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CRIME DE VIOLAÇÃO DE SEGREDO
CRIMES DE NATUREZA PÚBLICA E SEMI-PÚBLICA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A AÇÃO PENAL
Sumário
I - O crime de violação de segredo p. e p. pelo artigo 27.º da Lei n.º 34/97, de 16 de julho (Lei sobre Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), tem natureza semi-pública, salvo se o titular do interesse ofendido for o Estado II - Para este efeito, deve entender-se “Estado” como o Estado-administração, enquanto entidade coletiva pública, dotada de personalidade jurídica, de titularidade de direitos e deveres e de capacidade para os exercer, sob a direção do Governo (nele não se incluindo, pois, as autarquias locais) III - O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 113,º, n.º 5, b), do Código Penal, tem legitimidade para apresentar queixa e deduzir acusação quando for ofendido um município se o crime em questão for imputado ao presidente da câmara municipal.
Texto Integral
Processo nº 448/16.9T9VFR-IO.P1
Comarca de …
…ª Secção do Juízo de instrução Criminal de …
Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório 1.1 Decisão recorrida
Por decisão final instrutória, proferida em 27 de Maio de 2021, foi julgado extinto o procedimento criminal, por falta de legitimidade do Ministério Público, pelos crimes de violação de segredo, previsto na Lei 34/87, de 16 de Julho (doravante LRTCP), que estava imputado na acusação aos arguidos AA…, BB…, CC…, DD…, EE…, FF…, GG…, HH…, II…, JJ…, KK…, LL… e MM….
1.2 Recurso
O Ministério Público recorreu pedindo a revogação do despacho e o prosseguimento do processo pelos crimes em causa.
Concluiu a motivação do recurso nos seguintes termos (transcrição, com os negritos e sublinhados do original):
1. Por decisão datada de 27 de Maio de 2021, a Mma. Juíza de Instrução Criminal decidiu não pronunciar os arguidos AA…, BB…, DD…, CC…, EE…, FF…, LL…, GG…, MM…, HH…, JJ…, II… e KK…, pelos crimes de violação de segredo, previsto e punido pelo artigo 27º da Lei n.º 34/87 de 16/07, de que foram acusados, pelos factos constantes na Acusação Pública e Pronúncia desctritos a: a. No Capítulo III - Concurso para contratação – CC… – correspondendo aos factos descritos nos pontos 325. a 371., b. no Capítulo IV - Concurso para contratação – EE… – correspondendo aos factos descritos nos pontos 372. a 409, c. no Capítulo XVI - Projectos para reabilitação das escolas de C… e F… e A…, Lda e da negociação com a F1…, Lda - correspondendo aos factos descritos nos pontos 1077. a 1158. d. no Capítulo XVII - Da formação do procedimento por concurso limitado por prévia qualificação para a Reabilitação da EBS Dr. NN…, C…, Fase 1 e sua negociação com a F1…, Lda - correspondendo aos factos descritos nos pontos 1159. a 1208. 2. Entendeu a Mma. Juíza de Instrução que o Ministério Público não tinha legitimidade para despoletar a acção penal, defendendo que o referido crime tem natureza de crime semi-pública, pelo que, na ausência de queixa, não poderia o Ministério Público acusar tais arguidos. 3. Tal decisão é ilegal, por violação do disposto nos artigos 27º, n.º3 e 41º da Lei n.º 34/87 de 16/07, do disposto no art. 48º do Código de Processo Penal e, ainda, do disposto no artigo 9º do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada. 4. A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com as alterações subsequentes, veio dar cumprimento ao comando do artigo 117.º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa criminalizando um conjunto de condutas que ofendem bens jurídicos relacionados com a formação, a segurança e a realização do Estado, a realização da Justiça, a legalidade da Administração Pública e do Património, bens jurídicos estes estes de natureza supra-individual. 5. Para além dos crimes específicos introduzidos pela Lei 34/87 de 16/07, os titulares dos cargos políticos são, também, criminalmente responsáveis pelos crimes comuns previstos no Código Penal, quando cometidos no exercício das suas funções, em conformidade com o disposto nos n.º2 e 5 da referida Lei. 6. O crime de violação de segredo previsto no art. 27º da Lei n.º 34/87 de 16/07, sendo um crime específico, embora com a sua matriz no crime de violação de segredo do artigo 383º do Código Penal, não se confunde com este, tendo um regime substantivo e processual diferente. 2. O crime de violação de segredo tem natureza pública quando o ofendido é o Estado. 1. O bem jurídico protegido pelo artigo 27º é o segredo, que poderá assumir diferentes dimensões: a. Uma dimensão individual – p. ex. reserva da vida privada, caso em que o crime assume natureza semi-pública; b. Uma dimensão local e funcional, em que a violação de segredo se relaciona com o normal funcionamento do órgão em que o infractor é titular (ou órgão conexo), caso em que o crime assume natureza semi-pública; c. Uma dimensão nacional, em que a violação de segredo contende com as atribuições e funções do Estado, caso em que o crime assume natureza pública; 2. O regime da tutela administrativa não afasta a natureza pública do crime, quando o ofendido é o Estado, porquanto: 3. A tutela administrativa exercida sobre as autarquias legais está, por imposição da Constituição da República Portuguesa, conforme decorre do seu artigo 242º regulada pela Lei n.º 27/96, de 01/08, e consiste “na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos e dos serviços das autarquias locais e entidades equiparadas.” 4. As autarquias locais beneficiam de autonomia, ou seja, de capacidade para prosseguirem livremente a realização das suas atribuições através dos seus próprios órgãos e sob a sua inteira responsabilidade, princípio este, também constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa e que envolve, a autonomia local administrativa, a autonomia financeira e a autonomia regulamentar. 5. Porém, a par de interesses próprios das comunidades locais, confluem aí interesses que são de toda a comunidade nacional, é indispensável 'proceder a uma justa ponderação de todos eles, a fim de conseguir a sua harmonização - o que reclama que o poder de decisão, em vez de se entregar por inteiro às autarquias locais, atribuindo-se ao Estado um mero poder de controlo da legalidade, seja compartilhado' por ele próprio (acórdão n.º 379/96). – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional ACTC nº 560/99 6. Dito isto, transpondo tal raciocínio para o crime que nos ocupa, impõe-se concluir que o Estado assume a qualidade de ofendido quando, em concreto, a violação do segredo atente contra o interesse geral dos cidadãos. 7. Assim, dependendo do tipo de segredo violado, apesar de em causa poder estar a legalidade da administração, ainda assim, não são atingidos os interesses fundamentais do Estado, razão pela qual o artigo 27º faz depender, nestes casos, da apresentação de queixa por parte da entidade que superentender o órgão em que o infractor é titular. 8. A interpretação feita pela Mma. Juiz do Tribunal a quo da asserção “salvo de esse for o Estado”, viola o disposto no artigo 9º do Código Civil pois que não encontra qualquer correspondência nem com a letra da lei, na interpretação sistemática nem com o pensamento do legislador. 9. O legislador, em todos os casos em que se socorreu da asserção “salvo”, nunca pretendeu atribuir à mesma natureza explicativa, mas sim natureza derrogativa, o que resulta da leitura de vários preceitos penais entre os quais os artigos 113º, 143º e 178º do Código Penal, em que crimes de natureza semi-pública assumem a natureza pública, atenta a qualidade do ofendido, tal como sucede no crime de violação de segredo, em que o ofendido é o Estado. 10. E, mesmo, dos demais preceitos contemplados na Lei 34/87 de 16/07, nomeadamente nos seus artigos 34º, 35º e 37º, não resulta que o legislador quisesse “explicar” o que quer que fosse, mas sim, afastar a regra geral, quando em causa estão casos de crimes puníveis “com pena maior”. 11. A técnica legislativa empreendida pelo legislador quando ressalva outro regime ou consequência é, justamente, através da introdução da asserção “salvo”, pelo que a interpretação “explicativa” conferida pelo Tribunal a quo a tal asserção inserta no art. 27º é errada e não encontra na interpretação sistemática qualquer correspondência, nem tal resulta, sequer, da letra da lei. 12. Igualmente, tal interpretação não tem acolhimento no pensamento do legislador, nem na Lei fundamental pois que, em toda a discussão em torno da Lei, e cumprindo o imperativo constitucional, o legislador apenas ressalvou a condição de procedibilidade à figura do Presidente da República, como decorre do teor das exposições de motivos e Actas da Proposta de Lei 377/IV e na exposição de motivos da Proposta de Lei 384/IV/2, originárias da Lei 34/87 de 16/07. 13. E, encontra-se em directa contradição com o que o legislador consignou na própria Lei 34/87 de 16/07, no capítulo específico referente às REGRAS ESPECIAIS DO PROCESSO, onde fez constar no artigo 41º, sob a epígrafe, DIREITO DE ACÇÃO, que: “Nos crimes a que se refere a presente lei têm legitimidade para promover o processo penal o Ministério Público, sem prejuízo do especialmente disposto nas disposições do presente capítulo, e, em subordinação a ele: a) O cidadão ou a entidade directamente ofendidos pelo acto considerado delituoso; b) Qualquer membro de assembleia deliberativa, relativamente aos crimes imputados a titulares de cargos políticos que, individualmente ou através do respectivo órgão, respondam perante aquela; c) As entidades a quem incumba a tutela sobre órgãos políticos, relativamente aos crimes imputados a titulares do órgão tutelado; d) A entidade a quem compete a exoneração de titular de cargo político, relativamente aos crimes imputados a este. 14. Nesta norma, a qual versa sobre as regras especiais do processo, o legislador atribuiu perentoriamente legitimidade ao Ministério Público para promover o processo penal, a todos os crimes previstos na Lei 34/87 de 16/07, apenas ressalvando o que vem expresso neste capítulo, ou seja, o regime específico previsto no artigo 33º, quando o infractor é o Presidente da república, caso em que, segundo esta norma, no seu número 2, A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República. 15. Da leitura de tal preceito legal, não se nos cogitam dúvidas quanto à legitimidade do Ministério Público para a acção penal, assim como, dos casos em que as demais entidades e ofendidos podem, também, apresentar denúncias, referindo o legislador que, nesses em casos, o poderão fazer “em subordinação a ele”, ao Ministério Público. 16. Daqui se extraí o espírito com que o legislador construiu a Lei n.º 34/87 de 16/07 que assentou sempre nesse pressuposto quanto à iniciativa da acção penal e que fez constar tal propósito de forma expressa no art. 41º, sob a epígrafe direito de acção, confiando ao M.P. a legitimidade para o exercício da acção penal quanto a todos os crimes previsto nesta lei, sem excepções, sem quaisquer dúvidas e, ainda, fazendo depender a queixa de outras entidades do M.P., afirmando-se que o direito de acção por essas entidades/ofendido assume-se em subordinação ao direito de acção do M.P.. 17. Assim o regime regra que preside à Lei n.º 34/87 imposto pelo artigo 41º é, em concreto, a natureza pública dos crimes específicos nela contemplados, admitindo-se, a título de excepção, a apresentação de queixa no específico e único caso contemplado pelo crime de violação de segredo inscrito no art. 27º, mediante a natureza do segredo violado. 18. Interpretando a coexistência das duas normas, pretendeu o legislador afastar a regra geral de natureza pública imposta pelo art. 41º e da subordinação da queixa destes ofendidos/entidades relativamente à iniciativa do M.P., permitindo-lhes, quanto a este concreto crime, despoletar o procedimento criminal sem subordinação ao M.P., nos casos em que o ofendido não é, directamente, o Estado, ou seja, quando os interesses afectados não atinjam a generalidade dos cidadãos. 19. Os factos descritos na Acusação Pública e mantidos na Pronúncia, integradores do crime de violação de segredo, respeitam à violação do segredo na sua dimensão supra-individual sendo directamente ofendido o Estado. 20. Os infractores revelaram segredos associados a procedimentos de contratação pública, quer para admissão de pessoal na função pública quer para a formação de um concurso público de empreitadas de obras públicas, em que os lesados são, todo e qualquer cidadão que reúna condições para concorrer a tais concursos, não havendo um ofendido concretamente visado, nem estando nós perante a revelação de um segredo que atinja apenas e só o órgão em que o infractor é titular ou um órgão conexo a este. 21. São factos relacionados com o segredo revelado referente à contratação pública e cujos interesses atingidos são os interesses gerais do Estado, ou seja, os interesses de todo e qualquer cidadão que o Estado tem de proteger, sendo tal decorrência da Lei fundamental, em conformidade com o disposto no 47º, n.º2 e 81º, al. f) da Constituição da República Portuguesa. 22. O Estado delegou nos arguidos a sua própria função, confiando-lhes atribuições próprias, e estes ao actuarem nos termos descritos na Acusação, ora fornecendo as respectivas provas escritas a duas candidatas ora fornecendo os elementos sigilosos associados à formação de um concurso público de empreitadas de obras públicas, procedimentos contratuais aos quais todo e qualquer interessado a ele podia concorrer, fizeram-no em contrário ao interesse directo do Estado que lhes incumbia defender e que atingiram, defraudando o interesse directo do Estado e prejudicaram-no a este e a todos os cidadãos. 23. Os factos imputados aos arguidos e consubstanciadores do crime de violação de segredo no caso dos autos, têm por base informações prestadas ao arrepio das normas legais e constitucionais, que apenas estavam ao seu alcance mercê da confiança que o Estado depositou em tais arguidos, por via das atribuições legais que lhes conferiu enquanto contraentes públicos, e que deveriam defender, atentando directamente contra este, pois que a respectiva actuação pôs em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e empresas que o Estado tem como incumbência defender. 24. O bem jurídico violado é supra-individual e o ofendido é directamente o Estado que assim se viu enganado pela actução dos eleitos locais, enquanto poder autónomo do Estado de Direito Democrático. 25. Por via disso, está, como não poderia deixar de estar, excepcionada a necessidade do exercício do direito de queixa, por uma qualquer entidade, pois que, repita-se, o ofendido é o Estado. 26. Assim, titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, conforme prescreve o art. 113º, n.º1 do Código Penal é o Estado que, através de tais condutas viu a sua integridade e a intangibilidade afectadas. 27. Pelo que o crime de violação de segredo cometido pelos arguidos, nos casos dos autos, assume a natureza de crimes públicos, porquanto os arguidos violaram o interesse público do Estado e a confiança que neles foi depositada, tendo o Ministério Público legitimidade para promover o procedimento criminal nos termos do artº 48º do Código de Processo Penal e em conformidade com o disposto no art. 41º e 27º, n.º3 da Lei 34/87 de 16/07.
Apenas respondeu ao recurso o arguido AA….
Invocou, no essencial, que, apesar de se reconhecer que o segmento da norma cuja interpretação é controversa – «salvo se esse for o Estado» – ser redundante, o mesmo não visa derrogar o regime fixado na lei, pois a tese do Ministério Público – que o crime é público porque assume essa natureza o interesse violado – equivaleria a que qualquer violação de segredo por titular e cargo abrangido pela LRTCP (como por funcionário, nos termos do Código Penal) teria sempre natureza púbica, visto que estaria sempre em causa, neste tipo de crime, a legalidade da administração, a que corresponde um interesse de natureza pública.
Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Considerou, resumidamente, que a interpretação da lei feita pelo tribunal recorrido retira qualquer sentido útil à norma, em violação das regras de interpretação legislativa, No seu entender, decorre do artigo 27º da LRTCP que, quando o ofendido pela violação do segredo for um particular, o procedimento criminal pode iniciar-se por queixa da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, ou por queixa do próprio ofendido, e que, quando o ofendido for o Estado, o crime é público e o Ministério Público tem legitimidade para iniciar o procedimento.
O arguido HH… respondeu ao parecer do Ministério Público afirmando, no essencial, que não praticou o crime porque se limitou a obedecer à ordem dada pelo contratante público, enquanto Vereador da …, para lhe entregar em suporte digital determinados documentos, sendo-lhe alheio se o mesmo divulgou esses documentos a terceiros.
2. Questões a decidir no recurso
A questão controversa a que temos de dar resposta é só uma: qual o significado normativo do segmento indicado a negrito do nº 3 do artigo 27º da LRTCP, que dispõe «O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, ou do ofendido, salvo se esse for o Estado» – tratando-se de crime de violação de segredo, praticado por titulares de cargos abrangidos por aquela lei, que afecta interesses do Estado, o crime tem natureza semi-pública, como decidido no despacho recorrido, ou pública, como defendido no recurso?
3. Análise e fundamentação 3.1. Devemos começar por reconhecer, como se afirma na decisão recorrida e no recurso, que a redacção do nº 3 do artigo 27º da LRTCP é defeituosa e difícil de descortinar. Tando mais que, na busca que fizemos nas bases de dados públicas de divulgação jurisprudencial, não foi possível localizar um único caso em que a questão em análise tivesse sido decidida nos tribunais superiores. Porém, mais ou menos clara, a lei tem de ser interpretada e aplicada de acordo com os critérios do artigo 9º do CC.
Vejamos então em primeiro lugar exactamente o que está em discussão.
O artigo 27º da LRTCP, dispõe assim, sob a epígrafe “Violação de segredo”: 1 – O titular de cargo político que, sem estar devidamente autorizado, revelar segredo de que tenha tido conhecimento ou lhe tenha sido confiado no exercício das suas funções, com a intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo do interesse público ou de terceiros, será punido com prisão até três anos ou multa de 100 a 200 dias. 2 – A violação de segredo prevista no n.º 1 será punida mesmo quando praticada depois de o titular do cargo político ter deixado de exercer as suas funções. 3 – O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, ou do ofendido, salvo se esse for o Estado. (negrito nosso)
Trata-se, reconhecidamente, de um tipo penal especial, em razão da qualidade subjectiva do agente do crime, em relação ao crime geral do artigo 383º do CP (na versão da Lei 48/1995), o qual, sob a epígrafe “Violação de segredo por funcionário”, dispõe: 1 – O funcionário que, sem estar devidamente autorizado, revelar segredo de que tenha tomado conhecimento ou que lhe tenha sido confiado no exercício das suas funções, ou cujo conhecimento lhe tenha sido facilitado pelo cargo que exerce, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, benefício, ou com a consciência de causar prejuízo ao interesse público ou a terceiros, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 – Se o funcionário praticar o acto previsto no número anterior criando perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 3 – O procedimento criminal depende de participação da entidade que superintende no respectivo serviço ou de queixa do ofendido.
A controvérsia está na interpretação do segmento assinalado a negrito na transcrição do nº 3 do artigo 27º da LRTCP, isto é, em saber se, no caso, não tendo havido queixa, em face daquela ressalva, o Ministério Público tem legitimidade para proceder criminalmente pelo crime em questão.
Para o tribunal de instrução, a interpretação correcta da norma é a que resulta do seguinte trecho da decisão recorrida: «resulta a nosso ver estarmos sempre perante um crime dependente de queixa: da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, quando o ofendido for o Estado, ou do ofendido quando este não for o Estado» - isto é, o crime é sempre crime semi-público, apesar da ressalva final do nº 3.
Para o tribunal recorrido, o bem jurídico protegido pela incriminação é a legalidade da administração e a acção típica consiste na revelação de facto sob segredo. O interesse na legalidade da administração tem sempre natureza pública e a sua titularidade pertence, em última análise, ao Estado. Por isso, se prevê que a entidade que representa o interesse público concretamente afectado pela violação da norma apresente a respectiva queixa. No entanto, porque a violação de segredo pode afectar colateralmente interesses individuais, relativos à reserva da vida privada, admite-se também que o respectivo titular inicie o procedimento criminal na qualidade de ofendido. O segmento normativo “salvo se esse for o Estado” tem um sentido explicativo e não derrogativo, pois de outro modo, sendo o Estado sempre ofendido neste crime, outra interpretação levaria a que o crime tivesse sempre natureza pública, tornando inútil a primeira parte do preceito.
A favor desta tese o tribunal convocou as opiniões doutrinais de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Universidade Católica Editora, 2ª ed. Actualizada, 2010, pág. 1019, nota 18) e Carmo Dias (Comentário das Leis Penais Extravagantes, Universidade Católica Editora, 2010, págs. 859 a 861, notas 11 a 19).
O Ministério Público recorrente entende, ao contrário, que, se a intenção do legislador fosse transpor para os titulares dos cargos políticos abrangidos pela LRTCP o regime da violação de segredo por funcionário, prevista no Código Penal, não teria sentido criar um regime específico quando ao exercício da acção penal, acrescentando na respectiva norma o segmento “salvo se esse for o Estado”. O que o legislador pretendeu foi consagrar um regime em que a administração poderá sempre dar início ao procedimento, face à afectação do interesse público da legalidade da administração, sempre presente na violação da norma, mesmo que o ofendido particular reflexamente afectado no seu interesse individual entenda não apresentar queixa.
Para o Ministério Público a norma em causa tutela interesses (i) individuais, fazendo depender o procedimento de queixa do ofendido particular, (ii) interesses públicos de dimensão local e funcional, em que se exige participação da entidade administrativa que superintende no órgão de que o infractor é titular e (iii) interesses públicos de dimensão nacional, inerentes ao Estado, para cujo procedimento criminal a ressalva final da norma dispensa a apresentação de queixa. Em suma, se o ofendido pela violação do segredo for um particular, o procedimento criminal pode iniciar-se com queixa sua ou com participação do respectivo órgão da administração, ao passo que, se o ofendido for o Estado, o crime tem natureza pública.
3.2. Consideramos que a razão está do lado do recorrente e que, no caso em apreço, o Ministério Público tem legitimidade para a acção penal, embora não exactamente pelas razões que aponta.
Vejamos porquê.
Na versão originária de 1982, o artigo 433º do CP previa o crime de revelação de segredo por funcionário, dispondo o seu nº 3 que «O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda no respectivo serviço ou do ofendido». Nenhuma dúvida se colocava sobre a natureza semi-pública deste crime, mesmo quando o interesse directamente ofendido fosse o do Estado.
Nos trabalhos preparatórios da Lei 34/87 (DAR de 28/2/87, II Série, nº 49), verifica-se que o Projecto de Lei que viria a dar origem à norma hoje em vigor propunha a seguinte redacção: «O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, ou do ofendido salvo se este for o Estado». Porém, sem que haja registo das razões das alterações (que anotamos a negrito e sublinhado), a norma aprovada viria a ter a seguinte redacção: «O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda, ainda que a título de tutela, no órgão de que o infractor seja titular, ou do ofendido, salvo se esse for o Estado». Muito embora não estando documentadas as razões de se ter acrescentado aquela vírgula nem de se ter substituído o pronome “este” por “esse”, isso em nada altera o sentido da expressão “salvo se esse for o Estado”. Os pronomes “este” e “esse”, na redacção do projecto e da lei aprovada, referem-se sempre à designação do ofendido, que os antecede, e não da entidade administrativa – caso em que os pronomes seriam “essa” ou “aquela” – nem do órgão de que o infractor é titular – caso em que seria “aquele”.
Com a revisão do Código Penal, introduzida pela Lei 48/95, o crime de violação de segredo por funcionário passou a estar previsto no artigo 383º, mas a sua natureza semi-pública manteve-se inalterada no texto da lei.
Do mesmo modo, as alterações introduzidas na LRTCP, pelas Leis 108/2001, 30/2008, 41/2010, 4/2011 e 4/2013, não operaram qualquer modificação no crime de violação de segredo previsto no artigo 27º, nomeadamente na norma que estamos agora a analisar, mantendo nela o segmento “salvo se esse for o Estado”.
Não há, assim, qualquer dúvida que o legislador, ao transpor o crime de violação de segredo, quando praticado por funcionário, já previsto no artigo 433º e depois no artigo 383º do CP para o tipo especial do artigo 27º da LRTCP, quando praticado por titular de cargo político, acrescentou intencionalmente na norma que atribuía natureza semi-pública ao crime o segmento “salvo se o ofendido for o Estado”. Esta ressalva tem de ter algum sentido útil, pois o legislador, ao transpor para a lei especial a norma geral, não se limitou a introduzir modificações de pormenor para aperfeiçoamento de redacção. Não é crível que aquele acrescento tivesse apenas a função explicativa que se defende na decisão sob recurso. A norma tinha um sentido inequívoco e não tinha gerado dúvidas doutrinais ou jurisprudenciais relevantes que justificassem uma intervenção legislativa de clarificação da interpretação. Para mais quando é evidente que o alcance literal da pretensa clarificação é exactamente contrário ao significado que se pretende atribuir-lhe.
Não acompanhamos, portanto, a interpretação do tribunal de instrução, quando dela resulta, afinal, que o legislador, para esclarecer o sentido de uma norma que não oferecia qualquer dúvida, resolveu acrescentar-lhe uma ressalva cujo significado literal é o contrário da pretensa aclaração. Consideramos que a ressalva da parte final do nº 3 do artigo 27º da LRTCP tem necessariamente uma função derrogativa da norma que a antecede, que estabelece a natureza semi-pública do crime.
Pensamos que a aplicação das regras de interpretação do artigo 9º do CC não permite chegar a outra conclusão, como apontamos sinteticamente de seguida:
- Reconstrução do pensamento legislativo a partir do texto: a LRTCP, aplicável aos titulares de cargos políticos e equiparados, atenta a especial responsabilidade dos sujeitos abrangidos pelos tipos de crime aí previstos, visou proteger de forma mais efectiva e intensa os respectivos bens jurídicos, em razão da qualidade do agente. Ora, essa intenção legislativa, de agravação da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos e equiparados, claramente vertida no texto da lei, impõe que se interprete a norma controvertida no sentido mais favorável ao alargamento das condições de punibilidade, permitindo que o Ministério Público inicie o procedimento penal sem queixa, quando o ofendido for o Estado.
- Unidade do sistema jurídico: Todos os crimes de responsabilidade previstos na LRTCP, em que o bem jurídico protegido se refere directamente a interesses públicos, têm natureza pública. E mais, por via do disposto no artigo 41º da mesma lei, estende-se mesmo a legitimidade para o exercício da acção penal, subordinadamente à do Ministério Público, aos ofendidos particulares e a um conjunto alargado de titulares de órgãos administrativos com funções de superintendência ou tutela. Sendo assim, atribuir ao nº 3 do artigo 27º um sentido como o defendido na decisão recorrida é contraditório com a solução acolhida pela lei para os demais crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
- Correspondência entre o pensamento legislativo e a letra da lei: interpretar a lei no sentido de considerar redundante a expressão “salvo se esse [o ofendido] for o Estado” equivale a atribuir-lhe um significado contrário ao que literalmente resulta do texto da norma, mais ainda, sabendo-se que o legislador conhecia a redacção do artigo 433º do Código Penal, vigente à data, e que introduziu aquele segmento com um propósito – que não pode ter sido o de esclarecer uma dúvida que não existia.
- Presunção de acolhimento da solução acertada e de expressão adequada do pensamento legislativo: a função do intérprete da lei deve presumir que a intenção do legislador se expressou correctamente no texto da norma. Neste caso, sendo o sentido literal da norma claro e adequado às finalidades de agravamento da responsabilidade de titulares de cargos políticos, presente na LRTCP, não há que atribuir-lhe um significado contrário, como se, ao criar um tipo especial, o legislador não tivesse querido afastar-se do regime geral.
Existe, ainda, um argumento interpretativo superveniente que não pode deixar de ser considerado. No momento em que decidimos o presente recurso, está já publicada a Lei 94/2021 (DR, Série /, 21/12/2021), que revoga o nº 3 do artigo 27º da Lei 34/87, tornando evidente que o crime de violação de segredo terá sempre natureza pública, com as especificidades do artigo 40º, como todos os demais previstos na mesma lei. É verdade que esta alteração não está ainda e vigor e que também não se aplicaria ao caso concreto. De todo o modo, ela confirma a intenção do legislador, de agravamento do regime penal aplicável aos titulares de cargos políticos e equiparados.
Portanto, concluindo esta parte da análise, entendemos que o Ministério Público tem legitimidade para instaurar o procedimento criminal pelo crime de violação de segredo previsto no artigo 27º da LRTCP, sem dependência de queixa ou participação, sempre que o ofendido seja o Estado, isto é, de acordo com o disposto no artigo 113º nº 1 do CP, sempre que seja o Estado o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
3.3. Estabelecida aquela interpretação, importa agora verificar se nos crimes em apreço, objecto do despacho recorrido, a entidade ofendida é o Estado.
Recordemos, em primeiro lugar, que crimes de violação de segredo estão em causa na acusação do Ministério Público:
- Revelação da prova escrita do concurso 1/2015 para contratação de assistente operacional para a Câmara Municipal de … (CC…) – pontos 325 a 371);
- Revelação da prova escrita do concurso 2/2015 para contratação de assistente técnico para a Câmara Municipal de … (EE…) – pontos 372 a 409);
- Revelação de documentos escritos e desenhados pertencentes ao projecto camarário de reabilitação das escolas de C… e F… – pontos 1077 a 1158;
- Revelação de documentos escritos e desenhados pertencentes ao projecto camarário de concurso limitado por prévia qualificação para reabilitação da EBS Dr. NN…, em C… e negociações com a F1…, Lda – pontos 1159 a 1208;
- Foram acusados da prática desses crimes vários arguidos, entre os quais o Presidente da Câmara de ….
Como resulta do exposto, os segredos indiciariamente violados referem-se a documentos e factos inseridos em processos administrativos da Câmara Municipal de …. Por isso, sem prejuízo da natureza pública dos interesses afectados pela violação do segredo, a sua titularidade directa é do Município e não do Estado, enquanto pessoa colectiva pública.
Não aceitamos a interpretação do Ministério Público, segundo a qual o Estado se deve considerar ofendido neste caso porque os Municípios fazem parte do Estado (artigo 235º da CRP), porque está em causa o interesse público da legalidade da administração e porque a Lei 27/96 atribui ao Governo as funções de tutela administrativa sobre as autarquias locais. Uma tal interpretação da lei, que levasse a considerar que o Estado é ofendido no crime de violação de segredo do artigo 27º da LRTCP sempre que estivesse em causa a violação do interesse da legalidade da administração, não se adequa ao critério do interesse especialmente protegido pela incriminação previsto no artigo 113º nº 1 do CP e levaria a que a primeira parte da norma, que faz depender o procedimento criminal de queixa da entidade administrativa que superintende o órgão de que é titular o infractor, ficasse praticamente destituída de sentido útil. Dificilmente se conseguem conceber casos de violação de segredo por titulares de cargos políticos, no exercício das respectivas funções ou por causa delas, em que não esteja em causa, mais ou menos directamente, o interesse público da legalidade da acção administrativa.
No nosso entendimento, quando aquela norma atribui ao Estado a qualidade de ofendido, não se refere ao Estado enquanto entidade política, que a CRP identifica com a República de Portugal, mas sim ao Estado-administração, enquanto entidade colectiva pública, dotada de personalidade jurídica, de titularidade de direitos e deveres e de capacidade para os exercer, sob a direcção do Governo.
Como referiu Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, vol. I, pág. 221) “apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica”; “o Estado-administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, e nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas administrativas, também dotadas de distinta personalidade jurídica, tais como as regiões autónomas, as autarquias, as associações, institutos, empresas públicas, com personalidade jurídica, património, direitos, obrigações, atribuições, competências, finanças, pessoal próprios e que são terceiros em relação ao Estado”.
É pois seguro que o Estado, enquanto pessoa colectiva pública, susceptível da titularidade de direitos e, consequentemente, da capacidade jurídica de assumir a qualidade de ofendido num crime, com os critérios previstos no artigo 113º nº 1 do CP, é uma entidade distinta das outras pessoas colectivas públicas, nomeadamente das autarquias locais. Essa distinção resulta claramente do artigo 235º nº 2 da CRP, que define as autarquias locais como “pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”.
Aliás, também em diversas normas do no Código Penal o Estado é referido como entidade autónoma das demais pessoas colectivas públicas. Isso sucede, por exemplo, no artigo 11º, quando estabelece isenções de responsabilidade penal, nos artigos 48º e 58º, quando determina as entidades que podem beneficiar de prestação de trabalho a favor da comunidade, e no artigo 90º-I, a propósito da pena acessória de privação de direitos a subsídios, subvenções ou incentivos.
Sendo assim, em conclusão, apesar de concordarmos com o sentido da interpretação do Ministério Público da expressão “salvo se esse for o Estado”, entendemos que no caso do presente recurso o ofendido pelas condutas imputadas aos arguidos não foi o Estado mas sim a autarquia local município de …. Por isso, ao contrário do que se defende no recurso, o Ministério Público não tem legitimidade para acusar os arguidos por o Estado ser ofendido e assim o crime ter natureza pública.
3.4. Do que acabámos de afirmar não decorre, porém, que o Ministério Público careça de legitimidade para deduzir a acusação pelos crimes em causa. Efectivamente, tem essa legitimidade, mas por razões diferentes daquelas que defende. Vamos ver já porquê.
A entidade ofendida pela violação de segredo em processos administrativos camarários é o município. Daí resulta que o procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda no órgão de que seja titular o infractor. Simplesmente, o poder de apresentar queixa para se iniciar o procedimento criminal, enquadrado na competência de representação do município em juízo, está atribuído ao presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 35º nº 1 al. a) da Lei nº 75/2013 (regime jurídico das autarquias locais).
Não são aqui aplicáveis as regras de extensão do direito de apresentação de queixa previstas no artigo 41º da Lei nº 34/87, visto que estas se aplicam apenas aos crimes a que aquela lei atribui natureza pública e não ao crime de violação de segredo, quando tem natureza semi-pública, para o qual se estabeleceu a regra especial do nº 3 do artigo 27º.
Ora, como acabámos de ver, os crimes de violação de segredo imputados na acusação são semi-públicos e o início do procedimento penal depende de queixa, que teria de ser apresentada pelo presidente da Câmara Municipal de …. Sucede, no entanto, que o titular competente para exercer o direito de queixa era o alegado agente do crime. Neste caso, como se dispõe no artigo 113º nº 5 al. b) do CP, a legitimidade para iniciar o procedimento devolve-se ao Ministério Público, apesar da natureza semi-pública do crime, dado o manifesto conflito de interesses impeditivo da acção penal.
O Ministério Público tem, em conclusão, legitimidade para deduzir acusação contra os arguidos pelos crimes de violação de segredo em causa, não por se tratar de um crime público em que o Estado é ofendido, mas sim por se tratar de um crime semi-público em que o direito de queixa não podia ser exercido por pertencer apenas ao titular do órgão que é ao mesmo tempo apontado como agente do crime.
Sendo assim, o despacho impugnado, em que na parte do saneamento determinou o arquivamento do procedimento criminal por falta de legitimidade do Ministério Público tem de ser revogado, devendo o processo prosseguir com a prolação do despacho a que houve lugar.
4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em revogar o despacho recorrido na parte impugnada.
Sem custas.
Porto, 12 de Janeiro de 2022
Manuel Soares
João Pedro Nunes Maldonado