PLURALIDADE DE SEGUROS
INTENÇÃO FRAUDULENTA
DOLO
PROVA
FRANQUIA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Sumário


1 – Para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 133º do RJCS, há pluralidade de seguros sempre que são celebrados dois ou mais contratos de seguro, com diferentes seguradores não coordenados entre si, para a cobertura de um mesmo interesse contra o mesmo risco e por período coincidente, independentemente do valor dos capitais seguros.
2 – Os seguros múltiplos são permitidos, apenas se exigindo que o tomador do seguro ou o segurado informe os seguradores da pluralidade de seguros, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro.
3 – Aquela obrigação de dupla comunicação da pluralidade de seguros, enquanto corolário do princípio indemnizatório estabelecido no artigo 128º do RJCS, visa impedir que o mesmo dano possa ser ressarcido duas vezes, prevenindo pagamentos sobrepostos de indemnizações.
4 – Os seguradores ficam exonerados das respectivas prestações no caso de omissão fraudulenta da informação sobre a pluralidade de seguros.
5 – Para o preenchimento da previsão do nº 2 do artigo 133º do RJCS exige-se uma intenção específica para se poder concluir que a omissão de informação é fraudulenta: que o tomador ou o segurado omitam a informação sobre a pluralidade com o propósito de obter vantagem à custa dos seguradores, ou seja, obter de cada segurador o montante correspondente ao dano.
6 – Além de a previsão afastar a relevância da negligência, mesmo que exista uma dolosa omissão de comunicação, desde que a esse dolo não esteja associado um propósito de locupletamento patrimonial ilegítimo, isto é, de lucrar com o sinistro, recebendo indemnização superior ao dano, não se verifica fraude.
7 – Carece de ser alegada e demonstrada a intenção fraudulenta.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – Relatório

1.1. K. Z. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, e Y Portugal – Companhia de Seguros, SA, formulando os seguintes pedidos:

«a) Devem as 1ª e a 2ª RR serem condenadas a reconhecerem a ocorrência do sinistro de 24 de Março de 2018, em virtude da forte pluviosidade que se fez sentir, de forma absolutamente anormal e imprevisível, o que provocou o ruir do muro de suporte, tornando o imóvel segurado inabitável, verificando-se, assim, os requisitos indispensáveis ao preenchimento das condições necessárias para que sejam condenadas a indemnizar a A.
b) Devem as 1ª e 2ª RR serem condenadas a reconhecerem que o sinistro descrito, se encontra enquadrado nas coberturas garantisticas dos contratos de seguro celebrados com a A.
c) Deve declarar-se a nulidade das cláusulas dos contratos de seguro que, excluam a obrigação de indemnizarem a A., pela decorrência do sinistro em crise nos presentes autos.
d) Devem a 1ª e 2ª RR serem condenadas, solidariamente, ao pagamento à A. da quantia de € 43.500,00 (quarente três mil e quinhentos euros), necessários despender para a recuperação/reparação o imóvel, acrescida de juros vincendos, contados desde a citação até efectivo pagamento.
e) Devem a 1ª e 2ª RR serem condenadas a indemnizar a A. em € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
f) Serem as condutas da lª e 2ª RR comunicada ao Instituto de Seguros de Portugal para instauração do respetivo procedimento contraordenacional».

Para o efeito, alegou a ocorrência de um sinistro – o ruir de um muro da casa da Autora em consequência de um fenómeno atmosférico – coberto pelos contratos de seguro que celebrou com as Rés e que tal evento lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais.

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As Rés contestaram, impugnando parte dos factos alegados pela Autora e alegando a existência de pluralidade fraudulenta de seguros.
A Autora respondeu à matéria de excepção invocada pelas Rés.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a «julga[r] parcialmente procedente a acção e, em consequência:

a) Reconhe[cer] a ocorrência do sinistro de 24 de Março de 2018, em virtude da pluviosidade que se fez sentir, o que provocou o ruir do muro de suporte, tornando o imóvel seguro inabitável;
b) Declar[ar] que o sinistro descrito se encontra enquadrado nas coberturas garantísticas dos contratos de seguro celebrados com a Autora;
c) Declar[ar] a nulidade das cláusulas referidas nos pontos 73 e 76 dos Factos Provados, no segmento em que exigem a verificação de precipitação atmosférica de intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos, no pluviómetro;
d) Conden[ar] as Rés, “X Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.”, e “Y Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagarem, solidariamente, à Autora, K. Z., a quantia que se vier a liquidar a título de indemnização correspondente ao custo da reparação dos danos referidos nos pontos 34 a 39 dos Factos Provados, até ao limite máximo de € 43.500,00».
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1.3. Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1) As Rés não se conformam que o douto Tribunal a quo tenha propugnado pela inexistência de exoneração da responsabilidade com fundamento no artigo 133.º, n.º 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro porquanto estas «não alegaram – e também não demonstraram – a ocorrência do elemento subjetivo exigido pelo art. 133.º, n.º 2, do RJCS».
2) Acresce que na decisão proferida não foi considerada a franquia contratualizada para as coberturas aplicáveis no contrato de seguro celebrado com a Ré Y no valor de 10%.
3) Conforme resulta da sentença proferida, nos presentes autos estão em causa dois contratos de seguro com idêntico objeto, concretamente definido nos factos provados n.ºs 15 e 23 (proteção do direito de propriedade da Autora, ora recorrida, sobre o imóvel melhor descrito nos autos), com coincidência temporal no funcionamento das respetivas garantias e idêntico tomador de seguro (a Autora, agora recorrida).
4) A ratio do artigo 133.º, do RJCS é evidente: estando em causa uma área especialmente suscetível a fraude, se for possível estabelecer que o tomador dos contratos de seguro procurou enriquecer o seu património por via da execução fraudulenta de contratos de seguro plurais a sanção legalmente imposta é a da total desoneração da responsabilidade das entidades seguradoras envolvidas, como critério dissuasor da fraude.
5) Pelo que o apuramento do caráter fraudulento na omissão do dever de informação do tomador do seguro tem especial relevo para a aplicação das consequências estatuídas pelo legislador sobre a situação de pluralidade de contratos de seguro.
6) «Esta intenção fraudulenta é um elemento puramente subjetivo, cujo apuramento decorrerá certamente de elementos objetivos casuísticos, de entre estes podendo salientando-se a solicitação de mais que uma indemnização após produção do sinistro, mas que não é confundível com esta.» – João Paulo Raposo, “Pluralidade de seguros: Conceito, extensão e valência, in Julgar Online, Abril de 2016, citado na douta sentença nas pp. 118-119.
7) A intenção fraudulenta é um elemento subjetivo de difícil apreensão pelo julgador, precisamente por ser composto por uma estrutura psicológica impossível de se aferir por prova direta, pelo que a prova da intenção fraudulenta terá de ser indireta isto é, assente em determinadas ilações retiradas das regras da experiência comum.
8) «O meio probatório por excelência a que se recorre na prática para determinar a ocorrência de processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo não são as ciências empíricas, nem tão pouco a confissão auto inculpatória do sujeito ativo mas a aplicação das regras da experiência – premissa maior – aos factos previamente provados e que constituem a premissa» - in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 2753/06.3TAVIS.C1, 03/03/2010, sendo relator ALBERTO MIRA.
9) JUAN GRAU definiu como elementos objetivos indiciadores do caráter fraudulento no âmbito da pluralidade de contratos de seguro a reclamação da indemnização a todas as seguradoras sem que se comunique a nenhuma a existência das restantes e conhecendo a situação de pluralidade, o segurado responda negativamente aquando do preenchimento do questionário do novo seguro sobre a pré-existência de outro seguro que cubra o mesmo risco – in El Seguro Múltiple, Madrid: Editorial Tirant Lo Blanch 1998, p. 68.
10) Também JOÃO PAULO RAPOSO extrai esta intenção fraudulenta na solicitação de mais que uma indemnização após a produção do sinistro - in “Pluralidade de seguros: Conceito, extensão e valência, in Julgar Online, Abril de 2016, pp. 59-60.
11) Nos artigos 3.º a 8.º, inclusive, da contestação das Rés, foi alegada a ocultação da pluralidade de contratos de seguro por parte da Autora aquando da celebração de cada um dos contratos e bem assim, também se refere essa ocultação aquando da participação do sinistro a cada uma das Rés.
12) Nos artigos 10.º a 14.º da contestação das Rés foi alegada a intenção fraudulenta por parte da Autora, mais se dizendo que os elementos objetivos indiciadores dessa fraude foram, inclusivamente, confessados pela própria no seu articulado inicial – conforme artigos 14.º da contestação de fls e 73.º da douta petição inicial.
13) Os factos essenciais que constituíam a exceção de pluralidade de contratos de seguro invocada foram suficientemente alegados e devidamente percecionados pela Autora, que a eles reagiu em articulado próprio, bem como foram igualmente bem percecionados e interpretados pelo douto Tribunal a quo, que em momento algum manifestou a necessidade de complemento ou esclarecimento dos factos articulados na contestação das Rés e aquando da prolação da sentença revelou ter compreendido totalmente o alcance e sentido da exceção invocada.
14) Tivesse aquele douto Tribunal dúvidas sobre uma qualquer suposta imprecisão na matéria alegada por parte das Rés, tê-las ia convidado ao aperfeiçoamento do respetivo articulado nos termos do artigo 590.º, n.º 3, do C.P.C., o que não fez.
15) O Tribunal a quo julgou provado que:
- Após a ocorrência do sinistro, a Autora contactou com as Rés com a finalidade de que as mesmas assumissem as consequências do mesmo (facto provado n.º 42);
- A 28 de março de 2018, a Autora enviou à 2.ª Ré a respetiva participação de sinistro, via email (facto provado n.º 43);
- A Autora comunicou à 1.ª Ré a ocorrência do sinistro (facto provado n.º 52);
- Em setembro de 2017, a Autora subscreveu a proposta referida em 17 e não comunicou a existência do contrato referido em 14 (facto provado n.º 63);
- Nem posteriormente deu conhecimento à 1.ª Ré do contrato referido em 18 (facto provado n.º 64);
- Quando participou o sinistro à 2.ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 14 (facto provado n.º 65);
- Aquando da participação junto da 1.ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 18 (facto provado n.º 66);
- Desconhecendo a situação de pluralidade, ambas as Rés contrataram empresas de peritagens para averiguação do sinistro aquando das participações da Autora (facto provado n.º 67).
16) Pelo que da factualidade provada extrai-se, por um lado, o elemento objetivo: a omissão da situação de pluralidade, e bem assim, também se extraem todas as manifestações objetivas indiciadoras da intenção fraudulenta por parte da A., evidenciando o propósito de enriquecer injustamente à custa do sinistro participado.
17) Só a própria A. podia produzir prova direta com vista à convicção do douto Tribunal a quo sobre a intenção fraudulenta.
18) Com a decisão proferida aquele douto Tribunal esvaziou a proteção concedida pelo artigo 133.º do RJCS pois impossibilitou a aplicabilidade de tal normativo, mutando a prova da intenção fraudulenta já por si diabólica numa barreira verdadeira intransponível.
19) Pelo que mal julgou o Tribunal a quo em propugnar pela falta de alegação e prova da intenção fraudulenta da Autora.
20) Ao fazê-lo contrariou os factos julgados provados n.ºs 42, 43, 52, 63, 64, 65, 66 e 67 e erradamente interpretou o disposto no artigo 133.º, do RJCS.
21) Caso assim não se entenda, sempre se dirá que dos factos provados n.ºs 15 e 23 resulta provado o objeto dos respetivos contratos de seguro em conformidade com as apólices juntas aos autos a fls..
22) E no que respeita ao contrato de seguro celebrado com a 2.ª Ré, tanto a cobertura Inundações como a cobertura Aluimento de terras têm uma franquia contratual Tipo 71, que, conforme esclarece a respetiva apólice, traduz-se no valor de 10% do montante global da indemnização - conforme factos provados n.º 23 e apólice junta com a contestação.
23) Pelo que caso não se entenda estar demonstrada a intenção fraudulenta da Autora – o que se rejeita – sempre deverá este douto Tribunal alterar a decisão proferida para uma cuja condenação na quantia que se vier a liquidar tenha como limite o montante de 43.500,00 € e sem prejuízo da franquia contratual, no caso concreto de 10% do montante a indemnizar pela Ré Y».
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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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1.4. Questões a decidir

Tendo presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, constituem questões a apreciar:

a) Se as Rés devem ser exoneradas da responsabilidade em virtude da verificação de intenção fraudulenta da Autora, tradutora de pluralidade fraudulenta de seguros;
b) Caso se conclua negativamente à anterior questão, se é aplicável a franquia estabelecida no contrato de seguro celebrado com a Ré Y, no valor de 10% do montante global da indemnização, motivadora de alteração da condenação na quantia que se vier a liquidar tendo como limite o montante de € 43.500,00, no que respeita à Ré Y.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto
2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

«1- A Autora tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, com logradouro, sita na Avenida ..., n.º …, freguesia de ..., concelho de Vila ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/20081231 ..., e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o art.º ….
2- Por instrumento publico lavrado em 11 de Agosto de 2017, na Segunda Conservatória de Registo Predial de …, A. C., V. M., por si e na qualidade de representante de E. P., de M. F. e de M. P., E. C., H. C., J. M., José, J. A., M. J., por si e como procurador de M. S., M. C., Maria, M. L., por si e como procuradora de J. F., T. C., na qualidade de procurador de S. C., M. V., na qualidade de procurador de V. C., M. G., S. L. e B. A. declararam vender, e a Autora, representada por P. F., declarou comprar o prédio referido em 1.
3- No imóvel referido em 1 não foram observados, nem existiam, quaisquer indícios reveladores de vícios ou deficiências construtivas susceptíveis de colocarem em perigo a solidez e segurança do mesmo.
4- Tendo sido emitido, para o identificado prédio, pela Câmara Municipal de Vila ..., o Alvará de Autorização de Utilização n.º 27/2017.
5- Para a aquisição do imóvel em causa, a Autora contraiu junto da instituição bancária “Banco …, SA” um empréstimo, no valor de € 49.500,00, pelo prazo de 480 meses.
6- Aquando da solicitação do empréstimo à mencionada instituição bancaria Banco ..., foi a Autora informada que tinha que proceder à celebração de um contrato de seguro vida e de um contrato de seguro ao imóvel, seguros a celebrar com a 1.ª Ré, por intermédio da instituição Banco ..., SA e nas instalações desta, para cobertura dos riscos de morte e invalidez permanente, e destruição parcial ou total do imóvel.
7- Para tanto, foram apresentadas as propostas de seguro nas duas modalidades, ramo vida e multirrisco.
8- E foi nessa sequência que a Autora celebrou com a 1.ª Ré, num dos balcões do BANCO ..., um contrato de seguro do Ramo Vida, e o contrato “Multirrisco habitação – protecção casa mais”, este com a apólice n.º .......31.
9- Contrato este que tinha a duração de um ano e seguintes, conhecendo o seu inicio em 07.08.2017.
10- A Autora subscreveu a dita proposta, apondo a sua assinatura, sem qualquer possibilidade de ingerência ou discussão no respeitante ao conteúdo das suas condições gerais.
11- Foi explicado à Autora que a celebração dos contratos referidos em 8 era obrigatória e, no que concernia ao seguro vida, se destinava a garantir o pagamento ao BANCO ... em caso de morte ou invalidez da Autora, enquanto que o contrato multirrisco, garantia que, em caso de destruição total ou parcial do imóvel, este estaria seguro e a companhia de seguros pagava a reparação ou reconstrução.
12- Chegada a data da celebração do instrumento público referido em 2, seria tal documento acompanhado de documento complementar anexo ao mesmo.
13- Nos termos do n.º 1 e 2 da clausula 12.ª do documento complementar anexo ao instrumento público referido em 2, por imposição do BANCO ..., que concedeu o empréstimo, a Autora obrigou-se a contratar seguro de vida e ainda um seguro multirrisco do bem hipotecado em “(…) empresa de seguros de reconhecido credito (…)”.
14- O contrato correspondente à apólice n.º .......31 foi celebrado, sem que a 1.ª Ré tivesse procedido à inspecção prévia ou posterior do imóvel a segurar.
15- Dos termos da indicada apólice consta o seguinte:
“Objeto seguro: Imóvel (…)
Coberturas, capitais e Franquias / protecção casa mais.
Coberturas Capital seguro Franquias
Aluimento de terras € 63.500,00 Sem franquia
Choque de veículos terrestres € 63.500,00 Sem franquia
Derrame acidental de óleo € 63.500,00 Sem franquia
Danos Estéticos € 2.500,00 Sem franquia
Danos por agua € 63.500,00 Sem franquia
Desp. Judiciais por R. civil € 2.500,00 Sem franquia
Demolição e remoção escombros € 6.350,00 Sem franquia
Fenómenos sísmicos € 63.500.00 5,00% s/ valor capital
Furto ou roubo € 63.500,00 Sem franquia
Greves/tumultos/Alt. Ordem pub. € 63.500,00 Sem franquia
Inundações € 63.500,00 Sem franquia
Incendio, raio, explosão € 63.500,00 Sem franquia
Pesquisa/reparação de avarias € 1.587,50 Sem franquia
Queda ou quebra de antenas € 635,00 Sem franquia
Quebra de vidros € 500,00 Sem franquia
Queda aeronaves /trav. Barr. Som € 63.500,00 Sem franquia
Queda/quebra paineis solares € 635,00 Sem franquia
Resp. civil proprietário imóvel € 250.000,00 Sem franquia
Riscos electricos € 2.500,00 10,00% s/ valor indemnização, min € 50,00
Tempestades € 63.500,00 Sem franquia
Atos vandalismo e maliciosos € 63.500,00 Sem franquia”.
16- O documento de suporte das coberturas foi entregue à Autora.
17- Posteriormente à celebração do contrato referido em 14, através de um mediador de seguros, foi apresentada proposta à Autora com vista à contratação de um outro seguro, agora com a 2.ª Ré, “Y Portugal – Companhia de Seguros, SA”.
18- Contrato celebrado no ramo Multirrisco habitação, na modalidade “Casa Segura”, no Pack “Casa+”, segurando o edifício e o recheio, ao qual foi atribuído a apólice n.º ..........46.
19- Tal contrato tinha a periodicidade de um ano e seguintes, e o pagamento era efectuado de forma semestral, tendo conhecido o início da produção de efeitos em 11.09.2017.
20- Foi dada à Autora explicitação dos riscos cobertos e do capital seguro, em sede de imóvel e em sede de recheio.
21- A Autora subscreveu a dita proposta, sem qualquer possibilidade de ingerência ou discussão no respeitante ao conteúdo das suas condições gerais.
22- O contrato correspondente à apólice n.º ..........46 foi celebrado sem que a 2.ª Ré tivesse procedido à inspecção prévia ou posterior do imóvel a segurar.
23- Dos termos da indicada apólice consta o seguinte:
“Unidade de Risco: Edifício
Local de Risco: Av ... ...
Riscos cobertos Capital Seguro Sub-limite Capita Franquia (por sinistro e anuidade) Seguro (por sinistro e anuidade)
Assistência veterinária Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Actos de Vandalismo €80.000,00 - Tipo 71
Aluimento de Terras €80.000,00 - Tipo 71
Assistência enfer e subst familiar Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Assistência familiar Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Assistência lar Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Assistência médica urg ao domicilio Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Choque impacto veículos terres/ anim €80.000,00 - Tipo 99
Cyber Risk Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Danos em jardim €2.500,00 €2.500,00 Tipo 99
Danos em Jardim – excedente €5.000,00 - Tipo 99
Danos em muros e vedações €2.500,00€ €2.500,00 Tipo 71
Danos em muros e vedações-excedente €40.000,00 - Tipo 71
Danos estéticos €5.000,00 - Tipo 99
Danos água e ruptura canal rede inter €80.000,00 - Tipo 71
Demolição e remoção de escombros €5.000,00 - Tipo 99
Derrame acidental óleo equi aqueci €80.000,00 - Tipo 99
Derrame sist hidrau protec incêndio €80.000,00 - Tipo 99
Despesas de funeral €2.500,00 - Tipo 99
Furto qualificado ou roubo €80.000,00 - Tipo 71
Granizo e neve €80.000,00 - Tipo 71
Greves, tumultos, alter ordem pública €80.000,00 - Tipo 71
Honorários de técnicos €2.500,00 - Tipo 99
Incêndio accão mec queda raio expl. €80.000,00 - Tipo 99
Inundações €80.000,00 - Tipo 71
Morte do Segurado €25.000,00 - Tipo 99
Pesq. Avarias rede interna €2.500,00 - Tipo 71
Ramo: Multirriscos Habitação
Apólice nº ..........46
Riscos cobertos Capital Seguro Sub-limite Capital Franquia (por sinistro e anuidade) Seguro (por sinistro e anuidade)
Privação temporária da habitação €5.000,00 - Tipo 99
Protecção Jurídica – Mod.1 Conf. Cond. Especial - Tipo 99
Quebra de Louças sanitárias €2.500,00 - Tipo 99
Quebra de vidros e pedras fixas €2.500,00 - Tipo 99
Quebra ou queda de antenas €80.000,00 €2.500,00 Tipo 99 para os danos nas antenas
Quebra ou queda de painéis solares €80.000,00 €2.500,00 Tipo 99 para os danos nas antenas
Quebra/ Queda de antenas-excedente €1.000,00 - Tipo 99
Queda acidental de árvores €80.000,00 - Tipo 99
Queda de aeronaves €80.000,00 - Tipo 99
RC extracontra, propriet, inq, ocup €50.000,00 - Tipo 99
Riscos elec. Insta elé-excedente €5.000,00 - Tipo 71
Riscos elétricos instalação eléctr € 2.500,00 €2.500,00 Tipo 71
Tempestades €80.000,00 - TipoUnidade de Risco: Recheio
Local de Risco: Av ... 132 – 4770-764 ...
Riscos cobertos Capital Seguro Sub-limite Capital Franquia (por sinistro e anuidade) Seguro (por sinistro e anuidade)
Actos de Vandalismo €10.000,00 - Tipo 71
Aluimento de Terras €10.000,00 - Tipo 71
Avaria frigori. Arcas congeladoras €2.500,00 - Tipo 71
Choque impacto veiculos terres/anim €10.000,00 - Tipo 99
Cob. Sanitários animais domést (Acid) €100,00 - Tipo 99
Cob. Sanitários animais domést (Morte) €500,00 - Tipo 99
Danos em bens do senhorio €2.500,00 - Tipo 99
Danos em bens dos empregados €2.500,00 - Tipo 99
Danos água ruptura canal rede inter €10.000,00 - Tipo 71
Demolição e remoção de escombros €5.000,00 - Tipo 99
Derrame acidental óleo equip aqueci €10.000,00 - Tipo 99
Derrame sist hidráu protec incêndio €10.000,00 - Tipo 99
Deterioração de bens refrigerados €500,00 - Tipo 99
Furto qualificado ou roubo €10.000,00 - Tipo 71
Granizo e neve €10.000,00 - Tipo 71
Greves, tumultos, alter ordem pública €10.000,00 - Tipo 71
Incêndio acção mec queda raio expl. €10.000,00 - Tipo 99
Inundações €10.000,00 - Tipo 71
Mudança temporária dos bens seguros €5.000,00 - Tipo 99
Privação temporária da habitação €5.000,00 - Tipo 99
Queda acidental de árvores €10.000,00 - Tipo 99
Queda de aeronaves €10.000,00 - Tipo 99
RC extracontratual vida privada €50.000,00 - Tipo 99
Risco eléctricos aparelhos eléctr. €50.000,00 - Tipo 71
Roubo na pessoa €250,00 - Tipo 99
Substituição de documentos €2.500,00 - Tipo 99
Tempestades €10.000,00 - Tipo 71”.
24- O documento de suporte das coberturas foi entregue à Autora.
25- O prédio referido em 1 acha-se delimitado em toda a sua extensão por muro de pedra.
26- Entre o prédio referido em 1 e a propriedade contígua a Nascente existe um desnível de terras, estando o prédio referido em 1 numa cota superior em cerca de 3 metros de altura.
27- Em ordem ao suporte de terras e contenção periférica do terreno entre as duas propriedades, existe um muro, com características de construção tradicional, sendo constituído por pedra natural, nomeadamente, granito, com pedras de dimensão irregular, aparelhadas em camadas assentes entre si através de uma mistura de cimento, areia e água.
28- Tal muro é ainda um muro de suporte, uma vez que dispõe de uma construção assente sobre o seu patamar.
29- Sobre o muro divisório das propriedades, foi edificada uma construção de rés-do-chão, consistente na casa de habitação referida em 1.
30- No mês de Março de 2018 a precipitação verificada na zona de ... foi de 300 mm, superior em cerca de 190% ao valor médio mensal, sendo o segundo Março mais chuvoso desde o ano de 1931.
31- No referido período de tempo e na zona de ..., ocorreram ventos fracos a moderados, ocorrendo ventos fortes, de 36 a 55 km/h na tarde de dia 2 e ao final do dia 9 e de 36 a 45 Km/h na partir da tarde de dia 10 e na manhã e início da tarde do dia 14.
32- O mês de Março de 2018 foi classificado pelo IPMA como “muito frio” em relação à temperatura do ar e “extremamente chuvoso” em relação à precipitação.
33- Fruto da pluviosidade registada em Portugal no mês de Março de 2018, no final desse mês acabou a situação de seca meteorológica que se verificava desde Abril de 2017.
34- Como consequência da chuva referida em 30, em 24 de Março de 2018, o muro referido ruiu numa extensão de cerca de 3 metros.
35- Tendo permitido a movimentação de terras por baixo da habitação, que estavam sustadas pelo indicado muro, em cerca de um metro e na totalidade da extensão da queda do muro, arrastando consigo terra, pedras e entulho.
36- Fruto de tal movimentação de terras, a casa ficou sem suporte, estando parcialmente suspensa no ar, por ausência de estrutura, que ficou abalada.
37- Causando a cedência parcial do piso, bem como fissuração das paredes e tectos.
38- Tornando a casa inabitável, por falta de condições de segurança.
39- Inclusivamente, ficou a casa sem porta de acesso ao interior, já que foi nessa área que as terras onde assentava a casa se soltaram, em consequência da rutura do muro de suporte.
40- Em ordem a proceder à reconstrução do aludido muro, bem como da parte da habitação destruída, a Autora solicitou orçamento que contemplasse os trabalhos a executar.
41- Em 4 de Abril de 2018, foi elaborado e apresentado à Autora o orçamento n.º 36/2018, emitido pela sociedade comercial por quotas, com a firma “E. M. Unipessoal, Lda,”, o qual prevê o dispêndio de € 43.500,00, para a execução dos trabalhos necessários realizar em consequência da queda do muro e movimento de terras.
42- Após a ocorrência do sinistro, a Autora contactou com as Rés com a finalidade de que as mesmas assumissem as consequências do mesmo.
43- A 28 de Março de 2018, a Autora enviou à 2.ª Ré a respectiva participação de sinistro, via email.
44- Em 24 de Maio de 2018, a 2.ª Ré declinou qualquer responsabilidade em relação ao sinistro, por entender que:
“…o facto participado não faz acionar, qualquer das coberturas da apólice… Dado que a derrocada do anexo e muro se deve à falta de planeamento estrutural da construção do anexo.
Nessa conformidade, informamos que declinamos toda e qualquer responsabilidade no evento em causa, suas despesas e consequências”.
45- Após a recepção de tal missiva, a Autora contactou o ora mandatário constituído.
46- O qual interpelou novamente a 2.ª Ré, enviando, para esse efeito, no dia 30 de Maio de 2018, via email, uma carta.
47- Nessa missiva foi comunicado o seguinte:
“Y Portugal – Companhia de Seguros S.A
Att: Dra. C. A.
Gestora de Seguros
Póvoa de Varzim, 30 de Maio de 2018
Assunto: Participação nºRG ………51 - Apólice nº …………46
M/Ref: K. Z. (972)
Exma. Senhora
Os m/ melhores cumprimentos.
Serve a presente para informar V.Exa., que fui contactado pela Sra. K. Z., a qual solicitou a prestação dos m/ serviços profissionais, em ordem a encontrar entendimento acerca do assunto que passo a descrever.
A m/ Constituinte, celebrou contrato de seguro com a V/Representada, no ramo Multirrisco Habitação, segurando edifício e recheio, sito na Avenida ..., ..., Vila ....
Resulta das condições contratuais quais os riscos cobertos, dos quais, e para além de outros, se alcança estar segurado danos em muros e vedações. Aqui chegados, importa recordar que em consequência de intempéries, o muro divisório da propriedade e que também serve de parede à habitação existente na indicada morada, sofreu uma derrocada, que fez para além do mais, abalar a estrutura do edifício, bem como fissuração de parte substancial do pavimento.
Tais factos foram trazidos ao conhecimento de V. Exas, tendo a m/ constituinte sido congratulada, com uma missiva, na qual declinam a responsabilidade, sob a menção de que a derrocada do anexo se deveu à falta de planeamento estrutural da construção do anexo.
Ora, com o devido respeito, dizerem o que disseram ou nada terem dito, teria o mesmo condão.
É que, a habitação em causa encontra-se legalmente edificada, dispondo de competente alvará de utilização, em nada contrariando a lei.
Mais a mais, ainda que academicamente se admitisse a justificação agora encontrada, sempre importaria questionar se aquando da celebração do contrato de seguro, apenas importou " fazer mais um seguro?!".
Aqui chegados, importa que venham esclarecer cabalmente o que pretendem dizer e justificar de forma clara e sem margem para enredos, os motivos pelos quais declinam a responsabilidade.
De todo o modo, sempre se informa que a m/Constituinte não aceita declinação de responsabilidade quando a reparação do dano se encontra coberta pela V/ apólice sem perder de vista o valor do dano que particamente ascende a 43.5000 €, conforme já lhes foi transmitido em competente orçamento.
Assim sendo, e na expectativa das V/ prezadas notícias, subscrevo-me com consideração.
Junta: Procuração
O Advogado”.
48- A 2.ª Ré respondeu à Autora, uma vez mais declinando a responsabilidade, por email datado de 17.09.2018.
49- No dito email era dito o seguinte:
“Exmo. Senhor Dr. P. S., Temos presente a comunicação que V.Exa. apresentou acerca do processo em assunto, em representação da Sra. D. K. Z., a qual mereceu a nossa melhor atenção. Apresentamos o nosso pedido de desculpa pelos constrangimentos causados pelo hiato temporal entre a mesma e a presente data de resposta.
Das diligências efetuadas no âmbito da função autónoma da Gestão de Reclamações, informamos que a posição tomada se baseou na vistoria realizada ao local, na qual foi verificado que o anexo no qual ocorreram os danos foi construído sobre muro de suporte de terras não dimensionando para as cargas provenientes do mesmo, verificando-se a inexistência de estrutura de suporte adicional, resultando na derrocada do anexo e do muro. Esta situação encontra-se devidamente prevista nas exclusões do contrato. Por esse motivo, confirmamos a declinação de responsabilidade na ocorrência, oportunamente comunicada.
Compreendendo os transtornos causados por esta situação, apresentamos os nossos melhores cumprimentos”.
50- De novo, o mandatário da Autora, na busca de obtenção de solução extrajudicial do assunto, expediu nova comunicação, via email, em 4 de dezembro de 2018, com o seguinte teor:
“Exma. Senhora
Dra. L. P.
Gestora de Reclamações
Póvoa de Varzim, 4 de Dezembro de 20118
Assunto: RP GP 1-……….49_ Processo ………51
M/ Constituinte: K. Z.
Os m/ melhores cumprimentos.
Na sequência das interpelações que foram dirigidas a V.Exas., foi recepcionada resposta, em 17/09/2018, na qual informam que a posição assumida teve em ponderação a vistoria ao local onde ocorreram os danos, e que constataram que o muro de suporte não estava dimensionado para as cargas provenientes do mesmo. Por conseguinte, esta situação, em V/ entender, acha-se excluída do contrato.
Ora, a m/Constituinte não se conforma com o decidido, já que há mais de 30 anos que se encontra edificada a construção em causa, sem que nunca tenha sofrido qualquer dano, que não fosse o denunciado a V.Exas.
Todavia, atenta a V. resposta, solicitamos ser habilitados com as cláusulas gerais e especiais que nunca foram entregues à m/ constituinte, para que se alcance da bondade do invocado, sem contudo, significar que se abdica do direito de recorrer as vias que se entendam adequadas ao ressarcimento.
Na expectativa das V. prezadas notícias, subscrevo-me com consideração.”;
51- Até à presente data, a Autora não foi ressarcida de qualquer montante por banda da 2.ª Ré, em consequência da queda do muro.
52- A Autora comunicou à 1.ª Ré a ocorrência do sinistro.
53- Em 20 de Maio de 2019, a 1.ª Ré declinou qualquer responsabilidade em relação ao sinistro, por entender que o sinistro não tinha enquadramento nas garantias da apólice.
54- Comunicando à Autora o seguinte:
“Exma. Senhora,
Reportamo-nos à participação de sinistro que oportunamente nos formulou, para dar conhecimento de que finalizámos a instrução do respectivo processo.
Após a necessária e cuidada apreciação, fundamentalmente com base no relatório de peritagem, constatámos que os danos ocorridos e verificados (diversos danos no imóvel, por deficiência construtiva/ manutenção, não tem enquadramento nas garantias a apólice, nem nas coberturas de Tempestades, Inundações ou Danos por Água, porque resultam de deficiência construtiva e de manutenção do imóvel.
Para melhor esclarecimento, informamos os elementos que servem de base à nossa decisão:
Pela análise efetuada no local, constatamos que o muro em apreço, é construído em pequenos blocos de pedra em granito, servindo como muro de suporte/ contenção de solos. Apresentando uma dimensão de 4m de altura e 26 ml de comprimento aproximadamente. Foi ainda possível verificar que, as uniões entre as pedras do muro se encontravam colmatada com argamassa de cimento, o que impedia a drenagem natural.
Aproveitamos para informar que o local de risco está também garantido na apólice ..........46 da Y Seguros, pelo que, sugerimos que efetue a devida correção.
Neste contexto vamos proceder ao encerramento do processo sem pagamento de indemnização.
Colocando-nos ao dispor para qualquer esclarecimento que considere necessário, apresentamos os nossos melhores cumprimentos e subscrevemo-nos”.
55- Em 22 de Maio de 2019, a 1.ª Ré enviou nova missiva à Autora, dando conhecimento do encerramento do processo sem pagamento de indemnização.
56- Nessa missiva, a 1.ª Ré comunicou à Autora o seguinte:
Exma. Senhora,
Reportamo-nos à participação de sinistro que oportunamente nos formulou, para dar conhecimento de que finalizámos a instrução do respectivo processo.
Após a necessária e cuidada apreciação, fundamentalmente com base no relatório de peritagem, constatámos que os danos ocorridos e verificados no imóvel, não tem enquadramento nas garantias a apólice, nem nas coberturas de Tempestades, Inundações ou Danos por Água, porque não foi subscrita a cobertura complementar de “Danos em muros e muretes” para além de se verificar que os danos, resultam de deficiências estruturais/construtivo, consequentemente sem carácter súbito e imprevisto.
Neste contexto vamos proceder ao encerramento do processo sem pagamento de indemnização.
Colocando-nos ao dispor para qualquer esclarecimento que considere necessário, apresentamos os nossos melhores cumprimentos e subscrevemo-nos”.
57- O imóvel referido em 1 foi alvo de avaliação por avaliadores contratados pelo banco referido em 5, que não detetaram qualquer deficiência construtiva suscetível de colocar em causa a solidez e segurança o imóvel.
58- A Autora, desde 24 de Março de 2018, vê-se impedida de usufruir do imóvel referido em 1.
59- O referido em 58 causou causa tristeza à Autora.
60- A Autora adquiriu o imóvel referido em 1 pelo facto de dispor de espaço verde que permitia à sua filha menor brincar ao ar livre.
61- Estando impedida de o fazer, vivendo em apartamento arrendado, na cidade do Porto.
62- O referido em 58 afectou e continua a afectar a Autora nas suas relações com familiares, amigos e demais pessoas que consigo privam, que a vêm permanentemente desalentada, com grande frustração e desânimo.
63- Em setembro de 2017, a Autora subscreveu a proposta referida em 17 e não comunicou a existência do contrato referido em 14.
64- Nem posteriormente deu conhecimento à 1.ª Ré do contrato referido em 18.
65- Quando participou o sinistro à 2.ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 14.
66- Aquando da participação junto da 1.ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 18.
67- Desconhecendo a situação de pluralidade, ambas as Réus contrataram empresas de peritagens para averiguação do sinistro aquando das participações da Autora.
68- Os peritos averiguadores concluíram que a ruína do muro resultou de deficiente planeamento estrutural da construção do imóvel.
69- Do n.º 2, da cláusula 32.ª das condições gerais do contrato referido em 14 consta que a cobertura TEMPESTADES garante os danos causados em consequência de tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 kms envolventes dos bens seguros e desde que, no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 kms por hora; alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados no presente artigo na condição que estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício.
70- Do n.º 25 da mesma cláusula 32.ª consta que estão garantidos pela cobertura ALUIMENTO DE TERRAS os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos.
71- Das condições gerais do contrato celebrado com a 2.ª Ré consta que a cobertura TEMPESTADES cobre os riscos decorrentes de tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes bem como o choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores sãs num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros, devidamente identificados nas Condições Particulares (em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade exceciona – velocidade superior a 10 km /hora); alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:
- que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;
- que os danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou destruição parcial do edifício”.
72- E que cobertura ALUIMENTO DE TERRAS “garante os danos sofridos pelos bens seguros devidamente identificados nas Condições Particulares em consequência de aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”.
73- Do n.º 3, da cláusula 32.º das condições gerais do contrato referido em 14 consta que a cobertura INUNDAÇÕES garante os danos causados nos bens seguros em consequência de “tromba de água ou queda de chuvas torrenciais – precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro”.
74- Da cláusula 33.º das condições gerais do contrato referido em 14 consta que ficam excluídos da cobertura de TEMPESTADES os “danos em muros e vedações”.
75- Da cláusula 33.º das condições gerais do contrato referido em 14 consta que ficam excluídos da cobertura de INUNDAÇÕES os “danos em muros e vedações”.
76- Das condições gerais do contrato celebrado com a 2.ª Ré consta que a cobertura INUNDAÇÕES cobre os danos provocados por “tromba-d’água ou queda de chuvas torrenciais, isto é, quando a «precipitação atmosférica for de intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos, no pluviómetro»”.
77- Das condições gerais do contrato celebrado com a 2.ª Ré consta que a cobertura DANOS EM MUROS E VEDAÇÕES “garante, até ao limite indicado nas Condições Particulares e no mesmo âmbito das Condições Especiais Tempestades e Inundações, os danos causados em (…) muros (…), vedações (…) mesmo se não forem acompanhados de destrução total ou parcial do edifício de que são parte integrante, devidamente identificado nas Condições Particulares”.».
*

2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou não demonstrados os seguintes factos:
«Artigo 10.º da Petição Inicial.
Artigo 11.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
Artigo 12.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 13.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 14.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 15.º da Petição Inicial.
Artigo 21.º da Petição Inicial.
Artigo 23.º da Petição Inicial.
Artigo 26.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 16 dos Factos Provados.
Artigo 27.º a 32.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados.
Artigo 36.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 20 dos Factos Provados.
Artigo 37.º da Petição Inicial.
Artigo 38.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 21 dos Factos Provados.
Artigo 39.º da Petição Inicial.
Artigo 41.º da Petição Inicial.
Artigo 43.º da Petição Inicial.
Artigo 46.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 24 dos Factos Provados.
Artigo 48.º da Petição Inicial.
Artigo 59.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 31 dos Factos Provados.
Artigo 60.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 32 dos Factos Provados.
Artigo 61.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigo 169.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “deprimida”.
Artigos 173.º e 174.º da Petição Inicial.
Artigo 18.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 68 dos Factos Provados.
Artigo 19.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 27 dos Factos Provados.
Artigo 20.º da Contestação, salvo na parte que resulta dos pontos 18 e 19 dos Factos Provados.
Artigos 26.º e 27.º da Contestação.
Artigos 31.º e 32.º da Contestação.».
**
2.2. Do objecto do recurso
2.2.1. Pluralidade de contratos de seguros

As Rés insurgem-se contra a decisão recorrida por não ter concluído pela exoneração da sua responsabilidade com fundamento no disposto no artigo 133º, nº 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS).
Sustentam que ocorreu a ocultação da pluralidade de contratos de seguro por parte da Autora aquando da celebração de cada um dos contratos e, bem assim, no momento da participação do sinistro a cada uma das Rés, pelo que tal circunstancialismo demonstra a intenção fraudulenta da Autora.
Como se vê da síntese bem elaborada na conclusão 16ª das suas alegações, entendem que «da factualidade provada extrai-se, por um lado, o elemento objetivo: a omissão da situação de pluralidade, e bem assim, também se extraem todas as manifestações objetivas indiciadoras da intenção fraudulenta por parte da A., evidenciando o propósito de enriquecer injustamente à custa do sinistro participado».

A questão suscitada respeita à interpretação do artigo 133º do RJCS, cujos nºs 1 a 4 regem assim:

«1. Quando um mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período esteja seguro por vários seguradores, o tomador do seguro ou o segurado deve informar dessa circunstância todos os seguradores, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro.
2. A omissão fraudulenta da informação referida no número anterior exonera os seguradores das respectivas prestações.
3. O sinistro verificado no âmbito dos contratos referidos no nº 1 é indemnizado por qualquer dos seguradores, à escolha do segurado, dentro dos limites da respectiva obrigação.
4. Salvo convenção em contrário, os seguradores envolvidos no ressarcimento do dano coberto pelos contratos referidos no nº 1 respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro».

Verifica-se uma situação de pluralidade de seguros ou, noutra designação, de seguros múltiplos (pluralidade jurídica de seguros) sempre que são celebrados dois ou mais contratos de seguro, com diferentes seguradores não coordenados entre si, para a cobertura de um mesmo interesse contra o mesmo risco e por período coincidente, independentemente do valor dos capitais seguros (2).
Para haver pluralidade de seguros relevante para a aplicação do disposto no artigo 133º do RJCS tem de haver sobreposição, parcial ou total, de seguros, em termos de interesse, risco e período temporal. Como no caso dos autos, a situação não suscita dúvidas por estarmos perante seguros duplos (3), com identidade absoluta, é irrelevante a apreciação de figuras afins ou aproximadas, a que não é aplicável o regime do artigo 133º.

Os dois contratos de seguro dos autos, celebrados com diferentes seguradoras não coordenadas entre si (4), respeitam ao mesmo interesse (5) (v. factos provados nºs 15 e 23), relativo à protecção do direito de propriedade da Autora sobre um seu imóvel (6), cobrem ambos os riscos (7) decorrentes de inundações e aluimento de terras e existe coincidência dos períodos temporais de cobertura das respetivas garantias. O sinistro é enquadrável nas mesmas coberturas contratadas com ambas as Rés e a segurada é a mesma (8).
Portanto, verificando-se que o mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por período coincidente é coberto por duas seguradoras, é aplicável o regime jurídico do artigo 133º do RJCS.
A pluralidade de seguros não é proibida, antes é expressamente admitida e em termos amplos. Recorde-se que o Código Comercial, no seu artigo 434º, estabelecia que «o segurado não pode, sob pena de nulidade, fazer segurar pela segunda vez pelo mesmo tempo e risco objecto já seguro pelo seu inteiro valor, excepto nos seguintes casos (…)». Estatuía-se a nulidade (9) do segundo contrato de seguro, ao invés da validade que agora é regra, apenas limitada pela necessidade de prevenção de fraude.
Aliás, a existência de pluralidade de seguros, só por si, não representa uma desvantagem para os seguradores envolvidos, na medida em que, nos termos do nº 4 do artigo 133º do RJCS, ocorrendo o sinistro, «respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro». Se nada lhes tiver sido comunicado, poderão receber o prémio do seguro por inteiro mas a sua responsabilidade (10), de cada um deles, é limitada, pois os pagamentos – indemnizatórios – devidos pelos seguradores da pluralidade não são cumuláveis.
O regime consagrado apenas pretende prevenir e combater as situações patológicas. De um lado, a pluralidade de seguros pode conduzir a actuações fraudulentas por parte dos segurados no caso de ocorrência do risco coberto. Do outro, caso se entendesse que a mera omissão de comunicação da existência de pluralidade de seguros, sem mais, seria suficiente para preencher a previsão do nº 2 do artigo 133º do RJCS, também existiria o risco de ocorrerem comportamentos oportunistas dos seguradores: encaixavam os prémios de seguro se não ocorresse qualquer sinistro e exoneravam-se da sua responsabilidade quando verificado um sinistro, bastando para o efeito estar demonstrada a objectiva omissão de comunicação.
Os seguros múltiplos são permitidos, apenas exigindo a lei que o tomador do seguro ou o segurado informe os seguradores da pluralidade de seguros, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro. O tomador e o segurado – ambos têm essa obrigação de dupla comunicação – têm de declarar a cada um dos seguradores envolvidos os seguros cujas coberturas se referem, ainda que parcialmente, ao mesmo risco, interesse e período de tempo.
É indubitável que a Autora, simultaneamente tomadora do seguro e segurada, não cumpriu tal obrigação no momento em que celebrou o segundo seguro – com a 2ª Ré – nem quando participou o sinistro a ambas as Rés.
E aqui entronca a questão fundamental do recurso: essa não comunicação, no concreto circunstancialismo dos factos provados, revela uma intenção fraudulenta?
A resposta a esta questão não é propriamente fácil, na medida em que não há, segundo julgamos (11), jurisprudência sobre esta matéria, embora já existam contributos importantes de alguns autores. Embora relevantes, não são decisivos os auxílios que se podem obter no direito comparado, uma vez que a nossa lei traçou um regime próprio, apesar de o nº 2 do artigo 133º se ter inspirado nas paralelas leis espanhola e italiana, que remetem para o conceito de dolo (“dolosamente” (12) e “dolo” (13)) (14).
No nosso entender são dois os elementos que nos permitem entender o que o legislador pretendeu dizer com “omissão fraudulenta da informação” sobre pluralidade de seguros, enquanto pressuposto da exoneração dos seguradores das respectivas prestações.
Por um lado, sendo certo que o regulado e previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 133º não consta de qualquer regime anterior ao RJCS, este preceito é um corolário do princípio indemnizatório estabelecido no artigo 128º – que limita a prestação do segurador ao montante do dano decorrente do sinistro e ao valor do capital seguro – e visa impedir que o mesmo dano possa ser ressarcido duas vezes. Portanto, as obrigações de comunicação ao segurador das situações de pluralidade têm uma finalidade específica, que é prevenir pagamentos sobrepostos de indemnizações. Por exemplo, no caso de duplo seguro absolutamente idêntico, que o segurado receba, pelo sinistro verificado, do primeiro segurador a prestação indemnizatória garantida e do segundo segurador idêntica indemnização, sem que qualquer um dos dois seguradores saiba da existência do outro seguro.
Por outro lado, sendo lícita a pluralidade de seguros garantindo um mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período, o conceito de fraude está umbilicalmente ligado à ideia de locupletamento indemnizatório.
Só por si, a omissão da prestação da informação num dos dois momentos relevantes – o da verificação da existência da pluralidade de seguros e o da participação do sinistro – não acarreta a sanção prevista no nº 2 do artigo 133º. A utilização do vocábulo “fraudulenta” permite conclui que a omissão de informação negligente (15) ainda é irrelevante: constitui um encargo material sem sanção pela não prestação da informação e que não confere qualquer direito subjectivo ao segurador (16).
A fraude é, por natureza, um acto intencional. Em regra, pretende designar uma conduta que visa enganar ou prejudicar alguém. O dolo, num dos sentidos possíveis da expressão, é um estado subjectivo de vontade e consciência das consequências de um comportamento.
Por isso, importa saber se basta o dolo (17) genérico para preencher a previsão do nº 2 do artigo 133º ou se é necessário algo mais do que isso.
O RJCS distingue entre “dolo” e “fraude”, que utiliza com significados diferentes (v. arts. 25º, nº 5, 46º, nº 1, 83º, nº 2, 94º, nº 1, al. c), e 133º, nº 2). A fraude é uma actuação mais grave e especialmente qualificada no que respeita à intenção.
No nosso entender, como a finalidade do preceito é prevenir o recebimento sobreposto – em duplicado – de indemnizações, a intenção do obrigado à dupla comunicação tem de se dirigir à obtenção de um locupletamento patrimonial indevido, ou seja, a intenção de lucrar com o sinistro. Nessa medida, para o conceito de fraude utilizado no nº 2 do artigo 133º é irrelevante qualquer eventual vontade de produzir um prejuízo e não é bastante a omissão voluntária de comunicação, pois é indispensável que o agente pretenda obter de cada segurador o montante correspondente ao dano, ou seja, uma vantagem que não é devida (18). Exige-se uma intenção específica para se poder concluir que a omissão de informação é fraudulenta.
Consequentemente, além de a previsão afastar os casos de negligência, mesmo que exista uma dolosa omissão de comunicação, desde que a esse dolo não esteja associado um propósito de locupletamento patrimonial ilegítimo, isto é, de lucrar com o sinistro, recebendo indemnização superior ao dano, não se verifica a fraude que consta da previsão da norma.
Compreende-se que assim seja, na medida em que a perda da indemnização por incumprimento do dever de informar sobre a existência de outros seguros é uma solução severa para o segurado e que se justifica, em ordem a equilibrar os interesses em presença, que seja reservada para uma situação grave e específica.
Nesta parte, os autores nacionais que se pronunciam sobre esta questão consideram que não basta um dolo simples, mas que é necessário um dolo específico.
Segundo Ana Serra Calmeiro (19), «para efeitos do nº 2 do artigo 133º a omissão fraudulenta exige não um mero dolo, enquanto estado subjectivo de vontade e consciência das consequências da omissão da comunicação. Mas um dolo específico: que o tomador ou o segurado omitam a informação sobre a pluralidade com o propósito de obter vantagem, à custa do segurador, ou seja, um dolo fraudulento. O comportamento sancionado é a má-fé do segurado, entendida em termos paralelos à que se verifica no sobresseguro fraudulento (artigo 132º, nº 2 a contrario). Não preenche a previsão do preceito a mera inércia em que o segurado conhecia a situação de pluralidade, nem mesmo a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o segurador (artigo 253.º, nº 1 do CC). Um requisito lhes acresce, a intenção de lucrar com o sinistro».
Já Arnaldo da Costa Oliveira (20), pronunciando-se quanto à verificação da previsão, refere que no «nº 2 pune-se a fraude em si mesma, independentemente de ter em concreto havido violação do princípio indemnizatório (sendo, é certo, difícil configurar a priori um caso em que a fraude não intente finalmente um locupletamento por sobresseguro). (…) Por fraude deve tomar-se o comportamento conscientemente enganador do segurador com o propósito de o prejudicar ou de obter uma vantagem (nº 1 do art. 253º CC) que seja especialmente grave ou especialmente elaborado».
Finalmente, João Paulo Vasconcelos Raposo (21) salienta que «[a]o usar, no nosso entender de forma correta e especialmente esclarecedora, a expressão fraudulenta, o legislador traçou um claro limite e preveniu dúvidas designadamente com situações conhecidas e não comunicadas, que uma expressão legal que meramente aludisse a dolo ou mesmo a boa-fé poderia induzir. Ao falar em omissão fraudulenta o legislador está claramente a prever situações de comportamento intencionalmente enganador, com propósito de usar a pluralidade de seguros como forma de enriquecimento patrimonial, por intermédio da perceção de indemnizações previstas em mais que um contrato e excedendo o interesse seguro».
Por conseguinte, também para estes autores, a previsão do nº 2 do artigo 133º do RJCS exige a demonstração da intenção fraudulenta.

Mas logo outro problema se coloca: os seguradores necessitam de alegar e demonstrar esse elemento subjectivo específico ou o mesmo pode ser deduzido dos demais factos, tal como alegam as Recorrentes?
A nosso ver, é uma questão que se desdobra em duas vertentes.
Primeiro, na prática e em regra, salvo em situações de rara verificação, em que o demandante expresse – por escrito ou verbalmente – essa intenção, a mesma terá de ser extraída, mediante presunção judicial (artigos 349º e 351º do Código Civil), de factos que a revelem.
Segundo, os requisitos da exoneração da responsabilidade, enquanto factos impeditivos do direito invocado pelo demandante, carecem de ser demonstrados pelos seguradores em conformidade com o disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil. E a intenção fraudulenta é matéria de facto, não matéria de direito, pelo que deve ser alegada e demonstrada. Pode é demonstrar-se mediante prova indirecta, designadamente através de ilações que o julgador possa tirar de outros factos provados.
A propósito deste ponto, o único que a ele se refere é João Paulo Vasconcelos Raposo (22): «O conceito de omissão fraudulenta encerra, assim, elementos objetivos e subjetivos que especialmente qualificam este ilícito civil. Em termos objetivos exige-se apenas a verificação da omissão.
Em termos subjetivos, que essa omissão seja intencional e acompanhada de elemento subjetivo especial – intenção fraudulenta. Esta intenção fraudulenta é um elemento puramente subjetivo, cujo apuramento decorrerá certamente de elementos objetivos casuísticos, de entre estes podendo salientar-se a solicitação de mais que uma indemnização após produção do sinistro, mas que não é confundível com esta. Quer com isto dizer-se que a intenção fraudulenta deve sempre ser estabelecida autonomamente. Podem verificar-se elementos objetivos indiciadores de fraude sem que esta exista e pode também existir intenção fraudulenta com diversas manifestações objetivas. Pode até, no limite, existir mera intenção fraudulenta subjetiva mas, na medida em que não se objetive, não terá relevo jurídico. (…)
É claro que a fraude tem que ser alegada e provada».

Dito isto, entendemos que o Tribunal recorrido decidiu bem.
Em primeiro lugar, as Rés não alegaram na sua contestação conjunta o referido elemento subjectivo específico, ou seja, que a Autora omitiu a informação sobre a pluralidade de seguros com a finalidade de lucrar com a ocorrência do sinistro, traduzida na intenção de obter de cada uma das Rés seguradoras o montante total correspondente ao dano.
Como se pode ver nos artigos 3º a 8º da contestação, as Rés limitaram-se a alegar a dupla omissão de comunicação da pluralidade de seguros por parte da Autora – aquando da verificação e da participação do sinistro -, o que, só por si, na interpretação que fazemos, não preenche o apontado requisito quanto à demonstração do elemento subjectivo exigido pelo nº 2 do artigo 133º do RJCS. Segundo o defendido na contestação, bastaria demonstrar-se a existência da dupla omissão de comunicação para se poderem considerar preenchidos os requisitos para a exoneração da responsabilidade dos seguradores, tese essa que consideramos sem fundamento pelas razões que já expusemos. Para que a violação da obrigação de dupla comunicação da pluralidade de seguros pudesse ser suficiente para preencher a previsão do nº 2 do artigo 133º, o legislador, diferentemente da opção que tomou, teria que ter estabelecido uma presunção juris tantum de intenção fraudulenta, caso em que recairia sobre o segurado o ónus de ilidir aquela presunção.
Além disso, como se pode ver no artigo 14º da contestação, as Rés argumentaram que «[t]odos estes elementos se extraem dos factos confessados pela A. na petição inicial em harmonia com os documentos ora juntos».
Ora, na petição inicial a Autora não confessou a intenção de cometer fraude e também os factos que alegou não permitem concluir que pretendeu obter um locupletamento patrimonial indevido.
Por outro lado, mesmo que forçadamente se entendesse que a intenção fraudulenta constitui um facto complementar (artigo 5º, nº 2, al. b), do CPC), e não um facto essencial (artigo 5º, nº 1, do CPC) como subjaz à decisão da 1ª instância, tendo as Rés alegado os factos objectivos relativos à omissão de comunicação e invocado expressamente a excepção do nº 2 do artigo 133º do RJCS, tal facto podia ser considerado pelo juiz, desde que resultante da instrução da causa e que as partes tivessem a possibilidade de sobre ele se pronunciar. Daí que a questão de saber se estava ou não provada a intenção fraudulenta revestia apenas natureza factual, pelo que o meio adequado para fazer valer a sua posição, segundo a qual – no seu entender – está demonstrado tal facto, seria a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista a aditar-se à matéria assente esse facto. Como o recurso não versa sobre a matéria de facto, não pode, desde logo por essa razão, dar-se como provada a intenção fraudulenta da Autora.

Em segundo lugar, as Recorrentes pretendem que se retire a intenção fraudulenta dos seguintes factos dados como provados (v. conclusões 15ª a 20ª):

- Após a ocorrência do sinistro, a Autora contactou com as Rés com a finalidade de que as mesmas assumissem as consequências do mesmo (facto provado nº 42);
- A 28 de Março de 2018, a Autora enviou à 2ª Ré a respetiva participação de sinistro, via email (facto provado nº 43);
- A Autora comunicou à 1ª Ré a ocorrência do sinistro (facto provado nº 52);
- Em Setembro de 2017, a Autora subscreveu a proposta referida em 17 e não comunicou a existência do contrato referido em 14 (facto provado nº 63);
- Nem posteriormente deu conhecimento à 1ª Ré do contrato referido em 18 (facto provado nº 64);
- Quando participou o sinistro à 2ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 14 (facto provado nº 65);
- Aquando da participação junto da 1ª Ré, a Autora não comunicou a existência do contrato referido em 18 (facto provado nº 66);
- Desconhecendo a situação de pluralidade, ambas as Rés contrataram empresas de peritagens para averiguação do sinistro aquando das participações da Autora (facto provado nº 67).
Salvo o devido respeito, os aludidos factos não demonstram a intenção fraudulenta. Basta, para assim concluir, atentar na circunstância de a participação do sinistro à 2ª Ré ter sido efectuada em 28.03.2018 (conforme cópia da participação junta como documento nº 5 com a contestação – v. facto nº 43) e a participação à 1ª Ré só ter sido realizada por email de 24.04.2019, após a 2ª Ré ter declinado a sua responsabilidade em 24.05.2018 (v. ponto de facto nº 44), que igualmente declinou qualquer responsabilidade por comunicação de 20.05.2019. Além disso, nessa comunicação de 20.05.2019, a 1ª Ré logo demonstrou estar ciente que, passa-se a transcrever, «o local de risco está também garantido na apólice ..........46 da Y Seguros, pelo que, sugerimos que efetue a devida correção».
Em suma, a Autora exigiu a indemnização à 1ª Ré só depois de a 2ª Ré já ter declinado a sua responsabilidade; a 1ª Ré conhecia a existência de pluralidade de seguros.
Tal circunstancialismo não permite concluir pela demonstração da intenção fraudulenta.
Termos em que improcedem as correspondentes conclusões.
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2.2.2. Da franquia contratual

As Recorrentes, rectius, a 1ª Recorrente insurge-se contra a sentença por não ter sido «considerada a franquia contratualizada para as coberturas aplicáveis no contrato de seguro celebrado com a Ré Y no valor de 10%».
Alega que «no que respeita ao contrato de seguro celebrado com a 2.ª Ré, tanto a cobertura Inundações como a cobertura Aluimento de terras têm uma franquia contratual Tipo 71, que, conforme esclarece a respetiva apólice, traduz-se no valor de 10% do montante global da indemnização - conforme factos provados n.º 23 e apólice junta com a contestação».

Na petição inicial a Autora deduziu as suas pretensões sem invocar ou atender à existência de qualquer franquia no âmbito dos dois contratos de seguro.
A existência de franquia quanto a uma cobertura do contrato de seguro é matéria de excepção, enquanto facto que determina a improcedência parcial do pedido. É uma excepção peremptória – artigo 576º, nºs 1 e 3, do CPC.
Uma tal matéria não é de conhecimento oficioso (v. artigo 579º, a contrario, do CPC), pelo que carece de ser invocada para o tribunal poder dela conhecer.
Com efeito, além de caber ao réu invocar a matéria de excepção que não seja de conhecimento oficioso, compete-lhe «expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente» (v. artigos 571º, nº 2, e 572º, al. c), do CPC). Dito de outra forma, compete à parte que a invoca, se a invocar, alegar o fundamento da excepção peremptória, traduzido no facto necessário para individualizar a excepção invocada pela parte, ou seja, o facto impeditivo, modificativo ou extintivo que fundamenta essa excepção.

Compulsada a contestação, verifica-se que a 2ª Ré não alegou a existência de qualquer franquia, nem deduziu a correspondente excepção peremptória.
Como não invocou tal excepção e não alegou os factos em que a mesma se podia fundamentar, o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre essa questão.

Nesta conformidade, estamos perante uma questão nova, por não ter sido anteriormente suscitada no processo. Surge, pela primeira vez, apenas nas alegações do recurso de apelação. É matéria que não foi colocada perante o Tribunal competente para a apreciar, não foi objecto da decisão recorrida e por isso não pode esta Relação dela conhecer.
A regra em matéria de recursos de reponderação – sistema que o nosso ordenamento positivo acolhe – é esta: salvo em matéria de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido. Onde não há decisão da 1ª instância, não há reponderação possível do tribunal da Relação.
São várias as razões para não admitir a discussão de questões novas na fase de recurso.
Por um lado, existem razões práticas: a admissão ex novo de questões suprimiria um ou mais graus de jurisdição relativamente a elas e os inerentes actos de exercício do contraditório e de instrução atrasariam a decisão do recurso.
Por outro, há razões substanciais, inerentes à natureza deste meio processual: os recursos são meios de impugnação de concretas decisões judiciais e destinam-se a permitir que o tribunal superior as reaprecie. Incidindo sobre uma decisão anteriormente proferida no âmbito de um processo, ou seja, sendo o seu objecto a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, o recurso visa permitir o controlo de tal decisão e não, no nosso modelo, a repetição da instância no tribunal de recurso.
Daí que o tribunal superior deva, na sua função de reapreciação, ser confrontado com questões que as partes suscitaram e discutiram nos momentos próprios do processo. De outra forma, teríamos, para a questão nova introduzida por via do recurso, um novo julgamento pelo tribunal de recurso.

Pelo exposto, não se toma conhecimento da apontada questão.
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2.3. Sumário

1 – Para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 133º do RJCS, há pluralidade de seguros sempre que são celebrados dois ou mais contratos de seguro, com diferentes seguradores não coordenados entre si, para a cobertura de um mesmo interesse contra o mesmo risco e por período coincidente, independentemente do valor dos capitais seguros.
2 – Os seguros múltiplos são permitidos, apenas se exigindo que o tomador do seguro ou o segurado informe os seguradores da pluralidade de seguros, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro.
3 – Aquela obrigação de dupla comunicação da pluralidade de seguros, enquanto corolário do princípio indemnizatório estabelecido no artigo 128º do RJCS, visa impedir que o mesmo dano possa ser ressarcido duas vezes, prevenindo pagamentos sobrepostos de indemnizações.
4 – Os seguradores ficam exonerados das respectivas prestações no caso de omissão fraudulenta da informação sobre a pluralidade de seguros.
5 – Para o preenchimento da previsão do nº 2 do artigo 133º do RJCS exige-se uma intenção específica para se poder concluir que a omissão de informação é fraudulenta: que o tomador ou o segurado omitam a informação sobre a pluralidade com o propósito de obter vantagem à custa dos seguradores, ou seja, obter de cada segurador o montante correspondente ao dano.
6 – Além de a previsão afastar a relevância da negligência, mesmo que exista uma dolosa omissão de comunicação, desde que a esse dolo não esteja associado um propósito de locupletamento patrimonial ilegítimo, isto é, de lucrar com o sinistro, recebendo indemnização superior ao dano, não se verifica fraude.
7 – Carece de ser alegada e demonstrada a intenção fraudulenta.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se totalmente a douta sentença recorrida.
Custas a suportar pelas Recorrentes.
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Guimarães, 10.02.2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)



1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Ana Serra Calmeiro, A Pluralidade de Seguros, Almedina, 2021, págs. 15 e 16.
3. Segundo seguro, na terminologia do Código Comercial – artigo 434º.
4. O que desde logo afasta a aplicabilidade do regime do co-seguro, em que existe um acordo prévio dos seguradores.
5. Relação entre um sujeito e um bem de que necessita.
6. O contrato de seguro tem como referência um interesse. Nos termos do artigo 43º, nº 1, do RJCS, o segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato. No seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade de coisa, direito ou património seguros (nº 2).
7. O risco é o evento aleatório apto a causar consequências desfavoráveis na esfera do segurado.
8. A identidade do segurado integra ainda o requisito relativo ao interesse.
9. Também consagrava um conjunto de excepções.
10. Para a determinação da data até à qual há direito à retenção dos prémios, no caso de omissão do dever de informação da pluralidade de seguros, v. F. Barros Ferreira Rodrigues Rocha, Do Princípio Indemnizatório no Seguro de Danos, Almedina, 2015, pág. 128.
11. Afirmação que se restringe à busca que fizemos nas bases de dados da www.dgsi.pt, sempre ressalvada por erro ou insuficiência resultante do critério da pesquisa.
12. Artigo 1910º, nº 1, do Código Civil Italiano de 1942.
13. Artigo 32º, parágrafo 1º, da Ley 50/1980, de 8/10.
14. É a lei francesa que fala em fraude.
15. Aquilo que o Código Civil e outros diplomas designavam por mera culpa – comportamento meramente culposo – e que numa acepção mais rigorosa deve ser designada por negligência.
16. Ana Serra Calmeiro, ob. cit., pág. 162.
17. A expressão “dolo” não tem um sentido unívoco: pode querer designar o elemento subjectivo de uma acção ou omissão, contrapondo-se à negligência ou mera culpa (v. o sentido utilizado no art. 483º-1 do CCiv); pode ainda significar a acção intencional e consciente de produzir um resultado desvalioso, por exemplo, enganar alguém. É este último sentido (dolo-artimanha) que é utilizado no art. 253º-1 do CCiv.: «entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante». O direito penal desenvolveu uma noção inequívoca e mais evoluída de dolo, que aí tem um sentido perfeitamente definido e incontroverso. É este conceito do direito penal que parece estar a tornar-se a referência para os diversos ramos do direito.
18. Corresponde a um dolo agravado: dolo com o propósito de obter uma vantagem. E não é qualquer vantagem; é uma específica vantagem que é indevida face ao princípio indemnizatório consagrado no artigo 128º do RJCS.
19. Ob. cit., págs. 152 e 153.
20. Lei do Contrato de Seguro Anotada, 4ª edição, Almedina, 2020, pág. 463.
21. Pluralidade de seguros: Conceito, extensão e valência, Julgar Online, Abril de 2016, pág. 53, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/04/texto-seguros-Julgar.pdf.
22. Ob. cit., págs. 59 e 60.