EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DE REGIME
PRESSUPOSTOS
CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES
ARQUIVAMENTO DO INCIDENTE
Sumário

I–A alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais pode ter lugar numa de duas situações:
a.-Quando o acordo ou a decisão final que regula o exercício das responsabilidades parentais não sejam cumpridos por ambos os progenitores, ou por terceira pessoa a quem a criança tenha sida confiada, ou;
b.-Quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que tiver sido estabelecido – art. 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

II– Se um dos progenitores requerer a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, sem invocar qualquer incumprimento ou circunstância superveniente, deve o Tribunal julgar o incidente improcedente, determinando o seu arquivamento – art. 42º, nº 4 do RGPTC

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.–Relatório[1]


Em 15-07-2021 A [2] intentou a presente ação de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra B, pedindo que o regime de exercício das responsabilidades parentais relativo à sua filha Joana (nascida em 22-09-2009) seja alterado, mediante o aumento do montante da pensão de alimentos ou, caso tal não seja possível, seja instituído um regime de residência alternada.

O regime de exercício das responsabilidades parentais relativo à filha da requerente e do requerido havia sido fixado por acordo dos progenitores datado de 08-07-2020[3], homologado por decisão de 05-11-2020, no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória de Registo Civil[4], o qual tem o seguinte teor:
“I-
O menor fica com a mãe, e a residir com ela e vai com o pai de 15 em 15 dias.
II-
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas por ambos os pais, nos termos que vigoravam na constância do casamento, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. O exercício das responsabilidades parentais relativo aos atos da vida corrente do menor compete ao progenitor com quem o mesmo se encontrar.
III-
O pai poderá visitar o menor sempre que o deseje, sem prejuízo do repouso ou das atividades escolares, do mesmo.
IV-
O pai ficará com o menor em fins de semana alternados, indo buscá-lo na Sexta-Feira à noite e levá-lo à mãe no Domingo à noite,
V-
No dia de aniversário do menor, este, passará uma das refeições principais, com cada um dos pais, a combinar entre estes.
VI-
No dia de aniversário do pai ou da mãe, bem como o “dia do pai" e o “dia da mãe”, o menor poderá passar com o respectivo progenitor, uma das principais refeições, a combinar entre os pais,
VII-
O menor passará a noite de Natal com a mãe e o dia de Natal com o pai, a noite de Ano Novo, com o pai e o dia de Ano Novo com a mãe, alternando essas datas nos anos seguintes, bem como o dia de Carnaval e o dia de Páscoa.
VIII-
O período de férias da menor será acordado, anualmente, entre os progenitores, até ao dia 30 de março do ano em causa, durante- um período de 15 dias com cada um dos progenitores.
Caso não cheguem a acordo até à referida data, a menor passará com cada um dos seus progenitores metade desse período.
IX-
O pai pagará para o menor, a título de alimentos, a quantia mensal de 75 Euros (setenta e cinco euros) a depositar ou a transferir para a conta bancária nº PT50 ...7 0... 0.........18 no Banco Novo Banco até ao dia 8 de cada mês.
X-
A quantia referida no número anterior será actualizada anualmente, segundo o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
XI-
Os progenitores dividirão em 50% as despesas médicas, medicamentosas e escolares, informando o progenitor que realizou a despesa o outro no prazo de 10 dias a contar da data em que foi realizada, sendo a mesma paga também no prazo de 30 dias a contar do seu conhecimento mediante depósito Bancário, transferência bancária ou cheque. Caso seja ultrapassado o prazo acordado pelos progenitores, para a comunicação da despesa, o progenitor que tiver que a suportar lerá o mesmo prazo para proceder ao respectivo pagamento.
XII-
O menor só se poderá ausentar para o estrangeiro, com autorização de ambos os pais.
XIII-
Os requerentes obrigam-se, mutuamente, a cumprir o presente acordo e tudo o que está especificamente regulado ou previsto, será pontualmente combinado e resolvido por consenso, atendendo sempre, em primeiro lugar, ao bem-estar e interesse do menor.
XIV-
Os requerentes obrigam-se, também mutuamente, a manter e a proteger perante o menor, a imagem, o respeito e a dignidade do outro progenitor.”

Posteriormente, reiterou tal pretensão através de requerimento subscrito por advogado[5], alegando o que segue:
1º–A Requerente e requerido acertaram no artº 9 que a pensão de alimentos seria 75.00 euros, vide de doc.
2º–A Requerente tem a guarda da filha a qual tem 12 anos de idade
3º–A Requerente com os 75.00 euros não tem possibilidade de pagar as despesas da filha com esse valor, pois a mesma frequenta sala de estudos e tem outras atividades
4º–Para alem do crescimento da menor que faz com que tenha de adquirir roupa e afins com mais frequência
5º–Não tem, a Requerente qualquer possibilidade de “alimentar a sua filha” com a agravante de estar desempregada
6º–Não obstante, todas as tentativas do Requerente para conseguir emprego, até ao momento, nada conseguiu e o facto da conjuntura económica do país.
7º–Nem se prevê que a venha a ter a médio/curto prazo.

Citado o requerido, o mesmo deduziu oposição[6], sustentando que a sua situação financeira não lhe permite suportar qualquer aumento do montante da pensão de alimentos, e que não dispõe de condições para acompanhar a filha no seu dia-a-dia, razão pela qual considera inviável a implementação de um regime de residência alternada.

Foi então aberta vista ao Ministério Público, que pugnou pela improcedência da ação, sustentando para tanto que “a requerente não alegou nem comprovou ter ocorrido uma alteração significativa das circunstâncias que justifiquem a alteração pretendida (art.º 42 do RGPTC).”

Seguidamente o Tribunal a quo proferiu decisão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, indefiro o pedido de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais.
Custas pela requerente.”

Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões:
A)–A recorrente discorda da decisão proferida
B)–A recorrente não percebeu o fim do processo
C)–O  tribunal recorrido teve    mal, pois     deveria ter ordenado a realização de conferencia de pais
D)–Pois a PI encontra-se devidamente fundamentada
E)–E caso não tivesse deveria a recorrente ter sido notificada para o aperfeiçoamento da PI
F)–O que não aconteceu 
G)–O pedido do recorrido jamais deveria ter merecido provimento.

Remata as suas conclusões da seguinte forma:
 “deve a presente Apelação ser julgada procedente e revogada a sentença proferida, e afinal ser dado provimento ao processo apresentado e seguindo o mesmo seus tramites normais.”

O requerido não contra-alegou.

O Ministério público apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
a)-A requerente não indicou o valor da pensão de alimentos que reputa adequado, pelo que o requerimento inicial carece de pedido, ou pelo menos o mesmo revela-se ininteligível, o que determina a ineptidão da petição inicial.
b)-A pensão de alimentos foi acordada em data recente (08-07-2021), pelo que não se compreende que decorrido cerca de um ano haja necessidade de adquirir mais roupas e outros artigos para a Joana.
c)-A requerente não indicou as despesas com o centro de estudos, para mais tratando-se de uma questão de particular importância na vida da menor, que pressupõe o acordo de ambos os progenitores, sendo que as respectivas despesas deverão ser suportadas na proporção de metade por cada um dos pais.
d)-A progenitora não indicou quais os rendimentos que auferia aquando do acordo e quais os seus actuais rendimentos, pois não basta alegar que se encontra desempregada, tanto mais que poderá estar a auferir subsídio de desemprego, pelo que não se apurou ter havido uma alteração da sua situação económica, com eventual redução dos seus proventos.
e)-A recorrente não alegou ter havido uma alteração significativa da situação económica do requerido, com eventual acréscimo dos seus rendimentos.
f)-Assim, em face do exposto, a requerente não alegou nem comprovou ter havido uma alteração superveniente das circunstâncias que justifique o aumento da pensão de alimentos (art.º 42/1 do RGPTC).

Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos.

2.–Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão do recorrente, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[7]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).

Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[8].

Assim, as questões a apreciar e decidir residem em determinar se no caso vertente se verificava fundamento legal para a presente causa findar, nos termos determinados pelo Tribunal a quo ou se, ao invés, deve a mesma prosseguir seus termos, se necessário mediante convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.

3.– Fundamentação

3.1.- Os factos

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1.–Por acordo firmado entre as partes e datado de 8 de julho de 2020 (junto com o requerimento de 24/08/2021), a pensão de alimentos foi fixada em €75 (setenta e cinco euros) mensais, sujeita a atualização anual de acordo com a taxa de inflação, tendo as partes ainda acordado na repartição das despesas de saúde e escolares da menor, na proporção de 50% para cada um.
2.–Joana ... nasceu a 22/05/2009.

A decisão recorrida não contém qualquer elenco de factos não provados.

3.2–Os factos e o direito

3.2.1.-Da regulação das responsabilidades parentais e da sua alteração.

Estabelece o art. 1877º do Código Civil[9] que “os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”.
Por seu turno estipula o art. 1878º, nº 1 do mesmo Código que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
No Direito português, a maioridade atinge-se aos 18 anos de idade (art. 130º do CC) o que significa que o conceito legal de “menor” enunciado no CC coincide inteiramente com o conceito legal de criança constante da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança[10], a qual, no seu art. 1º dispõe que “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”.
Num contexto em que a criança reside com ambos os progenitores, as responsabilidades parentais a ela relativas são exercidas por ambos, e de comum acordo, salvo se surgir dissídio relativamente a questões de particular importância, caso em que qualquer deles poderá requerer ao Tribunal que decida - art. 1901º do CC, aplicável às situações em que os progenitores não são casados, mas vivem em união de facto ex vi do art. 1911º, do CC.
Quando se verifica a rutura da vida em comum dos progenitores da criança torna-se necessário regular os termos em que as responsabilidades parentais devem ser exercidas visto que, cessada aquela coabitação, será difícil aos mesmos acordar diariamente na melhor forma de zelar pelos cuidados de que a criança necessita e decidir sobre as questões a ela inerentes. Nesse caso, não logrando os progenitores chegar a acordo, o regime do exercício das responsabilidades parentais deve ser fixado pelo Tribunal – art. 1906º do CC, aplicável aos casos em que os progenitores nunca foram casados entre si ex vi do art. 1912º do mesmo código.
O meio processual adequado ao estabelecimento de tal regime é a providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevista no art. 3º, al. c) do RGPTC e regulada nos arts. 34º e segs. do mesmo diploma.
A tramitação prevista nesta forma processual aplica-se mutatis mutandis, nos casos em que um dos progenitores pretende a alteração do regime estipulado ou homologado pelo Tribunal – art. 42º do RGPTC.
Estabelece o nº 1 deste preceito que “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.
Como se alcança da leitura do preceito citado, a lei faz depender a procedência do procedimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais da verificação de um importante pressuposto: que a alteração de regime se funde em incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime a alterar, ou em circunstâncias supervenientes que imponham essa alteração.
Como o relator deste aresto teve oportunidade de argumentar noutra sede[11]:
«Com efeito, e por um lado, a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais não pode redundar numa forma enviesada de recurso anómalo daquela decisão[12], fazendo todo o sentido invocar aqui o efeito de caso julgado (art. 619.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC), ainda que nos movamos no âmbito de processos de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC).
Com efeito, e como bem sublinhou o ac. STJ 13-09-2016 (Alexandre Reis), p. 671/12.5TBBCL.G1.S1, “o caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos (ditos de jurisdição contenciosa) e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede é que as resoluções tomadas no âmbito do incidente em apreço, como as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”.

É a esta luz que se deve entender o disposto no art. 988.º, n.º 1, CPC, nos termos do qual “as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”, bem como o próprio art. 42.º, n.º 1, do RGPTC, que estabelece que o procedimento tutelar cível de alteração do exercício das responsabilidades parentais tem lugar “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido(…).” O mesmo princípio inspira a norma do art. 41.º, n.º 4 do RGPTC, que prevê a possibilidade de, em sede de incidente de incumprimento, os pais acordarem na alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais.

Por outro lado, circunstâncias supervenientes são as ocorrências posteriores à data do encerramento da discussão – cf. art. 611.º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC.

A este propósito, importa distinguir superveniência objetiva e subjetiva.

A superveniência objetiva ocorre quando os factos que configuram a alteração das circunstâncias ocorrem depois do encerramento da discussão da causa em que foi proferida a decisão a alterar.

Já a superveniência subjetiva tem lugar quando tais factos ocorrem antes daquele momento, mas chegam ao conhecimento do requerente em data posterior.

Ora, como esclarecem HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA[13] a alteração da regulação das responsabilidades parentais pode sustentar-se na alteração superveniente de circunstâncias tanto nos casos de superveniência objetiva, como nos casos de superveniência subjetiva.

Não obstante, nos casos de superveniência subjetiva incide sobre o requerente o ónus de alegar e provar os factos concretos que objetivamente justifiquem o conhecimento tardio dos fundamentos da alteração.

Nessa medida, e a menos que o requerido confesse ou não impugne tais factos, terá sempre que produzir-se prova quanto a esta matéria, nos termos previstos no art. 42.º, n.º 6, do RGPTC.

Finalmente, haverá que ponderar que o próprio incumprimento configura uma forma qualificada de alteração superveniente das circunstâncias, na medida em que resulta de factos ocorridos em data posterior à decisão alteranda.

A esta luz poderemos adiantar, ao menos enquanto conclusão preliminar, que no âmbito do procedimento a que alude o art. 42.º do RGPTC, a alteração superveniente das circunstâncias constitui um pressuposto da alteração do regime das responsabilidades parentais. Neste sentido, cf. acs. RE 09-03-2017 (Tomé d’ Almeida Ramião), p. 926/10.3TBBRR-B.E1 e RL 28-03-2019 (Gabriela Marques), p. 1123/09.6T2AMD-A.L1-6[14].

Como bem se aponta no ac. RG 08-06-2017 (Mª dos Anjos Nogueira), p. 7380/03.4TBGMR-C.G1, “para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”

Ora, no caso em apreço, a requerente não invocou no requerimento inicial nenhuma situação de incumprimento; e também não alegou quaisquer factos que permitam concluir que as circunstâncias que, no seu entender justificam a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais tenham tido início em momento posterior à data em que outorgou o acordo que fixou tal regime.

Isso mesmo explicitou o Tribunal a quo, nos seguintes termos:
“Importa tomar em conta que o regime de alimentos vigente não resultou de imposição do Tribunal, mas sim acordo firmado entre as partes e homologado pela Conservatória do Registo Civil.
Acresce que, tal acordo é bem recente, sendo datado de 08/07/2020.
Aquando a celebração do referido acordo, a menor tinha 11 anos de idade e atualmente tem 12 anos de idade, sendo certo que, uma criança de 12 anos não tem despesas significativamente acrescidas em relação a uma criança de 11 anos.
A requerente alega estar desempregada, mas alega quanto auferir de subsídio de desemprego, nem qual a situação económica que tinha quando foi feita a regulação das responsabilidades parentais, designadamente se se encontra ou não desempregada então e estando ou não se auferia mais ou menos do que agora, seja de subsídio de desemprego ou de salário. Vale por dizer que, da factualidade alegada pela requerente não se retira se os seus rendimentos diminuíram ou não.
Por outro lado, a requerente alega que a pensão de alimentos fixada não chega para suportar as despesas da menor. Ora, a pensão não se destina a pagar todas as despesas da filha, mas apenas constitui a contributo do pai para ajudar no pagamento de parte de tais despesas, cabendo à mãe também suporte parte das despesas. Acresce que, as despesas de saúde e de educação estão fora da pensão de alimentos, já que, apara além da pensão, cabe ao pai pagar 50% das mesmas.
Por último, a frequência de sala de estudos, em nada influencia o valor da pensão de alimentos, pois sendo a sua frequência e despesa uma questão de particular importância a decidir por ambos os pais, cabe ambos conjuntamente decidirem se a menor a deve frequentar e, merecendo a concordância de ambos, devem acordar na repartição da respetiva despesa, que fica fora da pensão de alimentos (ou seja, não se destina a pensão de alimentos a suportar este tipo de despesas). Na falta de acordo e não recorrendo ao Tribunal, pelo processo próprio, para dirimir este diferendo, cabe ao progenitor que unilateralmente colocou a menor na sala de estudo, suportar os seus custos.
Para além de a requerente não alegar factos concretos que permitissem concluir pelo agravamento da sua situação económica, também alega qualquer incremento de rendimentos do pai, para justificar qualquer aumento da pensão.
Por último, não tendo a requerente quantificado em quanto pretende o aumento concreto da pensão, o requerimento inicial carece de pedido ou, no mínimo o pedido é ininteligível, o que sempre gera ineptidão da petição inicial.
Assim sendo, não só nenhuma alteração superveniente relevante de circunstâncias ocorreu, quer quanto ao pedido de alteração do valor da pensão, quer quanto ao pedido de alteração da residência de filha para alternada, como a petição inicial é, naquela parte, inepta.
Destarte, importa indeferir o pedido de alteração do valor da pensão da pensão de alimentos e da residência da menor, nos termos da supra citada disposição legal, por não se verificar alteração superveniente de circunstâncias e, quanto à pretendida alteração do valor da pensão, por ser inepta a petição inicial, por falta de pedido ou ininteligibilidade deste.”

Aqui chegados, diremos que não acompanhamos o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, na parte em que considerou o requerimento inicial inepto, por falta de pedido (art. 186º, nº 2, al. a) do CPC).
Com efeito, como se lê na parte final do requerimento da requerente de 04-08-2021[15], a mesma pediu expressamente que o Tribunal alterasse o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo que havia outorgado com o requerido, visto que pugnou pelo aumento desse montante.
Portanto, nesta parte não há falta de pedido, nem o mesmo padece de ininteligibilidade como argumenta o MP.
O que sucede, é que a requerente deduziu um pedido ilíquido.
Só que a iliquidez do pedido não gera o vício da ineptidão do requerimento inicial. Com efeito, as causas da ineptidão da petição ou requerimento inicial acham-se previstas no nº 2 do art. 186º do CPC, o qual contém uma enumeração taxativa. Como a iliquidez do pedido não consta das causas de ineptidão enumeradas neste elenco, só podemos concluir que não se verifica a apontada ineptidão.
Quanto ao mais, ou seja, no tocante à total omissão da invocação de circunstâncias supervenientes, concordamos inteiramente com o Tribunal a quo. Aliás, nem mesmo nas alegações de recurso a apelante sustentou que as circunstâncias que no seu entender justificam a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais são posteriores à data em que outorgou o acordo.
Por outro lado, a leitura do requerimento inicial também não indicia que assim tenha sido, atenta desde logo a relativa proximidade temporal entre a outorga do acordo e a data em que a requerente veio a juízo pugnar pela alteração do regime das responsabilidades parentais referentes à Joana.
Objeta, contudo, a apelante que o Tribunal a quo deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, destinado a clarificar o alegado no requerimento inicial.
Porém, a prolação de despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos do art. 590º, nº 2, al. a) e nº 4 do CPC, aplicável ex vi do art. 33º, nº 1 do RGPTC apenas se justifica nas situações em que se detetem deficiências na exposição dos factos que sustentam a pretensão do requerente.
Como no caso vertente nada fazia supor a superveniência dos factos alegados no requerimento inicial, a questão não se prende com a deficiente alegação vertida no requerimento inicial, mas antes na manifesta inconcludência do mesmo articulado.
Ora, dispõe o art. 42º, nº 4 do RGPTC que junta a alegação do requerido ou findo o prazo da mesma, o juiz, se considerar o pedido infundado ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo condenando em custas o requerente.

Analisando e aplicando este normativo, refere o ac. RG 15-05-2020 (Miguel Baldaia de Morais), p. 5874/17.3T8MTS-B.P1
“Já se deu nota que o processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária, o que significa que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgar mais conveniente e oportuna (art. 987º do Cód. Processo Civil), tendo em vista os interesses a salvaguardar. No entanto, isso não pode significar o desrespeito pelas regras processuais, não devendo confundir-se os critérios de conveniência e oportunidade com a prevalência da subjectividade e discricionariedade do julgador.

Diz-se isto porque, de acordo com o desenho legal, a possibilidade de ser determinado o arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (envolvendo a extinção da instância, mantendo-se, pois, o status quo já fixado) pressupõe um juízo valorativo que se terá de impor com evidência.

Com efeito, neste conspecto, o nº 4 do art. 42º do RGPTC recorre aos adjectivos “infundado” e “desnecessário”, os quais, assumindo natureza de conceitos indeterminados, devem ser interpretados e densificados - como sustenta OLIVEIRA ASCENSÃO em relação a este tipo de conceitos[16] - tendo por base o “critério valorativo fixado na cláusula geral”, sendo efectivamente necessário atender ao caso concreto.

Do que se expôs decorre que o legislador não deixou ao critério ou consideração do tribunal o arquivamento do processo em função de um juízo de (mera) oportunidade, devendo antes filiar esse juízo valorativo em factos que, objectivamente analisados, permitam concluir que a impetrada alteração se revela, em concreto, infundada ou desnecessária.”

No caso vertente, e perante todo o exposto, tempos por indiscutível a manifesta improcedência da pretensão da requerente, por não se verificar o mencionado pressuposto da superveniência.
Tanto basta para concluir pelo acerto da decisão apelada e, consequentemente, pela total improcedência da presente apelação.

3.2.2.- Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
No caso em apreço, face à total improcedência da presente apelação, as custas deveriam ser suportadas pela apelante.
Não obstante, por via do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, e que inclui a modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a mesma acha-se dispensada de as pagar.
Tal dispensa não constitui uma situação de isenção, porquanto aquele benefício pode ser revogado nos termos previstos no Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (vd. arts. 10º e 13º do referido diploma).
Daí que se justifique a condenação da apelante em custas, embora com ressalva do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

4.–Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar as presentes apelações totalmente improcedentes, confirmando por isso, e de forma integral, a sentença recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido[17].



Lisboa, 08 de fevereiro de 2022 [18]



Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa



[1]Seguimos de perto o relato constante da sentença recorrida, ao qual acrescentámos as incidências posteriores a esta.
[2]Em requerimento subscrito pela própria – refª 11160106.
[3]Fls. 7 e 12.
[4]Fls. 6 e 13-14.
[5]Refª 11281170/39684025.
[6]Refª 11281170/39910415, de 22-09-2021, fls. 21-37.
[7]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[8]Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[9]Adiante designado pela sigla “CC”.
[10]Adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990, e adiante designada por “Convenção”.
[11]No sentido exposto cfr. DIOGO RAVARA, “Alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais e questões de particular importância: Dúvidas e interrogações” in “IV Jornadas de Direito da Família”, vol. II, OA/CEJ, 2021, pp. 195-225, em especial pp. 199-200. Este e-book encontra-se disponível no seguinte endereço:
https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=say6SHNnRKk%3d&portalid=30 
[12]A decisão que estabelece o regime que se pretende alterar, ou homologa o acordo que o fixou.
[13]“A Criança e a Família - Uma Questão de Direito(s)”, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 269-270.
[14]Falava-se aqui em conclusão preliminar, porquanto no mesmo texto se concluiu que as decisões provisórias seguem regime diferenciado. Não é, contudo essa a natureza da decisão proferida nos presentes autos.
[15]Refª 11225356.
[16]In O Direito – Introdução e Teoria Geral, págs. 248 e seguinte.
[17]Cfr. doc. junto com as alegações de recurso da apelante.
[18]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.