Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ILEGITIMIDADE PASSIVA
CONDÓMINOS
ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO
Sumário
I – Nas ações de impugnação de deliberação da assembleia de condomínio a legitimidade passiva cabe ao condomínio pelo que devem ser intentadas contra este, que será representado em juízo pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I- RELATÓRIO
X, LDA. instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Y, UNIPESSOAL, LDA., com sede social na Rua …, n.º …, Viana do Castelo, B. M. e esposa M. N., residentes na Rua ..., n.º …, Viana do Castelo, V. E., solteiro, residente na Rua ..., n.º …, Viana do Castelo, P. C. e esposa S. B., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, M. E. e esposa H. G., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, A. L. e esposa I. V., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, A. C. e esposa M. H., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, M. M. e esposa A. M., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, N. J. e esposa V. L., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo, J. B., solteiro, residente na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo e M. G. e esposa F. P., residentes na Travessa ..., n.º …, Viana do Castelo.
Alega, em síntese, que é dona e legítima proprietária das frações autónomas individualizadas pelas letras “A”, “H”, “R” e “Y” do prédio urbano sito na Rua ..., e Travessa ..., Lugar ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... da União de freguesias de Viana do Castelo (... e ...) e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ....
Mais, alega que no dia 31 de Agosto de 2020, pelas 20h30, realizou-se uma Assembleia Geral de condóminos destinada, nomeadamente, à apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio para o período de 01 de Maio de 2020 a 30 de Abril de 2021 e que, discutido o referido ponto da ordem de trabalhos, a Assembleia deliberou nomear para administrar o condomínio a empresa Y e votou favoravelmente o orçamento que esta apresentou no montante total de €19.710,00, que discrimina, por rúbricas, os valores parcelares, e repartiu o valor global por todos os condóminos na proporção do valor das suas frações.
Alega ainda que nenhum dos elevadores que serve o prédio é comum às frações da Autora e as frações “A” e “H”, que só têm acesso pelo número de polícia ... e 77, entradas exclusivas dessas frações, não havendo necessidade nem possibilidade de percorrer qualquer parte comum interior do prédio. Sucede que, o orçamento aprovado imputou à Autora encargos relativos à manutenção e reparação dos elevadores, bem como encargos com a energia elétrica, quando as frações referidas não têm acesso pelos números de polícia ... e ..., sendo chamadas a comparticipar nas despesas de eletricidade com referência a esses números.
Pede a Autora que se declare anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 e os Réus condenados a reconhecer essa anulação.
Regularmente citados, os Réus Y, Unipessoal, Lda., B. M. e esposa M. N., V. E., M. E. e esposa H. G., A. L. e esposa I. V., A. C. e esposa M. H., M. M. e esposa A. M., N. J. e esposa V. L., J. B., e M. G. e esposa F. P. vieram contestar, invocando a exceção de ineptidão da petição inicial por falta a alegação de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir para suportar o pedido formulado e falta a alegação de factos idóneos a produzir o efeito jurídico pretendido pela Autora, e a ilegitimidade passiva dos Réus, pois a sociedade Ré não é condómina, nem proprietária de nenhuma fração, nem participou na Assembleia de condóminos em causa, não tendo qualquer legitimidade para ser demandada individualmente e os demais Réus são também partes ilegítimas, pois só com a demanda do condómino (representado pelo respetivo Administrador) é que a anulação de deliberação produzirá efeitos em relação a todos os condóminos.
Alegam ainda, em suma, que quer a fração “A”, quer a fração “H” que integram, respetivamente, o bloco Um e Dois, são servidas de um elevador que estabelece comunicação com a cave, rés-do-chão, o primeiro, segundo e terceiro andares do respetivo bloco, bem como com a cobertura do edifício e respetiva casa das máquinas ao nível da cobertura e ainda uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinado à recolha de material de limpeza das zonas comuns do bloco, e acesso às garagens, sala de condomínio que nesse piso do rés-do-chão se localizam, e acesso ao logradouro; e que quer a fração “R”, quer a fração “Y” que integram, respetivamente, o bloco quatro e cinco são igualmente servidas por um elevador que estabelece comunicação com a cave, rés-do-chão, o primeiro, segundo e terceiro andares do respetivo bloco, bem como com a cobertura do edifício e respetiva casa das máquinas ao nível da cobertura e ainda uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinado à recolha de material de limpeza das zonas comuns do bloco, e acesso às garagens, sala de condomínio que nesse piso do rés-do-chão se localizam, e acesso ao logradouro.
Mais alegam que o regulamento geral do condomínio refere como parte comum o elevadores e a casa dos elevadores, que é dever do condómino pagar as quotas que representam a sua parte nas despesas correntes do prédio (serviço de interesse comum, utilização e conservação ordinária das partes comuns) e que as frações “A” e “H” têm acesso pelos números de polícia ... e ..., e fazem uso indiscriminado de tais entradas, assim como acedem às garagens que delas fazem parte através do portão elétrico a que corresponde os nºs de polícia .. e ...
Os Réus P. C. e esposa S. B. não apresentaram contestação.
A Autora respondeu às exceções invocadas, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador que conheceu das exceções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva, julgando a exceção de ineptidão improcedente e parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva relativamente à Ré Y Unipessoal, Lda., a qual foi mantida na demanda para efeitos de representação judiciária dos demais Réus.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos, decide-se julgar a presente ação procedente, e consequentemente, declara-se anulada a deliberação aprovada na Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de agosto de 2020, no que respeita ao ponto dois da ordem de trabalho, e consequentemente condenam-se os Réus a reconhecer essa anulação. Custas pelos Réus (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC). Registe e notifique.”
Apelaram os Réus Y Unipessoal Lda, A. C. e esposa M. H., concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. Vem o presente recurso do despacho interlocutório que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e parcialmente improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, e da sentença proferida no âmbito dos presentes autos que julgou a ação procedente e, consequentemente, declarou anulada a deliberação aprovada na Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de agosto de 2020, no que respeita ao ponto dois da ordem de trabalhos e condenou os Réus a reconhecer essa anulação.
2. Crê-se, com o devido respeito, que o Tribunal a quo não procedeu a uma escorreita e cuidada apreciação de toda a prova produzida e que em tais arestos decisórios fez incorreta interpretação e aplicação do Direito e errado enquadramento fáctico-legal e ainda que a sentença recorrida padece de nulidades.
3. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida em sede de matéria de facto e de direito e envolve a reapreciação da prova gravada.
DO OBJECTO DO RECURSO
a) despacho proferido nos autos em 22.01.2021, que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e parcialmente improcedente a exceção de ilegitimidade passiva
a1). Da ineptidão da petição inicial
4. Tal como resulta do teor do despacho recorrido, o Mm.º Juiz a quo considera que “atento o efeito jurídico pretendido pela Autora, a causa de pedir não padece de falta de factos ou sequer deficiente alegação”, julgando improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos Réus nos autos. Crê-se, com o devido respeito, que se julgou mal. Vejamos,
5. Tal como resulta do teor da petição inicial, a Autora formula nos autos o seguinte pedido: “(….) declarar-se anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, e os réus condenados a reconhecerem essa anulação, com as legais consequências.”.
6. O ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, tal como resulta do teor dos documentos n.ºs 10 e 11 juntos aos autos com a petição inicial (e das alíneas b) e e) da matéria de facto dada como provada), corresponde e diz respeito à “Apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio, para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021”.
7. Ora, compulsado o teor da petição inicial e os factos aí alegados, a Autora não impugna a deliberação da Assembleia de Condóminos que aprova o orçamento e elege o administrador de condomínio para o período de 01 de Maio de 2020 a 30 de Abril de 2021, cuja anulação peticiona nos autos.
8. Tal como resulta expresso do teor da sentença proferida no âmbito da presente demanda e da própria petição inicial, a Autora apenas questiona a aplicação do critério da proporcionalidade, i.é., a distribuição e/ou imputação que lhe é feita na proporção do valor das suas frações dos encargos relativos à manutenção e reparação dos elevadores e à energia elétrica.
9. Nenhum facto é alegado pela Autora nos autos relativamente à votação e consequente eleição da empresa a administrar o condomínio para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021.
10. E nenhum facto é alegado pela Autora nos autos quanto à deliberação de aprovação do orçamento pela maioria dos condóminos (a Autora nada alega relativamente ao valor do orçamento aprovado pela maioria dos condóminos e, nomeadamente, quanto aos encargos ou despesas que o integram, sendo certo que o orçamento aprovado não contempla apenas os encargos com a manutenção e reparação dos elevadores e energia elétrica mas ainda outras despesas comuns).
11. Tal como resulta evidente do teor da ata n.º 28 (doc. n.º 11 junto com a petição inicial) e do documento n.º 10 junto com a petição inicial, não foi deliberada pelos condóminos qualquer repartição do orçamento aprovado, o que nem sequer integrou a ordem de trabalhos e sobre o que não recaiu qualquer decisão dos condóminos.
12. Tanto assim é verdade que os orçamentos juntos aos autos com a petição inicial (documentos n.º 12 e 13) não foram juntos à ata e da qual não fazem parte integrante e nem sequer se encontram rubricados por qualquer dos condóminos presentes e/ou representados na assembleia.
13. Pelo que o pedido formulado os autos pela Autora - declarar-se anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, e os réus condenados a reconhecerem essa anulação, com as legais consequências – não está em consonância com a causa de pedir.
14. Falta causa de pedir para a anulação da deliberação quanto à votação e consequente eleição da empresa a administrar o condomínio para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021.
15. Falta causa de pedir para a anulação da deliberação quanto à votação e consequente aprovação do orçamento (coisa diferente é a repartição desse orçamento).
16. Tal como é manifesto do teor da petição inicial, a mesma é absolutamente omissa seja quanto à votação e consequente aprovação do orçamento, seja quanto à votação e consequente eleição da empresa a administrar o condomínio para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021, pelo que a Autora não alegou factos de que o pedido por si formulado nos autos procede.
17. Vale dizer que há uma total omissão de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir e ausência de factos idóneos a produzir o efeito jurídico pretendido pela Autora, e isto porque esta sociedade peticiona a anulação da deliberação de aprovação do orçamento e da nomeação do administrador de condomínio, quando, na verdade, os factos que alega nos autos dizem respeito, apenas, à repartição do orçamento aprovado e apenas relativamente às despesas de manutenção e reparação dos elevadores e à energia elétrica.
Ademais,
18. Decorre do disposto no artigo 1431.º, n.º 1 do Código Civil, que a assembleia dos condóminos reúne-se para discussão e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano.
19. E decorre do preceituado no artigo 1436.º, alíneas b), e) e l) do Código Civil, que é função do administrador elaborar o orçamento; exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas e assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio.
20. Ao invés do que é defendido no despacho recorrido, a assembleia sempre que vota o orçamento não está sempre a deliberar quanto à repartição das despesas inscritas no orçamento, ou seja, essa repartição não decorre automaticamente da aprovação do orçamento, outrossim, essa repartição resulta da lei, “salvo disposição em contrário”: artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil.
21. O que resulta da votação do orçamento é a aprovação do seu valor que, consequentemente, irá determinar o valor da quota-parte que é devida por cada um dos condóminos por aplicação do critério da distribuição previsto na lei, regulamento e/ou disposições legais e administrativas relativas ao condomínio.
22. Em causa nos autos não está uma deliberação dos condóminos de alteração à regra supletiva legal de repartição proporcional dos encargos e despesas com as partes comuns, mas apenas e só uma deliberação de aprovação de um orçamento anual que a Autora, de resto, não contesta.
23. Essa repartição é da autoria e função do administrador, tal como resulta do teor dos documentos n.ºs 12 e 13 junto aos autos com a petição inicial e do disposto no artigo 1436.º, alíneas b), e) e l) do Código Civil, que deve fazê-lo em conformidade com o regulamento e disposições legais e administrativas relativas ao condomínio.
24. O que vale dizer que a Autora se insurge no âmbito da presente demanda contra um ato do administrador que, no cumprimento das suas funções legalmente prescritas, lhe exige a sua quota-parte nas despesas com os elevadores e energia elétrica na proporção das frações de que é proprietária.
25. Tal como decorre do disposto no artigo 1438.º do Código Civil, dos atos do administrador cabe recurso para a assembleia, a qual pode ser convocada pelo condómino recorrente, mas o que não sucedeu no caso dos autos, pelo que, nem assim há deliberação quanto a esta matéria.
26. De resto, a Autora nem sequer demandou na presente ação o administrador de condomínio.
27. Pelo que, em face de tudo quanto acima ficou exposto, há uma completa falta de alegação de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir para suportar o pedido formulado, por um lado, e uma total ausência de factos idóneos a produzir o efeito jurídico pretendido pela Autora, por outro: a anulação da deliberação tomada quanto ao ponto dois da Ordem de Trabalhos - apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio, para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021.
28. O que vale dizer que a petição inicial padece de falta de causa de pedir, vício que gera a sua ineptidão e, nos termos do disposto no art. 186.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, a petição inicial é inepta, gerando nulidade de todo o processo, quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, como é manifestamente o caso.
29. A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória, que determina a nulidade de todo o processo e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância: cfr. artigos 186.º; 278.º, n.º 1, alínea b); 576.º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
30. E tal vício é insanável, porquanto não é possível a apresentação de uma nova petição inicial suportada numa causa de pedir inexistente.
31. Ao ter julgado improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial expressa e oportunamente invocada nos autos pelos Réus, o Mm.º Juiz a quo fez uma errada interpretação dos factos e aplicação do Direito e, nomeadamente, violou o disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a revogação de tal aresto decisório e a sua substituição por outro que julgue a mesma procedente e, consequentemente, determine a nulidade do processo e a absolvição dos Réus da instância.
a2). Da ilegitimidade passiva
32. No âmbito dos presentes autos, a Autora demandou, no pólo passivo, a sociedade comercial “Y Unipessoal, Lda.” e ainda os condóminos que votaram favoravelmente o ponto dois da ordem de trabalhos.
33. A legitimidade, enquanto pressuposto processual geral, consiste numa posição concreta da parte perante uma causa, apurando-se em função da titularidade dos interesses emergentes da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial.
34. Ora, é manifesto dos autos que inexiste interesse directo de qualquer dos Réus em contradizer, porquanto, relativamente ao pedido formulado nos autos, a Autora nem configura uma relação jurídica controvertida.
35. A Autora, tal como invocado no artigo 38.º da petição inicial, alegou que “os réus são partes legítimas porque participaram na assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 e votaram favoravelmente o orçamento”.
36. Tal como o Mm.º a quo reconhece nos autos, nomeadamente no despacho recorrido, a sociedade comercial “Y Unipessoal, Lda.” não é condómina, nem proprietária de nenhuma fração que integra o condomínio em referência nos autos e, tal como é manifesto dos autos e resulta do teor da petição inicial, a sociedade “Y Unipessoal, Lda.” foi demandada individualmente e enquanto sociedade e não na qualidade de administradora do condomínio, nem em representação do condomínio, nem em representação dos condóminos demandados.
37. Ora, perante a relação material controvertida tal como ela é configurada pela Autora na sua petição inicial, a sociedade “Y Unipessoal, Lda.”, individualmente considerada enquanto sociedade, não tem interesse direto em contradizer.
38. Ora, não há qualquer repercussão ou prejuízo, para a Ré individualmente considerada e enquanto sociedade, uma orçamento aprovado pelos condóminos: artigo 26.º, n.º 1 e 2 do “Y Unipessoal, Lda.”, diferente repartição do Código de Processo Civil.
39. Esse prejuízo já aconteceria com a anulação da deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos, na parte em que se refere à “votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio”, mas relativamente a este pedido formulado nos autos, tal como supra se deixou dito, que aqui se reitera e se dá por reproduzido, a Autora nem sequer configura uma relação jurídica controvertida, nem nenhum facto é alegado no autos que coloque a Ré “Y Unipessoal, Lda.”, individualmente considerada e enquanto sociedade, como sujeito da relação jurídica tal como configurada pela Autora.
40. Pelo que, a sociedade Ré “Y Unipessoal, Lda.”, por si mesma e enquanto sociedade, é parte ilegítima na presente ação - a ilegitimidade da Ré “Y Unipessoal, Lda.”, consubstancia uma exceção dilatória, que conduz à sua absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
41. O Mm.º juiz a quo, no despacho recorrido em apreço, considerou que “assiste parcialmente razão aos Réus quando invocam que a Ré Administradora de condomínio é parte ilegítima na ação, porém, a mesma continua a intervir na causa em representação dos condóminos demandados. Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva da Ré Y Unipessoal, Lda., mantendo-se, no entanto, a sua intervenção na causa, assegurando a representação judiciária dos demais Réus.”
42. Ora, e tal como resulta dos autos, nomeadamente do teor da petição inicial, a Autora não demandou a Ré “Y Unipessoal, Lda.” enquanto administradora de condomínio (sendo a petição inicial absolutamente omissa a este respeito), mas enquanto entidade que participou na assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 (artigo 38.º da p.i.).
43. Tal como resulta do teor da ata n.º 28 (documento n.º 11 junto com a petição inicial) e da alínea e) da matéria de facto dada como assente, a Ré “Y Unipessoal, Lda.” foi nessa oportunidade eleita para administrar o condomínio a partir de 01 de Setembro de 2020, ou seja, só assumiu as funções de administradora de condomínio em data posterior à deliberação cuja anulação é peticionada no âmbito da presente demanda.
44. O que vale dizer que, perante a relação material controvertida tal como ela é configurada pela é parte ilegítima na presente ação, pelo que devia a Mm.º Juiz a quo ter determinado a sua absolvição da instância e, não o tendo feito, violou o disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
45. Tal como resulta do despacho recorrido, o Mm.º Juiz a quo decidiu manter a intervenção da sociedade “Y Unipessoal, Lda.” para assegurar a representação judiciária dos demais Réus, fundamentando-se no disposto no artigo 1433.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
46. Ora, não obstante e até contrariando tal decisão, certo é que o Mm.º Juiz a quo não absolveu a Ré “Y Unipessoal, Lda.” da instância, pelo que a mesma se mantém parte na presente demanda, sendo que intervir numa ação enquanto parte não é o mesmo nem se confunde com a intervenção numa ação em representação de uma parte.
47. Ora, tal como é manifesto do teor da petição inicial, a Autora não demandou no âmbito da presente ação o administrador de condomínio enquanto tal, nem a Ré “Y Unipessoal, Lda.” enquanto administrador de condomínio, nem a Ré Y Unipessoal, Lda.” administradora de condomínio em representação dos demais Réus.
48. Por outro lado, tal como resulta do teor da ata n.º 28 (documento n.º 11 junto aos autos) e, nomeadamente, da deliberação cuja anulação é peticionada nos autos, a sociedade Y foi eleita para o exercício de tal cargo até Agosto de 2020, ou seja, segundo tal aresto decisório, a sociedade “Y Unipessoal, Lda.” mantém-se parte na presente ação quando já não é e/ou poderá deixar de ser administradora do condomínio.
49. E, para tanto, o Mm.º Juiz a quo invoca o disposto no artigo 1433.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, que rege quanto à impugnação das deliberações de condóminos, nos termos do qual a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
50. Ora, tal como decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006, Processo n.º 06ª2913, relator: Moreira Alves (unanimidade):“I – O administrador não tem legitimidade para ser demandado como réu quando esteja em causa a impugnação de deliberações do condomínio.”
II – O n.º 6 do art. 1433º, quando conjugado com o art. 1437.º, ambos do CC, e com a al. e) do art.6.º do CPC, não pode ser interpretado no sentido de conferir legitimidade processual passiva ao administrador do Condomínio, assim como o art.6.º , alínea e) do CPC não concede personalidade judiciária ao condomínio quanto ás ações em que pode intervir o administrador, pura e simplesmente, mas apenas quanto àquelas em que o administrador intervém no exercício dos seus poderes funcionais.
III – No caso das ações em que se impugnam deliberações da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador.”
51. Ou seja, e sufragando-se o aresto jurisprudencial em referência, ainda que para assegurar a representação judiciária dos demais Réus, a Ré “Y Unipessoal, Lda.” administradora de condomínio, não tem legitimidade para ser demandada como Ré.
52. Por outro lado, e tal como resulta do aresto decisório em apreço, o Mm.º Juiz a quo ao decidir manter a intervenção da sociedade “Y Unipessoal, Lda.” enquanto administradora de condomínio para assegurar a representação judiciária dos demais Réus, lançou mão do mecanismo processual de regularização da instância e o que lhe estava vedado.
53. Com tal aresto decisório, ocorre a substituição de parte incorretamente demandada – sociedade Y – por uma outra – administrador de condomínio, legalmente reconhecido como aquela que deve estar nos autos, face a uma representação judiciária determinada por lei (cfr. artigo 1433.º, n.º 6 do CPC).
54. Nessa medida, a sanação da situação de ilegitimidade dos autos, neste caso, da representação judiciária dos demais Réus, estava vedada processualmente ao tribunal da 1.ª instância.
55. Pelo que, também assim, a Ré “Y Unipessoal, Lda.” é parte ilegítima na presente ação, impondo-se a revogação do aresto decisório em referência, por violação do disposto no artigo no artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, e a sua substituição por outro que a julgue parte ilegítima e a absolva da instância.
56. E no que diz respeito aos condóminos RR. que votaram favoravelmente o ponto dois da ordem de trabalhos, também eles são partes ilegítimas na presente ação.
57. O Mm.º Juiz a quo invoca o disposto no artigo 1433.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, que rege quanto à impugnação das deliberações de condóminos, para fundamentar a sua decisão, ora recorrida, de julgar improcedente a exceção de ilegitimidade dos RR. que votaram favoravelmente o ponto dois da ordem de trabalhos.
58. Como supra se deixou exposto, que aqui se reitera e se dá por reproduzido por economia processual, discorda-se do entendimento e enquadramento do Mm.º Juiz a quo quando considera que através da presente ação a Autora pretende impugnar a deliberação da assembleia de condóminos reunida no dia 31 de Agosto de 2020.
59. O objeto da presente ação configura juridicamente uma situação enquadrável no âmbito de aplicação do disposto nos artigos 6.º, alínea e), 22.º do Código de Processo Civil e 1436.º e 1437.º do Código Civil.
60. E, por via do disposto no artigo 1437.º do Código Civil, fica claro que o administrador da propriedade horizontal, na execução das funções que lhe pertencem ou relativamente a assuntos que cabem na sua competência, como é manifestamente o caso dos autos, pode acionar terceiros ou qualquer dos condóminos, ou por eles ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.
61. Pelo que, no caso dos autos, não tem aplicação o disposto no artigo 1433.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, mas sim o artigo 1437.º do Código Civil e, assim sendo, não têm os RR. condóminos que votaram favoravelmente o ponto dois da ordem de trabalhos, legitimidade passiva para os termos da presente ação.
62. Mesmo que se entenda que no âmbito dos presentes autos estamos perante uma ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos e, por conseguinte, é aplicável o disposto no artigo 1433.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, os RR. condóminos que votaram favoravelmente o ponto dois da ordem de trabalhos não deixam de ser, como efetivamente são, partes ilegítimas, porquanto, as ações de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio, representado pelo respetivo administrador, e não contra os condóminos, individualmente considerados, que aprovarem a deliberação impugnanda.
63. A legitimidade passiva nas ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos, tal como o Mm.º Juiz a quo o reconhece no despacho recorrido é uma questão jurídica em relação à qual existe profunda divergência jurisprudencial.
64. Parte da jurisprudência e doutrina defende que a legitimidade passiva radica no próprio condomínio, representado pelo Administrador, entendimento que é sufragado pelos Recorrentes, e outra parte defende que são os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada os que têm interesse em contradizer, vertente adotada pelo Tribunal recorrido.
65. Os Recorrentes pretendem ver resolvido tal conflito jurisprudencial e, para o efeito, juntam cópia do acórdão fundamento, nomeadamente o que infra se concretiza e passa a citar:
Em ordem a potenciar uma adequada sedimentação do critério decisório e a proporcionar um maior nível de segurança jurídica nas relações condominiais, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 04/05/2021, processo n.º 3107/19.7T8BRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, que se junta às presentes motivações, que determina que: “A ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador”.
66. Segundo tal aresto decisório, que se sufraga na íntegra:
• “O art.º 12.º, al. e), do atual CPC, reproduzindo o art.º 6.º do CPC de 1961, na versão proveniente da revisão de 1995/96 (DL n.º 329-A/95, de 12/12, com a redação do DL n.º 180/96, de 25/9), atribui personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
• Esta disposição legal remete para o art.º 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade do administrador” para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o art.º 1436.º do mesmo Código que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia [alínea h)].
• Por sua vez, o art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil prevê que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”.
• A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art.ºs 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (art.ºs 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).
• Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva -a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
• Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.”
67. Assim sendo, e atento o pedido formulado nos autos – de anulação da deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos realizada em 31/08/2020 – de acordo com a tese defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, com os fundamentos constantes do acórdão que aqui se junta e cujo teor se dá por reproduzido, supra transcritos, e que os Recorrentes sufragam e aderem na sua íntegra, não há dúvidas de que a legitimidade passiva no âmbito da presente demanda é do condomínio e não dos Réus que votaram favoravelmente a deliberação cuja anulação é peticionada.
68. Pelo que, era o condomínio que devia figurar no lado passivo da ação e não os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação anulanda, contra os quais foi endereçada a petição inicial e assim sustenta a Autora e o Tribunal recorrido.
69. A ilegitimidade dos RR. condóminos consubstancia uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
70. E a ilegitimidade dos RR. não é sanável, nomeadamente, fazendo-se intervir na ação o condomínio, representado pelo administrador, uma vez que se trata de demanda de entidade diversa daquela que devia estar na ação, não estando assim em causa uma situação de regularização da instância através da intervenção das restantes pessoas que deveriam estar na ação.
71. Ao ter julgado improcedente a exceção de ilegitimidade passiva dos Réus que votaram favoravelmente a deliberação cuja anulação é peticionada, expressa e oportunamente invocada nos autos, o Mm.º Juiz a quo fez uma errada interpretação dos factos e aplicação do Direito e, nomeadamente, violou o disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a revogação de tal aresto decisório e a sua substituição por outro que julgue a mesma procedente e, consequentemente, determine a absolvição dos Réus da instância.
b) da nulidade da sentença
72. Tal como resulta do teor da sentença recorrida, a mesma julga a presente ação totalmente procedente, por provada, e consequentemente declara anulada a deliberação aprovada na Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, no que respeita ao ponto dois da ordem de trabalhos.
73. O ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, tal como resulta do teor dos documentos n.ºs 10 e 11 juntos aos autos com a petição inicial (e das alíneas b) e e) da matéria de facto dada como provada), corresponde e diz respeito à “Apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio, para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de Abril de 2021”.
74. Nenhum facto ou causa de pedir é formulado nos autos pela Autora relativamente à deliberação de eleição do administrador de condomínio e de aprovação do orçamento, nos termos que resultam do teor da ata n.º 28 (documento n.º 11 junto com a petição inicial).
75. Compulsada a fundamentação da sentença recorrida, também a mesma se limita a apreciar a questão da imputação à Autora, na proporção do valor das suas frações, dos encargos relativos à manutenção e reparação dos elevadores e à energia elétrica.
76. Tendo sido decidido que, no que concerne aos elevadores, “não sendo partes comuns a estas frações, a Autora não é obrigada a comparticipar nos respetivos encargos de manutenção” e, no que tange à energia elétrica, que “é inequívoco que são partes comuns” e que a Autora está “obrigada a comparticipar nos respetivos encargos referentes à energia elétrica consumida em todas as partes comuns do edifício”.
77. Pelo que, no que diz respeito à decisão de anulação da deliberação de eleição do administrador e de aprovação do orçamento anual para o período de 01 de Maio de 2020 a 30 de Abril de 2021, (sendo que através da deliberação em referência nos autos não foi aprovada qualquer repartição do valor do orçamento pelos condóminos e, mesmo que assim fosse, a anulação de tal decisão deveria reduzir-se a esta parte e com referência aos encargos com ascensores e energia elétrica pois que corresponde unicamente àquela que foi impugnada) há uma total omissão dos respetivos fundamentos de facto e de direito que a justificam.
78. Ademais, resulta do teor da fundamentação da sentença recorrida, no que concerne aos encargos com energia elétrica, que: “…é óbvio que a Autora está obrigada a comparticipar nos respetivos encargos referentes à energia elétrica consumida em todas as partes comuns do prédio, sendo que o critério de repartição dessas despesas, não havendo disposição em contrário é o legal, ou seja, comparticipa nessas despesas na proporção do valor das suas frações, que é o critério também adotado no Regulamento de condomínio – cláusula 9ª, al. a).”
79. Ou seja, o Tribunal a quo não dá razão à Autora que pugna nos autos que não está obrigada a comparticipar nos encargos referentes à energia elétrica.
80. No entanto, e não obstante tal fundamentação, o Tribunal a quo decide pela total procedência do pedido da Autora.
81. Ora, os fundamentos referidos pelo Mm.º Juiz a quo no teor da sentença recorrida relativamente aos encargos com a energia elétrica conduziriam e conduzem necessariamente a uma decisão no sentido oposto.
82. Com referência à questão dos encargos com a energia elétrica, a parte dispositiva da sentença está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo Mm.º Juiz a quo, porquanto na fundamentação da sentença o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, apontado para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidiu noutro sentido, pelo que, os fundamentos estão em oposição com a decisão proferida.
83. Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e os fundamentos estejam em oposição com a decisão, tal como sucede manifestamente no aresto decisório recorrido, nulidades essas que expressamente se invocam, pelo que se impõe a sua correspondente revogação.
c) Da matéria de facto
84. Em face das declarações de parte da Ré H. G., professora, com domicílio na Travessa ..., n.º …, freguesia da ..., desta cidade de Viana do Castelo - ouvida em sede de declarações de parte prestadas nos autos em 09/06/2021, aos minutos 8:12 a 09:00 do seu depoimento gravado e registado digitalmente no aplicativo Habilus Média Studio, com início às 12:20:05 horas e termo às 12:35:08.horas, o Tribunal de 1.ª Instância dispunha de elementos suficientes para dar como provada também a seguinte matéria factual: “Para a colocação das máquinas de ar condicionado na cobertura do prédio foi utilizado o elevador que serve o bloco correspondente à entrada com o número de polícia .. (bloco 4)”.
85. No que diz respeito à possibilidade de todos os condóminos sem exceção (e no que se inclui a Autora), poderem servir-se dos elevadores do prédio, foi produzida, além da que já resulta da factualidade dada como provada, a seguinte prova:
• A Ré M. H., casada, administrativa, proprietária da fração AA, com domicílio na Travessa ..., ..., Viana do Castelo – ouvida em sede de declarações de parte prestadas nos autos em 25/05/2021, aos minutos 07:50 e 11:20 do seu depoimento gravado e registado digitalmente no aplicativo Habilus Média Studio, com início às 11:11:09 horas e termo às 12:15:59 horas, esclareceu que todos o condóminos têm acesso pelo elevador, todos os elevadores estão abertos e todas as escadarias estão abertas e comuns a toda a gente e que a Autora também pode fazer uso dos elevadores.
• O Réu A. L., casado, oficial de justiça, com domicílio na Travessa ..., …, Viana do Castelo – ouvido em sede de declarações de parte prestadas nos autos em 25/05/2021, aos minutos 16:51 do seu depoimento gravado e registado digitalmente no aplicativo Habilus Média Studio, com início às 12:16:54 horas e termo às 12:49:07horas, esclareceu que as frações da Autora têm acesso aos elevadores e deles se podem servir, nomeadamente para aceder ao piso -1.
• A Ré H. G., professora, com domicílio na Travessa ..., n.º …, freguesia da ..., desta cidade de Viana do Castelo - ouvida em sede de declarações de parte prestadas nos autos em 09/06/2021, aos minutos 4:05 a 07:51 do seu depoimento gravado e registado digitalmente no aplicativo Habilus Média Studio, com início às 12:20:05 horas e termo às 12:35:08.horas, concretizou que viu os arrendatários da Autora a fazerem uso das partes comuns e que a Autora pode servir-se dos elevadores do prédio, nomeadamente para aceder ao piso -1.
• A testemunha A. E., engenheiro civil, com domicílio profissional na Praça da …, desta cidade de Viana do Castelo – ouvida em sede de depoimento prestado nos autos em 08/07/2021, aos minutos 4:51 do seu depoimento gravado e registado digitalmente no aplicativo Habilus Média Studio, com início às 14:12:31 horas e termo às 15:29:03 horas, confirma que as frações da Autora são servidas por elevador mas que aquela não tem necessidade de os usar.
86. Uma correta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, nomeadamente da que supra vai indicada, impunha, como efetivamente impõe, que a Mm.ª Juiz “a quo” desse como provada a factualidade vertida nas alíneas d) e e) dos factos não provados mas com a seguinte redação única: “todas as frações autónomas do prédio sem exceção encontram-se objetivamente em condições de se servirem dos elevadores do prédio”.
87. O tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada nos termos supra expostos.
d) Da sentença
88. Tal como resulta do teor da sentença recorrida, o Mm.º Juiz a quo considerou que “afigura-se-nos que o é decisivo é o que consta do título constitutivo e este estabelece expressamente que os elevadores que servem o prédio não são partes comuns das frações de que a Autora é proprietária. Não sendo partes comuns a estas frações, a Autora não é obrigada a comparticipar nos respetivos encargos de manutenção e conservação”.
89. Crê-se que o Tribunal recorrido fez um errado enquadramento fáctico-legal e incorreta interpretação e aplicação do Direito e que ao decidir como decidiu, o Mm.º Juiz a quo violou o disposto no artigo 1424.º do Código Civil.
90. Nos termos do disposto no artigo 1424.º do Código Civil, que rege quanto aos encargos de conservação e fruição, há norma expressa que rege relativamente às despesas com os elevadores, nomeadamente o seu número 4 que preceitua expressamente que “nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas” e o qual estabelece uma regra e/ou critério especial quanto à comparticipação nas despesas dos elevadores.
91. E, tal como resulta de tal normativo, a lei não faz depender a comparticipação nas despesas dos ascensores da circunstância de os mesmos serem, ou não, partes comuns, outrossim, tal norma é expressa no sentido de que participam nas despesas dos ascensores “os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas”.
92. Aliás, e tal como até defendido pelo Mm.º Juiz a quo na sentença recorrida, os ascensores ou elevadores não são forçosa nem necessariamente partes comuns do edifício, pois não constam do elenco previsto no nº 1 do art.º 1421º do Cód. Civil.
93. O elenco do preceito não é taxativo, entendendo-se que são necessariamente comuns não só as elencadas, mas ainda todas aquelas que transcendendo o âmbito restrito de cada uma das frações autónomas, revestem interesse coletivo, por serem objetivamente necessárias ao uso comum do prédio. O que distingue as elencadas em cada um dos preceitos, é que enquanto as do nº 1 que respeitam à estrutura da construção, elas são forçosamente comuns, ainda que estejam afetas ao uso de um dos condóminos, pela razão de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos, enquanto as do nº 2, a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, mas a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio (Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, Vol. III, pág. 420).
94. Pelo que, o que releva para os termos da presente demanda e, nomeadamente, aferir da responsabilidade do condómino na comparticipação das despesas dos ascensores, é a serventia dos elevadores às frações propriedade da Autora.
95. Resulta demonstrado nos autos que a Autora é proprietária das frações autónomas individualizadas pelas letras “A”, “H”, “R” e “Y” (alínea a) da matéria de facto dada como provada) e, tal como resulta do título constitutivo da propriedade horizontal junto aos autos e documento complementar anexo (alíneas j, K e l da matéria de facto dada como provada), as frações da Autora integram os blocos um e dois do prédio relativamente aos quais é estabelecido que é comum “o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar do bloco um, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura” e ainda “um hall a nível da cave, que estabelece comunicação entre a área de circulação automóvel, a caixa de escadas e o elevador que servem o bloco um” e “uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinado a recolha de materiais de limpeza das zonas comuns deste bloco” e ainda “uma área ampla de circulação a nível de rés-do-chão, destinada à manobra de veículos para aparcamento nas respetivas garagens, sendo ainda permitida a utilização desta área às restantes frações que compõem o prédio apenas para acesso à sala do condomínio que nesse piso se localiza, bem como acesso ao logradouro identificado pelo algarismo três”.
96. Se os blocos um e dois são servidos por um elevador, como efetivamente é verdade, também as frações que o integram, igualmente dele se servem, como é o caso das frações da Autora.
97. As frações da Autora são, assim, servidas por um elevador que não só estabelece comunicação com partes comuns do prédio (cfr. artigo 1421.º do Código Civil) que não servem exclusivamente alguns dos condóminos, nomeadamente, à cave onde se localiza uma divisão destinada à recolha de materiais de limpeza das zonas comuns do bloco dois e ainda as instalações gerais de eletricidade, as bombas elétricas e os detetores de incêndio e gases do prédio; à cobertura do edifício e respetiva casa das máquinas ao nível da cobertura e ao rés-do-chão onde se situa a sala de condomínio, o acesso ao logradouro, mas também que estabelece comunicação com o rés-do-chão onde se situa a garagem pertencente a esta fração (alínea q) da matéria de facto dada como provada).
98. Tal como resulta da factualidade dada como provada (sua alínea v), as frações “A” e “H” encontram-se arrendadas, tendo sido solicitada autorização aos condóminos, em sede de assembleia realizada em 25 de Março de 2015, a colocação na cobertura do prédio de máquinas de ar condicionado, que por aqueles lhe foi concedida, e entregue à Autora as chaves das entradas n.ºs 73 e 95 para acesso aos referidos equipamentos.
99. Tal como decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 24/02/2005, processo n.º 05B094, disponível in www.dgsi.pt: “Se uma "sala do condomínio" e uma "arrecadação geral" do edifício - partes comuns - se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objetivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a suscetibilidade (abstrata) de as diversas frações poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns”.
100. Ora, resulta do teor do auto de inspeção judicial ao local e, nomeadamente dos registos fotográficos n.ºs 15, 16, 17, 18 e 19 juntos aos autos, que o acesso à casa das máquinas e porta de acesso à cobertura do edifício onde se encontram as unidades exteriores de ar condicionado apenas é possível através das escadas comuns ou dos elevadores.
101. Aliás, é tanto quanto resulta expresso no teor da sentença recorrida e da prova produzida, salientando-se o depoimento da testemunha da Autora, A. E. (Engenheiro Civil da Autora), o qual “reconheceu expressamente que as frações pertencentes a esta tem acesso à zona comum de circulação automóvel existente na zona das garagens do rés-do-chão, à sala de condomínio e court de ténis, bem como admitiu a possibilidade de utilização dos elevadores, reconhecendo, ainda, que a Autora colocou uns equipamentos de ar condicionado na cobertura do prédio, no ano de 2015, sendo que o acesso à cobertura pode ser feito através dos elevadores que servem os vários blocos e que, nessa altura, foram-lhe entregues umas chaves (da entrada nº .. ou ..) para poderem acederem diretamente à cobertura.”
102. Pelo que, citando o indicado aresto jurisprudencial, há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objetivo, que é manifesta a suscetibilidade das frações da Autora poderem ser servidas, como efetivamente são, pelos elevadores que servem os vários blocos que integram o prédio, nomeadamente para acesso às partes comuns.
103. Aliás, o próprio Mm.º Juiz a quo reconhece na sentença recorrida, com referência às frações da Autora, que “não existe qualquer parte do prédio cujo acesso esteja vedado aos ocupantes das referidas frações, o que foi confirmado por todos os Réus ouvidos em declarações, sendo possível o acesso a qualquer bloco do prédio, bem como à cave, cobertura e logradouros”.
104. O Mm.º Juiz a quo reconhece expressamente na sentença recorrida que as perceções recolhidas durante a inspeção ao local “permitiu verificar os acessos e entradas das frações pertencentes à Autora, bem como a sua afetação, ocupação e composição atual. Por outro lado, permitiu perceber a estrutura interna do prédio, e a possibilidade de livre circulação de pessoas pelo seu interior, entre os blocos que o integram, não havendo quaisquer barreiras ou zonas estanques. A referida realidade decorre, ainda, das declarações de parte dos Rés e depoimento das testemunhas. Da inspeção ao local constatou-se que as frações autónomas “A” e H” embora tenham entradas exclusivas (nºs de polícia ... e ..), podem aceder a todas as partes do edifício, designadamente aos elevadores dos vários blocos e, a partir daí, a todos os pisos (superiores ou inferior – cave), bem como às restantes zonas comuns. Por seu turno, o acesso às frações autónomas “R” e “Y” (garagens), localizadas no rés-do-chão é feito através do portão elétrico com saída para os nºs de polícia .. e .., os quais também dão acesso às zonas de garagem que integram as frações “A” e “H”. Verificou-se, ainda, que todas as frações identificadas podem ser acedidas através das partes comuns de prédio, não só às partes comuns das garagens (corredores de circulação), mas a todas as partes comuns interiores e exteriores e equipamentos comuns, designadamente elevadores. Constatou-se que não existe qualquer parte do prédio cujo o acesso esteja vedado aos ocupantes das referidas frações, o que foi confirmado por todos os Réus ouvidos em declarações, sendo possível o acesso a qualquer bloco do prédio, bem como à cave, cobertura e logradouros, sendo que as referidas frações têm acesso à via pública através do corredor de circulação das garagens que, por sua vez, dá acesso às entradas nºs .. e ..”.
105. Os elevadores são, assim, um instrumento de uso comum do prédio.
106. Os elevadores não servindo exclusivamente algum ou alguns condóminos, como é manifestamente o caso dos autos, antes pelo contrário, então todas as frações autónomas do prédio sem exceção encontram-se objetivamente em condições de deles se servirem, como efetivamente é verdade.
107. Ora, se todas as frações da Autora podem ser acedidas através das partes comuns de prédio, não só às partes comuns das garagens (corredores de circulação), mas a todas as partes comuns interiores e exteriores e equipamentos comuns, designadamente elevadores, como efetivamente é verdade e assim é reconhecido pelo Mm.º Juiz a quo na sentença recorrida, é forçoso concluir que todas as frações da Autora podem servir-se dos elevadores.
108. Aliás, na factualidade dada como provada (suas alíneas s e t), a Mm.º Juiz a quo julgou assente que os elevadores existentes nos blocos um e dois são acessíveis às frações “A” e “H” da Autora e que os elevadores existentes nos blocos quatro e cinco são acessíveis às frações “R” e “Y”.
109. Assim sendo, e encontrando-se demonstrado nos autos que as frações da Autora podem servir-se dos elevadores, como efetivamente é verdade, tal como resulta do disposto no artigo 1424.º, n.º 4 do Código Civil, a mesma deve participar nos respetivos encargos ou despesas.
110. E nem se diga, como faz o Tribunal recorrido e a Autora assim invoca na petição inicial, que a participação nos encargos com os ascensores só é exigível nos casos em que há um uso efetivo/regular e/ou em que há necessidade de fazer uso dos elevadores.
111. Em primeiro lugar, como resulta demonstrado nos autos (alínea u) da matéria de facto dada como provada) a cave é parte comum e é na cave que se encontram instalados equipamentos de interesse comum – quadro elétrico, central de deteção de incêndio e bombas elétricas destinadas a regular o nível freático das águas para evitar inundações no prédio – pelo que a Autora não só pode servir-se do elevador para acesso à cave, como, caso pretenda aceder aos equipamentos de interesse comum em referência, necessita de aceder à cave e o que poderá fazê-lo através dos elevadores.
112. Em segundo lugar, também a cobertura do prédio é parte comum e é nessa cobertura que se encontram instaladas as máquinas de ar condicionado da Autora (alínea v) da matéria dada como provada), pelo que, a Autora não só pode servir-se dos elevadores para acesso à cobertura, como, caso pretenda aceder às suas máquinas de ar condicionado, necessita de aceder a essa cobertura e o que poderá fazê-lo através dos elevadores.
113. A Autora poderá, sempre que o entender e necessitar, aceder aos aludidos espaços condominiais, e sempre que o queira fazer poderá utilizar os meios de acesso de circulação vertical – elevadores - de que o edifício dispõe.
114. Vale dizer que as frações da Autora beneficiam objetivamente dos elevadores que permitem o acesso à cave, à cobertura do edifício e aos demais espaços e partes comuns do prédio, a que livremente podem aceder, nada justificando pois, que se pretenda eximir ao pagamento com essas despesas.
115. Pelo que não é certa a conclusão do Mm.º Juiz a quo.
116. Ademais, e citando o já invocado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 24/02/2005, processo n.º 05B094, disponível in www.dgsi.pt: “O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fração e não o uso que efetivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem) as respetivas frações e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio”.
117. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 11/10/2001, processo n.º 0131262, disponível in www.dgsi.pt, no qual é defendido que: “I - A razão de ser da comparticipação dos condóminos nas despesas comuns reside na afetação ou possibilidade de aproveitamento da serventia de certos bens ou serviços ao uso de determinadas frações do condomínio. II - A obrigação de contribuição para as referidas despesas não depende da efetiva utilização, mas, tão só, da possibilidade de utilização dessas coisas comuns ao serviço da utilização da fração.”
118. Como observam P. de Lima e A. Varela (Cód. Civil Anotado, vol. III, pág. 432), nem sempre é fácil determinar a intensidade relativa do uso que cada condómino possa fazer das coisas comuns. O que conta para a nossa lei é a destinação objetiva dessas coisas – é o uso que cada condómino delas pode fazer, medido, em princípio, pelo valor relativo de cada fração, e não o uso que efetivamente faça delas. A responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem as respetivas frações e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio.
119. Face ao disposto no n.º 3 do artigo 1424.º do C. Civil, “as despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum ou alguns dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem", sendo que, nos termos do nº 4 da mesma disposição, "nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas".
120. Destinação, fruição ou afetação necessariamente exclusivas, pois, versus a possibilidade ou suscetibilidade da sua utilização comum; na primeira hipótese, as despesas deverão ser custeadas apenas pelos condóminos efetiva e exclusivamente utilizadores, na segunda por todos os condóminos que queiram e possam (para sua conveniência ou comodidade) utilizar as partes ou os equipamentos comuns.
121. No caso dos autos, é patente que os ascensores não servem exclusivamente algum ou alguns condóminos, antes podendo servir (também) todas as frações autónomas do prédio sem exceção, pelo que se encontram objetivamente em condições de afetação ao uso comunitário dos condóminos.
122. Assim sendo, e encontrando-se demonstrado nos autos que as frações da Autora podem servir-se dos elevadores, como efetivamente é verdade, tal como resulta do disposto no artigo 1424.º, n.º 4 do Código Civil, a mesma deve participar nos respetivos encargos ou despesas.
123. Contrariamente ao afirmado pelo Tribunal recorrido, não é pelo facto de o título constitutivo não estabelecer que os elevadores são comuns às frações da Autora (sendo que, nos termos acima expostos, tal afirmação é inexata) que a mesma fica desonerada de comparticipar nas respetivas despesas ou encargos; pois que tal responsabilidade resulta da Lei, nomeadamente e tal como estabelecido no artigo 1424.º, n.º 4 do Código Civil, da circunstância das suas frações poderem ser servidas por elevadores, como efetivamente é verdade.
124. O artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil estabelece a regra supletiva de distribuição dos encargos comuns em função da permilagem, o que significa que a participação de cada um dos condóminos nas despesas é estabelecida em função do valor relativo das respetivas frações e o qual está prefixado no título constitutivo da propriedade horizontal, em percentagem ou permilagem.
125. Estabelece-se o valor que tem cada fração no valor global do edifício e a repartição dos encargos faz-se segundo este critério, quando não houver especial critério de repartição desses encargos (neste sentido Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, 1971, págs. 282 e ss.).
126. Assim, na falta de critério de repartição especial, é aplicável nos autos a regra supletiva legal do artigo 142.º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, a Autora deve comparticipar nas despesas com os elevadores na proporção do valor das suas frações, que é também o critério adotado no regulamento de condomínio - sua cláusula 9ª, alínea a).
127. Em face da factualidade apurada nos autos e dada como provada e uma correta interpretação e aplicação do Direito impunha, como impõe, ao Mm.º Juiz a quo uma decisão diversa na sentença recorrida, nomeadamente no sentido de improcedência da ação, pugnando-se que a Autora está obrigada a comparticipar nas despesas com os elevadores na proporção do valor das suas frações, pelo que a mesma deverá ser revogada por violação do disposto no artigo 1424.º do Código Civil e substituída por outra em conformidade”.
Pugnam os Recorrentes pela integral procedência do recurso.
A Autora apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção das decisões recorridas.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença nos seguintes termos: “- Da questão da nulidade da sentença: Nas suas alegações de recurso invocam os recorrentes a nulidade da sentença, com fundamento no disposto no art.º 615º, nº 1, als. b) e c) do CPC. A nulidade a que se reporta a al. b) – quando não especifica os fundamentos de facto ou direito ou que se caracteriza pela sua ininteligibilidade -, só se verifica quando ocorre absoluta falta de fundamentação. Acontece que os Recorrentes não aduzem quaisquer argumentos para demonstrar a falta de fundamentação. De acrescentar, que como tem sido entendimento da jurisprudência que o preceito em causa não contempla nem a mera insuficiência da fundamentação nem um putativo desacerto da decisão (neste sentido Ac. STJ, 02/06/2016). A nulidade a que se reporta a al. c) a norma em apreço – os fundamentos estejam em oposição com a decisão – ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação contradiz o resultado final. Porém, entendemos que a decisão proferida não padece do vício invocado, porquanto existe total congruência entre os fundamentos de facto e direito e o decidido, aderindo-se aos fundamentos aduzidos pela Autora. Em face do exposto, julgam-se improcedentes as nulidades invocadas”.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:
A) Quanto ao recurso do despacho saneador:
- Saber se deve ser julgada procedente a exceção de ineptidão da petição inicial;
- Saber se deve ser julgada integralmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva e absolvidos os Réus da instância;
B) Quanto ao recurso da sentença:
1 - Saber se a sentença é nula;
2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
3 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
a) A Autora é dona e legítima proprietária das frações autónomas individualizada pelas letras “A”, “H”, “R”, e “Y” do prédio urbano sito na Rua ... e Travessa ..., Lugar ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva ob o art.º ... da União de freguesias de Viana do Castelo (... e ...) e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../..., e nela registadas a favor da Autora através da Ap. 53/2002/03/15 (cfr. cadernetas prediais juntas como docs. nºs 1 a 4 e descrições prediais juntas como dcs. nº 5 a 9 da petição inicial).
b) No dia 31 de agosto de 2020, pelas 20h30, realizou-se uma Assembleia Geral de Condóminos na zona da garagem do piso -1, do prédio urbano supra identificado, com a seguinte ordem de trabalhos:
- Ponto 1 – Apresentação, análise, discussão e votação das contas do condomínio referentes ao período de 01 de maio de 2019 a 30 de abril de 2020;
- Ponto 2 – Apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio para o período de 01 de maio de 2020 a 30 de abril de 2021;
- Ponto 3 – Outros assuntos de interesse do condomínio.
c) A realização da Assembleia de condóminos foi precedida da convocatória enviada aos condóminos do prédio.
d) Nessa Assembleia estiveram presentes e representados os condóminos das frações autónomas individualizadas pelas letras “F”, “AA”, “Z”, “B”, “AE”, “V”, “X”, “AD”, “AB”, “S”, “I”, “AC”, “T”, “A”, “H”, “R”, “Y”, “C”, “E”, “M” e “G”, representativas de 63,86% do valor total do edifício.
e) Relativamente ao ponto dois da ordem de trabalhos consta da acta nº 28, de 31 de agosto o seguinte: “Para o período de 01 de maio de 2020 a 30 de abril de 2021, foram apresentados orçamentos, pela empresa de F. R., Unipessoal, Lda. e pela empresa “Y.
Colocados a votação dos dois orçamentos, o resultado foi a favor da empresa e orçamento apresentado pela empresa Y com os votos a favor das frações “AB”, “M”, “T”, “AA”, “AD”, “Z”, “B”, “X”, “AC” e “AE” (33,97%), Abstenções “G”, “I” e “C” (9,24%), Contra “A”, “H”, “R”, “Y”, “S” e “V” (20,65%).
Assim, foi nomeada para administrar o condomínio a empresa Y a partir de 1.09.2020, recebendo os honorários de administração a empresa cessante de maio a agosto de 2020.
f) Até à realização da Assembleia de condóminos, o condomínio do prédio foi administrado pela empresa F. R., Unipessoal, Lda.
g) O orçamento apresentado na referida Assembleia pela 1ª Ré (Y) era no valor de € 19.710,00 e o orçamento apresentado pela empresa F. R., Lda., em funções na altura, foi de € 18.917,71.
h) Ambos os orçamentos discriminavam, por rúbricas, os valores parcelares orçamentados, bem como a distribuição por cada uma das frações autónomas os valores a suportar.
i) De acordo com o orçamento aprovado, a Autora comparticipa nos encargos de conservação e manutenção dos elevadores e das despesas com a eletricidade consumida nas partes comuns dos blocos com entrada pelos nºs de polícia ... e ..., em função da permilagem das respetivas frações autónomas.
j) Por escritura pública celebrada no dia 13 de Março de 2009, exarada de fls. 76/77v do livro de notas para escrituras diversas número 108-A e documento complementar anexo que dela faz parte integrante, nos termos do artigo 64º, nº 2 do Código do Notariado, do Cartório Notarial em … a cargo do Notário A. P., a sociedade X, Lda., aqui Autora, constituiu o prédio identificado em regime de propriedade horizontal e declarou que o mesmo tem a seguinte composição:
A – BLOCO UM
- Fração autónoma “A” (rés do chão) 6,94%
- Fração autónoma “B” (primeiro andar dir.) 3,20%
Fração autónoma “C” (primeiro andar esq.) 3,07%
- Fração autónoma “D” (segundo andar dir.) 3,45%
- Fração autónoma “E” (segundo andar esq.) 3,46%
- Fração autónoma “F” (terceiro andar dir.) 3,12%
- Fração autónoma “G” (terceiro andar esq.) 3,04%
B – BLOCO DOIS
- Fração autónoma “H” (rés do chão) 6,14%
- Fração autónoma “I” (primeiro andar dir.) 3,13%
- Fração autónoma “J” (primeiro andar esq.) 3,21%
- Fração autónoma “K” (segundo andar dir.) 3,49%
- Fração autónoma “L” (segundo andar esq.) 3,42%
- Fração autónoma “M” (terceiro andar dir.) 2,97%
- Fração autónoma “N” (terceiro andar esq.) 3,01%
C – BLOCO TRÊS
- Fração autónoma “O” (primeiro andar) 3,67%
- Fração autónoma “P” (segundo andar) 3,67%
- Fração autónoma “Q” (terceiro andar) 3,94%
D – BLOCO QUATRO
- Fração autónoma “R” (rés do chão) 1,06%
- Fração autónoma “S” (primeiro andar dir.) 2,50%
- Fração autónoma “T” (primeiro andar esq.) 2,98%
- Fração autónoma “U” (segundo andar dir.) 2,48%
- Fração autónoma “V” (segundo andar esq.) 3,04%
- Fração autónoma “W” (terceiro andar dir.) 2,34%
- Fração autónoma “X” (terceiro andar esq.) 2,81%
E – BLOCO CINCO
- Fração autónoma “Y” (rés do chão) 0,97%
- Fração autónoma “Z” (primeiro andar dir.) 3,16%
- Fração autónoma “AA” (primeiro andar esq.) 3,20%
- Fração autónoma “AB” (segundo andar dir.) 3,11%
- Fração autónoma “AC” (segundo andar esq.) 3,35%
- Fração autónoma “AD” (terceiro andar direito) 3,03%
- Fração autónoma “AE” (terceiro andar esq.) 3,04%.
k) Segundo a referida escritura pública e documento complementar anexo, as frações autónomas individualizadas pelas letras “A” e “H” destinam-se a comércio, as frações “R” e “Y” destinam-se a garagens de aparcamento automóvel e as frações “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “S”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD” e “AE”, destinam-se a habitações.
l) Estabelece, ainda, a referida escritura que: - “São comuns a todas as frações “Um logradouro com a área de 92,30 m2, situado no lado poente do prédio e por intermédio do qual se faz o acesso às frações situadas nos blocos um e dois provenientes da Rua ... (identificado pelo algarismo um), um logradouro com a área de 70,10 m2, no qual se engloba parte de uma rampa, situado no lado poente do prédio, por intermédio do qual se faz o acesso automóvel à cave proveniente da Rua … (identificado pelo algarismo 2), um logradouro com a área de 846, 96 m2, no qual se engloba um parque desportivo, situado nos lados sul e nascente do prédio (identificado pelo algarismo 3), uma divisão no rés do chão com uma pequena cozinha e uma instalação sanitária destinada a sala de condomínio, um hall no rés do chão que estabelece a comunicação entre o logradouro identificado pelo algarismo 3, a sala de condomínio e uma área interior de circulação automóvel.” “ - É comum às frações “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “I”,“J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “U”, “V”, “W”, “X”, “AB”, “AC”, “AD” e “AE”, uma área ampla de circulação a nível da cave destinada à manobra de veículos para aparcamento nas respetivas garagens; - É comum às frações “A”, “H”, “R”, “S”, “T”, “Y”, “Z” e “AA”, uma área ampla de circulação a nível do rés-do-chão, destinada à manobra de veículos para aparcamento nas respetivas garagens, sendo permitida a utilização desta área às restantes frações que compõem o prédio apenas para o acesso à sala do condomínio que nesse piso se localiza, bem como o acesso ao logradouro identificado pelo algarismo três; - É comum às frações “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”: - o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar do bloco um, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura; - um átrio exterior e um vestíbulo interior, situados a nível do rés-do-chão do bloco um, que comunicam entre si por intermédio de uma porta de entrada com o número de polícia noventa e cinco e por intermédio dos quais se faz o acesso às frações destinadas a habitações proveniente da Rua ...; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso aos andares; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso à cave; - um hall a nível da cave, que estabelece a comunicação entre a área de circulação automóvel, a caixa de escadas e o elevador que servem o bloco um; - uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés do chão, destinada a recolha de materiais de limpeza das zonas comuns deste bloco.” - É comum às frações “I”, “J”, “K”, “L”, “M” e “N”: – o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar do bloco dois, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura; - um átrio exterior e um vestíbulo interior, situados a nível do rés-do-chão do bloco dois, que comunicam entre si por intermédio de uma porta de entrada com o número de polícia setenta e três e por intermédio dos quais se faz o acesso às frações destinadas a habitações proveniente da Rua ...; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso aos andares; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso à cave; - um hall a nível da cave, que estabelece a comunicação entre a área de circulação automóvel, a caixa de escadas e oelevador que servem o bloco dois; - uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinada a recolha de materiais de limpeza das zonas comuns deste bloco; - É comum às frações “O”, “P”, “Q”, “S”, “T”, “U”, “V”,“W” e “X”; – um átrio exterior e um vestíbulo interior, situados a nível do rés-do-chão dos blocos três e quatro, que comunicam entre si por intermédio de uma porta de entrada com o número de polícia vinte e seis e por intermédio dos quais se faz o acesso às frações destinadas a habitações proveniente da Travessa ...; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso à cave; - um hall a nível da cave, que estabelece a comunicação entre a área de circulação automóvel, a caixa de escadas e o elevador que serve o bloco três; - É comum às frações “O”, “P” e “Q”: – o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar dobloco três, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso aos andares do bloco três; - uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinada a recolha de materiais de limpeza das zonas comuns do bloco três; - um hall a nível do rés-do-chão, junto do elevador que serve este bloco três, que estabelece a comunicação entre o vestíbulo interior atrás referido e a área de circulação automóvel a nível do rés-do-chão; - É comum às frações “S”, “T”, “U”, “V”, “W” e “X”: – o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar do bloco quatro, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso aos andares do bloco quatro; - um hall a nível do rés-do-chão, junto do elevador que serve este bloco quatro, que estabelece a comunicação entre o vestíbulo interior atrás referido e a área de circulação automóvel a nível do rés-do-chão; - uma divisão situada na cave, destinada a recolha de materiais de limpeza das zonas comuns do bloco quatro; - um hall a nível da cave, que estabelece a comunicação entre a área de circulação automóvel, o arrumos do condomínio e o elevador que serve o bloco quatro; - É comum às frações “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD” e “AE”: – o elevador que estabelece a comunicação entre a cave, o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o terceiro andar do bloco cinco, bem como a respetiva casa das máquinas a nível da cobertura; - um átrio exterior e um vestíbulo interior, situados a nível do rés-do-chão do bloco cinco, que comunicam entre si por intermédio de uma porta de entrada com o número de polícia cinquenta e por intermédio dos quais se faz o acesso às frações destinadas a habitações proveniente da Travessa ...; -a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso aos andares; - a escada interior que tendo início no vestíbulo interior atrás referido dá acesso à cave; - um hall a nível da cave, que estabelece a comunicação entre a área de circulação automóvel, a caixa de escadas e o elevador que servem o bloco cinco; -uma divisão situada na cave sob o lanço de escadas que liga este piso ao rés-do-chão, destinada a recolha de materiais de limpeza das zonascomuns deste bloco; - um hall a nível do rés-do-chão, junto do elevador que serve este bloco cinco, que estabelece a comunicação entre o vestíbulo interior atrás referido e a área de circulação automóvel a nível do rés-do-chão” (cfr. certidão da escritura pública de constituição da propriedade horizontal junta como doc. nº 14 com a petição inicial).
m) As frações autónomas individualizadas pelas letras “A” e H”, destinadas ao exercício da atividade comercial tem acesso direto da via pública, através do logradouro situado a poente, e entradas exclusivas através dos nºs de polícia ... e ...
n) As frações autónomas individualizadas pelas letras “R e “Y”, destinadas a garagem, situam-se no rés-do-chão com acesso para a via pública através dos números de polícia .. e ...
o) A fração autónoma individualizada pela letra “A” era composta inicialmente por uma garagem, situada, igualmente, no piso do rés-do-chão.
p) Atualmente o espaço de garagem que integrava a fração autónoma “A” está integrado na referida fração ocupado e afeto à utilização de gabinetes.
q) A fração autónoma individualizada pela letra “H” integra uma garagem situada, igualmente, no piso do rés-do-chão.
r) As zonas de garagem que fazem parte das frações “A” e “H” têm acesso através dos nºs de polícia nº .. e .. (blocos 4 e 5).
s) Os elevadores existentes nos blocos um e dois são acessíveis às frações “A” e “H”.
t) Os elevadores existentes nos blocos 4 e 5 são acessíveis às frações “R” e “Y”.
u) Na zona da cave (piso -1) estão ainda instalados um quadro elétrico, uma central de deteção de incêndios e bombas elétricas destinadas a regular o nível freático das águas para evitar inundações no prédio.
v) As frações autónomas individualizadas pelas letras “A” e “H” encontram-se arrendadas, tendo sido solicitada autorização dos condóminos, na Assembleia realizada no dia 25 de março de 2015, para a colocação na cobertura do prédio de máquinas de ar condicionado que por aqueles lhe foi concedida, e entregue à Autora as chaves das entradas nºs 73 e 95 para acesso aos referidos equipamentos.
w) Segundo a cláusula 4 do regulamento de condomínio do edifício “São partes comuns deste edifício, solo, alicerces, pilares, paredes mestras, cobertura e todos os elementos da estrutura do prédio, a entrada do prédio, escadas e corredores de passagem; entradas destinadas a veículos, vias de circulação de viaturas nas garagens, instalações de água e esgotos, eletricidade, comunicações, gás, etc., logradouro e campo de jogos no interior do prédio, sala de condomínio, elevadores e casa dos elevadores, antenas coletivas de televisão e/ou cabo de ligação da TV cabo.”
x) Segundo a cláusula 14ª, al. a) do regulamento de condomínio do edifício “Os condóminos têm direito de utilizar não só a sua fração como as partes comuns do prédio, conforme a propriedade horizontal.”
y) O edifício em causa possui 4 contadores de energia elétrica associados aos serviços comuns distribuídos e localizados da seguinte forma:
1. Entrada com o nº de polícia .. que regista a contagem dos serviços comuns do bloco com entrada pelo referido nº .., e ainda os consumos das zonas comuns da garagem coletiva comum aos quatro blocos nºs .., .., .. e ..;
2. Entrada com o nº de polícia … que regista a contagem dos serviços comuns do bloco com a entrada pelo referido nº ..;
3. Entrada com o nº de polícia .. que regista a contagem dos serviços comuns do bloco com entrada pelo mesmo número de polícia;
4. Entrada com o nº de polícia .. que regista a contagem dos serviços comuns do bloco com entrada pelo mesmo número de polícia.
z) A sala de condomínio, o logradouro onde se situa o court de ténis (parque desportivo) e as bombas elétricas que regulam o nível freático das águas para evitar inundações no prédio não possuem contador de eletricidade autónomo.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:
a) As frações autónomas individualizadas pelas letras “A” e “H” só têm acesso pelos números de polícia ... e ...
b) As referidas frações estão impossibilitadas de utilizar ou percorrer qualquer parte comum interior do prédio.
c) Antes da aprovação do orçamento em causa, a Autora não comparticipava nos encargos e despesas com elevadores e energia elétrica referente às partes comuns dos blocos um e dois.
d) A fração “A” é servida pelo elevador existente no bloco um.
e) A fração “H” é servida pelo elevador existente no bloco dois.
f) Os funcionários da empresa arrendatária das frações autónomas “A” e “H” servem-se e fazem um uso indiscriminado das entradas com os nºs de polícia ... e ....
***
3.2. O Direito
A) Quanto ao recurso do despacho saneador
1. Da exceção de ineptidão da petição inicial
Os Réus vieram alegar no seu articulado de contestação que a petição inicial padece de falta de alegação de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir para suportar o pedido formulado pela Autora e de uma total ausência de factos idóneos a produzir o efeito jurídico pretendido, o que torna inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, exceção dilatória que expressamente invocaram.
Pelo tribunal a quo foi julgada improcedente a exceção, entendendo que a Autora ataca concretamente a deliberação que aprovou o orçamento, com fundamento de que a repartição nos encargos nele estabelecida, concretamente da quota parte devida pela Autora, viola o disposto no artigo 1424º, nº 3 e 4 do Código Civil, e que o pedido está em consonância com a causa de pedir pois a deliberação que procede à repartição dos encargos pelos condóminos é aquela que aprova o orçamento, sendo neste que estarão refletidos não só o elenco das despesas, mas também a fixação da quota-parte de cada um dos condóminos nessas despesas.
É contra este entendimento que se insurgem os Recorrentes sustentando em sede de recurso a procedência da exceção de ineptidão da petição inicial, uma vez que a Autora não impugna a deliberação da Assembleia de Condóminos cuja anulação peticiona nos autos, não alegando qualquer facto relativamente à votação e consequente eleição da empresa a administrar o condomínio e nem quanto à deliberação de aprovação do orçamento pela maioria dos condóminos.
Sustentam ainda os Recorrentes que a Autora nada alega relativamente ao valor do orçamento aprovado pela maioria dos condóminos e, nomeadamente, quanto aos encargos ou despesas que o integram, sendo certo que o orçamento aprovado não contempla apenas os encargos com a manutenção e reparação dos elevadores e energia elétrica mas ainda outras despesas comuns, não tendo sido deliberada pelos condóminos qualquer repartição do orçamento aprovado, o que nem sequer integrou a ordem de trabalhos e sobre o que não recaiu qualquer decisão dos condóminos.
Vejamos se lhes assiste razão.
Nos termos do disposto artigo 186º do Código de Processo Civil “1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”.
A petição diz-se inepta, conforme estabelece o n.º 2 deste preceito:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 prevê ainda que se o réu contestar a arguição da ineptidão com base neste fundamento não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
Assim, entre os casos previstos de ineptidão da petição inicial, e naquilo que ao caso concreto interessa, previu o legislador a falta da causa de pedir; isto é, quando o autor não alega, como lhe compete [cfr. artigos 5º e 552º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil] o facto ou os factos constitutivos da situação jurídica material que pretende fazer valer, ou, seja o ato ou facto jurídico em que se baseia para enunciar o seu pedido.
O nosso sistema processual civil é marcado pela chamada teoria da substanciação, sendo necessária a indicação concreta dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer valer; tal como decorre do preceituado no artigo 581º n.º 4 do Código de Processo Civil a causa de pedir constitui o facto jurídico de que deriva o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer. “A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido” (Antunes Varela/Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Coimbra, p. 245), é “o ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, p. 111).
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/09/2017 (Processo n.º 1608/16.8T8FAR.E1, Relator Desembargador Tomé Ramião) “1. A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”; também no Acórdãodo Supremo Tribunal de Justiça de 26/03/2015 (Relator Conselheiro Lopes do Rego) se considera que o vício de ineptidão “implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objeto inteligível” (ambos os acórdãos, bem como todos os que se irão citar sem qualquer outra indicação, disponíveis em www.dgsi.pt).
Já ensinava Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra, p. 371 e 372), que se podiam dar dois casos distintos: “a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir”, não devendo, contudo, confundir-se “petição inepta com petição simplesmente deficiente (…) quando a petição sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a ação naufraga”.
A ideia geral, segundo Castro Mendes (Direito Processual Civil, IIº vol, edição AAFDL, 1987, p. 490) “é a de impedir o prosseguimento duma ação viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre desde logo não ser possível um ato (unitário) de julgamento, “judicium”; sendo certo que, da perspetiva das partes, a ideia será ainda de permitir o cabal conhecimento pelo réu dos factos em que se alicerça o pedido que o autor pretende fazer valer de forma a poder exercer cabalmente o contraditório. Neste sentido se compreende o estatuído no referido n.º 3 do artigo 186º que estabelece que a arguição da ineptidão não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
No fundo, existe falta de causa de pedir determinante da ineptidão quando o autor não alegue os factos em que se funda a sua pretensão, ou quando tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual a causa de pedir. In casu, a Autora veio peticionar seja declarada anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de agosto de 2020 e os Réus condenados a reconhecer essa anulação.
Para o efeito alega, em síntese, que no dia 31 de Agosto de 2020 se realizou uma Assembleia Geral de condóminos destinada, nomeadamente, à apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio para o período de 01 de Maio de 2020 a 30 de Abril de 202 e que a Assembleia deliberou nomear para administrar o condomínio a empresa Y e votou favoravelmente o orçamento apresentado pela mesma, que discrimina, por rúbricas, os valores parcelares, e repartiu o valor global por todos os condóminos na proporção do valor das suas frações, sem ter em consideração o que consta do titulo constitutivo da propriedade horizontal.
A propriedade horizontal, nos termos do artigo 1417º do Código Civil, “pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário”, sendo umafigura típica dos direitos reais em que cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (cfr. artigo 1420º n.º 1 do Código Civil) e em que o conjunto dos dois direitos é incindível, ou seja, nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio do condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição, como decorre inequivocamente da lei (n.º 2 do referido artigo 1420º).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, p. 397) o que verdadeiramente “caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns”.
Por outro lado, o artigo 1430º do Código diz-nos quem são os órgãos administrativos das partes comuns do edifício, dispondo no seu n.º 1 que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador.
A administração das partes comuns compete, por isso, a dois órgãos administrativos, obrigatórios, que são a assembleia dos condóminos, que desempenha uma função deliberativa, e o administrador que é o órgão designado para executar as deliberações tomadas pela assembleia dos condóminos.
Assim, a assembleia dos condóminos no âmbito da sua competência geral, deve apreciar e deliberar sobre as diversas matérias relacionadas com o interesse coletivo.
Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 13/02/2017 (Relator Desembargador Carlos Gil) “A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431 e 1432, ambos do CC), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art. 1430/1 do CC), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435 a 1438, todos do CC).
Dispõe ainda o artigo 1433º n.º 1 do Código Civil que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Este preceito refere-se a um dos tipos de invalidade que podem afetar as deliberações das assembleias de condóminos, ou seja a anulabilidade, podendo estas padecer também de nulidade ou ineficácia.
Neste sentido se pronunciam Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit. p. 447 a 448) ao considerarem que “no âmbito desta disposição não estão compreendidas nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objetos assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos. Quando a assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (suponha-se, por ex., que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o n.º 1 do art. 1421.º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art. 1428.º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427.º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no n.º 1 do art. 1429.º), as deliberações tomadas devem considerar-se nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286.º. (…)” e que quandoa assembleia se pronuncie “sobre assuntos para que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respetivo titular, uma parte do prédio pertencente em compropriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberação deve considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afetado a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de exceção, ou através de uma ação de natureza meramente declarativa” (também neste sentido Aragão Seia - Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, Almedina, p. 176 e 177 - considera que só são anuláveis as deliberações tomadas pela assembleia dentro da área da sua competência, respeitantes às partes comuns do edifício, sendo de considerar considerar-se nulas ou ineficazes as que violam preceitos de natureza imperativa e as que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos).
Deliberações anuláveis são, conforme já referimos e em face do disposto no n.º 1 do 1433º do Código Civil, aquelas contrárias a normais legais ou regulamentos de condomínio anteriormente aprovados.
Abrange este preceito quer as deliberações inválidas em função do respetivo objeto (vício de conteúdo), quer as deliberações inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos associados (vício de formação), estando em causa as deliberações que são afetadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais (de natureza não imperativa), ou infringem regulamentos anteriormente aprovados (v. Acórdão da Relação do Porto de 07/03/2016, Relator Desembargador Manuel Domingos Fernandes).
No caso concreto, a Autora pede a anulação da deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, e alegou que a Assembleia deliberou nomear para administrar o condomínio a empresa Y e votou favoravelmente o orçamento que esta apresentou que repartiu o valor global por todos os condóminos na proporção do valor das suas frações, sem ter em consideração o que consta do titulo constitutivo da propriedade horizontal, designadamente imputando encargos que não dizem respeito às frações propriedade da Autora, como ocorre com a manutenção e reparação dos elevadores quando estes encargos não são comuns às mesmas, e com os encargos de energia elétrica, em violação do disposto no artigo 1424º n.ºs 3 e 4 do Código Civil; alegou ainda que o orçamento apresentado e que foi objeto de votação favorável é o que consta do documento 12 por si junto com a petição inicial.
Não está em causa um vicio decorrente de irregularidades ocorridas na convocação dos associados (vício de formação), mas um vicio de conteúdo.
Entendemos, por isso, que não pode falar-se no caso concreto de falta de causa de pedir e nem que a Autora nada alegue relativamente ao valor do orçamento aprovado e nem que não tenha sido deliberada pelos condóminos qualquer repartição do orçamento aprovado.
De facto, ao deliberar a aprovação do orçamento anual, a Assembleia está a deliberar a repartição das despesas/encargos pelos condóminos tal como do mesmo consta e a definir o valor da quota parte devida por cada um dos condóminos; conforme decorre do artigo 6º n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25 de outubro a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Nestes termos, e tal como afirma o tribunal a quo, temos que concluir que a “Autora ataca concretamente a deliberação que aprovou o orçamento, com fundamento de que a repartição nos encargos nele estabelecida, concretamente, da quota-parte devida pela Autora, viola o disposto no art.º 1424º, nº 3 e 4 do Cód. Civil. O pedido está em consonância com a causa de pedir, porquanto, a deliberação que procede à repartição dos encargos pelos condóminos é precisamente aquela que aprova o orçamento, pois é neste que estarão refletidos não só o elenco das despesas, mas também a fixação da quota-parte de cada um dos condóminos nessas despesas”.
Não pode, pois, afirmar-se no caso concreto que a petição inicial seja inepta por falta de causa de pedir, improcedendo, nesta parte, o recurso.
*
2. Da exceção de ilegitimidade passiva
Sustentam ainda os Recorrentes, pugnando pela verificação in totum da exceção de ilegitimidade passiva e consequente absolvição da instância, que nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador e não aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação.
No despacho saneador recorrido, o tribunal a quo, perfilhando a tese da Autora, defendeu o entendimento de que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, e não contra o condomínio, sendo aqueles, e não este, a parte legitima.
Considerou ainda o tribunal a quo que não obstante o condomínio não ter legitimidade processual nestas ações, o administrador de condomínio é chamado a intervir nas mesmas para assegurar a representação judiciária dos condóminos demandados, nos termos do disposto no artigo 1433º n.º 6 do Código Civil pelo que, embora considerando assistir parcialmente razão aos Réus quando invocam que a Ré Y Unipessoal Lda, que é a administradora do condomínio, é parte ilegítima, julgando parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva, não a absolveu da instância e determinou que a mesma se mantinha na causa em representação dos demais Réus.
A Autora/Recorrida pugna pela manutenção do decidido em 1ª Instância considerando que os condóminos demandados são parte legitima e que a Ré Y Unipessoal Lda, demandada na qualidade de administradora, deve manter-se na lide, atenta essa qualidade, para assegurar a representação judiciária daqueles.
Importa começar por precisar que a Ré Y Unipessoal Lda foi já julgada pelo tribunal a quo parte ilegítima na presente ação (o que não se mostra questionado pela Autora), mantendo-se apenas em representação dos demais Réus (e não como parte), não tendo, por isso, e como se depreende do despacho recorrido, sido então absolvida da instância.
Assim, e não curando neste momento de saber se deveria ter sido efetivamente absolvida da instância por não ser parte legítima, e por a questão da representação judiciária se não confundir com a questão da legitimidade, o que urge agora indagar é se os demais Réus são também parte ilegítima, sendo certo que se estes o forem a manutenção daquela na ação, em sua representação, passa também a carecer de fundamento.
Vejamos então.
O artigo 30º do Código de Processo Civil indica-nos o conceito de legitimidade, dispondo no que toca à legitimidade passiva que “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer” (n.º 1, segunda parte) e que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da ação (n.º 2 segunda parte).
O n.º 3 consigna ainda que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa concreta, sendo “uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute” (v. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 69), sendo a ilegitimidade singular insanável.
Como é consabido a legitimidade constitui um pressuposto processual positivo, cuja existência é essencial para que o juiz possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da ação, para que possa proferir decisão de mérito, não se confundindo com os requisitos que interessam ao mérito da causa; o que interessa saber através do pressuposto da legitimidade é qual a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito (v. Antunes Varela/ Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, ob. cit. p. 106, 128 a 130). In casu, a Autora peticiona seja declarada “anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de agosto de 2020 e os réus condenados a reconhecerem essa anulação”.
O artigo 1433º n.º 1 do Código Civil estabelece que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, prevendo-se no n.º 6 que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
Por outro lado, o artigo 1437º do Código Civil, que previa que o administrador tinha legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (n.º 1) e que o administrador podia também ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício (n.º 2), excetuando-se as ações relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador (n.º 3), foi entretanto alterado pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro (que não obstante entrar em vigor 90 dias após a sua publicação, exceciona a alteração ao artigo 1437º do Código Civil, que entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação – cfr. artigo 9º), passando a ter a seguinte redação: “1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. 2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos. 3 - A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos”.
Tal como vem salientado na decisão recorrida, e decorre também das diferentes posições defendidas pelas partes, a questão da legitimidade passiva nas ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos não é recente e nem pacifica, e tem dividido a jurisprudência, designadamente dos tribunais superiores, bem como a doutrina.
Cumpre então questionar se a ação de anulação deve ser intentada contra todos condóminos ou apenas contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, ou contra o condomínio, representado pelo seu administrador, ou ainda contra o administrador do condomínio?
Não obstante a existência de jurisprudência defendendo a legitimidade passiva os condóminos sem especificação de quais (v. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/03/1998, Processo n.º 98A845, de 16/06/2005, Processo n.º 05B4296, de 24/06/2008, Processo n.º 08A1755, com um voto de vencido e de 29/11/2006, Processo n.º 06A2913, citados no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2019, Processo n.º 441.17.3T8LSB.L1-2), são fundamentalmente duas as teses em confronto: a que defende que as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o próprio condomínio, representado pelo respetivo administrador, e uma outra que afirma a legitimidade dos condóminos, devendo a ação ser necessariamente proposta contra todos os que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito.
Podemos dizer de forma muito sintética que a primeira faz apelo ao preceituado no artigo 12º, alínea e), do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no referido artigo 1437º e no artigo 1436º, alínea h) do Código Civil; enquanto a segunda considera que o n.º 6 do artigo 1433º do Código Civil afirma sem dúvidas a legitimidade dos condóminos, afastando a legitimidade do próprio condomínio pois a letra da lei reporta-se aos “condóminos contra quem são propostas as ações”, não referindo o legislador a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, que este representa os condóminos contra quem são propostas as ações.
Perfilham esta última posição, entre vários outros, os seguintes acórdãos:
- do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006 (Processo n.º 06A2913), de 20/09/2007 (Processo n.º 07B787, com voto de vencido), de 24/06/2008 (Processo n.º 08A1755, com voto de vencido), de 06/11/2008 (Processo n.º 08B2784);
- do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/02/2009 (Processo n.º 271/2009-6), de 13/07/2010 (Processo 1063/09.9TVLSB.L1-6) e de 31/03/2011 (Processo n.º 1842/05.6TVLSB.L1-6);
- do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/2012 (Processo nº 1371/11.9TJPRT.P1), de 03/02/2014 (Processo n.º 5311/11.7TBMTS.P1) e de 08/06/2021 (Processo n.º 1849/20.3T8MTS.P1);
- do Tribunal da Relação de Évora de 17/10/2013 (Processo n.º 7579/11.0TBSTB.E1) e de 19/05/2016 (Processo n.º 726/15.4T8STR.E1);
- desta Relação de Guimarães de 24/11/2016 (Processo n.º 130/15.4T8MTR.G1), de 09/03/2017 (Processo n.º 42/16.4 T8VLN.G1) e de 28/01/2021 (Processo n.º 235/17.7T8EPS.G1).
No sentido de que a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo administrador, posição que perfilhamos e julgamos ser tendencialmente a maioritária, destacamos aqui os seguintes acórdãos:
- do Supremo Tribunal de Justiça de 14/02/1991 (Processo n.º 080355), de 29/05/2007 (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XV, tomo II-2007, p. 97 e 98), de 05/05/2005 (agravo n.º 1114/05-7.ª Secção), de 10/01/2006 (revista n.º 3727/05-6.ª Secção), de 14/06/2007 (agravo n.º 502/07-2.ª Secção), de 14/06/2007 (agravo n.º 502/07-2.ª Secção), de 25/09/2012 (revista n.º 3592/09.5TBPTM.E1.S1 - 6.ªSecção) e de 24/11/2020 (revista n.º 23992/18.9T8LSB.L1.S1 - 6.ª Secção), todos estes citados no acórdão de 04/05/2021 (Processo nº 3107/19.7T8BRG.G1.S1), também no mesmo sentido, com a menção de não se encontrarem disponíveis na dgsi;
- do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/1998 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, Tomo III, p. 96 a 100), de 28/03/2006 (Processo n.º 2075/2005-7), de 25/06/2009 (Processo n.º 4838/07.0TBALM.L1-8), de 07/03/2019 (Processo nº 6294/17.4T8LSB.L1-2, com voto de vencido), de 11/07/2019 (Processo nº 9441.17.3T8LSB.L1-2) e de 21/04/2020 (Processo nº 7888/19.0T8LSB.L1-7, com voto de vencido);
- do Tribunal da Relação de Évora de 18/09/2008 (Processo n.º 1271/08-2), de 19/12/2019 (Processo n.º 1323/18.8T8EVR.E1) e de 14/07/2021 (Processo nº 37/21.6T8ABF.E1);
- do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2015 (Processo n.º 1167/14.6TBGDM.P1), de 13/02/2017 (Processo n.º 232/16.0T8MTS.P1), de 26/10/2020 (Processo n.º 902/19.0T8PFR.P1) e de 17/06/2021 (Processo n.º 00/20.3T8FLG.P1);
- do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/02/2021 (Processo n.º 146/19.1T8NZR.C1);
- desta Relação de Guimarães de 03/04/2014 (Processo n.º 1360/10.0TBVCT.G1), de 30/11/2016 (Processo n.º 98/14.4TBMTR.G1, com voto de vencido), de 23/01/2020 (Processo n.º 1068/18.9T8VCT.G2), de 05/11/2020 (Processo n.º 1076/19.2T8VCT.G1) e de 16/12/2021 (Processo n.º 1628/20.8T8BCL.G1).
Também a doutrina se vem apresentando dividida relativamente a esta questão.
Assim, e no sentido da tese que pugna pela legitimidade passiva dos condóminos, pronuncia-se Abílio Neto (Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª Edição, p. 729 a 733, apud o citado acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 04/05/2021), sustentando que “o legislador, até ao presente, nunca reconheceu ao condomínio – e só a ele lhe competia fazê-lo – personalidade jurídica (…) Apesar disso, a partir da entrada em vigor da Reforma Processual de 95/96, reconheceu expressamente ao “condomínio resultante da propriedade horizontal” personalidade judiciária, embora, não em toda a sua amplitude, mas apenas “relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, expressões estas que o legislador de 2013, reanalisando certamente a questão em toda a sua profundidade (…) manteve na integralidade a solução que vinha do passado, e daí, a exclusão da competência do administrador para, em representação do condomínio, ser demandado nas ações de invalidade das deliberações das assembleia de condóminos. E nestas circunstâncias, não há porque invocar uma interpretação atualista da lei, quando temos uma lei nova que confirma a anterior. Convimos que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio induz dificuldades práticas relevantes, mas essa questão reclama uma solução de lege ferenda, através, eventualmente, da generalização da norma restritiva existente ou declarativa que a norma atual abarca as ações de anulação das deliberações condominiais. Até lá, temos por certo que as ações destinadas a apreciar a validade ou a eficácia das deliberações tomadas pelos condóminos em assembleia geral reportam-se à formação da vontade no âmbito interno deste órgão, seja quanto ao objeto seja quanto à forma, cujo resultado dimana do sentido do voto expresso por cada um dos condóminos participantes, nada tendo a ver com as competências do administrador, enquanto órgão executivo. É isso que explica que só sejam demandados os condóminos que contribuíram de forma clara e positiva, através do voto, para o resultado que se tem por inválido, sem curar de todos os demais cujo comportamento em nada contribuiu para aquele resultado.”
Também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.ª Edição, Almedina, 2010, p. 108 a 109), a propósito da suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, considera que “[A] legitimidade processual é diretamente aferida através da lei substantiva, sendo apenas conferida aos condóminos que não tenham aprovado, expressa ou tacitamente, as deliberações. Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6.º, al. e), do CPC), mas aos condóminos, que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC” (pág. 108 e 109)”.
No sentido da legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, Aragão Seia (Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínio, Almedina, p. 190 e 191), comentando o artigo 1433º do Código Civil afirma que “Resulta do n.º 6 do preceito em anotação que a legitimidade passiva para as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos – a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações… -, que são efetivamente os titulares do interesse direto em contradizer, pois a deliberação, enquanto não for anulada, vincula todo o condomínio; a decisão que julgar procedente a impugnação continua a vinculá-lo. É por isso que o n.º 6 impõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia nomear para o efeito. (…) O representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja, do conjunto dos condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos mas apenas cata da assembleia geral, que o nomeou administrador ou representante especial. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 231.º, do CPC, é o representante legal do condomínio assim encontrado que deverá ser citado para a ação”.
Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2.ª Edição, p. 346), ainda que afirmando que a legitimidade passiva cabe ao administrador, entidade que, como é sabido, representa o condomínio, sustenta que “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um ato do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redação do artigo 1433.º, n.º 4, é anterior à reforma de 94 e não foi objeto de atualização” (sendo certo que o atual n.º 6 é igual ao n.º 4 na redação do DL n.º 267/94, de 25 de outubro).
Já Miguel Mesquita (A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro 2011, p. 54) defende a interpretação atualista do artigo 1433º, n.º 6 considerando que “Esta norma – cuja redação deriva do DL n.º 267/94, de 25/10 – foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, do lado ativo ou do lado passivo, de todos os condóminos. Só muito mais tarde, a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6.º, alínea e), a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231.º, n.º 1, cuja redação deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador. Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação atualista do citado art. 1433.º, n.º 6, do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.(…) À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora 2014, p. 41), em comentário ao artigo 12º do Código de Processo Civil, afirmam que “A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às ações em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts. 1433-6 CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição” (o que reproduz a anotação ao anterior artigo 6º - v. José Lebre de Freitas/ João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora 1999, p. 21).
Conforme já fomos adiantando, e não obstante o respeito que nos merece posição contrária, é esta a que perfilhamos e que podemos sintetizar transcrevendo o sumário do já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2021: “A ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador”.
Vejamos então, tentando justificar porque entendemos ser esta a posição mais adequada ao nosso ordenamento jurídico, seja em face das normas que regem o instituto da propriedade horizontal, seja considerando as normas processuais civis.
Assim, e começando por fazer apelo ao regime específico do instituto da propriedade horizontal, diz-nos o artigo 1414º do Código Civil que “[A]s frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”.
Como é sabido, e decorre expressamente do preceituado no artigo 1420º n.º 1 do CC, o instituto da propriedade horizontal integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fração que lhe pertence e, paralelamente, mas também necessariamente, o direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio: “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
Entre as partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal e as frações autónomas existe, por isso, uma particular relação funcional, pelo que os direitos que recaem sobre umas e outras, embora regulados, subsidiaria pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem em primeira linha à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal.
É neste contexto que se fala do condomínio como a “figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos denatureza dominial - daí a expressão condomínio - sobre frações determinadas” (Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, Revista de Direito e Estudos Sociais, RDES, ano XXIII, página 84).
O condomínio dispõe de dois órgãos administrativos, obrigatórios, a quem compete administração das partes comuns do edifício (cfr. artigo 1430º do Código Civil): a assembleia dos condóminos e um administrador.
A assembleia de condóminos é o órgão deliberativo e o administrador do condomínio o órgão executivo e representativo, que tem como principal função executar as deliberações tomadas pela assembleia dos condóminos (v. Pires de Lima/Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, p. 442; e Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3.ª Edição, Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, 1998, p. 249).
Ao condomínio não foi efetivamente reconhecida pelo legislador personalidade jurídica; contudo, e não obstante a personalidade jurídica coincidir, em princípio, com a personalidade judiciária (cfr. artigo 11º n.º 2 do Código de Processo Civil), o legislador estendeu a personalidade judiciária a entidades, realidades ou coisas desprovidas de personalidade jurídica, como ocorre com o condomínio.
É o que resulta inequivocamente do preceituado no artigo 12º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 6º), que na parte que aqui releva, estabelece na sua alínea e) que tem personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Este preceito deve ser articulado com o disposto no já referido artigo 1437º do Código Civil, mas dele resulta de forma expressa que é ao condomínio que é atribuída personalidade judiciária, sendo, por isso parte legitima, ainda que seja representado em juízo pelo administrador, tal como definido por aquele preceito. “Portanto, se a al.e) é uma norma de personalidade judiciária, o artigo 1437.º CC contém normas de representação judiciária (…) não vem atribuir ao administrador legitimidade mas “atribuir (…) legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos” (Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 95).
Neste sentido, o referido artigo 1437º do Código Civil (na redação atual) prevê especificamente que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele (n.º 1) e que o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
Entendemos que este preceito, considerando a redação que atualmente lhe foi dada, aponta definitivamente no sentido da legitimidade do condomínio enquanto parte, e da função da sua representação processual pelo administrador; aliás, é de notar que na redação anterior à Lei n.º 8/2022 do artigo 1437º constava a epigrafe “legitimidade do administrador”, enquanto na redação atual consta “representação do condomínio em juízo”, sendo que na anterior redação do n.º 1 constava que o administrador tinha “legitimidade para agir em juízo”, enquanto na redação atual consta que “o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
Por outro lado, na redação atual do seu n.º 2 consta ainda que “o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos”, em conformidade com a referida alínea e) do artigo 12º que estende a personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Importa ainda ter atenção que na enumeração das funções que competem ao administrador, o artigo 1436º do Código faz constar da alínea h) a execução das deliberações da assembleia [na redação introduzida pela Lei n.º 8/2022, que nesta parte entrará em vigor apenas em 10 de abril de 2022, tal função passará a constar da alínea i)].
Ora, se a deliberação é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos, sendo o administrador o órgão executivo, julgamos ser de concluir, tal como se afirma no citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/02/2017 que: “Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação. Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.
Assim, o condomínio enquanto “centro de imputação de relações jurídicas autónomas, enquanto portador de uma vontade própria e de meios patrimoniais (ainda que mínimos)’, corresponde a uma individualização dum ‘interesse coletivo merecedor de tutela’ e por isso está legalmente dotado de órgãos (administrador e assembleia dos condóminos – art. 1430º do CC) – órgãos que ‘são um instrumento para a emissão de declarações da vontade comum e para a execução desta mesma vontade, de modo a tornar possível a atividade da coletividade’.A deliberação (toda a deliberação de qualquer órgão plural) vale como deliberação do colégio e vincula normativamente a coletividade, projetando-se na esfera jurídica desta” (v. o citado acórdão desta Relação de 23/01/2020).
Devemos, pois, concluir que a deliberação se projeta na realidade condominial e ao ser tomada passa a exprimir a vontade do condomínio, do grupo, e não apenas dos condóminos individualmente considerados, representando, por isso, a deliberação votada pela assembleia de condóminos o resultado de várias vontades distintas mas tendentes a um único escopo: a eficiente organização e gestão da vida condominial, assumindo a vontade que constitui o seu fundamento uma autonomia própria a respeito dos condóminos que formaram a decisão coletiva; e constituindo a deliberação da assembleia de condóminos (objeto da ação de impugnação) um ato unitário do próprio do condomínio, autónomo da vontade individual de cada um dos condóminos presentes na assembleia, a legitimidade passiva para a ação onde se pretende a sua impugnação pertence ao condomínio (v. o citado acórdão desta Relação de 23/01/2020 e Sandra Passinhas, ob. cit., p. 179 a 182 e 337).
E se é ao administrador que compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, como já referimos, poderá afirmar-se, por igualdade de razão, que ao mesmo cumprirá também, sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Entendemos, por isso, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador.
Como defende Miguel Mesquita (ob. cit. p. 57) esta posição é ainda a que permite um exercício mais ágil do direito de ação pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”
Neste sentido afirma-se também no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2021 que com ela se afastam “problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação”, problemas que não ficariam solucionados com a citação do administrador “porquanto se trata de apurar a legitimidade passiva para a ação, ou seja, quem devia ser demandado e não quem os representa”.
Por último importa fazer referência ao artigo 1433º do Código Civil, e em particular ao seu n.º 6 (norma que se refere expressamente à “impugnação de deliberações”) que prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito, e que constitui o principal argumento da tese negatória da legitimidade passiva do condomínio que, fazendo apelo à letra da lei que se refere aos “condóminos contra quem são propostas as ações”, considera que esta norma afirma a legitimidade dos condóminos.
É inquestionável que a letra da lei se refere aos “condóminos contra quem são propostas as ações” e não ao condomínio, contudo, a hermenêutica jurídica deste preceito (entendida esta como a atividade que busca na norma o critério da justa decisão do problema concreto) aponta também para a posição que defendemos.
Como ensina Castanheira Neves (Metodologia Jurídica - Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84) o “problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos (como critério-hipótese exigido, por um lado, e a submeter, por outro lado, ao discurso normativamente problemático do juízo decisório desses casos). Uma «boa» interpretação não é aquela que, uma pura perspetiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma: é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto”.
De facto, a norma do artigo 1433º n.º 6, cuja redação resulta do DL 267/94, de 25/10, foi redigida numa altura em que o condomínio ainda não gozava de personalidade judiciária, não podendo ser parte ativa ou passiva num processo cível, assim se compreendendo que se tornasse necessária a intervenção, no processo, dos condóminos.
Como já vimos, foi com a Reforma de 1995/1996 que o legislador estendeu a personalidade judiciária ao condomínio; assim, será de concluir que aquela norma do artigo 1433º n.º 6, introduzida em 1994, não acompanhou a evolução do ordenamento jurídico, que a seguir, na reforma processual de 1995/96, estabeleceu a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal, impondo-se a sua interpretação atualista, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio, tal como preconizado por Miguel Mesquita (v. ob. cit., p. 50 a 56).
Segundo este autor o condomínio é a face processual dos condóminos, não fazendo valer um interesse diferente daquele que pertence a estes, sendo que, no fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a “máscara” do condomínio; este é a “capa” processual dos condóminos que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Como conclui, a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio, não gozando este de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial.
A extensão da personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal (relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador) acabou por tornar desnecessária “a ficção que a anterior solução plasmada no art. 1433º, nº 6 do CC representava – atribuir a legitimidade passiva para a causa aos condóminos (todos eles, forçosamente, dotados de personalidade judiciária), impondo a sua representação em juízo ao administrador (ou a pessoa para tanto nomeada pela assembleia): a necessidade de forçar pessoas dotadas de personalidade judiciária a ser representadas numa causa advinha da impossibilidade de dirigir diretamente a demanda ao condomínio, que então não dispunha de personalidade judiciária, mas traduzia o reconhecimento que o interesse a dirimir era da coletividade condominial, não o interesse particular de cada um dos condóminos” (v. o citado acórdão desta Relação de 23/01/2020).
Podendo ser demandado diretamente o condomínio (a partir da extensão da personalidade judiciária ao condomínio), constituindo este ao fim e ao cabo o conjunto organizado dos condóminos, e correspondendo a deliberação impugnada (objeto da ação de anulação) à expressão da vontade da assembleia de condóminos - órgão deliberativo do condomínio -, traduzindo a vontade de um todo e não de cada um dos condóminos votantes, entendemos que deve proceder-se a uma interpretação atualista do referido n.º 6 do artigo 1433º, concluindo também que é o condomínio quem tem interesse em contradizer na ação de anulação da deliberação da assembleia de condóminos.
Não entendemos ainda que afaste tal interpretação o facto da referida Lei n.º 8/2022, ao rever o regime da propriedade horizontal, não ter alterado a redação do n.º 6 do artigo 1433º; na verdade, não só a mesma ainda se não encontra em vigor, com exceção do artigo 1437º, como a redação deste preceito foi alterada de forma a prever expressamente que está em causa a representação do condomínio em juízo pelo administrador (e não a legitimidade), sendo parte legitima o condomínio, e que o administrador age em juízo não só no exercício das funções que lhe competem, mas também como representante da universalidade dos condóminos.
Resta acrescentar que entendemos não ser obstáculo à posição que perfilhamos a possibilidade de poder ser o administrador ele próprio, na qualidade de condómino, a propor contra o condomínio uma ação de impugnação da deliberação; neste caso a assembleia terá de designar um representante para esse efeito (cfr. artigo 1433º, n.º 6, in fine).
Assim, atento o pedido formulado, de anulação da deliberação tomada quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 (sendo o pedido de condenação dos Réus a reconhecer essa anulação uma mera decorrência daquele) e de acordo com a tese que perfilhamos, temos necessariamente de concluir que a legitimidade passiva é do condomínio, devendo ser representado em juízo pelo seu administrador, e não dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação. In casu, era o condomínio que devia figurar no lado passivo da ação, representado em juízo pela sua administradora, e não os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, como é sustentado pela Recorrida e no despacho recorrido), o que determina que se considerem os Réus B. M. e esposa M. N., V. E., P. C. e esposa S. B., M. E. e esposa H. G., A. L. e esposa I. V., A. C. e esposa M. H., M. M. e esposa A. M., N. J. e esposa V. L., J. B., e M. G. e esposa F. P., parte ilegítima para a presente ação e, revogando nessa parte o despacho recorrido, se julgue procedente a exceção de ilegitimidade passiva, absolvendo os Réus da instância (artigos 576º, n.º 1 e 2 e 577º alínea e) do Código de Processo Civil).
Quanto à Ré Y, Unipessoal, Lda., administradora do condomínio, foi já julgada parte ilegítima para a presente ação (tendo sido julgada parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade desta Ré, e mantida a sua intervenção na causa em representação dos Réus condóminos) mas não foi absolvida da instância pelo que, não sendo parte legitima, se impõe de igual modo a sua absolvição.
Não obstante o presente recurso ter sido interposto apenas pelos Réus A. C. e esposa M. H. e Y Unipessoal Lda, estando em causa a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, a qual é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578º do Código de Processo Civil), nada obsta a que se julguem todos os Réus condóminos parte ilegítima e se absolvam todos, da instância; à mesma solução se chegaria por via do artigo 634º n.º 1 pois, segundo a posição perfilhada pela Recorrida e pelo tribunal a quo, a ação teria de ser necessariamente instaurada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, sendo nessa qualidade que os Réus condóminos foram demandados, o que configuraria um caso de litisconsórcio necessário, pelo que sempre o recurso aproveitaria às compartes.
A revogação do despacho saneador relativamente à legitimidade passiva, julgando-se os Réus parte ilegítima e consequentemente absolvendo-os da instância, determina necessariamente a anulação da sentença recorrida, a qual foi proferida no pressuposto da legitimidade dos Réus condóminos e de que nada obstaria ao conhecimento do mérito da causa.
Fica assim prejudicado o conhecimento do recurso da sentença e das questões pelo mesmo suscitadas, uma vez que a parcial procedência do primeiro recurso conduz necessariamente à anulação da mesma.
As custas do recurso são da responsabilidade dos Recorrentes e da Recorrida na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente, e as custas da ação são integralmente da responsabilidade da Recorrida atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
*** SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
I – Nas ações de impugnação de deliberação da assembleia de condomínio a legitimidade passiva cabe ao condomínio pelo que devem ser intentadas contra este, que será representado em juízo pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
***
IV. Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto do despacho saneador e, consequentemente decide-se:
a) Revogar o despacho saneador na parte respeitante à legitimidade passiva e, julgando totalmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva, declarar os Réus B. M. e esposa M. N., V. E., P. C. e esposa S. B., M. E. e esposa H. G., A. L. e esposa I. V., A. C. e esposa M. H., M. M. e esposa A. M., N. J. e esposa V. L., J. B., e M. G. e esposa F. P. parte ilegítima na presente ação e, consequentemente, absolvê-los da instância;
b) Absolver da instância a Ré Y, Unipessoal, Lda;
c) Manter, no mais, o despacho saneador proferido;
c) Anular a sentença proferida, julgando prejudicado o conhecimento do recurso interposto da mesma.
Custas do recurso pelos Recorrentes e pela Recorrida na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente, e custas da ação pela Recorrida.
Guimarães, 10 de fevereiro de 2022 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)