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ACIDENTE DE TRABALHO
LEGITIMIDADE DA SEGURADORA
CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO
Sumário
Sumário (elaborado pela Relatora):
A obrigação de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, nos termos previstos no respectivo regime jurídico, tem como parte activa o trabalhador aí abrangido (em que, no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, se inclui o prestador de actividade no âmbito dum contrato de emprego-inserção) e como parte passiva o empregador, sem prejuízo de este estar obrigado a transferir a responsabilidade para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, que está sujeito a Apólice Uniforme nos termos do art. 81.º daquele regime e da Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho. Se o empregador não transferiu a responsabilidade pela reparação prevista no regime jurídico dos acidentes de trabalho para uma seguradora, através de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, impõe-se concluir que a seguradora não é responsável por aquela reparação e, assim, não está em causa uma mera questão de legitimidade processual passiva, nos termos estabelecidos no art. 30.º do Código de Processo Civil, mas sim de improcedência da acção por falta de fundamento legal, ocorrendo a situação prevista no art. 278.º, n.º 3, in fine do mesmo Código. A decisão sobre a competência material do tribunal não constitui caso julgado relativamente à decisão sobre a legitimidade adjectiva, por se tratar de duas questões concretas distintas da relação processual, e, por outro lado, é completamente irrelevante no que respeita à decisão sobre o mérito da causa. No processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, o réu só pode deduzir a intervenção principal de eventual responsável pela reparação ao sinistrado (tal como o tribunal a deve ordenar oficiosamente), e não também o chamamento de terceiro contra quem tenha acção de regresso para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, o que se compreende se atentarmos na natureza urgente de tal processo.
Alda Martins
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. Relatório
J. C. intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, no Juízo do Trabalho de Barcelos, contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., invocando, em síntese, que no âmbito de um contrato de emprego-inserção o A. foi admitido como trabalhador do Município ... em 16 de Maio de 2016, com a categoria profissional de assistente operacional, mediante a retribuição mensal de 575,80 €, e no dia 3 de Março de 2017 foi vítima de um acidente enquanto fazia a recolha de lixo, do qual resultaram ferimentos graves na sua pessoa.
A R. seguradora apresentou contestação, arguindo a incompetência do tribunal em razão da matéria na medida em que o A. não tinha contrato de trabalho e como tal não sofreu um acidente de trabalho, sendo certo que o que a contestante celebrou com o Município ... foi um contrato de seguro do ramo de Acidentes Pessoais Grupo, titulado pela apólice n.º ......01, o qual se rege pelas Condições Gerais 102, conforme resulta dos documentos que junta. Mais impugna a factualidade alegada.
O A. apresentou resposta à matéria da excepção, pugnando pela sua improcedência, e requereu a intervenção principal provocada do Município ..., o que foi deferido por despacho de 10/07/2019.
O MUNICÍPIO ... veio contestar, pugnando pela sua absolvição do pedido, em virtude de a sua responsabilidade por acidentes sofridos pelo A. estar transferida para a R. seguradora.
Em 18/09/2019, foi proferido despacho saneador onde se julgou o Juízo do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer da acção e se absolveram da instância os RR. X – Companhia de Seguros, S.A. e Município ....
Na sequência de recurso de apelação interposto pelo A., esta Relação proferiu Acórdão em 19/03/2020, a confirmar a decisão recorrida, mas o A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual proferiu Acórdão em 19/05/2021, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, acorda-se em conceder procedência ao recurso de revista, revogar o acórdão recorrido, fixando o Tribunal do Trabalho com competência para julgamento dos presentes autos.»
Volvidos os autos ao Juízo do Trabalho de Barcelos, foi proferido despacho saneador em 22/09/2021, onde, além do mais, se decidiu o seguinte: «Como foi referido em tempo pelo Mmo Juiz a quo o autor invoca como fonte da legitimidade da ré seguradora o contrato acima identificado, pelo que se se concluir que tal contrato não transferiu para a ré a obrigação do Município decorrente da reparação de acidentes de trabalho (assente que está por força da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que é de um acidente dessa natureza que aqui estamos a tratar), então carecerá a ré seguradora de legitimidade passiva. Ora, cumprido o contraditório na sequência do despacho de fls. 363, vieram as partes pronunciarem-se nos termos que ali constam, tendo o Município ... vindo, na sua pronúncia, subsidiariamente (para a hipótese de ser julgada procedente a excepção da ilegitimidade da ré seguradora) requerer a intervenção principal provocada da Seguradora X –COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., para efeitos de efetivação do direito de regresso que impede sobre o Réu e/ou responsabilização, nos termos dos artigos 316.º e 317.º do Código de Processo Civil ou, se assim não se entender, requerer que seja admitida a intervenção acessória da Seguradora X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., para os mesmos efeitos. Acerca de tal requerimento pronunciou-se a Ré seguradora opondo-se, pugnando pelo indeferimento liminar dos incidentes de intervenção principal provocada e de intervenção acessória provocada por os reputar não só absolutamente extemporâneos como infundados.
Cumpre apreciar e decidir.
A primeira questão que aqui se coloca prende-se com a natureza do próprio contrato de seguro que se encontra junto aos autos, a fls. 25 e 26 e ss.. No contrato subscrito pelo “Município ...” com a entidade seguradora aqui Interveniente “X – Companhia de Seguros, S.A.”, verifica-se que faz parte dos riscos segurados «os decorrentes da actividade desempenhada nas entidades promotoras (risco exclusivamente profissional), durante o percurso directo entre o domicílio e o local de exercício da actividade e o seu regresso, assim como, as deslocações ao IEFP ou à Segurança Social por motivo de convocação e ainda as deslocações para efectuar quaisquer diligências de procura de emprego» (cfr. fls. 25 in Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis à apólice). Sendo que nas próprias condições gerais desse contrato se prevê que poderiam as partes outorgantes optar entre a aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil e aquela do Direito do Trabalho (artigo 2.º, n.º 3, “Invalidez Permanente por Acidente – O que está seguro”), tendo as partes expressamente optado pela aplicação ao contrato de seguro aqui em apreço da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. Nesta conformidade, somos levados a concluir, considerando o decidido doutamente pelo Acórdão do STJ proferido nos presentes autos na parte onde é referido que “a situação dos autos é enquadrável, no âmbito dos referidos arts. 3.º e 8.º da LAT, como um acidente de trabalho, com a consequente aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro” (cfr. respectiva pág. 16) que o Município ... (entidade empregadora) nunca foi detentora de seguro válido e eficaz para cobertura de acidentes de trabalho do ora sinistrado, pois que o contrato de seguro celebrado entre a ré seguradora e o Município é um contrato de seguro de acidentes pessoais e não um contrato de seguro de acidentes de trabalho. Daí que seja forçosa a conclusão de que, face ao contrato de seguro invocado pelo autor para justificar a intervenção da ré seguradora, após a fixação da competência realizada pelo STJ neste Tribunal de Trabalho para julgamento nos presentes autos, que esta seguradora demandada não tem legitimidade passiva para intervir, porquanto o Município ... com tal contrato (e apenas ao seu teor literal poderemos ater-nos para a sua interpretação) não transferiu para a ré a obrigação do Município decorrente da reparação de acidentes de trabalho, pelo que carecerá a ré seguradora de legitimidade passiva. Pelo que, sem mais delongas, e na falta de contrato de seguro válido, de imediato declaro a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., como parte ilegítima na presente acção. Sendo a ilegitimidade uma das excepções dilatórias por excelência, mais não resta do que absolvê-la da presente instância – arts. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. e), ambos do Código de Processo Civil. Notifique.
*
Da requerida intervenção provocada principal ou acessória da Ré seguradora:
A questão a apreciar é a da admissibilidade do chamamento neste processo especial como parte principal ou acessória de entidade, como vimos supra, alheia à relação jurídica laboral para apuramento da sua responsabilidade civil. Como é sabido, a fixação judicial das indemnizações e pensões eventualmente devidas por aqueles que a LAT considera responsáveis pela reparação do sinistro laboral deve fazer-se na acção especial emergente de acidente de trabalho prevista no CPT, para o que têm competência os Tribunais do Trabalho de acordo com o que dispõe o art. 126º, n.º 1, al. c), da LOSJ (Lei 62/2013, de 26 de Agosto).
Este preceito defere competência aos Tribunais do Trabalho para conhecer: “c) Das questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais.” Não faz esta norma legal delimitadora de competência qualquer extensão de competência, ao contrário do que sucede, vg., com as questões entre os sujeitos de uma relação jurídica de trabalho e terceiros que, se obedecerem a certos requisitos, são equiparadas às questões entre sujeitos de uma relação jurídica laboral – cfr. a al. n) da mesma norma, nos termos da qual é atribuída aos Tribunais do Trabalho competência para conhecer: «Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente». Assim, a competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho que o autor invoca na petição inicial e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação em face do modo como aquela lei especial perspectiva aquela obrigação reparadora. Resulta da prescrição legal que não devem resolver-se no processo especial emergente de acidente de trabalho questões que nada têm a ver com a responsabilização especialmente prevista na lei de acidentes laborais, não podendo nele sequer ser condenados terceiros no pagamento das pensões e indemnizações a arbitrar.
Tal condenação só pode ocorrer sobre a entidade patronal ou sobre a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, sem prejuízo: - dos direitos que aos responsáveis a que alude a LAT são reconhecidos a exercer nos termos da lei geral, nos tribunais comuns; - do próprio direito do sinistrado perante as entidades civilmente responsáveis, a exercer também nos tribunais comuns.
Mais uma vez com clareza a LAT, que rege a matéria dos acidentes de trabalho, se dirige de modo autónomo e próprio à responsabilização da entidade patronal e/ou da seguradora para quem aquela haja transferido a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho. Trata-se de, neste regime próprio e naquele processo especial, responsabilizar sempre em primeira linha a entidade patronal e a sua seguradora (sendo caso disso) perante o sinistrado ou os seus beneficiários legais pelo pagamento das prestações previstas na LAT, garantindo-se-lhes desde logo, num processo especial célere e sem grandes dificuldades no apuramento da entidade responsável (que é sempre em primeira linha a entidade patronal), a efectividade do direito a estas prestações. Em matéria de processos por acidente de trabalho e de harmonia com o disposto no artº 129.º do Cód. Proc Trabalho, apenas é admissível a intervenção na acção de qualquer entidade que eventualmente seja susceptível de ser responsabilizada pela reparação dos prejuízos causados ao sinistrado ou beneficiários legais em caso de morte (neste sentido tem sido constante a jurisprudência do STJ, como se vê do Ac., de 9.11.94, CJStj, T. 3, pág. 290 e do STA, Ac. de 4.6.66 in A.D. nº 82, pág, 1342). De facto, o objecto da acção especial emergente de acidente de trabalho consiste em averiguar quem são as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei - a empregadora (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) - e que tem características específicas (que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é perspectivada nos arts. 562º e ss. do CC para efectivação da responsabilidade civil prevista nos arts. 483º e ss. do mesmo Código), destinando-se o incidente de intervenção de terceiros regulado de modo “sui generis” nos arts. 127º e 129º do CPT a possibilitar a intervenção na acção de todos aqueles que, de acordo com a LAT, podem ser eventualmente responsabilizados pelo pagamento das prestações na mesma previstas. Em suma, parece-nos ser possível concluir, salvo melhor opinião, que não é admissível, na presente acção especial, os incidentes de intervenção provocada principal ou acessória da Seguradora para quem o Município ... transferiu a sua responsabilidade civil no âmbito do contrato de seguro supra escalpelizado. De facto, não se nos afigura que seja lícita a intervenção nos presentes autos da seguradora “X”, mesmo a título de intervenção acessória, dado que, a título de intervenção principal, estaria arredada em face do supra exposto aquando da decisão acerca da ilegitimidade passiva da mesma entidade. Pelo exposto, decide-se não admitir a intervenção, quer principal, quer acessória, da seguradora X-Companhia de Seguros, S.A., nos termos dos artº 127º, n.º1 e 129º, n.º 1, al. b), a contrario, todos do C.P.T.. Custas do incidente pelo Réu Município ..., fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's - cfr. art. 7.º, n.º 3, e Tabela II, do R. Custas Processuais.»
O R. Município ... veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: «A. O presente Recurso consubstancia o mais profundo inconformismo do Recorrente face ao conteúdo do referido DESPACHO SANEADOR proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, na parte em que foi considerada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré Seguradora e consequente absolvição da instância da mesma. B. Em sede de recurso de revista interposto pelo Autor para apreciação da competência do Tribunal do Trabalho para julgar o acidente ocorrido durante o exercício das suas funções ao abrigo de um contrato de emprego inserção +, veio o Venerando Supremo Tribunal de Justiça julgar o recurso procedente, tendo sido fixada a competência do Tribunal do Trabalho para dirimir o litígio. C. Formulou o Supremo Tribunal de Justiça, em suma, que a relação do regime destes acidentes com o regime juridico do contrato de trabalho era suficientemente forte para que fosse considerado competente para dirimir o litígio o Tribunal do Trabalho. D. Nesta conformidade, e servindo-se do pleiteado pelo douto Tribunal, entendeu o Tribunal a quo que o Município ... (entidade empregadora) nunca foi detentora de seguro válido e eficaz para cobertura de acidentes de trabalho do ora sinistrado, pois que «o contrato de seguro celebrado entre a ré seguradora e o Município é um contrato de seguro de acidentes pessoais e não um contrato de seguro de acidentes de trabalho». E. Ora, com o devido e merecedor respeito, parece-nos que o Tribunal a quo descurou, por completo, uma leitura integral do doutamente decido em sede do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Do Caso Julgado Da Decisão Do Supremo Tribunal De Justiça F. O douto Tribunal veio a considerar que «o Município ... celebrou com a Ré/Companhia de Seguros X um contrato para a transferência da responsabilidade civil por acidente de trabalho, como resulta do documento junto com a petição inicial, sob o n.º 3.» (destaque nosso) G. Mais tendo ainda dado como matéria assente que «foi na execução desse contrato que a Seguradora assistiu o Sinistrado através dos seus serviços clínicos.» (destaque nosso) H. Pelo que é patente que o DESPACHO SANEADOR em sindicância está em clara contradição com o Acórdão proferido em sede do recurso de revista interposto, o que não se pode admitir. I. Parece ter o Tribunal a quo desconsiderado por completo a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça a respeito do seguro celebrado entre os Réus. J. É que de facto, por força da decisão do Supremo Tribunal de Justiça a situação sub judice enquadra-se num acidente de trabalho, mas de igual forma dúvidas não podem diversamente restar de que a responsabilidade do Município ... foi devidamente transferida para a Ré Seguradora, em virtude de contrato de seguro de acidentes pessoais celebrado entre as partes. K. Que, mais se diga, nas suas condições particulares previa expressamente a cobertura dos riscos inerentes à atividade profissional desempenhada pelo Autor, determinando que: «ficam garantidos os riscos decorrentes da atividade desempenhada nas entidades promotoras (risco exclusivamente profissional)» (destaque nossos). L. Desta feita, a existência de um seguro que cobrisse os riscos associados à atividade profissional desempenhada pelo Autor foi de tal forma evidente e cristalina aos olhos do Supremo Tribunal de Justiça que o mesmo, repetidamente, o referiu em sede do Acórdão por si proferido: «o Município havia transferido a responsabilidade infortunística para a Seguradora/Ré nos termos do n.º 1 do art.º 79.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) que dispõe: O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.» M. Pelo que sobre a validade do contrato de seguro celebrado entre os Réus e a consequente transferência de responsabilidade não mais poderia o Tribunal a quo ter-se pronunciado, dado tratar-se de matéria assente em sede do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sob a qual foi aposta autoridade de caso julgado. N. Deste modo, tendo já o Supremo Tribunal de Justiça decido pela validade e consequente transferência da responsabilidade civil por acidente de trabalho para a Ré Seguradora, não podia ter o Tribunal a quo decidido, como decidiu, de modo diverso. O. Por todo o exposto, o Tribunal a quo não respeitou a vinculação a que estava adstrito por força do caso julgado, o que aqui expressamente se invoca. P. Tendo o DESPACHO SANEADOR em crise violado a autoridade de caso julgado no que respeita à validade do seguro celebrado entre o Réu Município e a Ré Seguradora, e tendo nesse sentido, absolvido a Ré Seguradora da instância, o mesmo padece de ilegalidade e nulidade por violação de lei de processo em particular, do artigo 580.º, n.º 2 do CPC, nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
Da Assunção De Responsabilidade Por Parte Da Ré Q. Se o sobredito não fosse já suficientemente firme para reverter a decisão do Tribunal a quo, veja-se ainda que em sede da defesa apresentada pela Ré Seguradora, continua a ser visível que a mesma perfilha do entendimento de que o seguro contratado é válido e eficaz para os trabalhadores abrangidos pelo Contrato Emprego Inserção+. R. Entendimento, diga-se, em conformidade com o preceituado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que como vimos entendeu existir uma transferência da responsabilidade civil por acidente de trabalho nos termos do n.º 1 do artigo 79.º da LAT. S. A Ré seguradora não só reembolsou o Autor de todas as despesas com consultas e tratamentos que o mesmo teve como ainda procedeu ao pagamento do benefício, em dinheiro, ao Autor pela incapacidade temporária resultante do acidente ocorrido. T. Pelo que se torna por demais evidente a assunção da responsabilidade pela própria Ré Seguradora – e bem! – dada a transferência integral da responsabilidade com a celebração do já melhor identificado seguro. U. Comportamento extrajudicial esse que revela o desacerto de uma eventual ilegitimidade que o Tribunal a quo tende a desconsiderar por completo apenas porque tal seguro foi intitulado de “Seguro de Acidentes Pessoais” e não de “Seguro de Acidentes de Trabalho”. V. O que, com o devido respeito, não se concede. W. É o próprio Supremo Tribunal de Justiça que afirma que o seguro contratado entre o Município ... e a Seguradora X preenche os requisitos do seguro previsto no artigo 79, n.º 1 da LAT, por força da equiparação de regimes. X. E o simples facto de o acidente nos presentes autos vir a ser qualificado como acidente de trabalho, repita-se, por força da similitude de regimes, não pode, per si, determinar a invalidade e ineficácia do seguro de acidentes pessoais anteriormente contratado para o efeito. Y. Além de que, parece não ser apenas a Ré Seguradora a perfilhar da tese da contratação de um Seguro de Acidentes Pessoais para os casos de Contratos de Emprego-Inserção+. Z. Em boa verdade, o aqui Recorrente deparou-se, à data de hoje, com a divulgação no site da Companhia de Seguros T. a contratualização de um “Seguro Acidentes Pessoais Programas Ocupacionais”, para efeitos de “proteção obrigatória para trabalhadores contratados ao abrigo dos Contratos Emprego-Inserção” – Cfr. Documento n.º 1 que se junta com o presente, nos termos dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais. AA. O que apenas pode significar que efetivamente, ao abrigo da Portaria 128/2009, de 30 de Janeiro não era obrigatória a contratação de um seguro de acidentes de trabalho, pelo que ainda que seja a situação dos autos equiparada a um acidente de trabalho por força da similitude de regime, tal não pode traduzir-se na invalidade do seguro entretanto contratado para efeitos de assunção da responsabilidade da Ré Seguradora. BB. Algo que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça claramente inteligiu, daí ter assumido a validade do contrato celebrado entre os Réus, o que apenas evidencia, por demais, o desajuste da decisão proferida em sede de DESPACHO SANEADOR. Se assim não se entender, o que não se admite e apenas por mero dever de patrocínio se concede, CC. a entender-se que existia, ainda assim, uma obrigatoriedade na contratação de um seguro de Acidentes de Trabalho por parte do Município ... ao abrigo do Contrato de emprego inserção + celebrado com o Autor, sempre se refira o seguinte: DD. A Seguradora, aqui Ré, aconselhou o Município no sentido da celebração de um Seguro de Acidentes Pessoais, dado que “preenchia os requisitos necessários”. EE. Ao qual o Município ... acedeu, dado ser parte totalmente fragilizada no assunto por desconhecer toda a panóplia de seguros/apólices existentes e, acreditando de boa-fé que o seguro proposto correspondia às imposições legalmente exigidas, contratualizou com a Seguradora o Seguro de Acidentes Pessoais já melhor identificado. FF. Desta feita, é indiscutível a obrigatoriedade da iniciativa de informar o Tomador do Seguro, por parte da Seguradora, em relação a aspetos que justifiquem aclaração, dado o propósito claro manifestado na contratualização do seguro em benefício do Segurado, aqui Autor. GG. Fica claro que o Município foi induzido a contratar um seguro que a Ré Seguradora assegurou cobrir os riscos específicos que este pretendia. HH. Nestas circunstâncias, em que o Tomador do Seguro procura a contratação de um seguro para finalidades específicas e concretas como a dos próprios autos, impunha-se por parte da Seguradora que conhecesse e, devidamente, alertasse o Município para a necessidade de ser contratualizado um Seguro de acidentes de trabalho. II. Pois a existir uma entidade responsável pela aferição dos seguros obrigatórios a serem contratados por empresas/instituições ou outras entidades, tal responsabilidade apenas poderia impender sobre a Ré Seguradora, parte contratual altamente cognoscente, especializada e instruída na matéria, algo que não aconteceu. JJ. Motivo pelo qual se torna apodítico afirmar que não foi contratado um seguro de acidentes de trabalho por responsabilidade imputável à Ré Seguradora, que não cumpriu o seu dever de informação e esclarecimento ao Tomador de Seguro nesse mesmíssimo sentido. KK. E considerou ser suficiente para o caso concreto do Réu Município a contratação de um seguro de Acidentes Pessoais. LL. Não podendo ser, dessa forma, assacada qualquer responsabilidade ao Município, parte totalmente débil na relação contratual. MM. Cumprirá, agora, à Seguradora assumir o risco de uma declaração pouco clara, da qual a mesma dispunha de meios para a evitar e, mesmo assim, não o fez. Pois, repita-se, a exigir-se o conhecimento do seguro apropriado para a situação dos presentes autos seria à Seguradora, que é quem detém o dominus do conhecimento na matéria. NN. Motivo pelo qual jamais poderia ter o Tribunal a quo impedido que a mesma fosse chamada à ação para efeitos de efetivação do direito de regresso que impede sobre o Réu e/ou responsabilização, nos termos dos artigos 316.º e 317.º do Código de Processo Civil. OO. Entre outras disposições, foram violados os artigos 580.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.»
A R. seguradora apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos, cumpre decidir em conferência.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- ilegitimidade da R. seguradora como responsável pela reparação de danos emergentes de acidente de trabalho;
- chamamento da R. seguradora à acção para acautelar direito de regresso do R. Município ....
3. Fundamentação de facto
A factualidade relevante é a decorrente do Relatório supra.
4. Apreciação do recurso
O Apelante sustenta que a R. seguradora é parte legítima na acção na medida em que transferiu para ela a responsabilidade pela reparação de danos emergentes do acidente de trabalho sofrido pelo A..
Vejamos.
A Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (RRATDP), incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (1), a noção legal de acidente de trabalho permite recortar a figura com recurso a um critério subjectivo, a um critério geográfico, a um critério temporal e ainda ao dano típico que resulta daquele, para além de se exigir um adequado nexo de causalidade entre o evento acidentário e o dano, nos termos gerais da responsabilidade civil.
A delimitação objectiva do conceito em função do critério geográfico, do critério temporal, do dano típico e do nexo de causalidade é-nos dada pelas normas constantes dos arts. 8.º a 11.º do RRATDP; no que respeita à delimitação subjectiva, relevam as normas constantes dos seus arts. 2.º a 7.º, tendo em conta o disposto nos arts. 127.º, n.º 1, al. g) e 283.º do Código do Trabalho e ainda no art. 4.º da respectiva Lei preambular n.º 7/2009, conjugadamente com o preceituado no art. 10.º do Código.
Ora, resulta dos arts. 127.º, n.º 1, al. g) e 283.º do Código do Trabalho que é ao empregador que cabe indemnizar o trabalhador dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho, o que é reafirmado pelo art. 7.º do RRATDP, nos seguintes termos:
Responsabilidade
É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.
Em suma, a obrigação de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, nos termos previstos no respectivo regime jurídico, tem como parte activa o trabalhador abrangido pelas disposições legais citadas (em que, no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, se inclui o prestador de actividade no âmbito dum contrato de emprego-inserção) e como parte passiva o empregador.
Sem prejuízo, nos termos dos arts. 283.º, n.º 5 do Código do Trabalho e 79.º, n.º 1 do RRATDP, o empregador está obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste diploma para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, apenas estando dispensadas a administração central, regional e local e as demais entidades nas circunstâncias mencionadas no art. 80.º do RRATDP.
Acrescenta o art. 81.º do RRATDP:
Apólice uniforme
1 - A apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos na presente lei e respectiva legislação regulamentar, é aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas das empresas de seguros e mediante parecer prévio do Conselho Económico e Social.
2 - A apólice uniforme obedece ao princípio da graduação dos prémios de seguro em função do grau de risco do acidente, tidas em conta a natureza da actividade e as condições de prevenção implantadas nos locais de trabalho.
3 - Deve ser prevista na apólice uniforme a revisão do valor do prémio, por iniciativa da seguradora ou a pedido do empregador, com base na modificação efectiva das condições de prevenção de acidentes nos locais de trabalho.
4 - São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou garantias estabelecidos na apólice uniforme prevista neste artigo.
Em conformidade, a Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, veio estabelecer a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes.
Posto isto, resulta inequivocamente da lei que o empregador não satisfaz a obrigação legal em referência ao celebrar qualquer outro contrato de seguro que não seja o obrigatório de acidentes de trabalho, em conformidade com a respectiva Apólice Uniforme, de modo a garantir a transferência de responsabilidade pela reparação prevista no RRATDP, designadamente as prestações em espécie elencadas nos arts. 23.º, al. a) e 25.º e as prestações em dinheiro enumeradas nos arts. 23,º, al. b) e 47.º.
Ora, o que resulta dos presentes autos, designadamente da Apólice n.º ......01, documentada em anexo à contestação da X – Companhia de Seguros, S.A., é que o Município ... celebrou com aquela um contrato de seguro do ramo Acidentes Pessoais Grupo, a que se aplicam as Condições Gerais 102 estabelecidas por tal seguradora, bem como as seguintes cláusulas particulares: «Ficam garantidos os riscos decorrentes da actividade desempenhada nas entidades promotoras (risco exclusivamente profissional), durante o percurso directo entre o domicílio e o local de exercício da actividade e o seu regresso, assim como, as deslocações ao IEFP ou à Segurança Social por motivo de convocação e ainda as deslocações para efectuar quaisquer diligências de procura de emprego. (…) Coberturas Capital Morte ou Invalidez Permanente por Acidente 75.000,00 € Desp. Trat., Transp. Sanitário e Repatriamento por Acidente 15.000,00 € Incapacidade Temporária por Acidente 20,00 € (…) Fica convencionado que as garantias são válidas no âmbito da actividade profissional da Pessoa Segura. Fica convencionado que o grau de desvalorização sofrido pela Pessoa Segura será determinado pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.»
Trata-se, pois, dum contrato de seguro que apenas cobre as mencionadas indemnizações em capital, com os limites indicados, completamente diferente do de acidentes de trabalho, que obrigatoriamente cobre as prestações em espécie e em dinheiro acima indicadas, entre as quais se encontram, por exemplo: serviços de reabilitação e reintegração profissional e social, incluindo a adaptação do posto do trabalho, serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida activa, apoio psicoterapêutico, sempre que necessário, à família do sinistrado, pensão por incapacidade permanente para o trabalho, subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, subsídio por morte, subsídio por despesas de funeral, pensão por morte, prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, subsídio para readaptação de habitação, subsídio para a frequência de acções no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho… Trata-se de prestações que não têm qualquer paralelo no seguro contratado pelos RR. e que não estão sujeitas a qualquer limite de valor que não seja o prescrito no RRATDP.
O Recorrente sustenta a legitimidade processual da R. seguradora, também, no facto de esta reconhecer a sua responsabilidade emergente do contrato de seguro acima mencionado, que celebrou com aquele, pagando ao sinistrado despesas e indemnizações cobertas pelo mesmo, mas, obviamente, tal significa precisamente o não reconhecimento de responsabilidade emergente de contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, que cobre prestações diversas, ainda que algumas aparentem ser sobreponíveis. Acresce que a existência de contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho não decorre minimamente da letra da Apólice, nos termos acima apreciados.
Por todo o exposto, estando demonstrado que o R. empregador não transferiu a responsabilidade pela reparação prevista no RRATDP para a R. seguradora, sendo certo que é aquela e só aquela que constitui objecto do processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho previsto nos arts. 99.º e ss. do Código de Processo do Trabalho, a que respeitam os presentes autos, impõe-se concluir que a X – Companhia de Seguros, S.A. não é responsável por aquela reparação e, assim, não está em causa uma mera questão de legitimidade processual passiva, nos termos estabelecidos no art. 30.º do Código de Processo Civil, mas sim de improcedência da acção por falta de fundamento legal.
Ocorre, pois, a situação prevista no art. 278.º, n.º 3, in fine do Código de Processo Civil, segundo o qual, ainda que subsistam excepções dilatórias, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
De todo o modo, ao contrário do que sustenta o Apelante, não constitui qualquer obstáculo o Acórdão proferido nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso de revista interposto do Acórdão desta Relação que confirmou o despacho saneador proferido em 18/09/2019, que julgara o Juízo do Trabalho absolutamente incompetente para conhecer da acção, já que aquele aresto se limitou a reapreciar esta questão, revogando o acórdão recorrido e fixando o Tribunal do Trabalho com competência para julgamento dos presentes autos.
As decisões judiciais em causa não apreciaram quaisquer outras questões, nomeadamente a excepção dilatória de legitimidade processual ou o mérito da causa quanto a qualquer dos RR., designadamente não decidiram que a R. seguradora é parte legítima na acção ou responsável pela reparação do acidente por força do seguro contratado com o R. Município .... Limitaram-se a apreciar a questão da competência material do tribunal em função de, na configuração do autor, estar ou não em causa um acidente de trabalho tal como delimitado objectiva e subjectivamente pelo Código do Trabalho e o RRATDP que o regulamentou nessa parte, nos termos acima explicitados, para cujo efeito não releva a celebração ou não de contrato de seguro pelo empregador e muito menos a natureza do mesmo.
Nos termos conjugados dos arts. 620.º, n.º 1 e 625.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, as sentenças e os despachos transitados em julgado que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (sem prejuízo do disposto no art. 101.º, n.º 1 do mesmo diploma, relevante no caso dos autos), prevalecendo sobre decisão posterior que, dentro do processo, verse sobre a mesma questão concreta da relação processual, ainda que esta também transite em julgado.
Assim, por um lado, a decisão sobre a competência material do tribunal que foi proferida nos presentes autos não constitui caso julgado relativamente à decisão sobre a legitimidade adjectiva, por se tratar de duas questões concretas distintas da relação processual, e, por outro lado, é completamente irrelevante no que respeita à decisão sobre o mérito da causa.
Com efeito, como resulta dos arts. 619.º, n.º 1, 621.º e 625.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, só se transitar em julgado sentença ou despacho saneador que decidam do mérito da causa é que a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do mesmo diploma, e nos precisos limites e termos em que julga, prevalecendo sobre decisão posterior sobre a mesma pretensão, ainda que esta também transite em julgado – situação que nada tem a ver com a dos autos.
De qualquer modo, como decorre do acima exposto, quaisquer referências ao contrato de seguro celebrado pelos RR., constantes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, extravasam dos elementos do conceito de acidente de trabalho que constitui o pressuposto de fixação da competência material dos juízos do trabalho, pelo que nunca estariam cobertas pela força do caso julgado formal estabelecido quanto a esta questão, ainda que o mesmo beneficiasse de autoridade em termos semelhantes aos que a lei concede às decisões sobre o mérito da causa, devendo ser entendidas como tendo carácter meramente argumentativo e lateral (2).
O Apelante insurge-se também contra a decisão recorrida na parte em que não admitiu o chamamento da R. seguradora à acção para efeitos de efectivação do direito de regresso, nos termos dos arts. 316.º e 317.º do Código de Processo Civil, alegando que só não foi contratado um seguro de acidentes de trabalho por responsabilidade imputável àquela, que não cumpriu o seu dever de informação e esclarecimento ao tomador de seguro nesse sentido e considerou ser suficiente para o caso concreto a contratação de um seguro de Acidentes Pessoais, sendo responsável pelos danos decorrentes da omissão.
Como resulta de tudo quanto se disse, a situação em apreço impõe a improcedência da presente acção relativamente à R. seguradora, por a mesma não ser responsável perante o A. pelos danos emergentes de acidente de trabalho, pelo que nunca caberia na previsão das normas legais invocadas pelo Recorrente, que pressupõem o litisconsórcio necessário ou voluntário ou a solidariedade da dívida.
Afigura-se que a pretensão do R. Município ... poderia, nos termos processuais comuns, constituir objecto do incidente de intervenção acessória regulado nos arts. 321.º e ss. do Código de Processo Civil, na medida em que a sua finalidade é a de que o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda possa chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 321.º). A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art. 332.º do referido Código, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização (art. 323.º, n.º 4). Tendo em conta a finalidade limitada do incidente, e que o mesmo pode acarretar grande perturbação para o processo, está sujeito a constrangimentos vários, nomeadamente quanto à oportunidade de dedução (art. 322.º, n.º 1), à extinção por dificuldades na citação do chamado (arts. 323.º, n.º 2 e 324.º) e aos fundamentos e efeitos da decisão proferida sobre o requerimento, dispondo o art. 322.º, n.º 2 que o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das questões a decidir na causa principal.
Sem prejuízo, o art. 129.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho estabelece que, na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu: a) Requerer a fixação de incapacidade nos mesmos termos que o autor; b) Indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior.
Conclui-se, assim, que, no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, o réu só pode deduzir a intervenção principal de eventual responsável pela reparação ao sinistrado (tal como o tribunal a deve ordenar oficiosamente, nos termos do art. 127.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho), e não também o chamamento de terceiro contra quem tenha acção de regresso para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, o que se compreende se atentarmos na natureza urgente de tal processo.
Por todo o exposto, a decisão do tribunal a quo afigura-se acertada também nesta parte, sendo certo que nem sequer é recorrível, por força do citado art. 322.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
5. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em absolver do pedido a R. X – Companhia de Seguros, S.A..
Custas pelo Apelante.
17 de Fevereiro de 2022
Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso
1. Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª edição, pp. 872 e ss..
2. Sobre esta temática, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 52/13.3TBTMC.G1.S1, de 14 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 1049/18.2T8GMR-A.S1, e de 12 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.