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CONVENÇÃO DE HAIA
RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS
REGRESSO DA CRIANÇA
JUÍZO SOBRE A FORMA DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Sumário
I - A Convenção de Haia De 1980 Sobre Os Aspetos Civis Do Rapto Internacional De Crianças, admite exceções ao reconhecimento de que uma criança que foi deslocada do seu domicilio e país de origem em violação do disposto no artigo 3º, implica que seja assegurado pelo Estado em que a criança se encontre, o seu regresso imediato à residência habitual (artigo 1º e 2º) II - São exceções, ao regresso imediato da criança, as situações previstas nos artigos 12º e 13º da Convenção, normas que devem ser interpretadas de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989 ponderando as obrigações positivas do seu artigo 8.º nº 2. III - Esta avaliação, deve ser efetuada em concreto, com o conhecimento de todas as circunstancias factuais relativas à situação da criança, nomeadamente, integração do ambiente em que se encontra e ao seu desenvolvimento equilibrado, com prevalência do «seu superior interesse» identificado a partir de tal factualidade em relação aos valores da ordem publica e ao interesse do Requerente. IV - A decisão de regresso imediato da criança ao país de origem não envolve qualquer juízo prévio sobre a forma do exercício das responsabilidades parentais. Trata-se da mera reposição do estado anterior ao ato ilícito praticado, por outra palavras, da reposição da licitude.
Texto Integral
Processo: 1528/20.1T8AVR-A.P1
Sumário (artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
O Ministério Público demandou AA…, formulando, ao abrigo dos arts.1º a 5º da Convenção de Haia de 1980 e conforme solicitação das Autoridades da Noruega, pedido de regresso, ao país de origem, de BB…, nascido a ..-.-2016, registado como filho de CC… e da Demandada todos com os sinais dos autos.
A Demandada deduziu oposição ao regresso da criança fundada no acordo prévio do pai à mudança da residência do filho para Portugal, e na existência de violência doméstica ocorrido na Noruega.
Foram juntos documentos e foi requerida prestação de declarações de parte e inquirição de testemunhas.
Realizou-se inquérito sumário às condições sociais, económicas e habitacionais da progenitora e da criança em Portugal (12-1-2021 fls.110 e segs).
Foi solicitada a junção de CRC do progenitor bem como informação quanto a Inquéritos crime pendentes na Noruega (informação de 8-3-2021).
A Requerida juntou despacho do MP de 29-9-2020, determinando a emissão de pedido de auxílio judiciário mútuo nos termos dos arts. 7º, 2ª parte da Convenção de Istambul com vista à transmissão da denúncia para efeito de procedimento criminal pelo crime de violência doméstica supostamente praticado pelo progenitor sobre a progenitora (fls.132 e segs).
Cumprido o contraditório quanto à oposição da progenitora, veio o progenitor a 6-5-2021 (fls.160 e segs.) impugnar os factos alegados e sustentar que não visitou o filho dadas as restrições de deslocação decorrentes da Pandemia.
Foi determinada e realizada por psicólogo a avaliação sumária da criança visando aferir da sua capacidade para prestar declarações concluindo-se a 12-6-2021 pela sua inviabilidade.
Notificado o progenitor para querendo prestar declarações, este, declarou «não ver qualquer necessidade de tal diligência» (despacho de 9-7-2021 e resposta de 21-7-2021).
A Requerida prestou declarações em 16-8-2021.
Tentado o acordo não foi possível alcançar o mesmo.
O MP pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido de regresso formulado.
(…)
A sentença decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 13º alínea b) da Convenção De Haia De 1980 Sobre Os Aspectos Civis Do Rapto Internacional De Crianças, recusar o pedido de entrega do menor BB….
Determinou, subsequentemente, que “após trânsito, abra conclusão nos autos de regulação apensos a fim de ali ser revista a decisão provisória proferida nomeadamente quanto a convívios do menor com o pai e alimentos
Convocou a seguinte factualidade declarada assente:
A) BB… nasceu a ..-.-2016 e é filho de AA… e de CC….
B) A mãe foi para a Noruega em 2012 para trabalhar em voluntariado o que fez durante cerca de quatro meses, após o que conheceu o pai do BB….
C) Os progenitores do BB…, não são casados entre si, mas tiveram um relacionamento amoroso, tendo vivido juntos na Noruega desde 2014.
D) O casal viveu em várias cidades da Noruega ao longo do tempo do seu relacionamento, incluindo após o nascimento do BB….
E) A mãe, após interromper o voluntariado, passou a trabalhar num hotel e numa empresa de limpeza do pai, o que deixou de fazer com cerca dos quatro meses de gravidez por terem entendido (os pais) que corria risco com essa atividade.
F) Após o nascimento e até o BB… fazer dois anos a mãe ficou em casa cuidando dele e recebendo subsídio de apoio à maternidade.
G) Depois disso a mãe passou a frequentar uma nova formação profissional após o que, por razões relativas à atividade profissional do pai, mudaram de cidade voltando a mãe a fazer outra formação até que, na sequência de uma inundação em casa, os progenitores mudaram novamente de residência para outra cidade instalando-se provisoriamente em casa de uma amiga do progenitor, interrompendo então a mãe referida formação.
H) A mãe do BB… não tem família, casa nem emprego na Noruega e não fala norueguês.
I) O pai do BB tem uma empresa de produtos de agricultura biológica atividade na qual a mãe também colaborava.
J) Nesse âmbito a mãe do BB… organizou e planeou um curso que iria ser dado por ela em Portugal.
K) Na sequência de vários episódios de discussões entre o casal e da situação em que o agregado se encontrava (em casa de uma amiga do pai) os progenitores concordaram em separar-se e concordaram ainda que a mãe viria com o BB… para Portugal e que, mais tarde, tratariam de acertar os termos da regulação das responsabilidades parentais.
L) Nessa sequência a mãe juntamente com o BB… veio para Portugal no final do mês de Janeiro de 2020.
M) Por despacho datado do MP de 29-9-2020, e na sequência de participação apresentada pela mãe, foi determinada a emissão de pedido de auxílio judiciário mútuo nos termos dos arts. 7º, 2ª parte da Convenção de Istambul com vista à transmissão da denúncia para efeito de procedimento criminal pelo crime de violência doméstica supostamente praticado pelo progenitor sobre a progenitora.
N) Numa ocasião, o pai do BB… após uma discussão entre ambos e não gostando do que ouvia do seu filho, o pai do BB… agarrou os testículos de um seu outro filho, DD…, após o que o expulsou de casa deixando ambos de falar-se.
O) O pai do BB… não tem antecedentes criminais nem inquéritos penais registados na Noruega.
P) O BB… viveu sempre com os seus pais até ao final de Janeiro de 2020.
Q) O BB… tem um forte relacionamento afetivo com a mãe que foi ao longo da sua vida a sua principal cuidadora.
R) O BB… tinha também um bom relacionamento com o pai que também ajudava a cuidar dele, embora mais distante em virtude dos afazeres profissionais do progenitor.
S) O BB… apenas frequentou a creche por alguns meses visto que os pais mudaram várias vezes de residência entre diferentes cidades.
T) Os pais falavam com o BB… nas suas línguas, a mãe em Português e o pai em Espanhol, pelo que o BB… não sabe falar Norueguês.
U) O BB… reside com a mãe e os avós maternos numa habitação com todas as comodidades, frequenta jardim de infância desde agosto de 2020, apresentando-se sempre bem cuidado e tendo tido uma boa integração.
V) A mãe está muito presente, interessada e participativa no processo educacional do BB….
W) Desde que veio para Portugal a mãe não impediu nem impede os contactos do BB… com o
pai que fala com ele por meios à distância de modo periódico.
X) Não obstante, o pai do BB… não se deslocou desde então a Portugal para visitar o BB….
Y) Apesar de continuarem a trocar comunicações via mail sobre o assunto, os pais do BB… não se mostram de acordo quanto à escolha da residência do BB…, pretendendo a mãe que ele fique a viver com ela em Portugal (onde decidiu fixar a sua residência) e o pai que ele regresse à Noruega (onde continua a viver).
Z) O pai do BB… requereu a 25-5-2020 à Autoridade Central da Noruega o regresso do BB… à Noruega.
AA) Após chegar a Portugal a mãe propôs também a 25-5-2020 ação de Regulação das Responsabilidades Parentais requerendo que fosse fixada a residência do BB… junto dela em Portugal, ação judicial no âmbito da qual foi decidido provisoriamente a 5-6-2020 fixar provisoriamente a residência do BB… com a sua mãe.
BB) Os presentes autos deram entrada neste Juízo a 14-7-2020.
E declarou factos não provados:
- Que o pai do BB… tenha concordado em fixar definitivamente a residência do seu filho em Portugal;
- Que aquando da vinda do BB… para Portugal com a sua mãe o pai se tivesse oposto ou de alguma forma pronunciado contra a fixação da residência do BB… com a mãe em Portugal;
- Que a mãe do BB… tivesse sido agredida física e psicologicamente pelo pai do BB…, nomeadamente como descrito na oposição à entrega;
- Que o pai do BB… esteja proibido de estar com outros dois filhos de uma anterior relação.
DESTA SENTENÇA APELOU O REQUERENTE TENDO LAVRADO EM SÍNTESE AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A matéria dada como assente nas alíneas G, K, L, N, S, U e AA da sentença deve ser dada por não provada para o que sustentou estar esta factualidade contrariada pelos documentos juntos aos autos e inexistir prova no sentido da sua afirmação
Deve ser ainda dado como provado quer pelos documentos, quer pela própria confissão da mãe da criança que
“Os pais da criança tinham um projeto comum e que a mãe veio no âmbito desse projeto dar um curso de agricultura orgânica a Portugal, que veio mais cedo para o organizar aqui em Aveiro e que este curso terminava em abril de 2020”
Não pode ser dada como provada a matéria alegada pela mãe, devidamente impugnada pelo recorrente, tendo alguma dela sido provada por documentos autênticos das autoridades Norueguesas e outra tendo sido impugnada pelo ora recorrente e que não foi provada pela recorrida
A douta sentença de que se recorre ignorou toda a documentação junta aos autos, designadamente os documentos autênticos emitidos pelas entidades Norueguesas, bem como, os documentos juntos com a resposta do recorrente à oposição da mãe.
Apesar da matéria dada indevidamente como provada a sentença considerou, e bem, que a retenção da criança pela mãe foi e é Ilícita.
Ficou decretada que a retenção da criança foi e é ilícita!
A ordem de regresso é apenas uma ordem para que a criança seja devolvida à jurisdição mais apropriada para determinar a sua guarda e acesso.
Afirma-se claramente, no artigo 19.º da Convenção, que uma decisão de retorno não é uma decisão sobre o mérito do direito da guarda.
A sentença objeito do presente recurso fundamentou a recusa ao abrigo do disposto na alínea b) do referido artigo, ou seja, “ que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.”
O grau de gravidade reporta-se ao risco, não ao dano que a criança possa vir a sofrer.
O que é indispensável é que haja um risco real, efetivo, de verificação daqueles perigos, independentemente da dimensão destes, sendo certo que será situação intolerável toda aquela que razoavelmente não se possa esperar que a criança deva vivenciar.
Nenhuma situação de risco real foi provada que torne a entrega da criança numa situação intolerável.
O supremo interesse da criança é manter o vínculo afetivo com os dois progenitores e, na situação concreta, não há, até à retenção ilícita da criança por parte da mãe, a prevalência do vínculo afetivo em relação a nenhum dos progenitores
E a efetivação do supremo interesse da criança é o respeito pelo direito que esta tem à preservação dos vínculos afetivos e das referências que estabeleceu até ao ato causador do pedido de Entrega Judicial da Criança.
O tribunal a quo não teve a capacidade de distinguir entre o interesse da criança e o interesse do progenitor infrator, a mãe. Mas o centro do processo deve ser a pessoa da criança, as suas necessidades, os vínculos afetivos, sentimentos e emoções e não o da sua progenitora e aquilo que lhe interessa.
O preenchimento deste conceito, o do Risco, no âmbito da Convenção que se alicerça e tem por objeito o Supremo Interessa da Criança, tem que ser real e intolerável.
Por isso, não tem qualquer suporte a afirmação de que o regresso da criança à Noruega acarrete risco grave para ela e que esse regresso a exponha a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, a ficar numa situação intolerável.
Muito menos que a recorrida é a figura de referência e estabilidade, pois ambos os progenitores o eram até que a mãe resolveu ilicitamente, como é dito na douta sentença, afastar o filho do pai e unilateralmente fixar a referência do filho em Portugal
Não é o facto de a criança estar, e isto se a mãe assim o entender, sem a mãe até que os tribunais competentes da Noruega regulem as responsabilidades parentais que é um perigo físico e psíquico intolerável.
Concluiu, que não se verifica circunstância que obste ao regresso imediato da criança ao país de origem, o qual deve ser por isso ordenado uma vez que a transferência da criança para Portugal constituiu um ato ilícito da Requerida e a Convenção de Haia assim o determina pois essa é a decisão que acolhe em concreto o seu “superior interesse”
A requerida respondeu ao recurso a defender a decisão apelada.
O MP sustentou tabelarmente a sentença.
Colhidos os vistos legais nada obsta ao mérito.
OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1.Recurso de impugnação da matéria de facto –ónus do recorrente e fundamentos
2.Saber se não existem elementos de facto que permitam considerar preenchida a alinea b) do artigo 13º da Convenção De Haia De 1980 Sobre Os Aspetos Civis Do Rapto Internacional De Crianças (doravante Convenção) que consagra exceção ao princípio do regresso imediato da criança, retirada ilegalmente, ao país da sua residência.
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Requisitos formais da impugnação da matéria de facto:
I
O recorrente vem impugnar a matéria de facto constante das alíneas G, K, L, N, S, U e AA da sentença requerendo ainda o aditamento de nova factualidade.
Para o efeito articula essencialmente que:
1. (...) a matéria dada como assente nas alíneas G, K, L, N, S, U e AA, deve ser modificada ao abrigo dos artigos 662º, n.º 1, do Código do Processo Civil, já que, a prova documental e a audição da progenitora infratora, devendo a matéria dada como provada devidamente referida ser dada como não provada e, também ser dada como provada a matéria mencionada, toda ela devidamente identificada no ponto I, por ter grande importância para a boa decisão da presente causa.
2. Não pode ser dada como provada a matéria alegada pela mãe, devidamente impugnada pelo recorrente, tendo alguma dela sido provada por documentos autênticos das autoridades Norueguesas e outra tendo sido impugnada pelo ora recorrente e que não foi provada pela recorrida.
3. Deve, também, ser provado, quer pelos documentos, quer pela própria confissão da mãe da criança, que os pais da criança tinham um projeto em comum e que a mãe veio, no âmbito desse projeto, dar um curso de agricultura orgânica a Portugal, que veio mais cedo para o organizar aqui, em Aveiro, e que este curso terminava em meados de Abril de 2020.
4. A douta sentença de que se recorre ignorou toda a documentação junta aos autos, designadamente os documentos autênticos emitidos pelas entidades Norueguesas, bem como, os documentos juntos com a resposta do recorrente à oposição da mãe.
Consta ainda do teor da própria alegação que a matéria de facto constante da alínea AA é contraditória com a factualidade da alínea P da sentença.
Apreciando:
O ónus de alegação que sobre si impende em face do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil (CPC)
Nos termos do n.º 1 do art. 640º, nº 1, do CPC: «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Acrescenta o n.º 2 que «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas
tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(...)
Quer na motivação quer nas conclusões o Recorrente não cumpre o ónus impresso na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC a saber: “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada”, que impõem decisão diversa da recorrida;
Com efeito tanto nas alegações como nas conclusões o Recorrente limita-se a remeter para “a documentação junta aos autos, designadamente os documentos autênticos emitidos pelas entidades Norueguesas, bem como, os documentos juntos com a resposta do recorrente à oposição da mãe”.
Esta remissão genérica para documentos juntos aos autos sem identificar o concreto documento atendível a cada ponto da matéria de facto impugnada não satisfaz o ónus imposto pelo referido preceito.
Acresce que e no que respeita às declarações da Requerida também incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
Nada disto foi trazido aos autos quer nas alegações quer nas conclusões do recurso.
Os ónus especificados nas diversas alíneas do artigo 640º do CPC são cumulativos, pelo que basta o não cumprimento de um deles para que o recurso seja rejeitado.
No sentido ora explanado decidiram os Ac do STJ de 2611/12.2TBSTS.L1.S1 de 27-09-2018, observando que: “Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando (...) se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, (...)”
A mesma linha de entendimento está afirmada nos acórdãos do STJ, de 26-05-2015, proc. n° 1426/08.7TCSNT.L1.S1, e de 7 de Julho de 2016 (Proc. n° 220/13.8TTBCL.G1.S1, arestos estes todos publicados no site da DGSI
É também entendimento uniforme quer da doutrina quer da jurisprudência que não cabe convite ao aperfeiçoamento das conclusões em sede de recurso da matéria de facto. (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código Processo Civil, 5ª ed., p.167; Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, p.462; Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3a ed., 2015, p.820) e a jurisprudência do STJ (citando o mais recente, Ac. De 14 de julho de 2016, processo n° 111/12.0TBAW.G1.S1, ou o acórdão de 7 de Julho de 2016, processo n° 220/13.8TTBCLG1.S1, ambos disponíveis em www.dqsi.pt)
Sem prejuízo e de resto, do cotejo do teor dos documentos juntos aos autos não descortinamos razão para alterar a fundamentação de facto acolhida na sentença recorrida.
Sendo certo que as condições da residência da mãe da criança fixadas na alínea U), estão reportadas no Relatório Social, realizado pela ISS constante de fls. 110 e seguintes dos autos, estando o mais da sentença devidamente motivado no juízo efetuado ao abrigo da livre convicção sobre as declarações produzidas pela mãe, o qual isento de censura.
Com respeito à alegada contradição da alínea AA e P, não a reconhecemos. As datas são concordantes. Não são as expressões usadas na redação dada aos factos descritos, mas os factos descritos que importam.
Irreleva, para o efeito deste recurso, que os progenitores tivessem tido um projeto comum. Certamente que tiveram (uma vez que viveram em união durante cerca de seis anos), como certamente que deixaram de ter. Não é o que está em causa, porém pelo que não há que proceder ao requerido aditamento da matéria de facto.
Com tais fundamentos, vai rejeitado (sem prejuízo da improcedência na parte apreciada) o recurso de impugnação da matéria de facto.
II
QUANTO À IMPUGNAÇÃO DE DIREITO:
No presente recurso não está em discussão a natureza ilícita da retenção em Portugal do BB… de 4 anos de idade (ao tempo do seu início) e consumada pela mãe com violação do disposto no artigo 35º do Chidren Act de 8.04.1981 (legislação em vigor na Noruega, local da residência da criança antes da deslocação e retenção no nosso país) a qual atribui aos progenitores não casados que vivam em coabitação a responsabilidade conjunta pela custódia dos filhos.
Com efeito, foi decidido na sentença recorrida que (…) “a retenção é ilícita em face da decisão unilateral da mãe que sem o acordo do pai fixou em definitivo a residência do filho em Portugal transformando uma situação indefinida (ainda que não necessariamente transitória) em efetiva, violando o direito de escolha conjunta dos progenitores e impondo uma situação de facto ao pai”
Este segmento da sentença não é colocado em causa pelo Recorrente e permite o enquadramento da situação sub iudice no artigo 3º alínea b) da Convenção bem assim como a sua sujeição ao regime constante do diploma.
Nem oferece duvidas que o reconhecimento de que existe uma situação de retenção ilícita de criança, determina o regresso imediato da mesma ao país de origem nos termos da Convenção e conforme o rito processual urgente definido no diploma, não estando em causa qualquer juízo prévio sobre a forma do exercício das responsabilidades parentais. Trata-se da mera reposição do estado anterior ao ato ilícito praticado por um dos progenitores, por outra palavras da reposição da licitude.
Considerando porém, que está envolvida na situação ilicitamente criada, uma criança e que pode haver risco grave para esta, de ficar sujeita a perigo quer de ordem psíquica quer de ordem física, no seu regresso, podendo ainda este constituir uma situação intolerável para a mesma, criou a Convenção a válvula de segurança consagrada no artigo 13º alínea b) e bem assim a prevista no artigo 12º facultando ao progenitor requerido a prova de factos que substanciem esta situação excecional.
Na sentença recorrida decidiu-se pela verificação da exceção impressa no artigo 13º alínea b) da Convenção, sendo, sobre esse segmento da decisão que o recurso incide.
Aqui, cabe referir que o TEUDH no acórdão proferido pela 1.ª Secção, no processo Phostira Efthymiou e Ribeiro Fernandes c. Portugal (processo n.º 66775/11), a 5 de Fevereiro de 2015 apud “o Rapto de Crianças no Plano Internacional- Alguns Aspetos, Rui Moura Ramos Revista de Legislação e Jurisprudência ano 144 nº 3992 pg 381-406” decidiu que a Convenção de Haia deve ser aplicada de acordo com os princípios de direito internacional, em particular os relativos à proteção internacional dos direitos do homem; e, no que respeita mais precisamente às obrigações positivas que o artigo 8.º nº 2 da Convenção Europeia.
Este entendimento faz pesar sobre os Estados contratantes em matéria de reunião de um progenitor e dos seus filhos, que eles se devem interpretar à luz da Convenção da Haia mas também da Convenção dos Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989 “
Neste aresto aponta-se como linhas a seguir a definição do justo equilíbrio que deve existir entre os interesses concorrentes dos progenitores, da ordem publica e os interesses da criança, sendo que a prevalência é a do «interesse superior da criança.»
O regime normativo do principio da Convenção determinante do regresso imediato da criança ao país de origem identifica este interesse com restabelecimento imediato do “status quo” anterior à situação ilícita. E é fora de duvida que o seu objeto é conforme o artigo 1º: “ a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) Fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.”
No entanto a própria Convenção salvaguarda que este retorno não é automático ou mecânico sendo de afastar fundamentação estereotipada.
O superior interesse da criança deve ser ponderado de forma substanciada e à luz das exceções previstas nos artigos 12º e 13º, as quais implicam “o exame da situação familiar no seu conjunto, e de elementos de ordem factual, afetiva, psicológica, material e médica com a preocupação de determinar qual é a melhor solução para a criança no contexto de um pedido de regresso ao país de origem” apud o Rapto de Crianças no Plano Internacional- Alguns Aspetos, Rui Moura Ramos Revista de Legislação e Jurisprudência ano 144 nº 3992 pg 381-406.
II.A
O artigo 13º alínea b) da Convenção dispõe que: “ Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
(…)
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.”
Em face deste texto e do teor das conclusões e objeto do recurso a atividade deste Tribunal incidirá sobre o ónus da prova e diligências a efetuar e a concreta densificação dos conceitos de (i) risco grave da criança ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou (ii) de ficar numa situação intolerável e sua (in)verificação no caso concreto a partir da análise a) das condições do pai, no confronto com a mãe b) do decurso e efeitos do tempo na relação da criança com os pais desde o momento da sua deslocação ilícita, c) da integração da criança no ambiente do mãe:
a) Do ónus da Prova:
Não desconsideramos que não é ao pai mas sim à mãe que neste caso, se, impõe a prova de que estamos na presença de uma situação que se enquadra na exceção prevista no artigo 13º alínea b) da Convenção. Todavia também seria no interesse do progenitor em face do desenvolvimento dos acontecimentos colaborar e esclarecer aditando toda a factualidade relevante para reforçar a sua posição de que o regresso da criança está a salvo do circunstancialismo excecional que legitima a recusa.
E é certo que não foram recolhidas junto das autoridades judiciais ou administrativas da Noruega as informações respeitantes à situação social da criança antes da sua partida o que é imposto pelo artigo 13º da Convenção & ultimo.
No entanto, para o balanceamento dos interesses em conflito, atendendo sobretudo à demora deste processo que tem já cerca de 18 meses, a matéria de facto já recolhida permite-nos avançar com segurança para a decisão
b) Das atuais condições do pai no confronto com a mãe:
O pai notificado para informar se pretendia prestar declarações no processo declinou e não aditou quaisquer esclarecimentos ou informações em relação ao seu modo de vida atual, à residência e às condições que detém para albergar e cuidar de uma criança de cinco anos.
No articulado que apresentou, nos autos, apenas contesta e impugna parte da factualidade trazida pela mãe, embora tenha aceite como consta de documento que juntou ao processo que teve residência em vários municípios da Noruega mesmo após o nascimento do BB… (alínea D) da sentença).
E se é certo que ficou demonstrado que o BB… tinha bom relacionamento com o pai que ajudava a cuidar dele (alinea R) o facto é que não se provou que o pai tenha visitado o filho em Portugal.
Também ficou provado, que até fazer dois anos o BB… ficou em casa ao cuidado da mãe que recebia o subsídio de apoio à maternidade (alínea F da sentença) e que o BB… tem um forte relacionamento afetivo com a mãe (alínea Q).
Depreendendo-se facilmente do contexto factual que a mãe tem sido a principal cuidadora da criança, (alínea F, Q L, V, W e X da sentença). Esta vinculação da criança à figura da mãe que logo após o nascimento cuidou do filho a tempo inteiro no confronto com a instabilidade decorrente da situação do casal ter residido em várias cidades, e ponderada a não contribuição ativa do pai para demonstrar que tem uma vinculação real, efetiva permanente, altruísta, consistente e securitária com condições reais de apoio ao filho, (vinculação essa que a ser demonstrada afastaria a alegação da mãe de que é a figura mais próxima) e bem assim no desconhecimento da real situação em que o mesmo se encontra atualmente, levam-nos a ponderar que é sério e grave o risco de elevado sofrimento e desequilíbrio emocional, para a criança consequente do seu forçado afastamento da mãe de tal modo que um tal sofrimento constitui uma situação que não deve razoavelmente impor ao filho. A medida provável, estimada de elevado sofrimento que para a criança advirá de uma separação forçada determina o grau de (in) admissibilidade dessa imposição, e a ausência da sua justificação perante os interesses em conflito e a previsão excecional do artigo 13º alínea b) da Convenção, interpretado de acordo com a jurisprudência citada do TEUDH.
A Requerida, demonstrou a sua presença forte, continuada, principal e segura na vida do filho e não pode repercutir-se no pequeno BB… a censura que a mesma merece pelo seu comportamento ilícito na deslocação da criança.
O foco da decisão - após a verificação da ilicitude e a constatação da censura que o comportamento da mãe merece - tem de ser a própria criança.
c)Análise do decurso do tempo na preenchimento da exceção constante do artigo 13º alínea b) da Convenção:
Releva nesta análise a seguinte factualidade constante da sentença:
A Requerida ausentou-se da Noruega com a criança em finais de janeiro de 2020. Decorreram já 23 meses, período durante o qual viveu ininterruptamente com a criança em Portugal.
A criança que nasceu em 19.01.2016 irá brevemente completar seis anos dos quais 1/3 foram vividos com a mãe e família materna, neste país.
O progenitor que logo em finais de maio de 2020 iniciou o processo requerendo o regresso da criança ao abrigo da Convenção de Haia, durante estes dois anos, tem lutado processualmente pela defesa da sua pretensão.
Em relação ao concreto exercício da parentalidade não se verifica que o pai tenha visitado alguma vez o filho em Portugal durante este tempo, tendo ficado provado que pai nunca visitou o filho (alínea X).
Os pais falavam com o BB… nas suas línguas, a mãe em Português e o pai em Espanhol, pelo que o BB… não sabe falar Norueguês. (alínea T)
Nesta factualidade descrita identificamos um relevante desinvestimento do pai na parentalidade afetiva - no segmento da proximidade física com a criança. Esta ausência de proximidade física traz naturalmente assaz dificuldade para o filho no reencontro com o pai numa situação como a dos autos em que o pai desde há longo tempo está ausente do quotidiano do filho com a prática de todos os pequenos atos de cuidados, de carinho, participação nas refeições ou brincadeiras
A ausência de visitas do pai ao filho durante um tão longo período de tempo são um sinal inequívoco e real de desinteresse na criação de proximidade e de laços emocionais profundos e fortes, sobretudo quando se trata de crianças de tão pouca idade, como é o caso do BB….
As visitas do pai ao filho a terem-se verificado constituíram sem duvida um sinal de investimento na criança e também afastariam, reduziriam ou tornariam nula a dificuldade que sempre subsiste para a criança na saída abrupta de um meio familiar, para outro meio familiar.
No caso a demora na decisão do processo poderia favorecer a posição do pai, caso tivesse tido uma conduta indiciadora desse elevado propósito altruísta de cuidar e amar o filho o que lhe valeria diminuir ou mesmo eliminar a força da oposição da mãe radicada sobretudo nas consequências importantes que o afastamento poderia trazer para a criança.
Mas o pai não aproveitou esta possibilidade e com a omissão das visitas ao filho por um tão longo período de tempo contribuiu paradoxalmente de forma ativa para o preenchimento do conceito de exceção já que não é razoável nem tolerável impor à criança uma separação da mãe para ir viver com o pai que desde há dois anos o contacta apenas por via telemática, com o enorme sofrimento daí decorrente.
Um real interesse e proteção da criança imporia ao progenitor que durante este tempo tudo fizesse para que o seu filho o reconhecesse de modo próximo e se sentisse seguro na sua presença.
E não obstante o artigo 12º nº 1 da Convenção consagrar como pressuposto que entre a data da deslocação ilícita e o inicio do processo tenha decorrido menos de 1 ano – o que no caso se verificou, o certo é que este período de tempo não deve deixar de balizar como pressuposto fáctico outras ponderações necessárias, como sejam as que ora se impõem.
d) Integração da criança no seu novo ambiente:
. O BB… reside com a mãe e os avós maternos numa habitação com todas as comodidades, frequenta jardim de infância desde Agosto de 2020, apresentando-se sempre bem cuidado e tendo tido uma boa integração (alínea U).
Ora,
O fim deste processo não é determinar o modo como as responsabilidades parentais desta criança vai ser definido mas sim o de restabelecer a licitude sem que daí advenham custos inadmissíveis ou desproporcionados, para o filho.
Trata-se de uma decisão essencialmente formal que visa restabelecer o status quo anterior à deslocação ilícita da criança, e devolver ao tribunal da sua residência à data dos factos a decisão, sobre o referido regime. Em causa está também o sancionamento óbvio, necessário e indispensável do comportamento antijurídico do progenitor que afasta sem autorização o filho do convívio com o outro progenitor.
Todavia os fins que norteiam a aplicação da Convenção cedem na presença de um fim mais relevante e superior (portanto não há conflito; há hierarquia de direitos/valores) que é o de em concreto e não obstante aquela ilicitude demonstrada, se constatar que para a criança no contexto objetivo conhecido no processo “existe risco grave de ficar sujeito a perigos de ordem física ou psíquica ou de qualquer outro modo ficar numa situação intolerável” deve este ser o privilegiado.
Cabe ao tribunal proteger a criança de sofrimento, para lá do razoável o que a nosso ver aconteceria se esta criança agora de quase seis anos vivendo há cerca de dois anos apenas com a mãe e a família materna fosse separada deste ambiente em que se encontra, integrada, como vem requerido.
Este balanceamento da decisão a proferir no equilíbrio entre a proporcionalidade da medida de regresso e os seu fins em confronto com o sacrifício imposto à criança (em que a posição dos pais é claramente secundária inclusive a necessidade de não validar situações com grave causa antijurídica-como é a dos autos) não resiste à conclusão de que o regresso do pequeno BB… à Noruega implicaria a sua sujeição a um fortíssimo abalo emocional, que não se lhe deve impor sob pena de o colocar na situação intolerável que a exceção do artigo 13 alínea b) da Convenção visa obstar.
A ligação demonstrada no processo do filho à mãe com quem sempre viveu, e bem assim e sobretudo a ausência física do pai durante estes dois anos, a par do desconhecimento da situação atual do mesmo progenitor e das condições em que vive na Noruega levam-nos também ao reconhecimento de que neste caso se verifica a situação de exceção do artigo 13º alínea b) do Convenção.
O limite do que “razoavelmente a criança deve suportar” conduz-nos ao princípio de que a criança não deve passar por situações de sofrimento, de dor e de perda, sobretudo em casos como o presente em que este sofrimento poderia ser inútil face a uma decisão sempre possível de que viesse a ser atribuída a custódia da criança à mãe.
O acórdão do TJUE caso x c. Letónia ponto 16 esclarece que esta exceção visa unicamente as situações que se encontram para além do que uma criança pode razoavelmente suportar “ apud citado artigo Moura Ramos ideia retomada no Acórdão deste Tribunal de 24 de setembro de 2020, in dgsi que (…) no risco de exposição a perigo físico, psíquico e colocação da criança numa situação intolerável, «(…) indispensável é (…) haja um risco real, efetivo, de verificação daqueles perigos, independentemente da dimensão destes, sendo certo que será situação intolerável toda aquela que razoavelmente não se possa esperar que a criança deva vivenciar»
A nosso ver, in casu,verifica-se esse pressuposto.
Consideramos, por isso, que está verificada a exceção do artigo 13º alínea b) da Convenção de Haia
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE O RECURSO. CONFIRMA-SE A SENTENÇA APELADA
Custas pelo Apelante
Porto, 13 de janeiro de 2022
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Madeira Pinto