REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS
CUSTAS DA AÇÃO
Sumário


I - No processo de regulação das responsabilidades parentais deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança.
II - Nestes casos, o juiz pode não só restringir os meios de prova oferecidos pelos intervenientes como diligenciar para além deles, tendo por base a avaliação do que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa.
III - Os alimentos decorrentes do exercício das responsabilidades parentais têm um conteúdo abrangente, compreendendo tudo o que é indispensável ao sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação do alimentando menor, visando o seu desenvolvimento integral e o maior bem-estar possível.
IV - O dever de assistência incumbe por igual a ambos os progenitores, compreendendo a obrigação de prestar alimentos aos filhos, ainda que de forma proporcional às possibilidades económicas de cada um dos progenitores.
V - A responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
VI - No processo de regulação das responsabilidades parentais não é possível divisar uma maior ou menor quota de decaimento em face das opiniões ou representações de cada um dos progenitores acerca do mesmo interesse, nem uma parte vencida em função da potencialidade desfavorável da decisão final, atenta a sua natureza, sendo que esta também torna inoperante o índice do proveito, justificando-se a repartição igualitária das custas por ambos os progenitores.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

D. F. instaurou providência tutelar cível contra L. C., requerendo a regulação das responsabilidades parentais relativamente à filha menor de ambos, M. F., nascida a ..-02-2014, alegando, no essencial, que o casal se separou no final do mês de julho de 2019, o que torna necessária tal regulação.
Foi agendada conferência de pais, nos termos do artigo 35.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8-09 (RGPTC), a qual foi realizada no dia 19-11-2019, tendo, nessa ocasião, em face da não existência de acordo dos pais quanto à residência da sua filha, sido estipulado regime provisório, nos termos do qual foi fixada a residência desta em casa da progenitora e em casa do progenitor por semanas alternadas, de segunda a segunda-feira, determinando-se ainda um convívio semanal com o progenitor não residente na semana em que a criança estaria com o outro progenitor e a repartição das despesas extraordinárias de saúde e de educação, não se fixando obrigação de prestação de alimentos. Mais foi determinada a realização da audição técnica especializada nos termos do artigo 38º do RGPTC.
Foi realizada tal diligência, sendo o relatório de audição técnica especializada junto pela ATT a fls. 54 e ss. e, nessa sequência, realizada a segunda conferência de pais prevista no artigo 39.º do RGPTC, na qual igualmente não foi obtido acordo entre os progenitores, tendo estes, depois de alterado o regime provisório por acordo expresso de ambos quanto à não realização de qualquer convívio da criança a meio da semana com o progenitor não residente, nesse seguimento, sido notificados para apresentarem alegações e/ou requererem prova, o que estes fizeram, mantendo as posições já assumidas nos autos (a progenitora no sentido de que a criança deveria ficar a residir consigo em residência exclusiva; o pai no sentido de que a M. F. deveria continuar a residir de forma alternada em casa da progenitora e em casa do progenitor). A progenitora deduziu ainda articulado superveniente, o qual foi rejeitado.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Pelo exposto, nos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais e nos termos do disposto no artigo 40º do RGPTC, decide o Tribunal:
I. Determinar que a criança, M. F., resida, de forma alternada, uma semana com cada um dos progenitores, devendo o progenitor que venha a residir na semana seguinte com a filha recolhê-la na escola às sextas-feiras no final do período escolar, ou, tratando-se de dia sem aulas, às 18:00 horas desse dia em casa do progenitor residente.
II. Determinar que as questões de particular importância (1) previstas no artigo 1906º nº1 do Código Civil sejam decididas por ambos os progenitores em conjunto, salvo em caso de emergência, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a filha poderá tomar a decisão de forma unilateral, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.
III. Determinar que as questões da vida corrente da M. F. sejam decididas pela mãe na semana em que estiver a residir com a criança e pelo pai na semana em que este esteja a residir com a sua filha, devendo ambos os pais articular-se entre si quanto às orientações educativas mais relevantes na vida da M. F. (designadamente, quanto às rotinas da criança em matéria de sono, alimentação, higiene e saúde).
IV. Determinar o seguinte regime de convívios da criança com os progenitores nas férias escolares, bem como nas datas festivas infra mencionadas:
i. Nas férias escolares de Verão e mais precisamente no mês de Agosto de cada ano, a M. F. passará um período de 15 dias com a mãe e outro período de 15 dias com o pai, devendo os progenitores acordar entre si até ao último dia do mês de Abril de cada ano qual a quinzena concreta que passarão com a sua filha naquele mês. Para o efeito, as recolhas e entregas da criança serão feitas entre as 10h30 e as 11h30 dos dias de início e de termo do período de convívio, sendo as mesmas efectuadas na residência do outro progenitor.
ii. No ano de 2021, a criança passará a semana de 19/12 a 26/12 com a mãe, passando a semana de 26/12 a 2/1 com o pai. No ano de 2022, a criança passará a semana de 19/12 a 26/12 com o pai, passando a semana seguinte de 26/12 a 2/1 com a mãe. E assim sucessivamente de forma alternada todos os anos. Para o efeito, as recolhas e entregas serão feitas entre as 10h30 e as 11h30, respectivamente, dos dias de início e de termo de cada período de convívio na residência do outro progenitor.
iii. No ano de 2022, a criança passará a semana de férias escolares da Páscoa que inclui o domingo de Páscoa com a mãe, passando a outra semana de férias escolares nesse período com o pai. No ano de 2023, a criança passará a semana de férias escolares da Páscoa que inclui o Domingo de Páscoa com o pai, passando a outra semana de férias escolares nesse período com a mãe. E assim sucessivamente de forma alternada todos os anos. Para o efeito, as recolhas e entregas serão feitas entre as 10h30 e as 11h30, respectivamente, dos dias de início e de termo de cada período de convívio na residência do outro progenitor.
iv. No dia de aniversário da M. F. em 2022, a criança almoçará com a mãe, jantando com o pai. No dia de aniversário da criança em 2023, a criança almoçará com o pai, jantando com a mãe. E assim sucessivamente de forma alternada todos os anos. Para o efeito, os horários de almoço e de jantar serão compreendidos, respectivamente, entre as 11h00 e as 15h00 e entre as 18h00 e as 22h00, devendo as recolhas e entregas ocorrer nos referidos horários na residência do outro progenitor.
v. No dia de aniversário de cada progenitor a criança jantará com o progenitor aniversariante no período entre as 18h00 e as 22h00, devendo a recolha e entrega da M. F. ocorrer nos referidos horários na residência do outro progenitor
vi. Quando ocorram em período de aulas, as entregas e recolhas da criança aquando dos convívios previstos em i) a v) deverão ser realizadas na escola, respeitando-se, nessa hipótese, os horários escolares da M. F. e realizando-se tais entregas e recolhas de forma compatível com tais horários.
vii. As regras referidas nos pontos i) a vi) aplicam-se independentemente da circunstância de a criança estar a residir nesses períodos com a mãe ou com o pai nos termos da regra fixada em I) deste dispositivo.
V. Determinar que, nos termos do disposto no artigo 1906º nº6, parte final, do Código Civil, fique adstrito, a partir do mês de Setembro de 2021, à obrigação de prestação de alimentos à criança no valor mensal de € 125,00, sendo tal liquidação efectuada por transferência bancária para a conta da Requerida até ao dia 10 de cada mês. (2)
VI. Determinar que a prestação de alimentos a cargo do progenitor seja actualizada anualmente à razão de € 3,00 / ano, sendo assim o respectivo valor de € 128,00 a partir de Janeiro de 2022.
VII. Determinar que as despesas extraordinárias de saúde e de educação, de valor superior a € 30,00 (trinta euros) sejam repartidas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo, para o efeito, o progenitor credor comunicar, por escrito, o encargo, juntando o respectivo recibo comprovativo, no prazo de 30 dias após o pagamento da despesa, após o que o outro progenitor disporá do prazo de 30 dias a contar de tal comunicação para liquidar a respetiva metade do encargo.
VIII. Condenar a Requerida em custas, atento o seu decaimento na questão principal referente à residência da criança (artigo 527º nº1 do CPC).
(…)».
A requerida/progenitora vem interpor recurso da sentença proferida, pugnando no sentido de ser revogada e alterada parcialmente a sentença proferida pela 1.ª Instância.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I – INTROITO
I.I - O CASO CONCRETO
1.º
O Requerente/progenitor, D. F., instaurou processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra a Requerida/progenitora, L. C., alegando, abreviadamente, que ambos eram casados, pais da menor M. F. e que se separaram no final de Julho de 2019, o que impunha a regulação peticionada.
2.º
L. C., mãe da menor, instaurou, em 8/06/2020, processo de resolução de diferendo entre progenitores – correspondente ao apenso D do processo principal (Proc. n.º1140/19.8T8BGC) - no âmbito do processo tutelar de regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto no artigo 44.º do RGPTC, contra o demandado D. F., pai da menor, por haver desacordo entre ambos quanto à escola que a filha deveria frequentar a partir do ano letivo de 2020/2021, em que ingressa no 1.º ano do 1.º ciclo de escolaridade do ensino básico.
3.º
Entendia a progenitora L. C. que a menor devia passar a frequentar o ensino público, no Centro Escolar da ..., que integra o Agrupamento de Escolas …, e entendia o progenitor D. F. que a menor devia continuar a frequentar o ensino privado no Centro Social de ..., em Bragança, onde frequentou o ensino pré-escolar.
4.º
Em 14/09/2020, foi proferida sentença no referido apenso “D”, que na sua parte dispositiva, consignou a «manutenção da frequência pela M. F. do estabelecimento ensino “Centro Social de ...” que frequentou nos anos anteriores», ou seja, a menor continua a frequentar a escola ou colégio privado que implica o pagamento de uma mensalidade.
5.º
Da referida sentença (referente ao apenso D) foi interposto recurso de apelação, pela progenitora L. C., que se encontra em apreciação no Tribunal da Relação de Guimarães.

I.I – QUESTÕES A DECIDIR OU A ESSÊNCIA DO RECURSO

6.º
Na sua essência, com o presente recurso questiona a Recorrente: a fixação do valor da pensão de alimentos a suportar pelo progenitor em 125,00€; a fixação da responsabilidade ou repartição, em partes iguais, por ambos os progenitores, das despesas extraordinárias de saúde e de educação da menor M. F.; a condenação da progenitora em custas - não concordando com o quantum ou a medida determinada na sentença recorrida para cada um dos referidos elementos, em violação, entre outros, do juízo de equidade, do superior interesse da menor, do princípio da proporcionalidade, dos artigos 2003.º, 2004.º e seguintes do Código Civil, e dos artigos 527.ºdo Código de Processo Civil – questionando ainda o facto de determinadas despesas da menor não terem sido consideradas pelo Tribunal recorrido, devendo as mesmas ser integradas nos factos provados.
7.º
E, caso o recurso seja procedente, tal implicará que os itens V, VI, VII e VIII do dispositivo da sentença recorrida sejam revogados e alterados, bem como implicará alteração ou aditamento aos factos provados (seja por alteração do item 43 dos factos provados, seja por aditamento em item independente de matéria de facto provada referente a despesas mensais da menor com a frequência de colégio privado e do conservatório de música).

II – DO RECURSO SOBRE MATÉRIA DE DIREITO E SOBRE MATÉRIA DE FACTO

II.I – Dos concretos pontos de facto relevantes para o presente recurso
8.º
Os concretos pontos de facto, considerados provados na sentença recorrida e relevantes para o presente recurso, são os insertos nos itens 38.; 39.; 40.; 41.; 43.; 44.; 47. e 61. e dos mesmos resulta, desde logo, a discrepância de rendimentos e de despesas entre progenitora e progenitor da menor.
9.º
Quanto aos referidos factos provados, a Recorrente apenas questiona neste recurso se o facto sob o item 43. deve ter a sua redação alterada, acrescentando-se a este a despesa mensal com colégio privado e a despesa mensal com conservatório de música, ou se tais despesas devem ser aditadas aos factos provados em item independente, ou seja, os demais factos não são colocados em causa.

II.II – DOS ALIMENTOS DEVIDOS À MENOR E DA SUA MEDIDA

A) PRINCÍPIOS E NORMAS JURÍDICAS EM CAUSA E SUA VIOLAÇÃO:
10.º
A regulação das responsabilidades parentais é o meio de suprimento da natural incapacidade de exercício de direitos do menor (artigo 124º do Código Civil) e deve disciplinar as relações e obrigações dos pais relativamente à menor em três aspetos fundamentais: a) o destino da menor quanto à fixação da residência habitual e modo de exercício das responsabilidades parentais; b) o regime de convívio entre a menor e os progenitores (ou regime de visitas); c) os alimentos e a forma de os prestar.
11.º
O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança, «conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência» - Cfr. artigos 69.º n.°1, da CRP; 1905.° do Cód. Civil; 3.°, n.°1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
12.º
A menor é, assim, titular de diversos direitos, tais como e entre outros, direito a um integral desenvolvimento físico, intelectual e moral; direito ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas e familiares e direito a uma identidade - cfr. arts. 1874.º, 1878.º, 1882.º e ss., do Código Civil e arts. 7.º, 9.º, 19.º, 20.º, 27.º da Convenção dos Direitos da Criança.
13.º
As responsabilidades parentais são um conjunto de direitos e deveres atribuído aos progenitores mas cujo conteúdo é destinado à promoção do bem-estar dos filhos, com respeito pela unidade, autonomia e intimidade da vida familiar, isto em conformidade ao disposto nos artigos 1874.º e seguintes do Código Civil, artigos 36.º n.º 3, n.º 5 e n.º 6, 26.º, 43.º e 67.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e artigos 5.º, 9.º e 18.º da Convenção dos Direitos da Criança (C.D.C.).
14.º
Nos termos do disposto no artigo 2003.º do Código Civil, os alimentos compreendem «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário» e «a instrução, e educação do alimentando no caso de este ser menor», o artigo 2004º do Código Civil determina quais os critérios a que deve obedecer a fixação da medida dos alimentos: - necessidade do alimentando; - possibilidades do alimentante; - possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
15.º
Na determinação das necessidades da menor, deverá atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos e as necessidades da menor estão condicionadas por múltiplos factores, nomeadamente a sua idade, a sua saúde, as necessidades educacionais, o nível socioeconómico dos pais.
16.º
A prestação dos alimentos não se mede pelas estritas necessidades vitais da menor (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico-social idêntico ao dos pais, devendo os pais propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus. – Cfr. J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, Coimbra Editora, pág. 183 e 184.
17.º
É pacífico o entendimento de que o conceito de alimentos abrange tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado (artigo 2003°, n.°s 1 e 2, do Cód. Civil) e que o direito a alimentos é um direito atual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento.
18.º
Em cumprimento do disposto nos artigos 986.º e 987.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Educativo, nos processos de regulação das responsabilidades parentais e quanto à determinação do quantum de alimentos a serem prestados, o Tribunal, além de ter em conta o disposto nos artigos 2003.º e 2004.º do C. Civil, terá de julgar de harmonia com a equidade, segundo os critérios de um bom pai de família.
19.º
Equidade é sinónimo de «igualdade» e de «Justiça», permitindo que o julgador, aquando da sentença adapte a justiça às circunstâncias da situação concreta, é « (…) um recurso que, superando a estrita legalidade positiva e apoiando-se no espírito da lei e na justiça natural, possibilita a consecução mais cabal e perfeita do justo nas variáveis e contingentes situações da vida.(…) Trata-se, em suma, de deixar à prudência do julgador adoptar a solução que entenda mais conveniente e oportuna para cada situação. Há quem fale, em tal hipótese, de «equidade-substitutiva», precisamente pelo facto de o juízo de equidade se substituir às normas jurídicas positivas. (…) A melhor doutrina procura conjugar equilibradamente as exigências da norma (justo legal) e do caso (justo concreto) e encontrar, enfim, a justa via média entre o normativismo abstracto e o decisionismo casuístico. (…)». – Cfr. Mário Bigotte Chorão, Introdução ao Direito, 1989, volume I, pag 97, 102, 105 e 106.
20.º Considera a Recorrente que as normas e princípios supra referidos não foram corretamente interpretados e aplicados pelo Tribunal Recorrido, como aduzirá nas subsequentes alegações.
B) DAS DESPESAS MENSAIS DA MENOR COM COLÉGIO PRIVADO E CONSERVATÓRIO DE MÚSICA, NÃO CONSIDERADAS NEM REFERIDAS NA SENTENÇA DO TRIBUNAL RECORRIDO:
B.1) JUNÇÃO, COM O PRESENTE RECURSO, DE DOCUMENTO COMPROVATIVO DE DESPESAS MENSAIS DA MENOR COM COLÉGIO PRIVADO E CONSERVATÓRIO DE MÚSICA;
B.2) NECESSIDADE DE QUALIFICAÇÃO E DE INCLUSÃO DAS REFERIDAS DESPESAS MENSAIS, COM COLÉGIO PRIVADO E COM CONSERVATÓRIO DE MÚSICA, NOS FACTOS PROVADOS:
∙ A TÍTULO PRINCIPAL, COMO DESPESA EXTRAORDINÁRIA;
∙ A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, COMO DESPESA ORDINÁRIA;
∙ SEM PRESCINDIR E EM QUALQUER DOS CASOS, ou seja, independentemente da qualificação que o Tribunal de Recurso atribua a tais despesas mensais, DEVEM ESTAS INTEGRAR OS FACTOS PROVADOS, quer seja por alteração DO ITEM 43 DOS FACTOS PROVADOS, quer seja por aditamento em item independente de tais despesas aos factos provados para consideração das mesmas na decisão quanto à regulação das responsabilidades parentais.
Sucede que,
21.º
o valor mensal pago e devido pela frequência do ensino privado e de conservatório de música pela menor não foi, pelo Tribunal de Primeira Instância, mencionado nem considerado na sua sentença, o que não se compreende atendendo a que estamos perante um processo de jurisdição voluntária em que o interesse da menor é o critério preponderante para a decisão a tomar.
22.º
Processo de jurisdição voluntária em cujo apenso D foi discutida questão de particular importância (artigo 44.º do RGPTC) referente ao desacordo dos pais quanto à escola que a filha deveria frequentar a partir do ano letivo de 2020/2021, entendendo a progenitora que a menor deveria frequentar a escola pública (Centro Escolar da ...) sendo que teria acesso direto, por via da frequência de tal Centro Escolar, à frequência do Conservatório de Música de ..., e o progenitor que a mesma deveria continuar a frequentar o ensino privado (Centro Social de ...).
23.º
E, conforme é de conhecimento geral e oficioso, a frequência do ensino privado não é gratuita (já a frequência do ensino público é gratuito), ou seja, implica o pagamento da correspetiva mensalidade, bem como a frequência de um Conservatório de Música implica pagamento de uma mensalidade.
24.º
Mensalidades, pela frequência do ensino privado e pela frequência do conservatório de música, que ascendem ao valor total de 115,72€ (cento e quinze euros e setenta e dois cêntimos) e de 180,00€ (cento e oitenta euros), respetivamente, conforme resulta do Documento 1 que ora se junta (e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos), por se ter tornado necessária a sua junção em virtude do julgamento proferido pela primeira instância que constitui uma novidade ou surpresa.
25.º
Com a qual a progenitora, ora recorrente, não contava pois julgou que o Tribunal, perante a natureza do presente processo - um processo de jurisdição voluntária - e perante o superior interesse da menor, teria em consideração todos os elementos relevantes para a decisão a tomar, o que obviamente não fez, atendendo ao quantum fixado, quer de pensão de alimentos (obrigação de prestação de alimentos) quer de repartição de despesas extraordinárias de saúde e de educação, pelo Tribunal Recorrido.
26.º
Alimentos fixados que a Recorrente considera desproporcionais e não equitativos aos meios dos progenitores que têm de os prestar e à necessidade da menor que tem de os receber, não tendo, em momento algum, sido levado em linha de conta pelo Tribunal Recorrido a mensalidade do colégio privado nem do conservatório de música, pois a tais mensalidades ou encargos não é feita qualquer referência na sentença recorrida.
27.º
Documento 1 cuja junção, pelos motivos já supra expostos e pelos que seguidamente serão aduzidos, deve ser admitida e deve ser considerada justificada, ao abrigo do disposto nos artigos 651.º, n.º1, segunda parte do Código de Processo Civil,
28.º
Veja-se que, tendo ficado determinado no item 43 dos factos provados que “as despesas mensais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, orçam os €400,00-€500,00 mensais”, então,
29.º
a mensalidade paga pela frequência do Colégio Privado pela menor (como determinado na sentença do apenso D), que ascende à quantia (mensal) de 180,00€ (cento e oitenta euros) e a mensalidade paga no Conservatório de Música, que ascende à quantia (mensal) de 115,72€ (cento e quinze euros e setenta e dois cêntimos) – Cfr. Documento 1 junto ao presente recurso - ao não terem sido consideradas pelo Tribunal Recorrido como despesa ordinária ou habitual e ao não serem expressamente especificadas no referido item 43 dos factos provados,
30.º
sempre terão de ser consideradas como despesa extraordinária de educação e instrução.
31.º
Pois o normal é a frequência do ensino público - o que aliás, era o pretendido pela mãe para a menor - que é gratuito.

Se assim não for entendido, por precaução e a título subsidiário:
32.º
Em relação às despesas mensais com o colégio privado e com o conservatório de música, caso se não entenda que constituem uma despesa extraordinária de educação, então tal implica que aquelas sejam consideradas uma despesa ordinária/habitual e somada às despesas mensais especificadas e contabilizadas ao item 43. dos factos provados.
33.º
Devendo, em conformidade e caso o Tribunal da Relação de Guimarães assim considere, a redação do referido facto sob o item 43. ser alterada, sugerindo-se a seguinte: As despesas mensais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, orçam os €400,00-€500,00 mensais, a que se soma a quantia de 180,00€ a título de mensalidade pela sua frequência do ensino privado no Centro Social de ... e a quantia de 115,72€ a título de mensalidade pela sua frequência do Conservatório de Música de ..., pelo que as suas despesas mensais rondam os 695,72€ -795,72€.
Sem prescindir e em qualquer dos casos, ou seja, independentemente da qualificação atribuída a tais despesas mensais com colégio privado e conservatório de música:
34.º
Aquando da inquirição da testemunha M. T., Educadora de Infância, realizada no âmbito do apenso “D” (acção para decisão de questão de particular importância por desacordo quanto à escola que a menor devia frequentar), no dia 2/09/2020, quando questionada sobre a mensalidade do colégio privado que a menor frequenta, referiu que a mensalidade consistia em 180,00€ (cento e oitenta) euros mensais. – Cfr. Depoimento da testemunha e educadora M. T., ouvida no âmbito do apenso “D” (acção para decisão de questão de particular importância por desacordo quanto à escola que a menor devia frequentar), no dia 02/09/2020, das 15:10:14 às 15:55:17, gravado no sistema Habilus, ficheiro: 20200902151013 _1965987_2870630, concreta passagem da gravação 00:44:05 às 00:44:39. Pelo que,
35.º
sempre a referida mensalidade do ensino privado de 180,00€ deveria ter sido levada aos factos provados da sentença ora recorrida e considerada pelo Tribunal de Primeira Instância para determinação dos alimentos da menor e da sua medida, bem como da mensalidade de 115,72€ referente à frequência, pela menor, do Conservatório de Música.
36.º
O que não fez, em violação, entre outros, dos artigos 608.º, n.º 2, primeira e última parte, do Código de Processo Civil, que poderá gerar a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º1, alínea d), primeira parte, do mesmo diploma legal.
37.º
Depoimento supra mencionado da referida testemunha e educadora de infância, que acresce ao documento junto com este recurso, e que implica, necessariamente:
▪ a alteração do facto considerado provado sob o item 43, caso considere o Tribunal de Recurso que as referidas despesas mensais da menor são ordinárias ou correntes,
▪ ou o aditamento de tais despesas mensais como facto provado à decisão da matéria de facto dada como provada (sugerindo-se a redação: A menor frequenta o ensino privado no Centro Social de ... e o Conservatório de Música de ..., e tal frequência implica o pagamento das respectivas mensalidades que, nesta data, ascendem ao valor de 180,00€ e de 115,72€, respetivamente.), independentemente da qualificação que o Tribunal de Recurso atribua a tais despesas mensais com o colégio privado da M. F. e com o conservatório.
C) OS ELEMENTOS QUE COMPREENDEM OS ALIMENTOS E A DETERMINAÇÃO DA SUA MEDIDA, NO CASO CONCRETO:
38.º
Conforme supra se referiu, no valor de despesas mensais da menor constantes do item 43 dos factos provados não foram incluídas nem tidas em consideração pelo Tribunal de 1.ª Instância as despesas de educação com a mensalidade do estabelecimento de ensino/Colégio Privado que a M. F. frequenta (no valor de 180,00€), nem com a mensalidade do Conservatório de Música de ... (no valor de 115,72€) e, ao abrigo do disposto nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil, entre outros, tais despesas mensais têm efetivamente de ser consideradas.
39.º
No caso dos autos verifica-se que o progenitor é Director do Departamento de Serviço de Urgência e Director do Serviço de Medicina Intensiva na Unidade Hospitalar de ... (ULSNE) e, por via disso, aufere 4500,00 euros de salário mensal líquido.
40.º
É também sócio-gerente da sociedade comercial «X – Formação e Serviços de Emergência Médica, Lda.» e, ainda que não se tenha apurado concretamente o rendimento obtido através da mesma, o certo é que a mesma tem por objecto a prática de actos do comércio e por finalidade gerar lucro, o que sempre implica um rendimento acrescido do progenitor.
41.º
Progenitor que reside em casa própria, ou seja, não paga renda, nem condomínio.
42.º
A progenitora aufere mensalmente a quantia líquida de 1200,00€, mas tem renda mensal a pagar no valor de 400,00€, e ainda outras despesas fixas mensais como “despesas com condomínio, água, luz, gás, alimentação, higiene, combustível e seguros em valor mensal não concretamente apurado, mas não inferior a €550,00 mensais” - Cfr. Primeira e segunda parte do item 39 dos factos provados:
43.º
Quanto à «ajuda» que os pais prestam à progenitora, aqui Recorrente, a mesma não tem carácter permanente, duradouro nem regular. - Cfr. Última parte do item 39 dos factos provados: «para o que é ajudada pelos pais – o avó materno, empresário de profissão, a avó materna, professora – em termos financeiros com cerca de € 200,00 - € 300,00 mensais nos meses em que tal se mostra necessário ou conveniente
44.º
«Ajuda financeira» dos seus pais que não constitui um rendimento da progenitora e que, como tal, não deve nem pode ser tido em linha de conta, direta ou indiretamente, para determinação do quantum da pensão de alimentos nem do quantum da responsabilidade de pagamento de despesas extraordinárias com saúde e educação da menor.
45.º
E, importa ainda salientar que a obrigação de alimentos recai, neste momento, sobre os pais da M. F., e não sobre os avós da menor – Cfr. artigo 2009.º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil - pelo que, a referida ajuda financeira esporádica dos pais da progenitora em relação à progenitora, não deve nem pode ser tida em conta como rendimento desta para apuramento, de modo direto ou reflexo, de eventual pensão de alimentos à menor nem de repartição de despesas extraordinárias de educação e de saúde da menor.
46.º
Temos que o pai da menor aufere de rendimento mensal líquido 4500,00€ do Hospital de ..., a que acrescem outros rendimentos, não concretamente apurados, por ser sócio gerente da sociedade comercial identificada no item 41 dos factos provados, e que, por seu lado, a progenitora aufere de rendimento mensal líquido 1200,00€, tendo despesas com renda de casa e com a sua subsistência que ascendem a 950,00€ (Cfr. itens 40, 41 e 39 dos factos provados).
47.º
Em relação ao progenitor, nada se apurou em termos de despesas que o mesmo tenha. – Cfr. Factos provados.
48.º
O valor líquido do salário auferido pelo progenitor no Hospital de ... é 3,75 vezes superior ao valor líquido do salário auferido pela progenitora (1200€x 3,75=4500,00€).
49.º
Sendo que, como já se mencionou, as despesas mensais com o colégio privado da menor (no valor de 180,00€) e com o conservatório de música (no valor de 115,72€) não foram consideradas nem tidas em conta pelo Tribunal Recorrido, o que se impunha e impõe, e tanto não foram consideradas que não constam das despesas especificadas no item 43 dos factos provados nem de qualquer outro facto considerado provado pelo Tribunal Recorrido.
50.º
Importa ter presente que “os alimentos a prestar ao menor (…) deverão ser fixados, não em função do mínimo indispensável à satisfação das suas necessidades, mas no montante indispensável à adequada satisfação destas necessidades, tendo em conta a idade do menor, o seu estrato social, as suas aptidões, o nível social dos progenitores, bem como a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral», fazendo uso de juízos de equidade.
51.º
E que “o nível e a qualidade de vida da criança ou jovem, após a separação dos pais, terá de ser semelhante/equivalente, dentro da medida do possível, daquela que beneficiaria caso os pais vivessem em conjunto e ele fizesse parte do respetivo agregado familiar.” - Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 17/12/2019, Proc. n.º 271/15.8T8BRG-I. G1, Relator António Barroca Penha.
52.º
Independentemente da qualificação que o Tribunal de Recurso atribua às despesas da menor com mensalidade do estabelecimento de ensino/colégio privado e com a mensalidade do Conservatório de música - de despesa ordinária ou de despesa extraordinária - a verdade é que o quantum ou a medida de alimentos e o quantum de repartição de responsabilidade entre os progenitores quanto a despesas extraordinárias de educação e de saúde da menor não está fixado de modo equitativo na sentença recorrida.
53.º
Assim, tendo em conta que a definição do direito a alimentos é medida e equacionada em função das necessidades da menor e das condições do progenitor obrigado à prestação, a fixação da pensão de alimentos e da repartição das despesas extraordinárias de saúde e de educação conforme definida na sentença da Primeira Instância,
54.º
gera uma flagrante e insustentável desigualdade, injustiça, iniquidade, entre progenitor e progenitora, em termos de liquidez e de condições de vida e de subsistência,
55.º
não tendo a medida dos alimentos, seja de despesas ordinárias, seja de despesas extraordinárias com saúde e educação da menor, sido fixada pelo Tribunal Recorrido em respeito pelos juízos de equidade, que enformam os processos de jurisdição voluntária, nem dos artigos 2003.º, 2004.º e seguintes do Código Civil, o que se impunha.
56.º
Confrontando o quadro familiar, sociocultural e socioeconómico dos progenitores da menor M. F., facilmente se conclui que ambos apresentam um nível socio cultural médio/alto, e que o progenitor/pai beneficia de uma manifesta situação económica superior em relação à progenitora, e apresenta um rendimento mensal laboral bastante elevado, para o comum cidadão nacional.
57.º
E no que respeita ao valor a pagar pelo progenitor/pai a título de pensão de alimentos (obrigação de prestação de alimentos) à menor, deve a mesma ser fixada em valor superior a 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), que foi o valor fixado pelo Tribunal Recorrido no item V da Decisão da sentença que proferiu.
58.º
Em relação às despesas extraordinárias, com a saúde e educação da menor, não se justifica a divisão de responsabilidade de ambos os progenitores, em partes iguais, quanto a tais despesas, seja qual for o seu montante, devendo igualmente ser alterada a sentença recorrida quanto ao seu item VII da decisão.
59.º
Pelo que, em relação a tais despesas extraordinárias de saúde e de educação, independentemente do seu valor, devem ser da exclusiva responsabilidade do progenitor/pai atendendo, além do mais, aos seus rendimentos mensais líquidos e à sua manifesta vontade em a menor frequentar o ensino privado, sendo que a progenitora/mãe, comparativamente com o progenitor, não tem as mesmas possibilidades económicas que lhe permitam fazer face a tais despesas em partes iguais.

III – DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS PELA PROGENITORA
60.º
Consta do item VIII, da Decisão, da sentença recorrida (página 48), a condenação da progenitora em custas “atento o decaimento na questão principal referente à residência da criança”.
61.º
O processo de regulação das responsabilidades parentais é «um processo com natureza de jurisdição voluntária (art. 12 do RGPTC), o que quer dizer que não há um litígio de interesses a decidir, mas sim uma controvérsia, ou diferença de opiniões, entre requerente e requerida sobre a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha tendo em conta o interesse desta (e também, mas só secundariamente, o interesse dos progenitores).» - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (Proc.7623/15.1T8LSB-B, Rel. PEDRO MARTINS).
62.º
E essa regulação (a que melhor serve o interesse da menor – segundo o art. 40 do RGPTC o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança”, em coerência com o disposto no art. 1906 do CC, especialmente no seu n.º 7) vai ser decidida pelo tribunal, não no exercício de uma função jurisdicional, mas sim de administração pública de interesses privados, tendo em conta aquilo que os progenitores tiverem dito nas suas alegações e tudo aquilo que tiver sido apurado no decorrer do processo, mesmo que não introduzido pelos progenitores (art. 986 do CPC). – Cfr. Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 3.ª edição, 2013, págs. 17/18, e Introdução ao processo civil, 3.ª edição, 2013, págs. 58 a 64; Castro Mendes, Direito Processual Civil, AAFDL, I, 1980, págs. 79 a 101; Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao processo civil, Lex, 2ª edição, 2000, págs. 38/39; Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, págs. 397 a 417 (pág. 414: não estamos na presença de uma acção proposta por um dos pais contra o outro; trata-se [as alegações] de peças postas à disposição dos pais para marcarem a sua posição quanto ao objecto da causa); Antunes Varela/Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, págs. 69 a 73; Manuel de Andrade/Antunes Varela/Herculano Esteves, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 71/72; Remédio Marques, Acção declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 75/80; Paulo Pimenta, processo civil declarativo, 2015, Almedina, págs. 59/60.
63.º
Sucede que, como acima se deixou explicito, o presente processo de regulação das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária em que o que está em causa é o superior interesse da criança/da menor, ou seja, e salvo melhor opinião, não é um processo de partes e, como tal, não há parte vencida nem parte vencedora.
64.º
Assim sendo, devem as custas ser repartidas em partes iguais pelos progenitores da menor ou, não sendo repartidas em partes iguais, devem ser repartidas fazendo uso, mais uma vez de juízos de equidade.
65.º
Contexto em, deve a sentença recorrida ser, em conformidade com as conclusões supra, parcialmente revogada, pois o Tribunal recorrido fez errada aplicação e interpretação, isolada ou conjuntamente, entre outros, dos seguintes artigos e princípios: ▪ artigos 36.º, n.º5 e 69.º da C.R.P.; ▪ artigos 3.º, alínea c) e 12.º do RGPTC; ▪ artigos 527.º, n.º1; 608.º, n.º2, primeira e última parte; 615.º, n.º1, alínea d); 986.º, n.º2 e 987.º, todos do Código de Processo Civil; ▪ artigos 1878.º; 1879.º, 2003.º; 2004.º e seguintes do Código Civil; ▪ princípio da proporcionalidade (inserto no n.º1, 1.ª parte, do artigo 2004.º do C. Civil), princípio da necessidade (inserto no n.º1, 2.ª parte, do artigo 2004.º do C. Civil), princípio da equidade que enforma os processos de jurisdição voluntária.
Termos em que, e nos demais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve a presente apelação ser procedente, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o supra alegado, para assim se fazer Justiça!»
O Ministério Público e o requerente/progenitor apresentaram contra-alegações, pronunciando-se ambos no sentido da manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:
i) Questão prévia: da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante em sede de alegações de recurso e respetivas consequências;
ii) Nulidade da sentença por verificação do vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
iii) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iv) Saber se existem razões para alterar a sentença recorrida na parte atinente à prestação alimentícia fixada e à comparticipação dos progenitores nas despesas da criança, nos moldes pretendidos pela recorrente;
v) Reapreciação da condenação relativa a custas.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados na decisão recorrida:
1. O Requerente, D. F., e a Requerida, L. C. contraíram matrimónio no dia - de Janeiro de 2013.
2. Dessa união, nasceu a filha do Requerente e da Requerida, M. F., em -/2/2014.
3. No final do mês de Julho de 2019, Requerente e Requerida separaram-se de facto.
4. Tendo, a partir do dia 31/7/2019, a Requerida deixado a casa de morada da família sita na Rua …, em Bragança, e passado a viver com os pais na Rua ….
5. Nesse período subsequente à separação, a criança esteve com a mãe entre 1 e 18 de Agosto de 2019, tendo estando com o pai, por acordo de ambos os progenitores, entre 18 de Agosto e 1 de Setembro do mesmo ano.
6. A seguir a tais férias, a criança manteve-se durante cerca de 18 dias com a progenitora, eclodindo nessa fase o conflito entre os pais, porquanto o progenitor entendia existir um acordo de residência alternada entre ambos, algo que a mãe da criança não aceitava, mas que se verificou a partir dessa altura, tendo a M. F. a partir do final do referido mês e, sobretudo, no mês de Outubro de 2019 residido de forma alternada uma semana em casa de cada um dos seus pais.
7. Fruto de divergências entre os pais em torno do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, mormente, no que respeita à residência da criança, em 8/10/2019, o Requerente, progenitor, instaurou o presente processo de regulação.
8. Em 19/11/2019 foi realizada a primeira conferência de pais, tendo o Tribunal fixado regime provisório que, em traços gerais, ainda se mantém no que respeita à questão da residência da criança, regime provisório esse, nos termos do qual a M. F. ficaria a residir, de forma alternada, em casa do seu pai e da sua mãe por períodos de 1 semana, sendo as entregas e recolhas da criança efectuadas à segunda feira, respectivamente, no início e no final das aulas ou, estando a M. F. em férias, pelas 18h00 desse dia da semana na casa do outro progenitor.
9. Mais ficou fixado, no âmbito do referido regime provisório, o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância, bem como a não fixação de prestação de alimentos, atento o regime de residência fixado, sem prejuízo da repartição igualitária das despesas extraordinárias de saúde e de educação de valor superior a € 30,00, as quais deveriam ser comunicadas pelo progenitor credor no prazo de 30 dias após o seu pagamento e liquidadas, na proporção de metade, pelo outro progenitor no prazo de 30 dias após tal comunicação.
10. No âmbito da audição técnica especializada terminada em 6/2/2020 com a junção nessa data do relatório elaborado pela Segurança Social (equipa de ATT), os pais defenderam as suas posições divergentes quanto à questão da residência da criança, mantendo o progenitor a vontade de preservação do regime de residência alternada já fixado provisoriamente pelo Tribunal e pretendendo a progenitora que tal regime fosse alterado, passando a M. F. a residir exclusivamente consigo, sem prejuízo da fixação de um regime de convívios a favor do pai.
11. No âmbito da audição técnica especializada nenhum dos progenitores verbalizou qualquer preocupação com questões económicas, designadamente, quanto a uma eventual fixação de obrigação de prestação de alimentos devidos à criança.
12. No referido relatório social, a ATT fez constar o seguinte: “Ambos os progenitores continuam focados no conflito um com o outro, sendo mais evidente da parte da progenitora, continuando a ser perceptível uma grande dificuldade em distinguir as necessidades da M. F. das suas próprias necessidades, não reconhecendo a importância do papel parental do outro. Em suma, as pretensões da requerida consistem em continuar a achar que tem acrescidas competências relativamente ao pai e por esse motivo consubstancia uma alteração do regime, para guarda única, o pai poderia visitar a filha sempre que quisesse, desde que a filha também quisesse, não se opondo ainda a que a menor vá jantar com o pai de vez em quando, o que na sua perspectiva contribuiria para minimizar a situação.”
13. Ainda durante tal período entre a separação parental – em final de Julho de 2019 – e a conclusão da audição técnica especializada no início de Fevereiro de 2020, foram juntas duas informações emitidas pelo Centro Social de ..., escola privada frequentada pela criança, informações essas datadas de 31/10/2019 e de 28/1/2020, decorrendo da primeira que, apesar da situação de separação dos pais, a M. F. não mostrava nessa fase qualquer alteração emocional ou a nível afectivo ou de relacionamento, não revelando qualquer medo, ansiedade ou receio, independentemente de estar com a mãe ou com o pai nessa semana, porquanto ambos os progenitores tinham muito peso na vida dela, e resultando da segunda que a criança continuava a mostrar-se serena e interessada nas actividades desenvolvidas em contexto escolar, interagindo com os pares de forma positiva e não manifestando qualquer tipo de instabilidade emocional, nomeadamente nas circunstâncias familiares então vividas, não revelando qualquer alteração comportamental quando estava a residir com o pai da mesma forma que não manifestava tais alterações nas semanas em que residia com a mãe.
14. No relatório de audição técnica especializada vindo de aludir, a ATT concluiu que ambos os progenitores pareciam possuir competências parentais para poderem ficar com a criança ao seu cuidado, existindo, no entanto, um “elevado grau de conflitualidade no referente ao exercício das responsabilidades parentais que os (impedia) de estabelecerem qualquer comunicação fluente e funcional, o que acarretou a não obtenção de soluções consensuais, não tendo sido ultrapassado o desacordo entre ambos que originou o processo.”
15. Em razão de a progenitora ter, ainda antes de regulado provisoriamente o regime de responsabilidades parentais por este Tribunal, apresentado denúncia à PSP para instauração de inquérito criminal contra o progenitor datada de 22/9/2019 e referente à não entrega por este da criança à mãe no final do fim-de-semana, foi instaurado processo de promoção e protecção na CPCJ de Bragança.
16. Ainda nessa fase, em resposta a ofício enviado pela CPCJ de Bragança, a anterior pediatra da criança, S. C., posteriormente, substituída pela progenitora a partir de 15/11/2019 sem que o progenitor fosse ouvido sobre tal matéria, emitiu informação, segundo a qual a criança apresentava em Novembro de 2019 um bom desenvolvimento estatuo-ponderal e psicomotor, tendo uma relação afectiva aparentemente boa com ambos os pais;
17. Preocupando-a, no entanto, que contra os seus conselhos no sentido de cessar tal prática mais cedo, a mãe tivesse continuado a amamentar a criança quase até aos 4 anos (mais precisamente, até 23/1/2018) e que, após a separação parental, tivesse aparentemente reiniciado a amamentação conforme denunciado pelo pai em anterior consulta, tendo, no entanto, a progenitora, em contexto de consulta, esclarecido que não havia reiniciado a amamentação, apenas dando o peito a “cheirar” à sua filha, comportamento esse que a referida especialista médica também considerava inadequado por poder criar uma situação de fusão entre mãe e filha e perturbar o desenvolvimento da M. F..
18. Em sentido contrário quanto à prática da amamentação até quase aos 4 anos da criança, a Directora do Serviço de Ginecologia / Obstetrícia da ULSNE, M. J., declarou em 6/1/2020 que a amamentação seria uma relação binária entre mãe e filho, a qual só deveria terminar quando um deles quisesse e precisamente quando tal acontecesse, considerando, no entanto, em julgamento, estranha a prática, admitida pela progenitora à médica de família e testemunha, S. C., de colocar a criança a cheirar o seu peito, algo que a M. F. também contou a esta última médica em consulta.
19. Durante o período de convivência comum dos progenitores, ambos iam juntos às consultas de pediatria relativas à sua filha.
20. Ainda no referido período de 2018-2019, ambos os pais compareceram nas reuniões organizadas pela escola com os progenitores com excepção da reunião final, à qual apenas a progenitora compareceu, tudo sem prejuízo de ambos os pais solicitarem regularmente informações escolares e participarem, em conjunto, nas festas e outras actividades realizadas pelo estabelecimento de ensino para convívio dos pais com as crianças, designadamente, em dias comemorativos ou de festa.
21. Durante o período em que os pais viveram juntos e, mais precisamente, entre Setembro de 2018 a Julho de 2019, era mais frequente ser o pai a entregar e a recolher a criança na escola, tendo no mês de Setembro de 2019, altura em que, por força de desentendimentos entre os progenitores quanto ao regime de residência da sua filha e da residência desta, nessa altura, com a mãe durante um período ininterrupto de 18 dias, sido esta última a entregar e a recolher a M. F. mais vezes, o que deixou de acontecer novamente em Outubro de 2019 quando retomado o regime de residência alternada e depois de fixado pelo Tribunal o regime provisório de regulação nesse sentido.
22. De acordo ainda com a escola em informação prestada em 11/11/2019, a criança apresentava-se sempre asseada e cuidada, tanto a nível físico como a nível do vestuário e pertences, independentemente de estar a residir com a mãe ou com o pai.
23. Considerando a instauração do processo de regulação neste Tribunal, foi ordenada a apensação do processo de promoção e protecção que então corria termos na CPCJ de Bragança, tendo-se, em 14/2/2020, aplicado à M. F. a medida de apoio junto dos pais por acordo de promoção e protecção aceite por ambos os progenitores em tal data.
24. Do referido acordo de promoção e protecção constava a obrigação de ambos os pais aceitarem a intervenção do CAFAP de Bragança no sentido de melhorarem o diálogo entre si e evitarem o conflito parental em torno da educação da criança, bem como a obrigação de ambos de não discutirem entre si na presença da filha, evitando transmitir-lhe uma imagem negativa do outro progenitor.
25. No relatório social junto no apenso de promoção e protecção em 28/10/2020, a ATT referia que as sessões de mediação entre os pais tinham corrido bem, existindo alguma melhoria de comunicação entre os progenitores no que respeita à educação da M. F., apesar de aqueles ainda discordarem quanto ao regime de residência da criança e de, nesse momento, persistirem divergências quanto à escola a frequentar pela filha, o que se traduzia num processo algo moroso de sanação de tais divergências por parte do CAFAP e da Segurança Social.
26. Na informação do CAFAP datada de 4/12/2020, tal entidade referia que a comunicação entre os pais não havia sofrido melhorias depois da avaliação feita em Outubro, manifestando a progenitora vontade de terminar a mediação por entender que as divergências ainda subsistentes (quanto à residência da criança e à escola que esta deveria frequentar) deviam ser resolvidas pelo Tribunal.
27. Perante as posições divergentes dos pais (o progenitor no sentido de que o processo de promoção e protecção deveria continuar, mantendo-se a medida aplicada e a mediação em curso; a progenitora no sentido da inexistência de perigo e consequente desnecessidade de tal medida), o Tribunal, por entender que tal processo visava essencialmente ajudar os pais a melhorarem o diálogo e a ultrapassarem o conflito parental, exigindo, pois, a adesão e colaboração de ambos quanto a tal intervenção mediadora, determinou a cessação da medida de protecção de apoio junto dos pais aplicada à criança, M. F., decisão essa que, tendo sido proferida em 29/1/2021, transitou posteriormente em julgado.
28. De acordo com o parecer do CAFAP incluído no relatório de 4/12/2020, “No que respeita às rotinas da menor em cada habitação, e segundo o relato dos pais da criança, não se denota diferenças relevantes, ambos os progenitores correspondem às necessidades e interesses da criança.”
29. Na sequência de processo para decisão de questão de particular importância em que a progenitora pretendia que a criança passasse a frequentar o Centro Escolar ... em vez de continuar no Centro Social de ..., querendo, pelo contrário, o progenitor que a M. F. continuasse no mesmo estabelecimento de ensino, foi proferida sentença em 14/9/20202, decidindo este Tribunal que a criança continuaria a frequentar a mesma escola (Centro Social de ...) no ano lectivo de 2020/2021, decisão essa pendente, neste momento, de recurso a apreciar pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
30. Antes do início do processo referido em 29), a progenitora havia matriculado a M. F. no Centro Escolar ... depois de levar a criança a tal escola para que a sua filha a conhecesse, fazendo-o, no entanto, sem o conhecimento e sem o consentimento do progenitor e apesar de, nessa altura, a criança já estar inscrita na escola que então frequentava (Centro Social de ...), bem como de, segundo o regime provisório fixado pelo Tribunal, as questões de particular importância (entre as quais, a mudança de escola privada para uma escola pública, como era o caso) deverem ser decididas em conjunto por ambos os progenitores.
31. Durante o período de confinamento ocorrido entre Março e Maio de 2020, e mais precisamente em 23/3/2020 e 5/4/2020, a progenitora apresentou duas novas participações criminais contra o progenitor por alegado incumprimento por parte deste do dever de entrega da criança nas datas previstas no regime provisório.
32. O inquérito criminal referente às participações aludidas em 15) e 31) foi objecto de decisão de arquivamento pelo Ministério Público em 25/6/2020.
33. Durante o período de confinamento ocorrido em 2020, por decisão provisória proferida por este Tribunal em 1/4/2020, foi determinado que a criança ficasse a residir por períodos de quinzena no âmbito do regime de residência alternado fixado provisoriamente, tendo a partir de 10/7/2020 e findo tal período de confinamento, a M. F. passado novamente a residir de forma alternada por períodos de 1 semana com a mãe e com o pai e sendo igualmente alterado o dia de recolhas e entregas da criança, passando estas a ocorrer às sextas-feiras por acordo dos progenitores nesse sentido e revogando-se ainda, por acordo dos pais nesse sentido, a cláusula que previa a possibilidade de o progenitor não residente jantar com a criança na semana em que esta estava com o outro progenitor.
34. Durante a constância da vida comum entre os progenitores, as actividades domésticas, designadamente, a preparação de refeições, a lavagem e tratamento da roupa, a arrumação e limpeza da habitação eram predominantemente asseguradas pela Requerida, contando esta, durante vários períodos, com a ajuda de uma empregada doméstica que prestava algumas horas de trabalho para o ex-casal uma ou duas vezes por semana.
35. Tendo a M. F. nos primeiros anos de vida tido um número significativo de otites e amigdalites que justificaram inclusivamente a falta por 61 dias interpolados à escola no ano lectivo de 2018-2019, era a mãe quem, nesses períodos, ficava em casa com a criança, situação que deixou de acontecer com frequência nos anos seguintes em razão da circunstância de a saúde da M. F. ter melhorado progressivamente, passando tais momentos de doença a ser cada vez mais raros nos anos lectivos seguintes.
36. Era também a mãe quem acordava e vestia a criança nos dias de escola, sendo certo que o pai iniciava o trabalho às 08h00;
37. Sem prejuízo, como referido, era o pai quem, saindo do trabalho e indo a casa às 9h15, levava a criança a maioria das vezes à escola, sendo ele também quem, na maioria das vezes, a recolhia no final do período escolar, aproveitando esses momentos para, com alguma frequência, dar um passeio com a filha.
38. A progenitora possui 43 anos e exerce as funções de farmacêutica hospitalar assistente, trabalhando na ULSNE em Bragança nos horários das 09h00 às 16h00 ou das 10h00 às 17h00 e auferindo salário líquido mensal de € 1200,00.
39. Já depois de, após a separação parental, ter residido inicialmente com os seus pais até Janeiro de 2020, a progenitora passou, a partir dessa altura, a residir em casa arrendada de tipologia T2 + 1, pagando renda mensal de € 400,00, a que acrescem despesas com condomínio, água, luz, gás, alimentação, higiene, combustível e seguros em valor mensal não concretamente apurado, mas não inferior a € 550,00 mensais, para o que é ajudada pelos pais – o avó materno, empresário de profissão, a avó materna, professora - em termos financeiros com cerca de € 200,00 - € 300,00 mensais nos meses em que tal se mostra necessário ou conveniente.
40. Por sua vez, o progenitor possui 44 anos e é director do Departamento de Serviço de Urgência e Diretor do Serviço de Medicina Intensiva na Unidade Hospitalar de ... (ULSNE), auferindo salário mensal líquido de cerca de € 4.500,00 e não pagando renda, uma vez que reside em casa própria.
41. Exerce ainda funções de sócio e gerente da sociedade «X - Formação e Serviços de Emergência Médica Lda.», com o NIPC ……… e com sede na Rua … da cidade de Bragança.
42. O progenitor padece de artrite psoriática, doença degenerativa, tendo ainda sofrido perfuração do olho esquerdo, razão pela qual foi, no passado e ainda durante a convivência comum do ex-casal, submetido a diversas cirurgias para transplante de córnea, mantendo algum défice de visão e de acuidade visual, o qual, não obstante não prejudica o exercício das suas responsabilidades parentais.
43. As despesas mensais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, orçam os € 400,00 - € 500,00 mensais.
44. Apesar do conflito parental, os progenitores deixam a criança levar os brinquedos e seus demais pertences (designadamente, a roupa) da casa da mãe para casa do pai e viceversa, tendo a sua filha roupa suficiente em ambas as casas;
45. Falando a M. F. todos os dias – por 2 vezes nos dias úteis e por 3 vezes ao fimde-semana - com a mãe quando está com o pai e falando com o progenitor todos os dias quando está com a progenitora, sendo tais contactos estabelecidos por telefone ou por videochamada.
46. Pese embora o conflito entre os pais, as entregas e recolhas da criança (nomeadamente, quando não realizadas no estabelecimento de ensino) têm decorrido de forma pacífica desde Maio de 2020, data da última participação da progenitora à PSP por alegado incumprimento do regime provisório.
47. Em altura incerta, mas já depois da separação dos progenitores, o Requerente adquiriu um coelho e um cão para que a M. F. pudesse brincar com tais animais.
48. Ambas as habitações dos progenitores apresentam condições habitacionais adequadas, dispondo a criança de quarto próprio em ambas as residências.
49. As divergências dos progenitores nos últimos 9 meses (para além da questão da escola a frequentar pela M. F. ainda pendente de recurso) prendem-se, sobretudo, com os cuidados de higiene, de saúde, de alimentação e de promoção de convivência social a prestar a filha, entendendo a mãe que a mesma deveria colocar certos cremes, para além da lavagem com água e sabão, bem como tomar suplementos vitamínicos, e entendendo o pai que água e sabão seriam suficientes, não sendo necessários tais suplementos; quanto à alimentação, entendendo a mãe que a criança come demasiada “fast-food” e comida pré-preparada (sopa instantânea, por exemplo), acusação essa que o progenitor rejeita, entendendo que a criança faz uma alimentação saudável em sua casa; entendendo o pai que a mãe trata a filha de forma infantilizada, fazendo com que a M. F. se torne demasiado dependente dos progenitores e não socialize suficientemente com os pares, acusação essa, por sua vez, rejeitada pela progenitora no sentido de que seria o pai que colocaria a filha em risco ao permitir-lhe conviver com os amigos no parque nesta altura de pandemia.
50. Segundo a opinião da anterior pediatra da criança (até aos 2 anos da M. F.), M. J., os cuidados de higiene não deveriam passar pela utilização regular dos referidos cremes, os quais só deveriam ser utilizados pontualmente em caso de verificação de eritema, não sendo igualmente necessária a toma de suplementos vitamínicos na idade da M. F..
51. Aquando da audição da M. F., pelo Tribunal no dia 10/7/2020, altura em que estava a residir com a sua progenitora, a criança declarou pretender viver com a mãe, sem prejuízo de visitar o pai, o que justificou com a circunstância de sentir saudades da progenitora quando estava em casa do progenitor.
52. Questionada sobre o que gostava de fazer quando estava em casa da mãe, referiu que gostava de conviver com os avós maternos; feita a mesma pergunta sobre os períodos em que estava com o pai, referiu que gostava de brincar com os amigos, proporcionando-lhe o progenitor tais convívios com as referidas crianças.
53. Questionada sobre se se apercebia de algumas discussões entre os pais, referiu que tais discussões eram mais habituais quando os mesmos viviam juntos, sendo a mesma, nessas alturas, obrigada a dizer: “Parou a discussão!”.
54. Aquando da sua audição no julgamento realizado nestes autos em 15/1/2021, altura em que estava a residir com o pai, a M. F. confidenciou à psicóloga, Dra. R. A., com quem dialogou em privado antes do referido depoimento, que preferia residir com ambos os pais, o que só poderia acontecer, mantendo-se o regime de residência alternada fixado pelo Tribunal, fosse uma semana em cada casa, fosse quinze dias em cada habitação, sendo preferível o regime de uma semana em cada casa, porque lhe permitiria estar o máximo tempo possível com cada um dos progenitores.
55. Segundo a referida psicóloga, tal vontade da criança pareceu-lhe espontânea e não contaminada, apesar de ser natural que a M. F., com a idade que possuía, 6 anos, pretendesse agradar a ambos os pais.
56. Apesar do referido em 54) e 55), a criança, quando ouvida, declarou aceitar falar apenas da escola, não pretendendo, depois de informada desse seu direito de não falar sobre tais temas, prestar depoimento sobre as questões relativas à sua residência e aos convívios com os pais.
57. A M. F. convive regularmente com os avós maternos, bem como com os avós paternos (que residem, de resto, em casa próxima da do progenitor), mantendo uma boa relação com todas as figuras avoengas.
58. Ambos os progenitores reconhecem que o outro progenitor gosta muito da criança e que esta tem uma boa relação com ambos, verbalizando a M. F. na escola uma relação positiva com ambos os pais.
59. A M. F. é uma criança relativamente introvertida e bastante “agarrada” aos pais, embora seja capaz de se expandir mais quando é conquistada pelas pessoas, bem como de se divertir em momentos alegres com os pares na escola.
60. Quando a criança se encontra em casa do progenitor, é este quem lhe dá banho e confecciona o jantar, sendo o almoço (quando a M. F. almoça em casa) feito pela avó paterna e sendo a dieta seguida, nessas alturas, pela criança feita à base de sopa, carne assada, peixe.
61. A limpeza e higiene da casa do progenitor é assegurada por empregada de limpeza que já trabalhava para o casal antes da separação deste.

1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
A. Que a progenitora não preserve a sua filha em relação ao conflito parental, colocando-a num conflito de lealdade entre os pais ao ponto de a criança dizer casualmente “a mãe ensinou-me a rezar e a pedir ao Jesus para eu ficar com ela e para te visitar, pai”, perguntando, de seguida, o que seria “visitar”, bem como, noutras ocasiões, referindo: “a mãe diz-me que tu me queres tirar e eu depois não a vou ver” ou ainda “é o senhor tribunal que decide com quem vou ficar.”
B. Que a progenitora continue a diminuir de forma sistemática a imagem do pai junto da M. F., criticando e questionando junto da filha a roupa que o pai lhe veste, questionando a alimentação, perguntando, frequentemente, nos telefonemas, à criança o que come em casa do progenitor e orientando a filha a abrir o frigorífico, dizendo à M. F. para se afastar do pai quando está ao telefone e ir para outra divisão, pedindo à criança para mostrar a casa do progenitor, andando a M. F. de divisão em divisão, e perguntando se também há câmaras na casa de banho”, dizendo à filha para que esta diga ao pai que precisa de pôr cremes na higiene diária.
C. Que, em Abril de 2020, o progenitor tenha chamado a atenção da filha para o vocabulário impróprio que esta utilizada por efeito de imitação da progenitora que utilizaria tal linguagem.
D. Que a M. F. seja uma criança vulnerável à enfermidade em particular (constipações, otites, amigdalites, dores de garganta, etc.), tendo, por essa razão, de forma recorrente de ficar, de resguardo e em tratamento, em casa (provando-se apenas o referido em 35) dos factos provados).
E. Que, durante o período de convivência comum dos progenitores, o pai sempre tivesse primado pela ausência, não respeitando com frequência os horários das refeições principais, pouco se dedicando à família, fazendo questão de não estar presente em alturas especiais como o Natal ou a Páscoa, em que se auto-escalava para exercer a sua atividade profissional como médico na ULS Nordeste EPE;
F. Cingindo o seu contributo familiar em levar e/ou recolher a filha à e na escola, atendendo que o seu horário de trabalho era mais reduzido e o que melhor se ajustava ao cumprimento de tal obrigação, que não obstante também frequentemente era realizada pela Requerida e, por vezes, pelo avô materno da menor, acompanhá-la, conjuntamente com a mãe, a consultas médicas e com ela partilhar alguns momentos de lazer e entretenimento.
G. Que, nesse período, o pai não tivesse paciência para as birras da M. F., reagindo de forma inadequada e colocando a criança no seu colo, prendendo-lhe as pernas e os braços, tapando-lhe a boca e segredando-lhe “aqui não se grita”, o que exasperava ainda mais a filha e obrigava a mãe a pôr cobro a tal situação.
H. Que o progenitor não saiba preparar refeições, tratar de roupas e realizar a limpeza e higienização da habitação.
I. Que a criança mostre relutância em ir para casa do pai sempre que terminada a semana em que está com a mãe, chorando quando tal acontece e exteriorizando, por outras formas, que quer ficar com a progenitora.
J. Manifestando cansaço e angústia por estar sempre a mudar de casa.
K. Que o pai tente cativar a criança, dando-lhe presentes, designadamente, os animais de companhia que adquiriu, bem como outras prendas, quando nunca quis tais animais quando vivia com a progenitora.
L. Que o pai pressione a M. F. a contar tudo o que se passa em casa da mãe, obrigando-a, ao mesmo tempo, a silenciar tudo o que se passa na casa daquele;
M. Controlando e ouvindo as conversas que a criança mantém com a progenitora nas semanas em que a M. F. reside em casa do progenitor.
N. Não permitindo que a criança telefone de espontânea e livre vontade à mãe nesses períodos.
O. Que o progenitor não realize ou não realize de forma adequada a higiene à sua filha, apresentando esta, frequentemente e aquando da sua alternância para a mãe, a região anal e vulvar com rubor, ardor, prurido e odor, fruto de tal higiene mal realizada.
P. Sendo os cremes que a mãe ministra à criança e que o pai se recusa a ministrar essenciais a tal higiene ao ponto de a M. F. se apresentar com a pele descamada, desidratada, ressequida, áspera e, por vezes, com fissuras quando regressa a casa da mãe, tendo ainda, nessas alturas, o cabelo baço e desalinhado em razão de uma deficiente lavagem ministrada pelo progenitor.
Q. Que o pai não adeque o vestuário da criança às estações do ano e às temperaturas verificadas, não agasalhando devidamente a sua filha.
R. Desprezando ainda o progenitor a medicação dada pela mãe à criança quando esta se encontra doente, nomeadamente, o antibiótico que é descontinuado ou os suplementos vitamínicos que o pai entende não serem necessários.
S. Que a criança seja alimentada de forma pouco diversificada e nutricionalmente pobre em casa do pai, ingerindo frequentemente alimentos pré-confeccionados e fast-food. T. Que a M. F. não tenha quaisquer hábitos de convívio com os avós paternos.
U. Que os progenitores apresentem posições inconciliáveis relativamente à educação da menor (quanto a hábitos de higiene, de alimentação, de acesso a bens, de vestuário, de socialização, de conduta e de princípios e valores, em torno dos quais se há-de estruturar a sua personalidade) – dando-se como provado apenas as divergências referidas na matéria de facto provada, designadamente, aquela referente à escola a frequentar pela criança e aquelas mencionadas no ponto 49) dos factos provados.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso.

2.1. Da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante em sede de alegações de recurso e respetivas consequências.
Com as alegações de recurso vem a apelante juntar dois documentos (que designa por Documento 1 - parte 1 e parte 2) como correspondendo a comprovativo de despesas mensais com frequência pela menor do colégio privado e do conservatório de música frequentado pela criança, sustentando para o efeito, no essencial, que tal junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela primeira instância, com o qual a recorrente não contava, pois, alega, julgou que o Tribunal, perante a natureza do presente processo - um processo de jurisdição voluntária - e perante o superior interesse da menor, teria em consideração todos os elementos relevantes para a decisão a tomar, o que não fez porquanto tanto a mensalidade paga pela frequência do colégio particular pela menor (como determinado na sentença do apenso D), que ascende à quantia (mensal) de 180,00€, como a mensalidade paga no conservatório de música, que ascende à quantia (mensal) de 115,72€ não foram consideradas pelo Tribunal recorrido como despesa ordinária ou habitual (ao não serem expressamente especificadas no referido item 43 dos factos provados), nem foram integradas ou consideradas como despesas extraordinárias de educação e instrução.
Na resposta, o recorrido tomou posição. Não impugna o teor dos documentos apresentados mas sustenta, no essencial, que tais documentos não respeitam a factos supervenientes à decisão recorrida, não foram oportunamente juntos aos autos e como tal não deve ser admitida a sua junção nesta fase processual.
Cumpre apreciar.
A possibilidade de apresentação de documentos na fase de recurso encontra-se prevista no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, ao dispor que «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância».
Da análise conjugada do artigo 651.º, n.º 1, com os artigos 423.º e 425.º, todos do CPC, decorre que a admissibilidade da apresentação de documentos na apelação assume natureza excecional, só sendo admissível em duas situações: quando se trate de documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido.
Com efeito, a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica (3). Por conseguinte, incumbe à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso o ónus de demonstrar a impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente ao recurso ou a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão só revelada pela decisão recorrida (4).
No caso não resulta consubstanciada a superveniência subjetiva dos documentos agora apresentados pela recorrente, porquanto, ainda que posteriormente formados (tal como consta das datas inscritas nos próprios documentos) não vem alegada qualquer impossibilidade da respetiva obtenção ou junção em momento anterior, o que se impunha porquanto a própria recorrente alega que em 14-09-2020 foi proferida sentença no apenso D, que na sua parte dispositiva, consignou a «manutenção da frequência pela M. F. do estabelecimento ensino “Centro Social de ...” que frequentou nos anos anteriores», ou seja, a menor continua a frequentar a escola ou colégio privado que implica o pagamento de uma mensalidade.
Resta aferir se a junção documental em questão pode justificar-se em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, conforme defende a recorrente.
Tal como esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (5), «[a] jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado».
Julgamos, porém, que o entendimento antes enunciado tem plena justificação no confronto das normas que disciplinam a instrução no processo civil relativamente aos processos de natureza contenciosa, nos quais predomina o princípio do dispositivo, o que não sucede no âmbito dos processos de jurisdição voluntária nos quais se discute um interesse juridicamente tutelado cuja regulação o juiz efetuará nos termos mais convenientes. A função do juiz em tais situações não é tanto a de aplicar soluções legais estritas, antes gerir da melhor forma a satisfação dos interesses tutelados pela lei (…) (6).
Com efeito, inexistindo uma definição legal de processos de jurisdição voluntária, o legislador opta por qualificá-los como tal quando entende que os critérios de decisão devem ser os assinalados e quando pretende instituir uma tutela mais eficaz sobre certos interesses ou relações da vida (7).
No caso estamos perante um processo de jurisdição voluntária, no qual pode o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos artigos 3.º, al. c), 12.º, 21.º, 39.º, do RGPTC, e artigo 989.º do CPC.
Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (8), na jurisdição voluntária o princípio da atividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da atividade dispositiva das partes: «[a]o passo que na jurisdição contenciosa o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes (…), na jurisdição voluntária pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. (…)
E se, na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação.
(…) na jurisdição contenciosa os poderes oficiosos do juiz em matéria de instrução do processo têm carácter subsidiário, em confronto com os poderes das partes, ao passo que na jurisdição voluntária não se verifica tal subordinação».
E bem se compreende que assim seja atendendo aos interesses subjacentes ao processo de regulação das responsabilidades parentais no qual deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança. Nestes casos, o juiz pode não só restringir os meios de prova oferecidos pelas partes como diligenciar para além deles, tendo por base a avaliação do que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa.
Ora, no caso resulta efetivamente dos autos que na sequência de processo para decisão de questão de particular importância, em que a progenitora pretendia que a criança passasse a frequentar o Centro Escolar ... em vez de continuar no Centro Social de ..., querendo, pelo contrário, o progenitor, que a M. F. continuasse no mesmo estabelecimento de ensino, foi proferida sentença em 14-09-2020, decidindo o Tribunal a quo que a criança continuaria a frequentar a mesma escola (Centro Social de ...) no ano letivo de 2020/2021 - cf. o ponto 29 dos factos provados, da sentença recorrida.
Por outro lado, e apesar de os pais não terem discutido a fixação de prestação de alimentos em sede de audição técnica especializada (referindo não haver divergências a esse nível), o Tribunal a quo veio a entender que se impunha a fixação de prestação de alimentos em benefício da criança, a qual fixou no valor mensal de 125,00 €, prevendo ainda a repartição das correspondentes despesas extraordinárias de saúde e educação, de valor superior a 30,00 €, com estipulação da respetiva proporção, forma de apresentação das despesas e prazo de pagamento.
Daí que a sentença recorrida tenha ponderado - e bem - os encargos/despesas da criança, enunciando no ponto 43 da matéria de facto provada que as despesas mensais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, orçam os € 400,00 - € 500,00 mensais.
Sucede que para aferição das necessidades da criança relevam, sem dúvida, o apuramento dos eventuais custos com a frequência do estabelecimento de ensino, posto que, conforme decidido pelo Tribunal, a criança mantém a frequência do Centro Social de ..., sendo pacífico nos autos que se trata de estabelecimento de ensino particular.
Por outro lado, da análise do ponto VII do regime fixado no dispositivo da sentença recorrida resulta manifesto que o Tribunal a quo estipulou expressamente a repartição dos encargos com despesas extraordinárias de saúde e de educação da criança, de valor superior a 30,00 €, a suportar em partes iguais por ambos os progenitores, mas não resulta com clareza da correspondente cláusula se a mesma compreende as despesas normais com a frequência do estabelecimento de ensino atualmente frequentado pela criança, concretamente, a correspondente prestação mensal, visto ser de presumir a sua existência com base nas regras gerais da experiência comum.
Trata-se, assim, de matéria relevante para a decisão a proferir.
Tais factos não foram considerados na decisão recorrida, nem foram objeto de mais completo esclarecimento em termos probatórios, o que se impunha fazer independentemente do oportuno impulso de qualquer dos intervenientes no referido processo, atento o objeto da ação e tratando-se de processo de jurisdição voluntária, no qual, como se viu, pode o Tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.
Nesta medida, considera-se justificada a junção dos documentos apresentados pela recorrente, admitindo-se a junção aos autos dos documentos em causa, nos termos previstos no artigo 651.º, n.º 1, parte final, do CPC.

2.2. Da invocada nulidade da sentença recorrida.

A recorrente suscita expressamente a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, do CPC, pois, segundo alega, a referida mensalidade do ensino privado de 180,00 € deveria ter sido levada aos factos provados da sentença ora recorrida e considerada pelo Tribunal de Primeira Instância para determinação dos alimentos da menor e da sua medida, bem como da mensalidade de 115,72 € referente à frequência, pela menor, do Conservatório de Música, o que não fez (Conclusões 35 e 36 da correspondente alegação de recurso).

Apreciando a nulidade suscitada, importa considerar que as causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, preceito nos termos do qual é nula a sentença quando:

«a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

Delimitando o âmbito das sentenças nulas, o Prof. Alberto dos Reis (9) pondera a hipótese de saber se devem admitir-se duas categorias de nulidades - absolutas e relativas, insanáveis e sanáveis - ou se todas as nulidades da sentença são sanáveis, caso em que, em vez de se falar de nulidade, deve falar-se de anulabilidade.
Neste domínio, acaba por reconhecer que «dificilmente se descobrem casos da vida real que devam enquadrar-se na figura da nulidade absoluta», concluindo que «[t]odas as sentenças afectadas de vícios de formação ou de vícios formais, que não hajam de enquadrar-se na categoria da sentença nula, pertencem à classe das sentenças anuláveis». E enunciando o regime jurídico das sentenças anuláveis, por contraponto com as sentenças inexistentes e com as absolutamente nulas, refere: «o meio adequado para obter o suprimento das nulidades sanáveis é o recurso. A parte interessada, querendo arguir as nulidades de que enferme a sentença anuláveis, tem de servir-se do recurso; impugna a decisão mediante o recurso adequado e denuncia, na respectiva alegação, o vício que afeta a sentença».
Também no regime atual, a propósito do enunciado no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre que «entre os fundamentos de nulidades enunciados no n.º 1, um há que merece indiscutivelmente essa qualificação: é o da alínea (falta de assinatura do juiz). Trata-se dum requisito de forma essencial. O ato nem sequer tem a aparência de sentença (…)». Já «[o]s casos das alíneas b) a e) do n.º 1 excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença (…) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)», esclarecendo, a fls. 734 da obra citada, que esses vícios «carecem da arguição da parte» (10).
A este entendimento adere, designadamente, o Ac. TRG de 7-02-2019 (11), onde se salientou, além do mais: «excetuando os casos em que a sentença é inexistente, os restantes vícios que a possam afetar, não obstante serem qualificados como causas de nulidade da sentença, são, na verdade, causas de anulabilidade desta e, como tal, subtraídas ao conhecimento oficioso do tribunal».
A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, do CPC, deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, onde se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC salientam Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (12):
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (13), «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (14), sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui (15).

Em idêntico sentido, pronunciou-se o Ac. do STJ de 3-10-2017 (16), com o seguinte sumário:
«(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
Tal como se refere no Ac. TRP de 11-01-2018 (17) «[n]ão confundamos questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes».
Revertendo ao caso em apreciação, cumpre constatar que a decisão recorrida apreciou as questões que foram apresentadas à consideração do Tribunal a quo e que constituíam o objeto do litígio. Como se viu, e apesar de os pais não terem discutido a fixação de prestação de alimentos em sede de audição técnica especializada (referindo não haver divergências a esse nível), o Tribunal a quo veio a entender que se impunha a fixação de prestação de alimentos em benefício da criança, a qual fixou no valor mensal de 125,00 €, prevendo ainda a repartição das correspondentes despesas extraordinárias de saúde e educação, de valor superior a 30,00 €, com estipulação da respetiva proporção, forma de apresentação das despesas e prazo de pagamento.
Nestes termos, cumpre concluir que a sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, resultando das alegações da apelação que o verdadeiro motivo do vício apontado à sentença deriva de uma alegada deficiência do julgamento da matéria de facto, impugnável por via do pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto, que, aliás, a recorrente requereu, deduzindo a correspondente impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a sentença recorrida não padece da invocada nulidade de omissão de pronúncia, o que leva necessariamente a que improceda, nesta parte, a apelação.

2.3. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
A apelante manifesta a sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, defendendo que o facto constante do ponto 43 da fundamentação de facto (Factos provados) deve ter a sua redação alterada, acrescentando-se a este as despesas mensais com colégio privado e com conservatório de música, ou o aditamento de tais despesas mensais como facto provado à decisão da matéria dada como provada, devendo tais despesas ser aditadas aos factos provados em item independente (ou seja, os demais factos não são colocados em causa na presente apelação), sugerindo a seguinte redação (independentemente da qualificação que o Tribunal de Recurso atribua a tais despesas mensais com o colégio privado da M. F. e com o conservatório) (18):
«A menor frequenta o ensino privado no Centro Social de ... e o Conservatório de Música de ..., e tal frequência implica o pagamento das respectivas mensalidades que, nesta data, ascendem ao valor de 180,00€ e de 115,72€, respetivamente».
Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No que se reporta à impugnação da matéria de facto deduzida verifica-se que a recorrente indica, na motivação e nas conclusões das alegações, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nos termos enunciados supra, ainda que pressupondo a necessidade do aditamento de determinado segmento fáctico ao elenco dos factos que constituem a matéria de facto provada.
Mais se observa que a recorrente também especifica suficientemente, na motivação e nas conclusões das alegações, a decisão que no seu entender deve ser proferida, tal como também decorre do antes enunciado.
Por último, verifica-se que ao longo das alegações a recorrente especifica os meios probatórios que, segundo alega, impõem o pretendido aditamento, remetendo para o teor dos documentos juntos com a apelação (que designa por Documento 1 - parte 1 e parte 2), aliado ao depoimento da testemunha M. T., Educadora de Infância - na audiência que teve lugar a 02-09-2020, para instrução da questão relativa ao desacordo quanto à escola que a menor devia frequentar -, quando questionada sobre a mensalidade do colégio privado que a menor frequenta, referiu que a mensalidade consistia em 180,00 € mensais, com indicação das concretas passagens da gravação em que baseia a discordância.
Quanto aos documentos em causa, observa-se que não foi posta em causa a autoria da respetiva letra, tal como estabelece o artigo 376.º, n.º1, do Código Civil (CC) sendo que relativamente ao seu conteúdo ou aos factos compreendidos na declaração deve entender-se que, no contexto dos autos, os mesmos valem como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
Reapreciado o depoimento prestado pela testemunha em causa - M. T., Educadora de Infância no Centro Social de ... -, na audiência que teve lugar a 02-09-2020, decorre do mesmo que o custo da mensalidade pela frequência do 1.º ano do 1.º ciclo, no estabelecimento de ensino em referência, corresponde a 180 €, referindo-se, ainda, no referido depoimento, à possibilidade de aulas particulares de música, para os alunos do 1.º ciclo (em período pós-letivo), com uma professora de música, em articulação com o Conservatório de Música de ....
Desta forma, impõe-se considerar procedente, nesta parte, a impugnação deduzida, procedendo-se ao aditamento da correspondente matéria ao elenco dos factos provados.
Como se viu, a recorrente pede, em alternativa, a alteração do facto considerado provado sob o n.º 43 ou o aditamento das despesas mensais com colégio privado e com conservatório de música como facto suplementar a integrar no elenco da decisão da matéria dada como provada.
Porém, a alteração preconizada quanto ao teor do ponto 43 tem como pressuposto a qualificação das referidas despesas mensais da criança enquanto despesas ordinárias ou correntes, o que traduz conclusões relativas a determinadas premissas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente apelação.
Tal constatação implica necessariamente a procedência da impugnação deduzida, mediante o aditamento de tal matéria aos factos provados em ponto autónomo, no local correspondente, mantendo-se o teor do correspondente ponto 43 dos factos provados.

Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pela recorrente, em consequência do que se decide aditar o seguinte ponto ao elenco dos factos provados:
«62. A criança frequenta o ensino privado no Centro Social de ... e o Conservatório de Música de ..., e tal frequência implica o pagamento das respectivas mensalidades que, nesta data, ascendem ao valor de 180,00€ e de 115,72€, respetivamente».

2.2.4. Reapreciação da decisão de mérito da ação, na parte atinente ao valor da prestação alimentícia fixada e à comparticipação dos progenitores nas despesas da criança.
Está em causa, na presente apelação, a sentença proferida em 12-08-2021 na providência tutelar cível visando a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança M. F., nascida a ..-02-2014.
No processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, enquanto processo de jurisdição voluntária, deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança.
O poder paternal, atualmente “responsabilidades parentais”, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 61/2008, de 31-10, é preenchido por um conjunto de poderes-deveres, poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores, no interesse dos filhos, em ordem a assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, educação, a representação da sua pessoa e a administração dos seus bens - cf. artigo 1878.º, n.º 1, do CC.

A propósito do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, prevê o artigo 1906.º do CC:
«1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível».

Neste domínio, o artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC, dispõe que, na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela, acrescentando o n.º 2 que «é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal».
Neste contexto, resulta indiscutível a referência ao superior interesse da criança enquanto critério fundamental que deve presidir às decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal como também prevê o artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC.
Trata-se do verdadeiro princípio orientador e instrumento fundamental para uma adequada proteção dos direitos da criança.
A propósito do critério fundamental do interesse da criança, importa sublinhar que “o legislador não terá definido este conceito (que é, por isso indeterminado) precisamente para permitir que a norma se pudesse adaptar à variabilidade e imprevisibilidade das situações da vida, máxime da situação de cada família ou mais exactamente de cada criança”, ainda que se possa adiantar que tal interesse não andará longe do “estabelecimento das ideais ou das possíveis condições sociais, materiais e psicológicas da vida de um filho, geradas pela participação responsável, motivada e coordenada de ambos os progenitores, acção essa que garanta a inserção daquele num optimizante e gratificante núcleo de vida, claramente propiciador do seu desenvolvimento emocional, físico e cívico e da obtenção da sua «cidadania social»” (19).
A referenciada Lei n.º 61/2008, de 31.10, com a redação dada aos artigos 1905.º, e 1906.º, do CC, afastou do regime das responsabilidades parentais o conceito de «guarda», autonomizando a determinação da residência do filho relativamente ao exercício das responsabilidades parentais.
O regime legal vigente prevê, enquanto regime regra, o exercício em comum, por ambos os progenitores, das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho - cf. o citado artigo 1906.º, nºs 1 e 2 do CC - podendo o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores, desde que sustentada em circunstâncias das quais se extraia a conclusão de que tal regime é contrário ao interesse da criança ou do jovem.
No caso em apreciação, atendendo aos alicerces afetivos e à segurança que ambos os progenitores representam para a criança, resulta manifesto que o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança deve ser atribuído a ambos os progenitores, em conjunto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1906.º, nºs 1 e 2 do CC, como, aliás, foi decidido na sentença recorrida e não está em causa na presente apelação.
Tal como decorre do disposto no citado artigo 1906.º, n.º 5, do CC, o Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
Ainda que o legislador dê prevalência à solução consensual para todas as questões relativas às responsabilidades parentais, incluindo no que respeita à determinação da residência habitual do filho (artigo 1906.º, n.º 5, do CC), verifica-se que, no caso vertente, não existia acordo dos pais quanto à determinação da residência habitual quando foi realizada a conferência de pais nos termos do artigo 35.º do RGPTC, a qual foi realizada no dia 19-11-2019, tendo, nessa ocasião, em face da não existência de acordo dos pais quanto à residência da sua filha, sido estipulado regime provisório, nos termos do qual foi fixada a residência desta em casa da progenitora e em casa do progenitor por semanas alternadas, de segunda a segunda-feira, determinando-se ainda um convívio semanal com o progenitor não residente na semana em que a criança estaria com o outro progenitor e a repartição das despesas extraordinárias de saúde e de educação.
A sentença recorrida começou por ponderar a inexistência de quaisquer fatores de risco que excluam qualquer das soluções propugnadas pelos progenitores quanto à residência da criança (no caso da mãe, no sentido da fixação de um regime de residência exclusiva a seu favor; no caso do pai, no sentido da manutenção do regime de residência alternada já fixado provisoriamente pelo Tribunal) e, mais do que isso, pela idêntica capacidade de ambos os progenitores de satisfazerem as necessidade físicas, intelectuais e materiais da criança, mantendo com a mesma uma relação de continuidade de afetos ao longo da vida, vindo a concluir, após exaustiva ponderação de todas as circunstâncias relevantes para o efeito, que devia ser mantido o regime provisório fixado no que se refere à residência da criança.
Em consequência, determinou que a criança, M. F., resida, de forma alternada, uma semana com cada um dos progenitores, devendo o progenitor que venha a residir na semana seguinte com a filha recolhê-la na escola às sextas-feiras no final do período escolar, ou, tratando-se de dia sem aulas, às 18:00 horas desse dia em casa do progenitor residente, mais determinando que as questões da vida corrente da M. F. sejam decididas pela mãe na semana em que estiver a residir com a criança e pelo pai na semana em que este esteja a residir com a sua filha, devendo ambos os pais articular-se entre si quanto às orientações educativas mais relevantes na vida da M. F. (designadamente, quanto às rotinas da criança em matéria de sono, alimentação, higiene e saúde), vertentes que também não vêm impugnadas na presente apelação.

Na apelação apresentada pela requerida/progenitora vem impugnada a sentença recorrida na parte em que fixou os alimentos devidos à criança e sua medida, regime que foi enunciado nos pontos V. a VII., do dispositivo da sentença recorrida, com o seguinte teor:
«(…)
V. Determinar que, nos termos do disposto no artigo 1906º nº6, parte final, do Código Civil, fique adstrito, a partir do mês de Setembro de 2021, à obrigação de prestação de alimentos à criança no valor mensal de € 125,00, sendo tal liquidação efectuada por transferência bancária para a conta da Requerida até ao dia 10 de cada mês.
VI. Determinar que a prestação de alimentos a cargo do progenitor seja actualizada anualmente à razão de € 3,00 / ano, sendo assim o respectivo valor de € 128,00 a partir de Janeiro de 2022.
VII. Determinar que as despesas extraordinárias de saúde e de educação, de valor superior a € 30,00 (trinta euros) sejam repartidas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo, para o efeito, o progenitor credor comunicar, por escrito, o encargo, juntando o respectivo recibo comprovativo, no prazo de 30 dias após o pagamento da despesa, após o que o outro progenitor disporá do prazo de 30 dias a contar de tal comunicação para liquidar a respetiva metade do encargo.
(…)».

Defende a recorrente, no essencial, que, independentemente da qualificação que o Tribunal de Recurso atribua às despesas da menor com mensalidade do estabelecimento de ensino/colégio privado e com a mensalidade do Conservatório de música - de despesa ordinária ou de despesa extraordinária - o quantum ou a medida de alimentos e o quantum de repartição de responsabilidade entre os progenitores quanto a despesas extraordinárias de educação e de saúde da menor não está fixado de modo equitativo na sentença recorrida, pretendendo que:
- o valor a pagar pelo progenitor/pai a título de pensão de alimentos (obrigação de prestação de alimentos) à menor seja fixado em valor superior a 125,00 €;
- em relação às despesas extraordinárias de saúde e de educação, independentemente do seu valor, devem as mesmas ser da exclusiva responsabilidade do progenitor/pai, atendendo aos seus rendimentos mensais líquidos e à sua manifesta vontade em a menor frequentar o ensino privado, sendo que a progenitora/mãe, comparativamente com o progenitor, não tem as mesmas possibilidades económicas que lhe permitam fazer face a tais despesas em partes iguais.
Resulta do já citado artigo 1878.º, n.º 1, do CC que o conteúdo das responsabilidades parentais inclui o dever dos pais de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, que só findará quando os filhos tenham condições de as suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos.
No dever de assistência, que incumbe por igual a ambos os progenitores, encontra-se compreendida a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos, tal como decorre do artigo 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1874.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Tal como elucida o Acórdão TRC de 20-01-2015 (20) «O fundamento da obrigação de prestar alimentos decorre do conteúdo do direito à vida, enquanto direito especial de personalidade, bem como do princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social e familiar (artigos 24º, 26º, nº3 e 67º da Constituição da República Portuguesa): o direito a alimentos existe para garantir a vida e encontra a sua medida no necessário a assegurar a dignidade da mesma. Tratando-se embora de uma obrigação de conteúdo patrimonial, não visa o incremento do seu património mas assegurar o sustento (aqui entendido num sentido amplo, incluindo vestuário, habitação, saúde, e também nos alimentos a menores, a educação) diário do alimentado».
Daí que «[o]interesse público que subjaz ao cumprimento de tal função pela obrigação de alimentos - e que subjaz à consagração de mecanismos coletivos de assistência regulados pelo direito público – dita o caráter indisponível e a natureza impenhorável do correspondente direito de crédito» (21).
Neste enquadramento, importa acentuar que a fixação judicial de um certo valor alimentício a favor de filho menor, a satisfazer em montantes e datas determinadas, justifica-se por razões de certeza e segurança, destinando-se, além do mais, a tutelar o superior interesse da criança.
Através da formulação dos artigos 2003.º e 2004.º, n.º 1, do CC, a lei quis dar expressão à regra segundo a qual, tendo em atenção a natureza da relação de solidariedade vigente entre os sujeitos da obrigação de alimentos, estes se devem definir de acordo com um princípio de ajustamento à necessidade de quem os recebe e à capacidade de quem os presta.
Assim, nos termos do disposto no artigo 2003.º, n.º 1, do CC, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, resultando ainda do n.º 2 do mesmo preceito que os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor. Já o artigo 2004.º, n.º 1, do CC, com a epígrafe «Medida dos alimentos», dispõe que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
Como se vê, os alimentos decorrentes do exercício das responsabilidades parentais têm um conteúdo abrangente, compreendendo tudo o que é indispensável ao sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação do alimentando menor, visando o seu desenvolvimento integral e o maior bem-estar possível.
Tal como se refere no acórdão TRL de 04-06-2020 (22) «os alimentos devidos a menores, e no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, têm um conteúdo mais amplo, visto que se não destinam a satisfazer apenas as suas necessidades alimentares, mas abrangendo tudo o que é considerado indispensável ao seu sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação, devendo os pais assegurar essas necessidades, de acordo com as suas possibilidades, e promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos».
Neste domínio, vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência que os alimentos a prestar ao menor pelo progenitor a quem este não for ou não se encontrar confiado deverão ser fixados, não em função do mínimo indispensável à satisfação das suas necessidades, mas no montante indispensável à adequada satisfação destas necessidades, tendo em conta a idade do menor, o seu estrato social, as suas aptidões, o nível social dos progenitores, bem como a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, sendo que o nível e a qualidade de vida da criança ou jovem, após a separação dos pais, terá de ser semelhante/equivalente, dentro da medida do possível, daquela que beneficiaria caso os pais vivessem em conjunto e ele fizesse parte do respetivo agregado familiar (23).
Por outro lado, os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção (artigo 2005.º do CC).
Assim, «a quantia pecuniária é determinada em concreto, efectuando-se uma correlação de equidade entre as necessidades do menor e as capacidades económicas de cada progenitor.
Por outro lado, e a acrescer a tal determinação dum montante fixo de alimentos, poderá ser fixada uma contribuição variável, considerando-se aquelas despesas do menor que embora previsíveis e necessárias, fogem à lógica da satisfação das necessidades básicas de sustento e que se relacionam habitualmente com a saúde (médicas e medicamentosas) escolares (livros e material escolar e/ou eventuais mensalidades de colégios privados ou outras estruturas de ensino) com actividades lúdicas e desportivas, etc.
Preside também à fixação da prestação de alimentos o objectivo de, dentro do possível, se preservar o nível de vida do menor, bem como a ideia de que o sacrifício que deverá ser exigido aos progenitores deve ter por base um critério mínimo de razoabilidade, visando proporcionar o maior bem-estar possível aos seus filhos» (24).

No caso, a recorrente insurge-se contra a decisão recorrida na parte atinente ao valor da prestação alimentícia fixada e à comparticipação dos progenitores nas despesas da criança, com base no seguinte:

i) Na fixação dos alimentos o Tribunal a quo não atendeu às necessidades da criança que tem de os receber, porquanto não levou em linha de conta a mensalidade do colégio privado nem do conservatório de música, já que a tais mensalidades e encargos não é feita qualquer referência na sentença recorrida e tais despesas mensais têm efetivamente de ser consideradas; caso se não entenda que tais despesas constituem uma despesa extraordinária de educação, então tal implica que aquelas sejam consideradas uma despesa ordinária/habitual e somada às despesas mensais especificadas e contabilizadas em conjunto com os valores constantes do item 43. dos factos provados;
ii) A obrigação de alimentos recai, neste momento, sobre os progenitores da M. F., sendo que o pai da menor aufere de rendimento mensal líquido 4.500,00 € do Hospital de ..., a que acrescem outros rendimentos, não concretamente apurados, por ser sócio gerente da sociedade comercial identificada no item 41 dos factos provados, e que, por seu lado, a progenitora aufere de rendimento mensal líquido 1.200,00 €, tendo despesas com renda de casa e com a sua subsistência que ascendem a 950,00 € (Cf. itens 40, 41 e 39 dos factos provados), nada se apurando em termos de despesas que o progenitor tenha, do que resulta que o progenitor/pai beneficia de uma situação económica superior em relação à progenitora; em consequência, a fixação da pensão de alimentos e a repartição das despesas extraordinárias de saúde e de educação, conforme definida na sentença da Primeira Instância, gera uma flagrante e insustentável desigualdade, injustiça, iniquidade, entre progenitor e progenitora, em termos de liquidez e de condições de vida e de subsistência; conclui que a medida dos alimentos, seja de despesas ordinárias, seja de despesas extraordinárias com saúde e educação da menor, não foi sido fixada pelo Tribunal recorrido em respeito pelos juízos de equidade, que enformam os processos de jurisdição voluntária, nem dos artigos 2003.º, 2004.º e seguintes do CC.
Começando pelas questões enunciadas em i) supra, importa constatar que na regulação das responsabilidades parentais em referência nada ficou especificamente estabelecido quanto à mensalidade do colégio privado frequentado pela criança nem do conservatório de música (atividade extracurricular).
Assim, no regime de prestação de alimentos foi fixado um valor mensal 125 €, a título de prestação de alimentos a cargo do pai (cf. o ponto V. do dispositivo), o qual, de acordo com o que ficou expressamente enunciado na fundamentação da sentença recorrida, corresponde à contribuição proporcional do referido progenitor nas despesas totais da filha (400,00 €/500,00 € mensais), tal como enunciadas no ponto 43., dos factos provados.
Ora, as despesas mensais da criança que estão contempladas no referido ponto 43 da matéria de facto provada reportam-se expressamente a alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, não englobando, como tal, as despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança nem a mensalidade do conservatório de música (atividade extracurricular).
Por outro lado, no regime de prestação de alimentos foi prevista a responsabilidade de ambos os progenitores por despesas extraordinárias de saúde e de educação, de valor superior a 30,00 € (trinta euros), as quais são repartidas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo, para o efeito, o progenitor credor comunicar, por escrito, o encargo, juntando o respetivo recibo comprovativo, no prazo de 30 dias após o pagamento da despesa, após o que o outro progenitor disporá do prazo de 30 dias a contar de tal comunicação para liquidar a respetiva metade do encargo (cf. o ponto VII., do dispositivo da sentença recorrida).
Também aqui se verifica que nada ficou especificamente estabelecido no regime fixado quanto às despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança nem às mensalidades do conservatório de música (atividade extracurricular), porquanto tais despesas não podem considerar-se como subsumíveis ao conceito de despesas extraordinárias.
Efetivamente, entendemos que a definição de despesas extraordinárias deve abarcar apenas as despesas não recorrentes, por não serem repetidas mensalmente, o que não sucede com as mensalidades do colégio privado frequentado pela criança nem com as mensalidades do conservatório de música (atividade extracurricular), atenta a respetiva regularidade.
Resta dizer que, enquanto despesas de educação e instrução da criança, as despesas com mensalidades do colégio privado frequentado pela criança e as mensalidades do conservatório de música (atividade extracurricular) integram o conceito amplo de “alimentos”.
Deste modo, a alteração determinada na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto, com o aditamento à matéria de facto provada do ponto 62., nos termos antes decididos, implica necessariamente a ponderação de tais despesas no âmbito dos alimentos fixados em benefício da criança.
Porém, o facto de entendermos que tais encargos não traduzem despesas extraordinárias não determina necessariamente que as mesmas tenham de ser contabilizadas em conjunto com os valores constantes do item 43., dos factos provados, e atendidas no âmbito da prestação pecuniária mensal fixada a título de pensão de alimentos.
Como já se referiu, nada obsta a que a responsabilidade por tais despesas fique definida no âmbito da componente variável dos alimentos, o que se justifica, além do mais, pela circunstância de tais despesas dependeram da frequência pela criança de tais valências, o que poderá cessar, designadamente, com a transição de ciclo escolar e com o acordo dos progenitores, justificando-se, por isso, a autonomização de tais despesas, até porque sujeitas a eventuais variações/oscilações nos respetivos montantes.
Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação, devendo a componente variável dos alimentos passar a prever, além das despesas extraordinárias de saúde e de educação - de valor superior a 30,00 € - também a responsabilidade pelas despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança, no valor atual de 180 € mensais, bem como as despesas com a mensalidade da atividade extracurricular no conservatório de música frequentado pela criança, atualmente no valor de 115,72 €.
Na sentença recorrida foi fixada uma prestação mensal de 125,00 €, a suportar pelo progenitor, ora recorrido, apesar da definição de um regime de residência alternada, insurgindo-se a recorrente contra este valor que entende dever ser fixado em valor superior.
Alega, no essencial, que o quantum dos alimentos não está fixado de modo equitativo na sentença recorrida porquanto o progenitor/pai beneficia de uma situação económica superior em relação à progenitora.
Apreciando a questão suscitada à luz dos fundamentos enunciados pelo Tribunal a quo para fixar o valor da prestação de alimentos em causa julgamos que a alteração preconizada pela recorrente dependia da prévia inclusão das despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança (no valor atual de 180 € mensais), bem como as despesas com a mensalidade da atividade extracurricular no conservatório de música frequentado pela criança (atualmente no valor de 115,72 €) no âmbito da parte fixa da prestação de alimentos, a ponderar em conjunto com as despesas mensais especificadas e com os valores constantes do item 43. dos factos provados, o que não se verifica.
No caso, resulta definitivamente assente que as despesas mensais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia, orçam os 400,00 € - 500,00 € mensais (cf. o ponto 43 dos factos provados).
Ora, para fixar o valor da prestação de alimentos a sentença recorrida ponderou efetivamente o valor das despesas mensais da criança, antes enunciadas e não concretamente impugnadas, as quais traçam, em concreto, o limite da obrigação alimentar, na parte fixa da correspondente prestação.

Por outro lado, decorre da fundamentação da decisão recorrida que o Tribunal a quo teve em devida atenção a diferença de rendimentos auferidos pelos progenitores e todas as circunstâncias relevantes para a fixação do valor da prestação de alimentos, tal como constam da factualidade apurada nos autos, nos seguintes termos:
«(…) apesar de os pais não terem discutido a fixação de prestação de alimentos em sede de audição técnica especializada (referindo não haver divergências a esse nível) e de também no âmbito do regime provisório nunca ter sido manifestado pela progenitora a vontade de fixação de tal prestação, verdade não deixa de ser impor o artigo 1906º nº6 do CC a fixação de tal prestação, mesmo em caso de residência alternada, sempre que exista uma significativa disparidade de rendimentos entre os pais. No caso, tal disparidade existe, porquanto a progenitora aufere um salário mensal de € 1200,00, tendo despesas com renda, consumos, quotas de condomínio e seguros, na ordem dos € 950,00, a que acrescem as despesas com a filha (€ 200,00 - € 250,00 mensais, num contexto em que suporta tais encargos apenas em 15 dias de cada mês), enquanto o progenitor aufere um salário mensal de cerca € 4.500,00, não tendo despesas com a casa (sem prejuízo de outras despesas não apuradas, mas que certamente possuirá com consumos, seguros, etc…, bem como as despesas de € 200,00 - € 250,00 com a M. F.). Neste contexto, e sem prejuízo da ajuda financeira que os avós maternos providenciam regularmente à progenitora, entende-se dever ser fixada prestação de alimentos, porquanto, além do mais, tal prestação é devida à criança e não à sua mãe, não sendo desejável que as necessidades da M. F. quando residindo com a progenitora sejam supridas por força da ajuda dos avós maternos quando o progenitor pode e deve contribuir de forma proporcionalmente superior para tais encargos da criança. Nesse sentido, e na medida em que, como referido, o progenitor aufere salário mais de 3 vezes superior ao da progenitora, tendo esta, tal como o pai, despesas com a filha na ordem dos € 200,00 - € 250,00 mensais, julga-se razoável a fixação da prestação de alimento em metade deste último valor, ou seja no valor mensal de € 125,00 de modo a que, das despesas totais da filha (€ 400,00 - € 500,00 mensais), o pai suporte ¾ das mesmas, proporção sensivelmente idêntica às referidas diferenças salariais».
Atenta a factualidade apurada conclui-se que as despesas correntes e normais da criança em matéria de alimentação, transportes, vestuário, calçado, artigos de higiene e de farmácia orçam os 400€/500 € mensais, pelo que, se se considerar que nos termos do regime fixado a criança passará sensivelmente metade do tempo em casa de cada um dos progenitores, entendemos que o valor de 125 € mensais a pagar pelo progenitor/recorrido é consentâneo com as necessidades atuais da criança e atende de forma proporcional e equilibrada à situação económica dos progenitores e às suas possibilidades financeiras, designadamente à diferença de rendimentos destes, revelando-se justo e equitativo.

Termos em que improcede este fundamento da apelação, mantendo-se o montante da prestação alimentícia fixada na sentença recorrida, no valor mensal de 125,00 €, nos exatos termos definidos em V., do correspondente dispositivo.
Por fim, sustenta a recorrente que a repartição de responsabilidade entre os progenitores quanto a despesas extraordinárias de educação e de saúde da menor não está fixada de modo equitativo na sentença recorrida, pretendendo que, independentemente do seu valor, sejam as mesmas da exclusiva responsabilidade do progenitor/pai, atendendo aos seus rendimentos mensais líquidos e à sua manifesta vontade em a menor frequentar o ensino privado, sendo que a progenitora/mãe, comparativamente com o progenitor, não tem as mesmas possibilidades económicas que lhe permitam fazer face a tais despesas em partes iguais.
Neste domínio, o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que não obstante a progenitora ter, nas respetivas alegações, defendido igualmente uma proporção diferente para as referidas despesas extraordinárias, a repartição igualitária tem sido praticada desde novembro de 2019, nos termos do regime provisório fixado por aquele Tribunal, sem quaisquer conflitos quanto a tal questão, e que o progenitor, num quadro de residência alternada agora mais definitiva, já passará a suportar o pagamento de prestação de alimentos, o que antes não sucedia, concluindo ser excessiva a imposição de uma maior contribuição para as despesas extraordinárias, com o risco de transferir o conflito parental para as questões financeiras.
Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir as referidas questões julgamos que as razões enunciadas pelo Tribunal a quo não são decisivas para afastar a necessária ponderação de tal repartição em função da objetiva desproporção dos rendimentos/encargos de cada um dos progenitores.
Com efeito, os progenitores estão obrigados a concorrerem para o sustento dos seus filhos menores não de forma igualitária, mas proporcionalmente aos seus rendimentos e proventos e à sua capacidade de trabalho (25).
Já quanto à pretendida imputação de todos os encargos com tais despesas de forma exclusiva na responsabilidade do progenitor/pai revela-se manifesta a falta de fundamento das correspondentes conclusões da apelação tendo presente todo o enquadramento anteriormente enunciado e ponderando, designadamente, o dever de assistência que incumbe por igual a ambos os progenitores e que compreende a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos, que se impõe a todo e qualquer progenitor.
Note-se, aliás, que a progenitora, aqui recorrente, em sede de alegações apresentadas no processo, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 4, do RGPTC, veio tomar posição expressa sobre a questão da repartição das despesas extraordinárias relacionadas com a criança, bem como relativamente às despesas de educação (escolares e extraescolares) e de saúde (médicas, medicamentosas e hospitalares), propondo, então, a repartição das mesmas na proporção de 1/3 para a progenitora e 2/3 para o progenitor, proporção que julgamos ser efetivamente de acolher à luz da natureza das despesas em causa e de todas as circunstâncias que relevam para o efeito.
Por último, sempre se dirá que, por esta via, também se visa evitar no futuro maiores conflitos entre os progenitores, mantendo-se o limite de 30 € fixado no ponto VII., do regime em causa, como valor base para as despesas extraordinárias de saúde e de educação a atender, o qual se aplica também às demais despesas que passam a integrar a componente variável dos alimentos, (despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança, no valor atual de 180 € mensais, bem como as despesas com a mensalidade da atividade extracurricular no conservatório de música frequentado pela criança, atualmente no valor de 115,72 €).

Por conseguinte, cumpre alterar, nesta parte, a sentença recorrida, no sentido de ser alterado o teor do ponto VII., do dispositivo da sentença recorrida, o qual passará a ter o seguinte teor:
«VII. Determinar que as despesas extraordinárias de saúde e de educação, de valor superior a € 30,00 (trinta euros), bem como despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança, no valor atual de 180 € mensais, e as despesas com a mensalidade da atividade extracurricular no conservatório de música frequentado pela criança, atualmente no valor de 115,72 €, sejam repartidas por ambos os progenitores, na proporção de 1/3 para a progenitora e 2/3 para o progenitor, devendo, para o efeito, o progenitor credor comunicar, por escrito, o encargo, juntando o respetivo recibo comprovativo, no prazo de 30 dias após o pagamento da despesa, após o que o outro progenitor disporá do prazo de 30 dias a contar de tal comunicação para liquidar a respetiva metade do encargo».

2.2.5. Das custas (da ação).
A recorrente reclama a alteração da condenação sobre as custas, sustentando que as custas do processo de regulação das responsabilidades parentais devem ser repartidas em partes iguais pelos progenitores da criança ou, não sendo repartidas em partes iguais, devem ser repartidas fazendo uso, mais uma vez de juízos de equidade, visto tratar-se de um processo de jurisdição voluntária em que o que está em causa é o superior interesse da criança e, como tal, não há parte vencida nem parte vencedora.

Na sentença em referência, e em matéria de custas, foi decidido o seguinte:
« VIII. Condenar a Requerida em custas, atento o seu decaimento na questão principal referente à residência da criança (artigo 527º nº1 do CPC)».

No que se reporta às regras que disciplinam as questões relativas à determinação dos responsáveis pelas custas e à repartição dessa responsabilidade em função do julgado, que como se viu deve constar da decisão que julgue a ação, o incidente ou recurso, importa considerar o artigo 527.º do CPC, enquanto preceito essencial, o qual, com a epígrafe «Regra geral em matéria de custas», estabelece o seguinte:
«1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas».

Tal como resulta da regra enunciada no n.º 1 do citado preceito legal, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Tal como decorre do enunciado regime legal, «[o] critério para determinar quem dá causa à acção, incidente ou recurso prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde. (…) [n]o caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento. (…) [s]e o êxito (procedência ou provimento) for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida» (26).
Deste modo, «à responsabilidade pelo pagamento das custas é indiferente a ideia de culpa relativamente à ocorrência do litígio. Culpada ou não pelo facto de o tribunal ser chamado a dirimir um conflito de interesses, é a parte vencida ou, não existindo vencimento, a parte que da acção retira o proveito, que deve suportar os encargos derivados dessa intervenção, sem qualquer gravame que reflicta a maior ou menor quota de responsabilidade pela génese do processo» (27). Como salienta o Ac. do STJ de 24-02-2015 (28), «[q]uer isto dizer que o aludido princípio vale para a generalidade dos processos: paga as custas a parte vencida; paga as custas a parte que embora não tenha ficado vencida, tirou proveito da lide; e suportarão as custas, todos os intervenientes processuais, na proporção do respectivo decaimento (…)».

Densificando o regime previsto no artigo 527.º do CPC, refere-se no Ac. TRL de 21-11-2019 (29):
«Os actuais artigos 527.º e 535.º, próximos da redacção dos antigos 456.º e 458.º referidos por Alberto dos Reis, consagram este princípio da causalidade como critério a ter em atenção, expresso por diversos índices da sua revelação.
O primeiro deles, é o índice da sucumbência previsto no artigo 527.º do CPC. No seu n.º 1, a norma estabelece que a condenação em custas recai sobre a parte que a elas houver dado causa. E continua: ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
O critério é o da causalidade: é condenada a pagar as custas a parte que a elas tenha dado causa. O índice é o do vencimento da causa, o da sucumbência. Expresso claramente no n.º 2 da norma – entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for – a sucumbência é índice de determinação da responsabilidade e da sua medida.
Mas do n.º 1 podemos retirar um outro índice de sucumbência: o do proveito. É responsável pelas custas a parte que tirou proveito do processo, caso nenhuma tenha sido vencedora ou vencida».
No caso em apreciação, o Tribunal a quo entendeu responsabilizar em exclusivo a requerida pelas custas por entender que a mesma decaiu na questão principal referente à residência da criança, fundamentando tal decisão no artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Porém, sustenta a ora recorrente (requerida nos autos principais) que no processo de regulação das responsabilidades parentais, enquanto processo de jurisdição voluntária, o que está em causa é o superior interesse da criança/da menor e, como tal, não há parte vencida nem parte vencedora, devendo as correspondentes custas ser repartidas em partes iguais pelos progenitores da criança.
Efetivamente, como já assinalámos, a regulação das responsabilidades parentais configura um processo de jurisdição voluntária, nos termos que resultam do disposto nos artigos 3.º, al. c), 12.º, 21.º, 39.º, do RGPTC, e artigo 989.º do CPC.
Porém, na falta de regulamentação específica sobre esta matéria, mostram-se concretamente aplicáveis as regras gerais em matéria de custas, designadamente a regra geral prevista no artigo 527.º do CPC, o que decorre da aplicação subsidiária das regras de processo civil, com as devidas adaptações, tal como prevê o artigo 33.º, n.º 1 do RGPTC.
Sucede que a natureza do processo em causa torna inoperante o índice do proveito. Com efeito, no processo de regulação das responsabilidades parentais deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança. Tal significa que nele só há um interesse a regular, embora possa haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse (30).
Também o índice do vencimento ou da sucumbência surge de difícil aplicação porquanto a ação de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (31).
Tal não obsta, como se viu, a que possa haver um conflito de opiniões ou representações dos progenitores acerca do mesmo interesse, tal como sucedeu nos presentes autos.
Julgamos, porém, que razões de equidade justificam a repartição igualitária das custas por ambos os progenitores.
Em primeiro lugar, não podemos olvidar que, não havendo acordo dos progenitores sobre o exercício das responsabilidades parentais, nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento a que se refere o artigo 1905.º do CC, que seja homologado, o processo prossegue por imposição legal, ou é instaurado pelo Ministério Público, tal como resulta do disposto nos artigos 34.º, n.º 3, 37.º, n.º 3 e 38.º, do RGPTC.
No caso, não é possível divisar uma maior ou menor quota de decaimento em face das opiniões ou representações de cada um dos progenitores acerca do mesmo interesse, nem uma parte vencida em função da potencialidade desfavorável da decisão final, atenta a sua natureza, sendo certo que a regulação do exercício das responsabilidades parentais abarca diversas vertentes essenciais, designadamente, determinação da residência habitual da criança, exercício das responsabilidades parentais, regime de convívios da criança e prestação de alimentos.
Acresce que no caso também não é possível afirmar que apenas a requerida decaiu na questão principal referente à residência da criança, porquanto se observa que na petição inicial da ação em referência também o requerente/progenitor defendeu solução distinta da que veio a ser definida pelo Tribunal a quo a propósito da residência habitual da criança, o mesmo sucedendo relativamente a outros aspetos do regime da regulação das responsabilidades parentais em que os progenitores defenderam, em sede de alegações (previstas no artigo 39.º, n.º 4, do RGPTC), soluções não concretamente acolhidas na sentença recorrida.
Pelo exposto, altera-se o decidido quanto a custas, ficando estas a cargo de ambos os progenitores, requerente e requerida, na proporção de metade.
Procede, assim, este fundamento da apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, quer a recorrente quer o recorrido ficaram parcialmente vencidos no recurso, pelo que, devem os mesmos ser responsabilizados pelo pagamento das custas da apelação, a qual se fixa em idêntica proporção.

Síntese conclusiva:

I - No processo de regulação das responsabilidades parentais deve o julgador procurar encontrar a solução mais conveniente a uma equitativa composição dos interesses em presença, atendendo ao princípio fundamental que deve nortear todas as decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais que é o do bem-estar e desenvolvimento harmonioso da criança.
II - Nestes casos, o juiz pode não só restringir os meios de prova oferecidos pelos intervenientes como diligenciar para além deles, tendo por base a avaliação do que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa.
III - Os alimentos decorrentes do exercício das responsabilidades parentais têm um conteúdo abrangente, compreendendo tudo o que é indispensável ao sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação do alimentando menor, visando o seu desenvolvimento integral e o maior bem-estar possível.
IV - O dever de assistência incumbe por igual a ambos os progenitores, compreendendo a obrigação de prestar alimentos aos filhos, ainda que de forma proporcional às possibilidades económicas de cada um dos progenitores.
V - A responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
VI - No processo de regulação das responsabilidades parentais não é possível divisar uma maior ou menor quota de decaimento em face das opiniões ou representações de cada um dos progenitores acerca do mesmo interesse, nem uma parte vencida em função da potencialidade desfavorável da decisão final, atenta a sua natureza, sendo que esta também torna inoperante o índice do proveito, justificando-se a repartição igualitária das custas por ambos os progenitores.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela requerida e, em consequência:

A) determina-se a alteração do ponto VII., do dispositivo da sentença recorrida, o qual passará a ter o seguinte teor: «VII. Determinar que as despesas extraordinárias de saúde e de educação, de valor superior a € 30,00 (trinta euros), bem como despesas escolares com mensalidade do colégio privado frequentado pela criança, no valor atual de 180 € mensais, e as despesas com a mensalidade da atividade extracurricular no conservatório de música frequentado pela criança, atualmente no valor de 115,72 €, sejam repartidas por ambos os progenitores, na proporção de 1/3 para a progenitora e 2/3 para o progenitor, devendo, para o efeito, o progenitor credor comunicar, por escrito, o encargo, juntando o respetivo recibo comprovativo, no prazo de 30 dias após o pagamento da despesa, após o que o outro progenitor disporá do prazo de 30 dias a contar de tal comunicação para liquidar a respetiva metade do encargo»;
B) revoga-se o decidido na sentença recorrida quanto à condenação em custas, substituindo-se o aí decidido pela condenação de ambos os progenitores, requerente e requerida, na proporção de metade.
Confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente/requerida e do recorrido/requerente, na proporção de metade.

Guimarães, 10 de fevereiro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. (a que corresponde a nota 17 constante da sentença recorrida): «Entendem-se incluídas em tal conceito de questões de particular importância as seguintes questões: a) decisão sobre intervenções cirúrgicas no filho (inclusive as estéticas); b) saída do filho para o estrangeiro, não em turismo mas em mudança de residência, com algum caráter duradouro; c) saída do filho para países em conflito armado que possa fazer perigar a sua vida; d) obtenção de licença de ciclomotores; e) escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade do filho; f) decisões de administração que envolvam oneração; g) educação religiosa do filho (até aos seus 16 anos); g) prática de atividades desportivas que representem um risco para a saúde do filho; i) autorização parental para o filho contrair casamento; l) orientação profissional do filho; m) uso de contraceção ou interrupção de uma gravidez; n) participação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para o filho».
2. (a que corresponde a nota 18 constante da sentença recorrida):«Note-se que, como referido no ac. TRL de 14/9/2017, a primeira parte do nº1 do artigo 2006º do CC, no sentido de que a obrigação de prestação de alimentos retroage ao momento do seu pedido, pressupõe a existência de um pedido de prestação de alimentos da parte do progenitor credor, pedido esse que não existiu inicialmente no caso dos autos, uma vez que o processo foi instaurado pelo Requerente, devedor de alimentos, e não pela Requerida, a qual não deduziu tal pedido nos autos (tendo outrossim manifestado em audição técnica especializada não pretender discutir tais questões de índole financeira, o que também não permitiria ao progenitor contar com tal exigência, tanto mais que não prevista tal obrigação no regime provisório fixado pelo Tribunal). Eis a razão pela qual se entende – também em face da data de pagamento até ao dia 10 de cada mês – fazer coincidir o início de tal obrigação com o mês de Setembro de 2021».
3. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 184.
4. Cf., neste sentido, o Ac. do TRC de 18-11-2014 (relator: Teles Pereira), p. 628/13.9TBGRD.C1 disponível em www.dgsi.pt.
5. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786.
6. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 434.
7. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada em 6 - p. 434.
8. Cf. Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982 - Coimbra Editora, pg. 399.
9. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, pgs. 122-123.
10. Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 734 e 735.
11. Relator: José Alberto Moreira Dias, p. 5569/17.8T8.BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.,enunciando a propósito a doutrina que julgamos representativa.
12. Cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre - Obra citada - p. 737.
13. Cf. Alberto dos Reis - Obra citada -, pg. 143.
14. Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1– 6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
15. Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
16. Relator: Alexandre Reis, revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
17. Relator: Filipe Caroço, p. 2685/15.4T8MTS.P1, disponível em www.dgsi.pt.
18. Cf. as conclusões 9.ª, 35.º e 37.º das alegações da apelação.
19. Cf. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma Questão de Direito (s) - Coimbra Editora – 2009, pgs. 156 e 157.
20. Relatora Maria João Areias, p. 405/09.1TBCNT.C1 disponível em www.dgsi.pt.
21. Cf., Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628.
22. Relator Nelson Borges Carneiro, p. 1228/17.0T8SXL-A. L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
23. Cf., por todos, o Ac. TRG de 17-12-2019 (Relator: António Barroca Penha), p. 271/15.8T8BRG-I. G1, disponível em www.dgsi.pt.
24. Cf. o Ac. TRG de 11-05-2017 (Relatora: Maria dos Anjos Nogueira), p. 271/15.8T8BRG-C. G1, disponível em www.dgsi.pt.
25. Cf., por todos, o Ac. TRP de 24-09-2018 (Relator: Jorge Seabra), p. 3289/07.0TBVCD-B. P1, disponível em www.dgsi.pt.
26. Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada -, p. 419.
27. Cf. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Coimbra, Almedina, 1998, pgs. 177.
28. Relatora Ana Paula Boularot, p. 116/14.6YLSB, disponível em www.dgsi.pt.
29. Relatora Ana de Azeredo Coelho, p. 2669/19.3YRLSB-6, disponível em www.dgsi.pt.
30. Cf. o Ac. TRC de 04-04-2017 (Relator: António Domingos Pires Robalo), p. 94/16.7T8PNH-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
31. Cf. o citado Ac. TRC de 04-04-2017.