sinais, apenas semelhanças.
Tal como consta da sentença recorrida e, não é objecto de recurso, é consensual que qualquer uma das marcas de que é titular a Apelante são prioritárias relativamente à marca registanda, tendo sido por aquela registadas em momento anterior à do pedido de registo da Apelada.
Compreendem-se nestes sinais distintivos com anterioridades registais ou prioritários, relevantes para efeito da aplicação dos fundamentos de recusa previstos no art. 232º nº 1 do CPI, todas as marcas objecto de registos vigentes e eficazes em Portugal, sejam as registadas em Portugal, sejam as marcas da UE, sejam as marcas do Registo Internacional, tramitadas nos termos do Acordo e Protocolo de Madrid, como é o caso das marcas da Apelante.
Quanto ao requisito da identidade ou afinidade entre os produtos/serviços que as marcas em confronto visam assinalar, a sentença recorrida limitou-se a concluir que o INPI e a Recorrente consideravam que se verificava esse requisito e, como tal, entendeu que sobre o mesmo não tinha de se pronunciar.
A Apelante insurge-se contra este entendimento, sustentando que, contrariamente ao assim decidido, discorda do INPI quanto à conclusão de que existe mera afinidade de produtos, porquanto em seu entender existe efectiva identidade.
Convém realçar que a Apelante apenas interpôs recurso de impugnação judicial da decisão de concessão do registo da marca da Apelada restringida aos produtos e serviços descritos nas classes 3, 5, 8, 18, 21 e 35, quando a marca foi pedida para assinalar produtos e serviços das classes 3, 5, 8, 14, 18, 21, 25 e 35 e da Classificação de Nice e obteve o registo com essa abrangência.
Sendo assim, a análise da identidade ou afinidade entre produtos/serviços das marcas em confronto dever-se-á limitar aos produtos/serviços que foram objecto de recurso: produtos/serviços da classe 3, 5, 8 e 21 e, relativamente à classe 18 ( quanto aos estojos de beleza) e à classe 35 ( serviços de venda a retalho online relativos a cosméticos; serviços de venda a retalho online relacionados com produtos cosméticos e de beleza).
Acontece que, se o tribunal a quo a esse propósito nada disse, o INPI na decisão de concessão proferida entendeu que a propósito desses “produtos e serviços supra referidos estabelece-se um elo de identidade/afinidade, tendo em conta o tipo de produtos e serviços em causa, podendo encontrar-se numa relação de concorrência, acessoriedade ou complementaridade”.
Ora, não estando em causa uma hipótese de reprodução de marca, em que apurar se há identidade de produtos/serviços é relevante porquanto necessária para conferir ao registo protecção absoluta (caso as marcas também sejam idênticas), torna-se inócuo aferir se no caso em apreço os produtos/serviços são idênticos ou afins, pois que a protecção conferida pelo registo em caso de imitação equipara, para efeitos de proteção, a identidade à afinidade, bastando que ocorra uma das duas situações.
Tendo-se concluído que entre aqueles produtos/serviços das classes 3, 5, 8, e 21 e, relativamente à classe 18 (quanto aos estojos de beleza) e à classe 35 ( serviços de venda a retalho online relativos a cosméticos; serviços de venda a retalho online relacionados com produtos cosméticos e de beleza)  em específico há um elo de identidade/afinidade, isto é, nalguns há verdadeira identidade, noutros há uma identidade funcional, uma possibilidade de uso substitutivo, aos olhos do consumidor[4](afinidade), tanto basta para se dar como verificado o requisito previsto no art. 238º nº 1 al. b) do CPI.
Sendo que, relativamente ao risco de erro ou confusão, saber se existe identidade ou mera afinidade entre os produtos/serviços que as marcas em confronto se destinam assinalar  não assumirá relevo significativo.



Deste modo, a divergência fundamental da Apelante com a decisão recorrida centra-se na semelhança em grau médio, que aquela sustenta existir, entre as suas marcas prioritárias e a marca registanda, potenciadora de erro ou confusão, (semelhança essa que nem o INPI, nem o tribunal a quo concedeu verificar-se no caso em apreço).
Relacionado com o risco de confusão sustenta, ainda, a Apelante que o facto de as suas marcas serem notórias e de prestígio acentua esse risco (questão essa que não foi apreciada nem pelo INPI, nem pelo tribunal a quo).
Vejamos
 Na sentença recorrida,  quanto à semelhança entre os sinais em confronto e risco de confusão, após se discorrer sobre argumentos doutrinais e jurisprudenciais sobre a questão do juízo avaliativo da semelhança entre duas marcas, com os quais genericamente se concorda, culminou por se entender que não existe risco de confusão, tecendo, as seguintes considerações:
Os sinais em confronto são os seguintes:



Do ponto de vista fonético, não existe identidade entre as palavras NIVEA e NINAE, pese embora se iniciem ambas com as letras NI. Ambas as palavras terminam com as vogais A e E, mas em ordem inversa. Acresce que a sonoridade produzida pela letra V à palavra NIVEA é forte e suficientemente distintiva. Assim, do ponto de vista fonético, as palavras produzem um conjunto sonoro diferente que não confundível, razão pela qual, deste ponto de vista, não se pode entender que exista risco de confusão por parte do público.
As diferenças do ponto de vista fonético são acentuadas pelo aspeto figurativo, já que, pese embora os elementos gráficos não sejam neste caso expressivos, a sua composição diversa, permite acrescentar um elemento de distinção na análise conjunta dos sinais.”
O conceito de Marca extrai-se do art. 208º do NCPI, que dispõe que, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Sendo a marca um sinal distintivo dos produtos ou serviços de uma empresa das demais empresas, deverá assumir capacidade distintiva.
O carácter distintivo de uma marca ocorre, no sentido vertido no art. 208º do CPI, quando essa marca permite identificar o produto/serviço para o qual o respectivo pedido de registo foi solicitado, como provindo de uma empresa determinada, distinguindo-o do produto/serviço prestado por outras empresas.
A função essencial da marca é a de garantir ao consumidor lato sensu a identidade da origem do produto e/ou do serviço designado pela mesma, permitindo-lhe distingui-los, sem confusão possível, dos outros com proveniência empresarial diversa (Acórdão do TJEU de 21/1/2010, Audi/OHMI, processo C-398/08 P,EU).
«Tanto na doutrina, como na jurisprudência, desde há muito se firmaram, os seguintes princípios ou regras: o juízo comparativo deve ser objectivo, apurando-se se existe risco de confusão tomando em conta o consumidor ou utilizador final medianamente atento; para a formulação desse juízo relevam menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente do que a semelhança que resulta do conjunto dos elementos componentes, devendo ainda tomar-se em conta a interligação entre os produtos e serviços, por um lado, e, por outro, os sinais que os diferenciam.»[5]
O juízo comparativo de conjunto a efectuar, entre as marcas da Apelante e a marca registanda, ter-se-á de fazer, pondo em confronto, as referidas marcas, no entanto, convém desde já salientar que o consumidor, em regra, não terá em simultâneo as marcas à sua frente para fazer essa comparação, terá à sua frente uma delas e recordará de memória a imagem da marca com a qual já teve anteriormente contacto, devendo, pois, proceder-se ao exame sucessivo, de forma a apurar se a impressão deixada pelas marcas da Apelante é semelhante à deixada pela marca registanda.
Para que exista fundamento de recusa do registo da marca registanda nº 647609 face à prioridade de registo das marcas da Apelante e da manifesta identidade e/ou afinidade dos produtos/serviços, maioritariamente na área dos produtos e serviços de venda de cosméticos, que aquela e estas se destinam assinalar, bastará que haja tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra, com qualquer uma das marcas anteriormente registadas da Apelante, que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
No caso em apreço, as marcas da Apelante nº 240791, nº 936721, nº 000012609, nº 013142112, nº 018214341 e nº015034077- NIVEA- são meramente verbais, enquanto que a marca nº 951550 é mista, tal como o é a marca registanda, sendo que enquanto essa marca NIVEA está emoldurada e sob um fundo que constitui um rectângulo azul , o fundo e rectângulo que emoldura a marca registanda é preto .
Embora não utilizem exactamente o mesmo tipo e tamanho de letra, utilizam as mesmas vogais e ambas se iniciam pela letra “N” (maiúscula), variando na letra “V” e  “n”, assim como se referem ao mesmo tipo de produtos, de modo que a comparação relativa à alegada semelhança entre elas deverá recair essencialmente sobre o aspecto gráfico e fonético, no conjunto dos elementos que as compõem (neste sentido também Ac RL de 9-6-2020, Proc. Nº 314/17.0YHLSB.L1-PICRS).
Nestes casos, conforme decisões proferidas pelo TJUE (entre outras, C-251/95, SABEL, C-39/97, CANON) “a comparação entre sinais deve fazer-se, essencialmente, através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, pois o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo, não procedendo a uma análise das suas diferentes particularidades.”[6]
Pedro Sousa e Silva entende que, “A abordagem correcta no exame da confundibilidade das marcas é aquela que- no respeito do princípio da interdependência- coloca, num dos “pratos da balança” os factores de semelhança dos sinais, ao nível fonético, visual e conceptual e, no outro “prato”, os factores de diferenciação desses sinais, podendo a grande semelhança no contexto de um desses níveis ser compensada pela elevada dissemelhança no contexto dos demais.”[7]
Em função das marcas em confronto, as marcas da Apelante meramente verbais-NIVEA- assumem no conjunto da ordem sequencial das letras e grafismo dissemelhanças perante o vocábulo Nïnae, que mesmo numa leitura apressada ou menos atenta do consumidor médio deste tipo de produtos de cosmética permitirá, apesar de tudo, distingui-las.
Não obstante seja de evitar isolar algumas das sílabas ou letras que as compõem, é inevitável concluir que ambas se iniciam pelas letras “Ni”, onde se concentra grande parte da sonoridade de ambas as palavras.
 Apesar disso, no aspecto fonético prevalecem as dissemelhanças das marcas em confronto atendendo ao som final diferente, pronunciando-se de modo diferente.
Delas evidenciam-se diferenças, quer visuais, gráficas, quer fonéticas, a tomar em consideração quanto ao risco de confusão ou associação pelo consumidor desses produtos, já que conceptualmente nada se pode extrair, sendo ambas expressões de carácter fantasioso.
 “A imitação de uma marca por outra existirá não só quando, postas em conjunto, elas se confundam, mas também quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
Tratando-se de marcas nominativas, a marca não será nova quando, em confronto gráfico ou fonético com outra mais antiga, seja de molde a provocar confusão, não interessando o tipo, os caracteres ou as dimensões em que são escritas”.[8]
Acontece que, as marcas NIVEA meramente nominativas, não assumem uma semelhança visual e fonética com a marca da Apelada Nïnae, no seu conjunto, de modo tal que esta última possa facilmente causar confusão, no sentido de poder ser susceptível de ser tomada, pelo consumidor médio daquele segmento de mercado, pela marca da Apelante da qual ele já tem conhecimento.
Relativamente ao juízo de confundibilidade entre as marcas mistas  e afigura-se-nos que o grafismo, o fundo de cor perfeitamente distinta, permitem, sem dificuldade, afastar da parte do consumidor médio deste tipo de produtos um risco fácil de erro ou confusão entre as referidas marcas, mesmo abrangendo o risco de imputação dos produtos à mesma empresa ( confusão quanto à proveniência).
Isto porque o risco de confusão, compreende o risco de associação, não consubstanciando hipóteses alternativas, isto é, não pode haver risco de associação se não existir risco de confusão[9].
«O risco de associação abrange as situações em que o consumidor, apesar de não confundir os sinais, os imputa à mesma empresa (risco de confusão indireto) ou supõe que entre as diferentes empresas existam especiais relações jurídicas, económicas ou comerciais (risco de confusão em sentido lato).»[10]
O risco que se pretende evitar é o risco de indução dos consumidores em erro ou confusão sobre a origem dos produtos ou serviços, uma vez que a marca é um sinal que se destina a distinguir os produtos/serviços de uma determinada empresa dos de outras empresas.
O Ac. CANON (ProcC-39/97) menciona que “um risco de confusão existe na acepção do artigo 4º, nº 1, alínea b) da directiva quando o público pode ser induzido em erro quanto à origem dos produtos ou dos serviços em causa. (…) o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente (v., neste sentido, o acórdão SABEL).”
No mesmo sentido, Américo da Silva Carvalho, “Se o público pode atribuir os produtos à mesma empresa são semelhantes, se não pode são dissemelhantes.”[11]
Analisada a marca da Apelada e pondo-a em confronto com as marcas da Apelante, ainda que parte dos elementos verbais sejam comuns, prevalece uma imagem do conjunto dos elementos que formam a marca registanda dissemelhante em termos gráficos e fonéticos das marcas da Apelante, de molde a permitir ao consumidor mediano aferir que está perante marca de empresário diferente da Apelante- titular da marca NIVEA conhecida do público em geral e mais ainda do público consumidor dessa gama de produtos de higiene e cosmética.
A marca registanda, analisada no seu conjunto, em termos objectivos, é adequada a distinguir os produtos/serviços da Apelada dos produtos/serviços da Apelante, apesar da identidade/afinidade comprovada entre os produtos/serviços que cada uma delas visa assinalar.
Já assim se entendeu no recente Ac STJ de 28.09.2021, entendimento que se secunda, segundo o qual « Na verificação da existência de imitação de marca registada deve atender-se às semelhanças que ofereçam os diversos sinais constitutivos da marca e à não semelhança que resulta do conjunto dos elementos que a formam, devendo igualmente relevar-se a totalidade dos seus sinais e não apenas um deles, para se obter uma impressão de conjunto que prevaleça ao decidir do risco de confusão.»[12]
Salienta-se que, como é do conhecimento público, dos consumidores em geral e, dos consumidores daqueles produtos de cosméticos e higiene pessoal em particular, a marca NIVEA desde a sua constituição, há inúmeros anos, com consistência no mercado relevante desses produtos, está umbilicalmente ligada ao rótulo da palavra NIVEA sob um rectângulo de fundo de cor azul - veja-se o caso paradigmático da lata azul de creme com letras brancas e bola de praia azul com letras brancas, mundialmente publicitadas- nunca tendo tido alterações significativas no lettering a esse nível, tendo habituado os consumidores àquela imagem de marca que lhe permite, com grande facilidade, distinguir-se das demais nesse tipo de mercado.
Aliás, o TJUE, no Acórdão Sabel (C-251/95) já decidiu que o risco de confusão “depende de numerosos factores e designadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados.”
A propósito desta questão, passaremos a abordar o tema dos regimes da marca notória e da marca de prestígio, a fim de se decidir se algum deles se aplica às marcas da Apelante e, em caso afirmativo, se existe alguma singularidade nesses regimes que permita a recusa do registo da marca registanda, apesar de não se ter concluído pela semelhança entre os sinais em confronto capaz de induzir facilmente em erro de confusão.
De facto, o grau de notoriedade da marca anterior poderá aumentar a susceptibilidade de erro por parte do público, que a terá mais presente e que, por isso, em face de nova marca com um grau mínimo de semelhança a poderá associar à marca já existente no mercado.
O Ac TJUE de 22/6/2000 (Adidas, C-425/98), nesse sentido decidiu que, “pode verificar-se um risco de confusão, apesar do mínimo grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados, quando a semelhança das marcas é grande e o carácter distintivo da marca anterior, em especial a sua notoriedade, é elevado.
O regime das marcas notórias está consagrado no art. 234º do CPI, que estabelece o seguinte:
1- “É recusado o registo de marca que constitua:
a) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.”
E, o regime das marcas de prestígio está consagrado no art. 235º do CPI, segundo o qual “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia, se for marca da União Europeia, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.”
Desde logo se constata a total omissão, por parte do legislador, das definições de marca notória e de marca de prestígio, não tendo sequer mencionado critérios aferidores da mencionada notoriedade ou prestígio.
Na falta desses conceitos legais, tem vindo a Doutrina e a Jurisprudência a colmatá-la, em termos, no essencial, convergentes.
A propósito da marca notória, “a doutrina nacional professa o entendimento praticamente unânime de que gozará do estatuto de marca notoriamente conhecida para efeito da atribuição de tutela à respectiva “anterioridade”, a marca que seja conhecida pelo público em geral, podendo ser relevado em certos casos o público em geral, a generalidade dos consumidores dos produtos ou serviços da categoria pertinente, ou um universo mais restrito de consumidores atenta a natureza especial dos produtos ou serviços distinguidos por essa marca.”[13]
Quanto aos indicadores a ter em conta para se aferir se a marca é uma marca notória, pode recorrer-se à Recomendação Conjunta da Assembleia da União de paris e da Assembleia Geral da OMPI: “grau de conhecimento da marca no sector do público relevante; duração, extensão e área geográfica de uos da marca; duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação, em feiras e exposições dos produtos e/ou serviços a que a marca se aplica; duração e área geográfica de quaisquer registos, e/ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou conhecimento da marca; decisões de sucesso na defesa do direito da marca, em especial, no sentido em que esta é reconhecida como marca notória pelas autoridades competentes; valor associado á marca”.[14]
Quanto à marca de prestígio, a Doutrina tem também salientado alguns dos requisitos necessários para que a marca seja merecedora dessa qualificação: elevado grau de notoriedade junto do público; individualidade acentuada; beneficiar de considerável prestígio junto do público.
“Essa especial notoriedade poderá resultar dos mais variados factores, como sejam publicidade intensiva (voluntária ou até fortuita), uso prolongado ou tradição, qualidade excepcional, carácter especialmente imaginativo ou arbitrário do sinal ou qualquer outro. (…) mostram-se especialmente úteis estudos de mercado, destinados a medir a notoriedade da marca em apreço, nas suas várias modalidades.(…) tratar-se de uma marca particularmente apreciada, que goze de especial estima, pela elevada qualidade geralmente reconhecida aos produtos que assinala, ou pela imagem especialmente atractiva ou fascinante que lhe está associada.”[15]
As especificidades dos regimes ali estabelecidos no que diz respeito à derrogação do princípio do registo, do princípio da territorialidade e do princípio da especialidade, não serão aqui objecto de explicitação, uma vez que não contendem com a decisão do caso sub judice, estando provado que as marcas da Apelante, marcas da UE e Internacionais, têm proteção em Portugal, estão registadas com prioridade relativamente à marca registanda e, os produtos que as marcas em confronto visam assinalar são idênticos/afins.
No entanto há especificidades quanto à análise do risco de confusão, uma vez que, embora nas marcas notórias não se prescinda da verificação do erro ou confusão, diversamente, nas marcas de prestígio, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência tem sustentado que  a protecção não depende da prova do risco de erro ou confusão entre as marcas em confronto (neste sentido ver anotação ao art. 235º do CPI Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, p. 940 e Ac TJUE L’Óréal e no mesmo sentido João Remédio Marques, Direito Europeu das patentes e Marcas, p. 526 e p. 530).
As marcas da Apelante NIVEA têm sido objecto de uso intensivo e reiterado desde há muitos anos, são, como dissemos, muito conhecidas no mercado relevante dos cosméticos e produtos de higiene pessoal, onde gozam de uma posição cimeira entre as marcas de renome mundial, gozando da confiança de uma franja muito significativa dos consumidores.
O TJUE no caso General Motors mencionou que, ao examinar-se se está perante uma marca de prestígio “deve considerar-se atingido o grau de conhecimento exigido quando a marca anterior é conhecida de parte significativa do público interessado pelos produtos e serviços abrangidos por essa marca e (…) o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração todos os elementos pertinentes do processo, a saber, designadamente, a parte de mercado detida pela marca, a intensidade, o alcance geográfico e a duração da sua utilização, bem como a importância dos investimentos efectuados pela empresa para a promover”.
Apesar de todos aqueles critérios não terem sido escalpelizados no caso sub judice, está suficientemente provado nos autos que, as marcas da Apelante são frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas, nomeadamente entre os anos 2008 a 2021; De acordo com um dos referidos estudos internacionais, em 2020, a Nivea foi a marca de beleza e cuidados pessoais mais escolhida na Europa e que teve uma penetração no mercado que atingiu mais de 50% das famílias da região, só equivalente à Coca-Cola; Na imprensa, em notícia divulgada em 2020, a marca Nivea foi mencionada como tendo sido eleita marca de confiança há 20 anos consecutivos.
«A classificação de uma marca como notória depende de um critério essencialmente quantitativo que consiste no grau de conhecimento que a marca tem junto do público relevante do seu circuito mercantil.
A classificação de uma marca como de prestígio depende do facto de ser, tal como a marca notória, conhecida de significativa parte do público relevante, e de este mesmo público lhe associar, por representação mental da marca, de forma imediata, uma avaliação distintiva com atribuição de características de excelência, requinte e sofisticação que lhe confere uma especialidade e uma raridade que constituem a parte essencial do seu valor: o seu prestígio.»[16]
Deste modo, deve considerar-se que ficou demonstrado nos autos que as marcas da Apelante gozam de um conhecimento muito elevado por parte dos consumidores e, têm elevada reputação no mercado dos cosméticos e produtos de higiene pessoal, com presença assídua e duradoura nesse tipo de mercado, assumindo a qualificação de marca notória ( requisito quantitativo) e marca de prestígio (requisito qualitativo), devendo essa notoriedade e prestígio ser considerados na avaliação dos critérios do grau de semelhança e possível confusão/associação a conjugar à luz do princípio da interdependência acima aflorado.
Contudo, o uso de marca semelhante, ainda que em grau mínimo, com uma marca de prestígio “deverá ter pelo menos uma de três consequências potenciais: o benefício parasitário (“tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio dessa marca”); ou o prejuízo daí resultante para o prestígio do sinal; ou o prejuízo causado ao carácter distintivo da marca. Como sublinhou o TJ basta que exista uma dessas violações para que a referida disposição deva ser aplicada.
Sendo assim, as marcas de prestígio- além de estarem protegidas contra o risco de confusão (como as marcas normais)- têm uma proteção mais reforçada, abrangendo ainda os riscos de diluição, de degradação e de parasitismo, conforme esclareceu o TJ no caso INTERFLORA.”[17]
Não obstante estas considerações gerais e a qualificação das marcas da Apelante como marcas notórias e de prestígio, analisado o conjunto das marcas em confronto, afigura-se-nos que, nem existe semelhança entre os sinais NIVEA ou   e  mesmo que de grau mínimo, como anteriormente se analisou, designadamente em termos visuais e fonéticos, nem a coexistência no mercado dos produtos e serviços assinalados pela marca da Apelada  será apta a potenciar à Apelada a obtenção de um benefício ilegítimo, parasitário, dependente do prestígio ou distintividade das marcas da Apelante, ou apta a potenciar uma diluição da capacidade distintiva da marca NIVEA, cuja reputação está sedimentada há tantos anos no mercado.
Não há elementos nos autos que nos permitam aferir, muito menos pela análise das marcas em confronto, que a coexistência no mercado dos cosméticos e produtos de higiene pessoal e, venda online dos mesmos, assinalados pela marca da Apelada, potencie um risco sério de ofuscamento ou diminuição do carácter distintivo elevado das marcas da Apelante, que venha a causar alguma dispersão de identidade da marca prestigiada NIVEA, que o público consumidor de algum modo as venha a associar ou eventualmente se confunda quanto à proveniência dos produtos.
Segundo João Remédio Marques, o titular da marca de prestígio “deve demonstrar a existência de elementos que permitam concluir pelo risco sério de que essa violação venha a concretizar-se no futuro”, o que não ficou demonstrado nos autos.
O sinal que constitui a marca registanda não assume semelhança com as marcas da Apelante que permita concluir pelo risco sério de a Apelada vir a tirar partido indevido da reputação, notoriedade e prestígio das marcas da Apelante, ou que lhes venha a causar prejuízos nessa reputação e notoriedade.
Em suma, no conjunto dos sinais em confronto, as diferenças gráficas e fonéticas são prevalecentes, sendo a impressão que a marca registanda causa no consumidor medianamente atento daquele tipo de produtos, distinta e facilmente perceptível, não gerando confusão com as marcas notórias da Apelante, nem sendo apta a causar risco de diluição, de degradação e de parasitismo relativamente ao prestígio mundialmente granjeado pelas marcas da Apelante. 
Por último, uma derradeira e sumária apreciação sobre a possibilidade de concorrência desleal, uma vez que essa possibilidade constitui, também, fundamento de recusa do registo de marca, nos termos da alínea h) do art. 232º nº 1 do NCPI, tendo sido suscitada no âmbito deste recurso.
Nos termos da alínea h) do art. 232º do CPI constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Segundo o art. 311º nº 1do NCPI “Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.(não estando em causa qualquer uma das outras hipóteses mencionadas nas alíneas b) a f) do referido preceito legal)
Atendendo ao acima exposto, tendo-se concluído não existir entre as marcas da Apelante e a marca registanda semelhanças susceptíveis de criar confusão, ou risco de aproveitamento das marcas de prestígio da Apelante,  considera-se não estar demonstrado o pressuposto para a recusa do registo da marca registanda com base no fundamento previsto no art. 232º nº 1 al. h) do CPI, uma vez que, não se pode afirmar que a utilização da marca registanda possibilitará um sério risco de desvio de clientela, ou outro tipo de comportamento de concorrência desleal, ainda que independentemente da intenção da Apelada.
Concluindo, tudo conhecido e apreciado, não se verificando fundamentos de recusa do registo da marca da Apelada, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
*
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância de manutenção da decisão de concessão do registo da marca nacional nº 647609
Custas pela Apelante – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
*
Lisboa, 24-2-2022
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Eurico José Marques dos Reis
Carlos M G de Melo Marinho
_______________________________________________________
([1]) F. AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, pág. 92-93.
([2] ) Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Entre outros, CPI Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, p. 926 e 966
[4] Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, p. 269
[5]  Ac RL de 30-9-2008, Proc. Nº 3546/3008-1,e em igual sentido Ac RL de 20-12-2017, Proc. Nº 271/17.3YHLSB.L1-7 , www.dgsi.pt
[6] Ac RL de 20-12-2017, Proc. Nº 271/17.3YHLSB.L1-7, www.dgsi.pt e Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, p. 253.
[7] Pedro Sousa e Silva, ob.cit., p286
[8] Ac RL de 24-6-2014, Proc. Nº 1021/08.0TYLSB.L1-7, www.dgsi.pt
[9] Ac TJUE proferido no Proc. C-251/95 ( Caso Sabel)
[10] CPI Anotado, Coord. Luis Couto Gonçalves, p. 966
[11] Direito de Marcas, p. 67
[12] Proc. Nº 422/17.8YHLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[13] CPI Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, p. 937
[14] Mafalda dos Santos Sebastião, Marca Notória e Marca de Prestígio, Relatório de Mestrado (consultável na internet)
[15] Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, p. 306 ss
[16] Ac STJ de 28-9-2021, Proc. Nº 422/17.8YHLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[17] Pedro Sousa e Silva, ob. Cit., p. 313