I - Para haver lugar a revista excecional, para além da dupla conforme é necessário verificarem-se os requisitos da admissão da revista normal e a essa admissão obstar, apenas, a verificação da dupla conforme.
II - A al. d) do nº 2 do art. 629 do CPC tem aplicação aos casos em que não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (casos em que apesar de se verificar o critério do valor e da sucumbência, o recurso não é admissível), como sejam, entre outros, o recurso nas providências cautelares – art. 370, nº 2 do CPC, processos de jurisdição voluntária – art. 988 do CPC, da fixação do valor em processo de expropriação – art. 66, nº 5 do Cód. das Expropriações.
III - O processo só irá à Formação quando o relator (no exame preliminar ao abrigo do art. 652 do CPC) verificar que o recurso de revista é admissível e, só a ocorrência da dupla conforme impede a admissão da revista normal (ou quando este entendimento for manifestado pelo Coletivo, em Conferência, requerida ao abrigo do nº 3 do referido art. 652.
AA veio, na ação por si movida, contra Espírito Santo Property Portugal (SGPS), SA, e outros, que correu termos na comarca de … - Juízo Central, reclamar da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada pelas RR.
Fundamentos da reclamação:
a) Pagamento de taxas em excesso pelas rés, considerando que se encontram numa situação de litisconsórcio e perante tal circunstância era apenas devida uma única taxa de justiça pelo conjunto das rés, razão pela qual não são tais taxas devidas pelo autor, devendo as rés, pretendendo o seu reembolso, solicitar a sua restituição no processo;
Notificados as rés, vieram pugnar pela improcedência da reclamação.
Foi proferida decisão, concedendo parcial provimento à reclamação, mas na parte relativa à matéria do presente recurso foi indeferida, com a seguinte fundamentação, “Nesta conformidade, independentemente de as rés terem sido demandadas solidariamente, na medida em que apresentaram defesas autónomas, conclui-se que as mesmas liquidaram corretamente as taxas de justiça devidas pela apresentação da contestação e como tal têm direito ao seu reembolso pelo autor a título de custas de parte.
Termos em que improcede nesta parte a reclamação.
Desta decisão interpôs o reclamante recurso de apelação, vindo a ser decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa: “Pelo exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida”.
“1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela qual foi declarada improcedente o recurso de Apelação do recorrente, relativa ao pedido de alteração da Conta de Custas das rés sociedades.
2. O presente processo foi movido contra cinco rés, sociedades comerciais, numa situação de litisconsórcio, e contra o 6º réu, BB, numa situação de coligação de réus.
3. A causa de pedir alegada contra as sociedades rés era uma única e o pedido de condenação era também um único e abrangia solidariamente todas as sociedades rés.
4. As rés sociedades apresentaram cada uma a sua Contestação, mas defenderam-se todas com os mesmos fundamentos e, no final, a decisão de absolvição das sociedades foi uma única e com o mesmo fundamento.
5. Nas suas alegações de recurso de Revista, do processo principal, as cinco rés sociedades apresentaram uma única peça processual (um único impulso) e só pagaram uma taxa de justiça, como consta da Nota Discriminativa apresentada.
6. Porque a situação controvertida dizia respeito a todas as sociedades rés e o pedido era um único, estamos perante uma situação de litisconsórcio, admitida pela primeira instância e pelo Tribunal da Relação.
7. O Tribunal da Relação, apesar de entender e aceitar que há uma situação de litisconsórcio, fez uma interpretação do nº 4, do artº 530º, do CPC, que não está na sua letra e não está no espírito da lei.
8. Na verdade, decidindo sobre o recurso de Apelação, o Tribunal da Relação veio decidir que, optando cada uma das rés sociedades em apresentar contestação em articulado próprio, cada uma paga a sua taxa de justiça e tem direito ao seu reembolso.
9. Na se concorda com esta interpretação.
10. O nº 4, do artº 530º, do CPC, vem estabelecer que, nas situações de litisconsórcio, aquele que figurar na petição inicial como parte primeira desse litisconsórcio, deve proceder ao pagamento da taxa de justiça na totalidade e tem o direito de regresso sobre os outos.
11. Como consta do Acórdão-fundamento “Em todos os casos de litisconsórcio, ocorrendo ou não a prática conjunta de um mesmo e único acto processual sujeito ao pagamento de taxa de justiça, é devido uma única vez o valor da taxa de justiça; responsável pelo seu pagamento é o “litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento” (artigo 447oA do Código de Processo Civil) (leia-se o primeiro deles que não estiver dispensado de pagar a taxa de justiça) ou que em primeiro lugar pagar a taxa de justiça, sem embargo do direito de regresso sobre os demais litisconsortes”.
12. Não faz sentido que, em situação de litisconsórcio, em que há identidade de causa de pedir e de pedido, a taxa de justiça seja pela totalidade e nas situações de coligação a taxa seja pela metade (ver alínea a), do nº 7, do artº 13º, do RCP, aplicável por força do previsto no nº 5, do artº 530, do CPC).
13. A taxa de justiça devida pelo impulso processual não afasta as regras do litisconsórcio, além de que não há dois valores processuais nas situações de litisconsórcio, sendo certo que o impulso processual a apreciar para efeitos de taxa de justiça é o do autor e não o dos réus (ver Acórdão-fundamento).
14. A taxa de justiça é fixada em função do valor e complexidade da causa, pelo que, a taxa de justiça está limitada a esse valor.
15. Se assim não fosse, e os litisconsortes fossem, por exemplo, mais de 100 réus, podia haver processos em que a taxa de justiça podia ser superior ao próprio valor do processo.
16. O relevante para determinação da taxa de justiça final e devida é o valor do processo e não somente o impulso processual.
17. O valor processual é o que determina a taxa de justiça a pagar e, sendo um único valor, não pode haver 5 taxas de justiça, porque implicaria a multiplicação do valor processual.
18. Se a taxa é “contrapartida da atividade processual que, em regra, vai envolver o desenvolvimento do processo”, como defende Salvador da Costa, então, nos presentes autos em que as rés sociedades estiveram representadas pelos mesmos mandatários, as contestações apresentadas são similares, tiveram as mesmas testemunhas, apresentaram em conjunto contraalegações de recurso, não faz sentido defender que tiveram 5 posições diferenciadas e que o trabalho foi multiplicado por cinco.
19. Considerando que estamos perante o pagamento de uma taxa e que esta representa o pagamento do “serviço judicial desenvolvido”, então, quando há um único processo com um único valor, uma única causa de pedir e um único pedido, a taxa de justiça não pode ser múltipla, porque não há vários processos e o trabalho judicial é um único.
20. Nem se diga que o relevante é o que efetivamente cada uma das sociedades pagou, em sede de taxa de justiça, porque este critério pode não estar conforme com a lei.
21. A aplicação da lei sobre as taxas de justiça é o fator relevante, porque estamos num Estado de Direito e não numa situação de facto.
22. Por força do previsto no nº 1, do artigo 528º e no nº 4, do artº 530º, ambos do CPC, as rés sociedades só deviam ter pago uma única taxa de justiça, que devia ter sido paga por aquela que figurava como primeira ré, ou seja, a “Espírito Santo Property Portugal (S.G.P.S.) S.A.” ou por aquela que fizesse o pagamento antes das outras (como aliás ocorreu inicialmente).
23. A única taxa de justiça inicial a considerar para efeito de Custas de Parte é a paga pela Espírito Santo Property Portugal (S.G.P.S.) S.A. com a sua Contestação, no valor de 1.632,00 €, a taxa de justiça das Contra-alegações do STJ no valor de 816,00 € e a taxa de justiça do requerimento de 14.11.2018, no valor de 25,50 €, tudo num total de 2.473,50 €.
24. Assim, a taxa de justiça que o autor tem em dívida para com as rés sociedades é uma única, no valor total de 2.473,50 €.
25. Em consequência, e considerando a retificação a realizar, o valor da Compensação pelos Honorários, apresentada pelas rés sociedades tem também de ser corrigida em conformidade.
Nestes termos e nos melhores de Direitos, se faz ponto nestas alegações, confiando em que menos por elas e mais pelo douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser aceite e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e, em sua substituição, ser proferido Acórdão que mande alterar a Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte da Rés Sociedades, por se estar em situação de litisconsórcio e a taxa de justiça ser somente devida pela ré sociedade que constava como parte primeira na petição inicial, tudo com as devidas consequências legais”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho pelo relator no qual decidiu: “Face a todo o exposto, temos não ser admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de ter sido recebido na Relação, conforme art. 641 nº 5 do CPC.
- Nestes termos decide-se pela não admissão do recurso de revista interposto”.
Inconformado com o teor do despacho, requereu o recorrente que sobre o despacho recaia um acórdão.
Fundamenta o requerimento, alegando:
- O recurso interposto e aqui em causa, é um recurso de revista excecional, apresentado ao abrigo da alínea c), do nº 1, do artº 672º, e da alínea d), do nº 2, do artº 629º, ambos do CPC.
- A decisão sobre a verificação dos pressupostos do recurso de revista excecional, é objeto de “apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis” (nº 3, do artº 672º, do CPC).
- O Sr. Juiz Relator não tem competência para proferir despacho de não admissão do recurso.
- Apesar do enorme respeito pelo Cons. Abrantes Geraldes, não se concorda com a opinião de que, no recurso de revista excecional, não se prescinde dos pressupostos gerais da recorribilidade, nomeadamente do valor da causa ou da sucumbência.
- A alínea d), do nº 2, do artº 629º, do CPC, não está desinserida do proémio da norma. Quando se prevê, na alínea d), “e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, não se está a dar o dito pelo não dito, sendo certo que tal seria impensável e um atestado de incongruência do legislador.
- Se o legislador quisesse que as situações da alínea d) ficassem sujeitas aos requisitos gerais do recurso, como sejam o valor da causa ou da sucumbência, então, tinha previsto outro número para essa situação, no artº 629º, do CPC.
- A única interpretação da alínea d), do nº 2, do artº 629º, do CPC, é aquela pela qual é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência, ainda que haja dupla conforme (situação que não permitia recurso ordinário e é um motivo estranho à alçada do tribunal), desde que o acórdão do Tribunal da Relação esteja em contradição com outro acórdão, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
- O âmbito deste recurso, previsto no nº 2, do artº 629º, do CPC, assenta num critério qualitativo das decisões judiciais, em detrimento de um critério quantitativo, assente no valor da causa ou da sucumbência.
- Não cabe na letra da lei a interpretação pela qual os requisitos gerais de recurso, como sejam o do valor da causa ou da sucumbência, continuem a verificar-se no recurso de revista excecional que aqui está em apreciação.
- Para aferir o valor da sucumbência tem de se considerar os 6.528,00 €, acrescidos do que foi pedido a mais no valor da compensação de honorários.
- Não é ainda possível determinar o valor da sucumbência do recorrente, mas, o seu valor pode vir a ser bastante superior.
- Havendo dúvidas, como aqui ocorre, sobre o valor da sucumbência, tem de se considerar somente, para efeitos do recurso, o valor da causa, por força do previsto na parte final do nº 1, do artº 629º, do CPC.
- O valor da causa, deste processo, é de 2.329.070,95 €.
- O que o legislador pretendeu, salvo melhor opinião, foi acabar com as contradições jurídicas e judiciais, quando está em causa a mesma questão fundamental de direito.
- A questão fundamental de direito aqui em causa é o pagamento de taxa de justiça em situações de litisconsórcio.
E conclui requerendo:
- Termos pelos quais, se requer seja proferido Acórdão, como previsto no nº 3, do artº 672º, conjugado com o nº 3, do artº 652º, do CPC, e, assim ocorrendo, seja tido em boa consideração todo o acima exposto, com a consequente admissão do Recurso de Revista Excecional, para evitar contradições judiciais, por estarem verificados os respetivos pressupostos, porque assim se fará Justiça.
“Da admissibilidade do recurso de revista:
Entendendo o relator que se verificava obstáculo impeditivo do conhecimento do objeto do recurso, ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 655 do CPC, nos seguintes termos:
“Entendemos não ser possível conhecer do objeto do recurso, por inadmissibilidade deste.
A revista excecional só é admissível quando se verifiquem os requisitos do recurso de revista, mas a tal obste a verificação da dupla conforme. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes in ob. cit. pág. 378, “a revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo nº 3 do art. 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição””.
Vem o recorrente pronunciar-se nos seguintes termos: “Consta do entendimento do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, que a Revista Excecional só é admissível quando existe dupla conforme, o que não ocorrerá neste recurso.
Acontece que, a primeira instância decidiu sobre o indeferimento da Reclamação do recorrente e, por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão pela qual “se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida”. Ao confirmar a decisão recorrida a Relação proferiu decisão conforme com a decisão da primeira instância”.
No despacho que transcrevemos não se diz o que o recorrente, interpretou e entendeu. O que se diz expressamente é que, para haver lugar a revista excecional, para além da dupla conforme é necessário verificarem-se os requisitos da admissão da revista normal e a essa admissão obstar, apenas, a verificação da dupla conforme (sendo que, em caso de admissão, tem a Formação a que alude o nº 3 do art. 672 do CPC a competência para decidir da verificação dos respetivos pressupostos).
Como se pode constatar do despacho em causa: “A revista excecional só é admissível quando se verifiquem os requisitos do recurso de revista, mas a tal obste a verificação da dupla conforme. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes in ob. cit. pág. 378, “a revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo nº 3 do art. 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição”” (sublinhado agora aposto).
Donde resultava claramente que, se entendia que não se verificavam os pressupostos de admissão da revista normal.
E sobre esta matéria o recorrente nada acrescenta.
O recorrente vem interpor o recurso “…de Revista Excecional, ao abrigo da alínea c) do nº 1, do artº 672º e da alínea d), do nº 2, do artº 629º, ambos do CPC”.
Apesar de invocado o art. 629 nº 2 al. d), verifica-se que os autos não preenchem esse requisito (aliás se preenchesse não necessitaria o recorrente de lançar mão da invocação da revista excecional).
Não se verifica o segmento final previsto na norma, “…e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”.
Para ser sempre admissível recurso nos termos da al. d) do nº 2 do art. 629 do CPC, para além da contradição com outro acórdão, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, é necessário que “não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”.
No presente caso não existe qualquer norma que impeça o recurso de revista a não ser o valor da causa, isto é, o recurso não é admissível apenas por motivos de não verificação da alçada.
Como refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed. pág. 57, “reabriu-se, deste modo a possibilidade de interpor recurso de revista para o STJ em casos em que esse acesso seja vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento a tal recurso resida em motivos de ordem legal que sejam estranhos à interseção entre o valor do processo e o valor da alçada da Relação.
(…) Ao invés do que faria supor a integração da al. d) no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência. Só assim se compreende, aliás, o segmento normativo referente ao «motivo estranho à alçada do tribunal»”.
Conforme Ac. deste STJ de 23-06-2016, no proc. nº 2023/13.0TJLSB.L1.S1, “I. A interpretação do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC mais conforme com a razão teleológica que lhe subjaz, com a unidade do sistema recursório de uniformização e como o factor histórico-evolutivo do instituto em referência é no sentido de que a admissibilidade irrestrita de recurso com o fundamento ali previsto se confina aos casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho”.
E acrescenta, “… a sua aplicação [nº 2 al. d) do art. 629 do CPC] se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão da Relação proferido no âmbito de ação (ou procedimento) cujo valor excede a alçada da relação, mas relativamente à qual esteja excluído o recurso de revista por outro motivo de ordem legal. É esta aliás, a interpretação que é seguida pela jurisprudência generalizada do Supremo e da doutrina” citando a jurisprudência e doutrina, em nota de rodapé.
Assim, temos que não se verifica qualquer fundamento que torne o recurso sempre admissível, nomeadamente alguma das situações previstas no n.º 2 do art. 629.º do CPC.
Como se verifica dos autos, o valor atribuído ao incidente (valor da causa) é de: 15.472,13 €.
E a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em menos de metade do valor da alçada do Tribunal recorrido (Tribunal da Relação e a que corresponde a alçada de 30.000,00€), pois e conforme diz o recorrente, “Não tem o autor qualquer responsabilidade pelo facto de as rés terem pago várias taxas de justiça ou os complementos da taxa de justiça no valor total de 6.528,00 €”.
Isto, independentemente da verificação da contradição de julgados, que também se não verificará, pois num dos processos (acórdão recorrido) há várias impugnações (vários impulsos processuais autónomos) e no outro (acórdão fundamento) há uma só impugnação (só um impulso processual), pelo que as decisões não incidem sobre a mesma questão fundamental de direito (art. 629, nº 2 al. d) do CPC). Não existe identidade da questão de direito essencial, porque a mesma não incide sobre situações com um núcleo factual essencialmente idêntico, ou seja, não há oposição de acórdãos pois o conjunto de factos a que cada acórdão se reporta é distinto e, o STJ tem exigido, para que se verifique a contradição, a identidade dos factos entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
No Ac. do STJ de 11-11-2014, 542/14 in www.dgsi.pt se concluiu que apenas releva para a verificação de uma contradição relativa a uma questão de direito que se tenha revelado verdadeiramente decisiva para os resultados declarados em qualquer dos acórdãos.
Por outro lado, entende o recorrente que se verifica fundamento para recurso de revista excecional, art. 672, nº 1 al. c) do CPC.
Mas, a revista excecional integra-se no (é um) recurso de revista, ou seja, devem verificar-se os requisitos normais de admissão do recurso de revista, mas a isso se opõe a verificação da dupla conforme, prevista no nº 3 do art. 671 do CPC.
Refere o Cons. Alves Velho in “Sobre a revista excecional. Aspetos práticos”, in https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26300.pdf, “a revista excecional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do artigo 672º.
Se o recurso de revista nos termos gerais não for admissível, tendo em consideração os critérios gerais de recorribilidade, a espécie da decisão impugnanda e o elenco das hipóteses enunciadas no art. 671º, a revista excecional, porque pressupõe que seja a dupla conforme o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais, também o não poderá ser”.
E refere o Ac. do STJ de 27-06-2019, no proc. nº 3980/17.3T8CBR-B.C1.S2 que, “I Tem sido entendimento unânime da Formação a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº 3 do CPCivil, que a admissibilidade da Revista excecional pressupõe: i) que a Revista autónoma-regra só não seja admissível por se verificar a situação de dupla conformidade, pois se aquela não existisse e a Revista não fosse de admitir, não se poderá lançar mão da Revista excecional; ii) que a competência da Formação se limita aos pressupostos específicos deste preciso recurso, sendo atribuição do Relator/Coletivo a quem o processo for distribuído a aferição dos pressupostos gerais”.
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes in ob. cit. pág. 378, “a revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo nº 3 do art. 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição”.
Referindo a fls. 59, “os casos a que se reporta a revista excecional pressupõem precisamente que seja admitido, em abstrato, recurso de revista, quer em função do valor ou da sucumbência, quer em função da ausência de outro impedimento legal, sofrendo a revista apenas uma limitação – que não uma exclusão absoluta – por via da dupla conforme”.
Assim, temos que não se verificam os requisitos de admissão do recurso de revista ordinária, pelo que os autos não devem ser remetidos à Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC”.
No entanto, reafirmamos o dito no despacho reclamado e, acrescentamos:
- Alega o reclamante que o recurso, porque é um recurso de revista excecional, só pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672 do CPC, pode ser decidida a não admissão;
Invocando o recorrente a revista excecional e a revista (normal) por força do disposto no art. 671, nº 2 al. a) e 629, nº 2 al. d) do CPC, temos que se trata de incongruência. Ou se verificam os requisitos enunciados no art. 629, nº 2 al. d) do CPC e o recurso é sempre admissível sem necessidade de lançar mão à possibilidade de revista excecional, ou não se verificam e, aí, pode alegar os requisitos da revista excecional e aguardar o veredicto da Formação.
Ou seja, a dupla conforme não é obstáculo ao recurso de revista, “nos casos em que o recurso é sempre admissível”.
No caso, entendeu-se no despacho reclamado, entendimento que a conferência mantém, que a revista excecional não dispensa os requisitos da revista normal e à admissão desta (revista normal) apenas obsta a verificação da dupla conforme (confirmação por acórdão da Relação da sentença da 1ª Instância, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente).
Assim não será quando se verificarem os pressupostos do nº 2 do art. 671, nomeadamente o da al. a), (quando o recurso seja sempre admissível). Nesta situação, a dupla conforme não obsta ao recurso de revista.
O processo só irá à Formação quando o relator (no exame preliminar ao abrigo do art. 652 do CPC) verificar que o recurso de revista é admissível e, só a ocorrência da dupla conforme impede a admissão da revista normal (ou quando este entendimento for manifestado pelo Coletivo, em Conferência, requerida ao abrigo do nº 3 do referido art. 652.
O reclamante tem toda a legitimidade e liberdade para discordar deste entendimento que é, o seguido pela Jurisprudência e nos termos como o relator fundamentou o despacho reclamado.
O entendimento deste Tribunal é o de que, o recurso de revista excecional não prescinde dos pressupostos gerais da recorribilidade, previstos no nº 1 do art. 671 e nº 1 do art. 629, do CPC.
- Alega o reclamante que a alínea d), do nº 2, do art. 629, do CPC, não está desinserida do proémio da norma e que, quando se prevê, na alínea d), «“e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, não se está a dar o dito pelo não dito, sendo certo que tal seria impensável e um atestado de incongruência do legislador».
É o entendimento do reclamante.
A Conferência mantém o explanado pelo relator, que tem sustentação jurisprudencial, de que a admissibilidade de recurso com fundamento na contradição de julgados não dispensa o atender-se ao valor da causa e à sucumbência.
Não fazia sentido que em situação de não verificação dos requisitos da alçada e sucumbência não fosse admissível recurso, mas já o seria se na mesma situação tivesse ocorrido contradição de julgados.
Se a admissibilidade de recurso ocorresse sempre que se verifica contradição de julgados, tal esvaziava, ficando sem qualquer sentido útil, a norma da al. c) do nº 1 do art. 672 do CPC (já acima referimos que a dupla conforme não obsta nos casos em que o recurso é sempre admissível).
Assim que, a al. d) do nº 2 do art. 629 do CPC tem aplicação aos casos em que não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (casos em que apesar de se verificar o critério do valor e da sucumbência, o recurso não é admissível), como sejam, entre outros, o recurso nas providências cautelares – art. 370, nº 2 do CPC, processos de jurisdição voluntária – art. 988 do CPC, da fixação do valor da indemnização em processo de expropriação – art. 66, nº 5 do Cód. das Expropriações e, outros casos que a lei expressamente preveja e, se verifica contradição de julgados, nos termos aí previstos.
- Alega o reclamante que não cabe na letra da lei a interpretação pela qual os requisitos gerais de recurso, como sejam o do valor da causa ou da sucumbência, continuem a verificar-se no recurso de revista excecional que aqui está em apreciação.
Temos, como se vem dizendo, que cabe na letra da norma do nº 3 do art. 671, do CPC. Verificando-se os requisitos da revista normal, mas tenha ocorrido dupla conforme nas decisões das instâncias, o recurso de revista só é admissível pela via da revista excecional e desde que se verifiquem os requisitos, a esta, inerentes e, previstos no art. 672, do mesmo Código (exceção são os casos em que o recurso é sempre admissível).
- Alega o reclamante que, para aferir o valor da sucumbência tem de se considerar os 6.528,00 €, acrescidos do que foi pedido a mais no valor da compensação de honorários. Não é ainda possível determinar o valor da sucumbência do recorrente, mas, o seu valor pode vir a ser bastante superior;
A ação foi decidida e apenas está em causa o apenso relativo ao incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada pelas RR.
O fundamento da reclamação era a alegação do pagamento de taxas em excesso pelas rés, considerando que se encontram numa situação de litisconsórcio e perante tal circunstância era apenas devida uma única taxa de justiça pelo conjunto das rés.
Como se verifica dos autos, o valor atribuído a este incidente (valor da causa) é de: 15.472,13 €.
E a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em menos de metade do valor da alçada do Tribunal recorrido (Tribunal da Relação e a que corresponde a alçada de 30.000,00€), pois e conforme diz o recorrente, “Não tem o autor qualquer responsabilidade pelo facto de as rés terem pago várias taxas de justiça ou os complementos da taxa de justiça no valor total de 6.528,00 €”.
O que o reclamante agora volta a reiterar, “a questão fundamental de direito aqui em causa é o pagamento de taxa de justiça em situações de litisconsórcio”.
No caso, nem o valor é superior à alçada do tribunal de que se recorre, nem a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Não se verificam os requisitos de recurso de ordinário de revista normal.
E face a esses valores, não há dúvidas, sobre o valor da sucumbência.
Face ao exposto entende-se, pois, ser de manter a decisão (do relator) reclamada.
I - Para haver lugar a revista excecional, para além da dupla conforme é necessário verificarem-se os requisitos da admissão da revista normal e a essa admissão obstar, apenas, a verificação da dupla conforme.
II - A al. d) do nº 2 do art. 629 do CPC tem aplicação aos casos em que não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (casos em que apesar de se verificar o critério do valor e da sucumbência, o recurso não é admissível), como sejam, entre outros, o recurso nas providências cautelares – art. 370, nº 2 do CPC, processos de jurisdição voluntária – art. 988 do CPC, da fixação do valor em processo de expropriação – art. 66, nº 5 do Cód. das Expropriações.
III - O processo só irá à Formação quando o relator (no exame preliminar ao abrigo do art. 652 do CPC) verificar que o recurso de revista é admissível e, só a ocorrência da dupla conforme impede a admissão da revista normal (ou quando este entendimento for manifestado pelo Coletivo, em Conferência, requerida ao abrigo do nº 3 do referido art. 652.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação e, confirma-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, com três Ucs de taxa de justiça.
Lisboa, 06-04-2021
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator
Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.
Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta
António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto