RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário


I - O recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a última decisão, a decisão a rever, donde resulta poder ser competente o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação ou, o Supremo Tribunal de Justiça.
II - Quer nos casos de confirmação quer nos casos de revogação, o tribunal decisor em última instância é o que confirma ou revoga (caso tenha havido recurso, ou recursos).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



VASCO PRATAS – Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., AA, BB, CC e DD, executados que são na ação que lhes foi movida por PARVALOREM, SA, vieram nos termos e para efeitos das alíneas b) e c) do artigo 696 do CPC apresentar, RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO, na Comarca de …, Instância Central – Secção de Execuções – J….

Nessa Instância foi proferida decisão com o seguinte teor:

Vieram “Vasco Pratas – Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., AA, BB, CC e DD interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do consignado no art.º 696.º/b)/c) CPC, da decisão final transitada em julgado que conheceu os Embargos de Executado (Apenso-A) deduzidos no âmbito da Ação Executiva n.º 7361/15.5T8CBR que corre termos neste Juízo de Execução de Coimbra/Juiz-….

“Os Embargos de Executado foram instaurados contra a Execução a 11-01-2016.

“Em 1.ª Instância, os Embargos de Executado assumiram o n.º 7361/15.5T8CBR-A, e a 24-04-2017 foi proferida sentença que julgou os Embargos de Executado totalmente procedentes e determinou a extinção da Ação Executiva.

“A sentença foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de …, onde correu termos sob o n.º 7361/15.5T8CBR-A.C1, e onde foi proferido, a 11-12-2018, acórdão que revogou a sentença da 1.ª Instância e que em sua substituição proferiu decisão que ordenou o prosseguimento da Ação executiva.

“O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde correu termos sob o n.º 7361/15.5T8CBR-A.C1.S1, e onde foi proferido, a 09-05-2019, acórdão que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

“O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, onde correu termos sob o n.º 679/19, e onde foi proferida, a 08-01-2020, decisão sumária que não conheceu o recurso.

“Determina o art.º 697.º/1 CPC que o recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.

“Parece ser largamente dominante na doutrina e na jurisprudência de que a revisão compete ao Tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado que se pretende rever. A título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2019 (15/10.0TTPRT-B.P1.S1):

“I - Nos termos do art.º 697.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1ª instância.”.

“No caso concreto:

“A sentença proferida neste Tribunal de 1.ª Instância foi revogada e substituída, pelo que não tem existência jurídica qualquer decisão de 1.ª Instância passível de revisão. Deste modo, ao instaurarem o recurso neste Tribunal de 1.ª Instância não observaram os Recorrentes as regras da competência dos Tribunais em razão da hierarquia (arts. 67.º a 69.º CPC), optando por um Tribunal absolutamente incompetente para conhecer da causa [art.º 96.º/a) CPC], o que implica o indeferimento liminar do recurso de revisão (arts. 99.º/1/“segunda parte”, 699.º/1, e 641.º/1/“parte final” CPC).

“Pelo exposto, o Tribunal decide: Indeferir liminarmente o Recurso de Revisão”.

Apresentaram os autores recurso contra esta decisão, vindo a ser deliberado pelo Tribunal da Relação:

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida”.

Novamente inconformados, apresentam recurso de revista e, conclui as suas alegações:

A) - Começa o douto Ac. por analisar a questão das novas diligências de prova:

“No que respeita às diligências (nomeadamente de prova), o art.700.º, nº 3, da lei em análise diz-nos: «Quando o recurso tenha sido dirigido a um tribunal superior, pode este requisitar ao tribunal de 1ª instância, de onde o processo subiu, as diligências que se mostrem necessárias e que naquele não possam ter lugar».

Assim, no caso, não é o tribunal de 1ª instância o hierarquicamente competente.”.

B) - Há posições que defendem a propositura de acção na primeira instância por causa da matéria de facto e também porque é lá que está o processo, sendo esta instância que envia o processo para tribunal superior, mas há a posição dominante que defende que o processo deve ser intentado onde se deu o trânsito em julgado e será este tribunal a requisitar diligências à primeira instância a qual também toma decisões, logo a jurisprudência não é assim tão uniforme

C) - Mas e bem refere o douto Ac. no ponto 9º das suas conclusões, que os recorrentes solicitam ao douto tribunal da Relação que:

“Mas também e muito respeitosamente requer-se ao Tribunal da Relação que se pronuncie sobre qual o tribunal competente para o presente pleito devido às divergências existentes, nos termos do artigo 101 do CPC.

Veja-se Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 980/09.0TBPBL.C1-A, datado de 13-04-2010 que refere:

“I – A infracção das regras de competência em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo e enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (artºs 101º e 102º, nº 1, do CPC).

II – Dispõe o nº 1 do artº 772º do CPC, na redacção conferida pelo artº 1º do Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, que o recurso de revisão “…é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever”.

D) - A solicitação dos recorrentes e a sua argumentação, no recurso, não foi contraditada, pela Relação, nem tão pouco desmontada, invocando-se um acórdão do S.T.J., como jurisprudência, que refere “parece uniforme”, ou seja, salvo o devido respeito e melhor opinião, parecer não é o mesmo que ser uniforme, pelo que se mantém a argumentação, supra invocada.

E) - Mas, nas alegações, requereu-se ainda ao Tribunal da Relação que, caso não fosse o seu entendimento, se pronunciasse sobre qual seria o tribunal competente para julgar o pleito, o qual apenas decidiu sobre a incompetência do tribunal de primeira instância, não decidindo contudo qual teria competência, se o Tribunal da Relação ou se o Supremo Tribunal de Justiça, mas por uma questão de justiça, devemos considerar que o douto Tribunal da Relação, “nos factos a considerar” e quanto a nós, teve a percepção e análise correcta das questões a decidir.

F) - Ora tendo o tribunal da Relação decidido que o tribunal de primeira instância era incompetente em razão da hierarquia, solicita-se nos termos do n.º 1 do artigo 101º do CPC, que seja o Supremo Tribunal de Justiça, ouvido o ministério público que decida qual o tribunal competente, pois pretendem os recorrentes que não se verifique uma denegação de justiça ou uma omissão de pronunciamento, já que as suas expectativas precisam de uma decisão que esclareça qual o tribunal competente para o exercício do direito.

G) - Acresce que o que os recorrentes pretendem ver provado é a inexistência de qualquer prestação em atraso, como resulta da sua posição e defesa, porque não reapreciar a sua argumentação seria duma enorme injustiça que levaria a perder definitivamente uma causa com base num facto falso.

H) - Tais pretensões visam acautelar os direitos dos ora recorrentes, não só a nível do plano jurídico, como mesmo no plano constitucional, nomeadamente através da salvaguarda da sua segurança jurídica e protecção da confiança, princípios basilares do estado de direito.

I) - Veja-se o douto AC. do S.T. Administrativo de 13-11-2007, para o proc. 0164A/04, sobre os princípios da confiança e da segurança jurídica:

“I - O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.

II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte.

III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

TERMOS EM QUE, NA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, DEVE SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ACOLHA A MATERIALIDADE FLUENTE DAS CONCLUSÕES TECIDAS”.

Não houve contra-alegações.


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O recurso foi admitido, tendo em conta o disposto no art. 101 nº 1 do CPC.

Ouvido o Ministério Público, pelo mesmo foi dito:

“Ora, no caso dos autos, a decisão a rever é a decisão deste STJ, de 9/5/19, que confirmou o acórdão do TRC de 11/12/18.

Assim sendo, seguindo o nosso entendimento a Jurisprudência maioritária e mais recente deste mesmo STJ, somos de parecer que o Tribunal competente para conhecer do recurso de revisão interposto pelos executados é o STJ”.

Cita jurisprudência na qual se decidiu no sentido do parecer.


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Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso concreto, a questão a decidir respeita à competência (hierárquica) para apreciar o recurso de revisão interposto.


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Os factos a considerar são os seguintes:

A matéria de facto a considerar foi a fixada em 1ª instância e supratranscrita.

Releva no caso: O Tribunal da Relação revogou a decisão da 1ª instância, ordenando o prosseguimento da execução.

O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão da Relação.


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Assim, temos que o último decisor foi o STJ.

A decisão afigura-se simples.

Determina o art. 697, nº 1 do CPC que o recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.

Sendo que no anterior CPC (art. 772), o recurso era interposto no tribunal onde estivesse o processo, mas dirigido ao tribunal que tivesse proferido a decisão. Assim, já no anterior CPC o tribunal que tivesse proferido a decisão revidenda era o competente para decidir o recurso de revisão.

Este é o entendimento da jurisprudência, referindo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2019, proferido no proc. nº 15/10.0TTPRT-B.P1.S1, citado no despacho supra, bem como no parecer do Ministério Público:

I - Nos termos do art.º 697.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1ª instância”.

E no mesmo sentido, a vária jurisprudência citada nesse acórdão.

O recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão última decisão, a decisão a rever, donde resulta poder ser competente o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação ou, o Supremo Tribunal de Justiça.

E assim é, independentemente do sentido da decisão dos tribunais superiores, de confirmação ou de revogação. Se a jurisprudência se refere a casos de confirmação da decisão, em recurso, por maioria de razão deve ocorrer nos casos da revogação da decisão, em recurso.

Quer nos casos de confirmação quer nos casos de revogação, o tribunal decisor em última instância é o que confirma ou revoga (caso tenha havido recurso, ou recursos).

E o ac. do STJ de 19-09-2013, no proc. nº 663/09.1TVLSB.S1, refere:

I - O recurso de revisão previsto nos art.s 771º e segs CPC deve ser apreciado pelo tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado e a rever;

II - Tratando-se de decisão proferida em recurso, a revisão compete ao tribunal superior (Relação ou STJ), pois foi esta – e não a dos tribunais inferiores – que transitou em julgado”.

E se assim era no domínio do CPC anterior, menos dúvidas ocorrem no domínio do CPC vigente.

No sentido exposto, também Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, pág. 502, referindo: «Da norma decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1.ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado cuja revisão é pedida».

E de igual modo, Ribeiro Mendes in Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 201 (anterior CPC); e já Alberto dos Reis (no ainda mais anterior CPC), in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. VI, 1981, pág. 379).

No caso vertente e porque o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-05-2019, confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, foi este STJ o Tribunal que proferiu a decisão a rever e, consequentemente, é o Tribunal competente para conhecer (incluindo admitir) o recurso de revisão.

Assim, que deve ser confirmado o acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª Instância de indeferir liminarmente o Recurso de Revisão, por não ser o Tribunal competente.

Nos termos do art. 101, nº 1 do CPC determina-se a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, pelo que é o Tribunal onde deve ser interposto o recurso de revisão, nos termos do nº 1 do art. 697 do CPC.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - O recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a última decisão, a decisão a rever, donde resulta poder ser competente o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação ou, o Supremo Tribunal de Justiça.

II - Quer nos casos de confirmação quer nos casos de revogação, o tribunal decisor em última instância é o que confirma ou revoga (caso tenha havido recurso, ou recursos).

Decisão:

Pelo exposto, acordam em:

- Confirmar o acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª Instância de indeferimento liminar do Recurso de Revisão, por não ser o Tribunal competente.

- Determinar, nos termos do art. 101, nº 1 do CPC a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, como sendo o Tribunal onde deve ser interposto o recurso de revisão, nos termos do nº 1 do art. 697 do CPC.

Sem custas.


Lisboa, 04-05-2021


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto