Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO
DANOS MORAIS
Sumário
I) O acordo celebrado entre a 1.ª ré – na qualidade de “proprietária” - e os autores – como “arrendatários” - segundo o qual foi acordada a suspensão de contrato de arrendamento habitacional, para possibilitar a realização de obras de conservação no locado e até à data do término de obras no edifício onde o mesmo se situa, vincula o locador outorgante e, terminando tais obras, determina na falta de outra solução diversa, a plena vigência da obrigação de o locador assegurar aos arrendatários o gozo do locado para os fins a que se destina (cfr. artigo 1031.º, al. b) do Código Civil). II) Por via do referido acordo de suspensão do contrato de arrendamento não cessou a vigência do primitivo arrendamento e das obrigações dos respetivos locador e locatário e, tal vigência, também não cessou com a conclusão das obras no prédio. III) Não viabiliza diversa conclusão, a circunstância de, no acordo de suspensão do contrato de arrendamento, ter sido contemplado que, no final das obras os autores teriam para sua habitação própria uma outra fração do imóvel onde se situa o arrendado, relativamente à qual se disponibilizaram a celebrar com o respetivo proprietário (outrem, que não o locador do contrato de arrendamento inicial) um futuro contrato de arrendamento, mas que, sem culpa dos autores, não se veio a concretizar. IV) Nos termos do artigo 1031.º do Código Civil, a obrigação primária do locador é, a par da entrega do locado, a de assegurar o gozo daquele para os fins a que destina, mesmo que os arrendatários tenham manifestado a disponibilidade de poderem vir, no futuro, a celebrar outro contrato de arrendamento com outro objeto. V) Vendido o imóvel locado ao 2.º réu, de harmonia com o disposto no artigo 1057.º do Código Civil, o arrendamento incidente sobre o mesmo transmitiu-se àquele, sucedendo na qualidade de senhorio, ficando imperativamente titular dos respectivos direitos e obrigações, não podendo invocar a ignorância do contrato de locação para se eximir ao seu cumprimento. VI) A aquisição da propriedade da fração em questão pelo 2.º réu comportou para este a vinculação às obrigações atinentes, estando adstrito a reconhecer a relação jurídica de arrendamento subsistente e de que os autores são locatários/arrendatários. VII) O locador é responsável civil pelos danos não patrimoniais registados pelos locatários em consequência de não lhes ser assegurado, após a conclusão das obras no prédio, o referido gozo do locado. VIII) Desde então, o comportamento do locador deixou de ser lícito e conforme ao direito, passando a ser incumpridas as aludidas obrigações legais, designadamente, a obrigação de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo – e respetiva recuperação da fruição das utilidades inerentes – relativamente ao locado. IX) Tais danos são apenas de assacar à 1.ª ré que determinou a saída dos autores do locado e originou a produção dos danos correspondentes - angústia e tristeza em gravidade suficiente para merecerem a tutela jurídica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil -, não sendo assacáveis ao 2.º réu, que não teve qualquer conduta causal para a sua ocorrência.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
*
1. FF e BF, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra IMPORTANTALTURA – UNIPESSOAL, LDA. e JGN, também identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus a: “a) a reconhecerem os AA. como arrendatários da fração identificada no artigo 1º desta petição e inicial e, consequentemente, a entregarem-lhes a mesma munida de todo o seu recheio; b) a pagarem aos AA., a título de danos patrimoniais, a quantia de € 41.062,00 (quarenta e um mil e sessenta e dois euros), acrescidos de € 838,00 (oitocentos e trinta e oito euros) mensais, desde fevereiro de 2020, até o arrendado lhes ser restituído, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e ainda c) a pagarem aos AA. montante não inferior a € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos morais, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento; (…)”.
Alegaram, em suma, que são arrendatários da fração “E”, correspondente ao … andar direito, do prédio sito na Rua da …, nº …, em Lisboa, da qual foram desapossados para permitir a realização de obras, acordando na suspensão temporária do contrato de arrendamento, sem que, terminadas as ditas obras, tenha sido devolvido o locado ou tenha sido garantido o seu realojamento noutra fração análoga, tendo o locado sido vendido ao 2º Réu, situação que se vem prolongando no tempo e que lhes causou danos patrimoniais e não patrimoniais.
*
2. Citados, os réus contestaram, pugnando pela improcedência da ação, invocando:
- A 1ª Ré, no essencial, que o acordo celebrado consubstancia um acordo de revogação do contrato de arrendamento, do qual não resulta a possibilidade de os Autores voltarem a residir na fração “E”, tendo desenvolvido todos os esforços para realojar os Autores numa fração equivalente, o que não foi possível por “culpa” destes; e
- O 2º Réu defendendo, igualmente, que os Autores não poderiam, em qualquer circunstância, reocupar a fração autónoma que é agora de sua propriedade.
*
3. Em 14-10-2020 foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
*
4. Após, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, em 24-11-2020, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, decidindo: “a) condenar o 2º Réu a reconhecer os Autores como arrendatários da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao … andar direito, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, entregando-lhes a mesma, livre e devoluta de pessoas e bens, absolvendo-o do mais peticionado; b) condenar a 1ª Ré a entregar aos Autores os bens móveis que tem armazenados e que constituíam o recheio da sua casa de habitação; c) condenar a 1ª Ré a pagar aos Autores a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado. Custas pelos Autores e pelos Réus, na proporção de metade. Registe e notifique”.
*
5. Não se conformando com a referida decisão, dela apela a ré IMPORTANTALTURA – UNIPESSOAL, LDA., pugnando pela revogação da decisão proferida, formulando as seguintes conclusões: “(…) DOS FACTOS PROVADOS 1 – Não se conforma a 1ª Ré com a sentença a quo, que, julgando a acção proposta contra os RR, decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decidido: a) condenar o 2º Réu a reconhecer os Autores como arrendatários da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao …º andar direito, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, entregando-lhes a mesma, livre e devoluta de pessoas e bens, absolvendo-o do mais peticionado; b) condenar a 1ª Ré a entregar aos Autores os bens móveis que tem armazenados e que constituíam o recheio da sua casa de habitação; c) condenar a 1ª Ré a pagar aos Autores a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado. 2 - Com o devido respeito, atenta a prova carreada e designadamente a prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, não poderiam deixar de se considerar provados os factos relativos aos factos: i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”; j) em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração “I” declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores; l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão e de outra por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé; m) por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados; 3 - Nomeadamente através do testemunho da testemunha NL 1m51’ Mandatário da 1ª Ré – Tem conhecimento se isso foi feito no âmbito de algum acordo entre os senhores Fragoso e a Importantaltura? 1m58’ NL – “Sim, nós queríamos realoja-los. Queríamos que eles ficassem com boas condições a viver bem.” 2m10’ Mandatário da 1ª Ré – “ Os senhores Fragoso estão a ver imóveis?” 2m12’ NL “Exactamente. Estavam dispostos a mudar de casa, desde que ficassem com boas condições.” 2m18’ Mandatário da 1ª Ré – “Os senhores Fragoso falaram consigo, sobre aquilo que entendiam ser boas condições?” 2m20’ NL – “Sim, a senhora tinha um problema no joelho, portanto era obrigatório que tivesse elevador. Nesse caso eu estava sensível e todas as casas que estava à procura, tinham que ter elevador. Recordo-me também que eles estavam habituados a estar numa zona com metro, portanto, a questão dos transportes públicos também era relevante. Todas as opções que lhes mostrei estavam relativamente perto de transportes públicos, maioritariamente metro ou autocarros. Recordo-me também que o senhor Fragoso gostava de pintar e então a luz da casa também era uma questão relevante. Tentava mostrar-lhes casas que tivessem luz natural, para que isso fosse possível. Recordo-me que lhes mostrei, já não sei se 6 ou 7, propostas válidas” 3m06’ 3m07’ Mandatário da 1ª Ré – Quando ia propor uma casa à Sra. BF e ao Sr. FF já levava isso em causa? 3m09’ NL – “Claro que sim” 3m20’ Mandatário da 1ª Ré – Não lhes ia propor uma casa que, se fosse alta não tivesse elevador, ou que ficasse longe de transportes públicos ou que não tivesse Luz para o Sr. FF pintar. Portanto já levava em consideração, no fundo, estas exigências? 3m31’ NL – Sim, nós aproximamo-nos um pouco e para mim, também já era uma questão pessoal. Queria efetivamente arranjar uma solução que fosse válida e que deixasse estas pessoas confortáveis. É sempre uma situação complicada. São pessoas com alguma idade, viveram a vida inteira num sítio. (…) Tinha isso em consideração. Tentei dar o meu melhor para que isso fosse possível. 3m50’ Sim, recordo-me que maioritariamente foram ali na zona da linha amarela, porque a filha dos senhores vivia (…) na Ameixoeira. (…) Nós vimos Quinta das conchas, Ameixoeira, Lumiar maioritariamente. 4m11’ NL – “Recordo-me que numa das casas, já tinha feito o contrato de arrendamento com o senhorio e que depois, à última da hora, os senhores recusaram porque não tinha bidé. Era uma casa que ficava no Lumiar, perto do metro e perto da escola do neto dos senhores. Eles recusaram, à última da hora, porque não tinha bidé.” 4m30’ Mandatário da 1ª Ré – “ (…) A casa cumpria todos os requisitos, certo? Estava perto de transportes públicos, tinha luz, tinha duas divisões que segundo o que percebi era um requisito dos senhores, seria assim?” 4m44’ NL – “ sim, sim. E tinha feito obras de reabilitação. Portanto a casa estava ótimo estado, com soalho flutuante, com cozinha nova. 4m53’ Mandatário da 1ª Ré – “estava melhor que a casa em que eles viviam na Rua …? 4m55’ NL – Sim, estava. A cozinha da casa da cruz vermelha já estava muito antiga. A casa da cruz vermelha já tinha muitos anos, a cozinha estava super antiga, a casa nova estava melhor. 5m’05 Mandatário da 1ª Ré – “quando a NL lhes propôs realojá-los nessa casa, eles recusaram porque a casa não tinha bidê.” 5m09 NL– “ Estava tudo a avançar. Eu já estava a tratar do contrato de arrendamento, já íamos sinalizar. E os senhores decidiram, afinal não queremos ir, porque não tem bidé e estamos muito habituados e é difícil.” 5m29’ NL – “Recordo-me, por exemplo, no Lumiar, vimos uma junto ao metro, era a questão da cozinha. A cozinha era daquelas cozinhas tipo americana e a senhora não gostava muito desse tipo de cozinha.” 5m45’ NL– “ O facto de ser sala-cozinha, não ter a divisão” 5m47’ Mandatário da 1ª Ré – “ Como kitchenette?” 5m48’ NL– Exatamente 6m03’ NL – Não gostou da casa. Mas é como disse, a casa tinha elevador, estava bem localizada, estava perto de transportes públicos, no Lumiar, junto ao pingo doce, portanto ali perto do metro. 6m12’ Mandatário da 1ª Ré – essa casa não gostou porque pretendia uma cozinha mais clássica, digamos assim… 4 - Ora do depoimento desta testemunha, um depoimento que não foi colocado em causa, resultou absolutamente evidente que os AA., visitaram vários imóveis com o intuito de serem realojados: 5 – Tendo inclusivamente dado os AA. à 1ª Ré, uma lista de requisitos relativos ao imóvel onde gostariam de ser realojados. 5 - Sendo que com o devido respeito, deveria ter sido provado que os AA., se recusaram a ser realojados numa casa, apenas e só pela falta de bidé; 6 - Sendo igualmente certo que existia efectivamente um acordo entre a 1ª Ré e os AA., para a efectivação do realojamento em imóveis que tivessem as características pretendidas. 7 - E assim, salvo o devido respeito, se os AA., não concordaram com o realojamento numa casa que, cumprindo todos os seus requisitos, só porque não tinha bidé, 8 - Os eventuais transtornos e danos que alegaram ter sofrido, pela sua manifesta falta de gravidade, não são dignos de tutela judicial 9 - Mais ainda, do teor do documento acordo de suspensão do contrato de arrendamento junto aos autos com a petição inicial; 10 - E analisado conjuntamente com o que foi referido pela testemunha acima referida, 11 - E aliás igualmente pelos depoimentos das demais testemunhas; 12 - Resulta evidente que, os AA., ao celebrarem tal acordo, e ao receberem o valor respectivo à indemnização prevista na respectiva cláusula 5 do acordo, junto com a petição inicial. 13 - Ou seja, mesmo que se considerasse, como considerou a sentença recorrida, que do comportamento das partes não se possa concluir pela revogação do contrato de arrendamento; 14 - Não poderá deixar de se considerar que existiu uma alteração do objecto!E bem assim uma alteração do valor da renda devida pela fruição do novo locado, que passou de €462,00 para €650,00 (conferir cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) Originando tal modificação de objecto e de condições contratuais a obrigação reconhecida pela ora 1ª Ré, no pagamento da compensação prevista na cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) 15 - E que por via deste contrato, os AA, aceitaram passar a residir noutro apartamento, e que não voltariam ao locado original; 16 - Tanto mais que, posteriormente à impossibilidade de ocupação da referida fracção I; 17 - Os Autores em vez de exigirem ser realojados na casa onde residiam anteriormente, 18 - Pediram expressamente à 1ª Ré, que os realojassem, tendo dado instruções para que este realojamento fosse feito nas zonas do Lumiar e Ameixoeira, em casas com condições certas e determinadas. 19 - Ou seja, do comportamento das partes, parece ser de presumir que com a celebração do acordo de suspensão do contrato de arrendamento, as partes extinguiram o contrato de arrendamento quanto à fracção I; 20 - Tendo-se comprometido a realojar os AA., num outro locado que seria o novo objecto do contrato de arrendamento. 21 - Assim sendo, e atento o comportamento das partes não só na celebração do negócio, como ainda, no período de anos posteriormente a esse facto não pode permitir outra conclusão sobre a vontade presumida das partes; 22 - Mas mais ainda, ainda que assim não fosse, os AA., visitaram inúmeros imóveis acompanhados de representantes da Ré, com o intuito de procurarem o imóvel para serem realojados; 23 - Virem, depois de tantas visitas a imóveis, depois de tantas instruções darem sobre quais os imóveis em que tinham interesse, depois de recusarem serem realojados em apartamentos só porque a cozinha tinha uma disposição de kitchinete e não de cozinha clássica, ou por ausência de bidé 24 - Alegar que não aceitam ser realojados e que exigem ocupar o locado que abandonaram no pressuposto de serem realojados. 25 - É manifestamente um comportamento, ilícito por compaginável com Abuso de Direito.Não merecendo assim a tutela jurídica! 26 – E assim, entende a 1ª Ré ora Recorrente que a qualificação jurídica feita pela sentença recorrida não foi a mais acertada, devendo ser revogada e substituída por uma decisão que reconheça a cessação do contrato de arrendamento, ou quanto muito a alteração do respectivo objecto, e consequentemente não ser reconhecido o direito dos AA., a reocuparem o apartamento actualmente propriedade do 2º R DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS 27 - Considerou a sentença a quo quanto ao pedido de danos não patrimoniais formulado pelos AA. que, 28 - Os alegados danos patrimoniais são, no fundo, decorrentes da “privação do uso da sua fração e bens” durante um (largo) período de tempo. Ora, a privação do uso, neste caso, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e irrecuperável no poder de fruição de uma determinada habitação, não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda). 29 - Ora, a “tristeza e angustia” sofridas pelos Autores, a necessidade de deslocação constante a Lisboa durante um determinado período de tempo e, depois disso, a necessidade de habitar com a filha, num T1, tudo durante um considerável espaço de tempo e considerando a sua idade avançada, quando é certo que os Autores não inviabilizaram uma solução alternativa, desde que, naturalmente, lhes desse as mesmas garantias, são danos que assumem gravidade suficiente e relevância jurídica, no sentido de merecerem a tutela do direito, e são consequência direta do incumprimento por parte da 1ª Ré. Ponderadas todas as circunstâncias do caso, entende-se que o valor peticionado a esse título se mostra equitativo, fixando-se o valor de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. 30 - Ora salvo o devido respeito, não se pode a 1ª Ré conformar com tais pressupostos, porquanto como foi referido pela testemunha NL a 1ª Ré diligenciou repetidamente pelo realojamento dos AA., em condições análogas às que estes fruíam antes da celebração do acordo, inclusivamente na mesma freguesia, e noutras sugeridas pelos próprios AA.. 31 - Pelo que, os danos não patrimoniais que hajam alegadamente resultado da não residência em Lisboa dos AA não podem ser imputáveis à ora Ré. 32 - Foram os AA., que repetidamente, entenderam não pretender ser realojados nos imóveis apresentados, designadamente, por não ter bidé, por não ser tão próximo do Metro, por ser num rés do chão, porque não gostavam da vizinhança, etc. 33 - Dessa forma, e caso a ausência da presença no concelho de Lisboa fosse tão danosa e causasse assim tanto transtorno, os AA, teriam aceite os realojamentos propostos; 34 - Sempre se imporia concluir que concordariam a ser realojados, num apartamento sem bidé. 35 - Ou mesmo com uma cozinha mais pequena do que pretendiam 36 - Desde logo ressalta que, caso tivesse tanta necessidade de residir em Lisboa, teria aceite o realojamento em imóveis de condições análogas às que dispunham, e não teriam rejeitado o imóvel apenas e só por ser num rés do chão, ou por outros motivos de mero gosto pessoal. 37 - Sendo certo que, ainda assim, as circunstâncias descritas, esses supostos danos morais não merecem a tutela do direito para efeitos de condenação, nos termos e para os efeitos do artigo 496º do C.C. 38 - Mas mais ainda, considerou a sentença a quo que: 39 - Os alegados danos patrimoniais são, no fundo, decorrentes da “privação do uso da sua fração e bens” durante um (largo) período de tempo. 40 - Ora, a privação do uso, neste caso, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e irrecuperável no poder de fruição de uma determinada habitação, não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda). 41 - Ora, a “tristeza e angustia” sofridas pelos Autores, a necessidade de deslocação constante a Lisboa durante um determinado período de tempo e, depois disso, a necessidade de habitar com a filha, num T1, tudo durante um considerável espaço de tempo e considerando a sua idade avançada, quando é certo que os Autores não inviabilizaram uma solução alternativa, desde que, naturalmente, lhes desse as mesmas garantias, são danos que assumem gravidade suficiente e relevância jurídica, no sentido de merecerem a tutela do direito, e são consequência direta do incumprimento por parte da 1ª Ré. 42 - Ponderadas todas as circunstâncias do caso, entende-se que o valor peticionado a esse título se mostra equitativo, fixando-se o valor de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. 43 - Ora desta conclusão não se pode deixar de apontar para uma enorme contradição, pois por imperativo lógico, de duas uma: 44 - Ou a sentença considera que o contrato foi revogado, ou pelo menos mantendo-se o contrato de arrendamento mas alterado o respectivo objecto, assumindo então a 1ª Ré a obrigação de realojar os AA., e perante o incumprimento desta obrigação condenar a 1ª Ré nos danos emergentes desse incumprimento, (solução essa defendida pela 1ª Ré) Ou então Considera que o arrendamento não cessou e não se modificou quanto ao objecto, e assim sendo se transmitiu ao 2º Réu., sendo que nesse caso, nenhuma responsabilidade terá a 1ª Ré., na alegada privação de uso do imóvel em causa, uma vez que não é proprietária, nem senhoria dos AA. 45 - Assim é manifestamente contraditória a procedência do direito à restituição do locado aos AA., e a condenação da 1ª Ré, por impedir a fruição de um bem que lhe é alheio e que já alienou em 2015! 46 - Relativamente ao qual não exerce qualquer domínio. 47 - Não sendo o respectivo senhorio, não impediu os AA., de fruírem o Bem! 48 - Não tendo assim praticado qualquer facto ilícito, não sendo assim responsável pelo ressarcimento de qualquer alegado dano. 49 – Muito pelo contrário, resultou claro do depoimento acima referido, que a 1ª Ré tudo fez para realojar os AA., de acordo com as suas preferências, como resultou claro do depoimento da testemunha NL acima referido. 50 – Devendo assim à 1ª Ré ser revogada a condenação, no pagamento do montante fixado a título de danos não patrimoniais”.
*
6. Igualmente, não se conformando com a referida sentença, dela apela o réu JGN, pugnando pela revogação da decisão proferida, na parte em que o condenou a reconhecer os autores como arrendatários da fracção autónoma e a fazer-lhes entrega dessa fracção, formulando as seguintes conclusões: “(…) 1. Vem a presente apelação interposta da (não obstante) douta sentença proferida nos autos, na parte em que condenou o aqui recorrente a reconhecer os AA. na acção como arrendatários da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao … andar direito, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, e a fazer-lhes entrega dessa fracção, livre e devoluta de pessoas e bens; 2. Salvo o devido respeito, o recorrente entende que o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova; 3. Desde logo, a douta sentença deveria ter dado por provado, porque constante de documento escrito outorgado pelos AA. e pela R. Importantaltura, documento que as partes não impugnaram, que, “No documento escrito datado de 16/11/2015, os subscritores convencionaram que “A primeira outorgante (a Ré Importantaltura) irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes (Autores), em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. (…).”; 4. Por outro lado, o recorrente entende verificar-se manifesto lapso na apreciação da prova, no que respeita ao facto dado por não provado, sob a alínea i) do respectivo elenco: “i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”; 5. E o recorrente assim entende, não só porquanto tal resulta claro do teor do documento subscrito pelos Autores e pela R. Importantaltura, como resulta ainda de forma inequívoca do depoimento das testemunhas, e até do comportamento dos Autores; 6. No documento outorgado em 16 de novembro de 2015, declararam as partes que “É livremente e de boa fé acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao … Dtº da Rua …, … (…) com efeitos a partir de 15 de novembro de 2015 e até à data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I” (…)”, e que os Autores “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)” (pontos 3 e 4 do elenco dos factos provados); 7. Ou seja, mostra-se expressamente consignado que, uma vez findas as obras que seriam realizadas no prédio, os Autores seriam realojados na fracção correspondente ao quarta andar direito – e não, portanto, na fracção designada pela letra E, esta correspondente ao segundo andar direito, de que haviam sido arrendatários, e em causa nestes autos; 8. Isto é, não resulta do teor daquele escrito que as partes houvessem acordado que, uma vez findas as obras, os Autores teria direito a reocupar a fracção que haviam habitado, mas uma outra no mesmo prédio: 9. Antes pelo contrário, resulta claro que foi intenção dos subscritores alterar o objecto do contrato de arrendamento – que passou da fracção E para a fracção I – mas também a alteração de outras cláusulas contratuais, nomeadamente as relativas ao prazo do arrendamento e ao valor da renda; 10. O depoimento das testemunhas inquiridas em audiência reforça o mesmo entendimento, parecendo poder concluir-se que, num primeiro momento, a intenção dos Autores e da Ré Importantaltura seria a de que, no final das obras a realizar no edifício, os Autores reocupassem a fracção que lhes estava arrendada, sendo que, num segundo momento, o acordo se revestiu de novos contornos, tendo sido acordado que o “realojamento” ocorreria na fracção do quarto andar direito; 11. O foi esta segunda a solução que os Autores e a Ré Importantaltura vieram a consagrar no escrito que outorgaram em 16 de Novembro de 2015; 12. Conforme claramente expressaram as testemunhas inquiridas, os Autores concordaram com a proposta de virem a ocupar o apartamento do 4º andar; inclusivamente, solicitaram à Ré Importantaltura que fizesse adaptações nesse apartamento, que foram feitas, na sua maioria; para os Autores, a expectativa era de voltar para o apartamento no 4º andar, que já consideravam a sua casa! 13. Tudo isto é incompatível com a decisão do Tribunal a quo, que entendeu não se mostrar provado que as partes intervenientes naquele escrito não tiveram intenção de pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”; 14. Mas, para além do que resulta da prova testemunhal, e da interpretação do acordo celebrado por escrito entre os Autores e a Ré Importantaltura, também o comportamento daqueles primeiros demonstra que, efectivamente, foi sua intenção considerar findo o contrato de arrendamento que tivera por objecto a fracção E do prédio; 15. Veja-se que, ao longo de cerca de dois anos, os Autores negociaram com a Ré Importantaltura o seu realojamento noutro apartamento, tendo mesmo visitado vários fogos, em vista de ser realojados; 16. É pois, inevitável a conclusão de que, efectivamente, os Autores pretenderam e aceitaram que o contrato que tivera por objecto a fracção em causa nos autos havia cessado; 17. A pretensão formulada nos autos configura, nas circunstâncias descritas, um venire contra factum proprium, que o direito e a justiça não podem legitimar; 18. A decisão relativa à matéria de facto deve pois, ser alterada, passando a constar como provado que “as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”; 19. Assente que, efectivamente, foi intenção das partes pôr termo ao contrato de arrendamento que teve por objecto a fracção dos autos, inevitável se configura que terá de improceder o pedido formulado pelos Autores, de reconhecimento da subsistência do mesmo contrato; 20. A esta conclusão não obsta a circunstância de não haver sido concretizada a celebração de contrato de arrendamento tendo por objecto a fracção do quarto andar direito do mesmo prédio. O incumprimento dessa obrigação não importa a invalidade do acordo firmado entre os Autores e a Ré Importantaltura, mas somente a (eventual) obrigação de garantir a substituição do objecto do contrato por outra fracção, o que parece não haver ocorrido por exclusiva culpa dos próprios Autores; 21. E, assim sendo, terá a douta sentença recorrida de ser revogada, (pelo menos) na parte em que condenou o aqui recorrente a reconhecer os Autores como arrendatários da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao segundo andar direito, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, e a fazer-lhes entrega dessa fracção, livre e devoluta de pessoas e bens (…)”.
*
7. Os autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência dos recursos interpostos e confirmação da decisão recorrida.
*
8. O recurso foi liminarmente admitido por despacho de 01-06-2021.
*
9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, relativamente aos dois recursos de apelação em questão, são as de saber:
* I) Questões prévias:
A) Se existe motivo para a rejeição do recurso interposto pela ré IMPORTANTALTURA, LDA., relativamente à impugnação da matéria de facto, por não observância pela recorrente do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) do CPC?
B) Se existe motivo para a rejeição do recurso interposto pelo réu JGN, na parte em que pretende aditar um novo facto, por não observância pelo recorrente do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) do CPC?
* II) Impugnação da matéria de facto:
C) Se deve ser incluído nos factos provados (com eliminação do rol de não provados) que:
i) “as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração «E»”;
j) “em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração «I» declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores”;
l) “a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão e de outra por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé”;
m) “por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados”?
D) Se deve ser incluído nos factos provados que: “No documento escrito datado de 16/11/2015, os subscritores convencionaram que “A primeira outorgante (a Ré Importantaltura) irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes (Autores), em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. (…)”?
* III) Mérito dos recursos:
E) Se deve ser julgado improcedente o pedido dos autores de reconhecimento da subsistência do contrato de arrendamento relativamente à fracção autónoma designada pela letra E, ….º Dt.º, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa?
F) Se a condenação no pagamento de indemnização em danos morais dos autores deve ser revogada, por ausência de prática de facto ilícito e falta de gravidade/não merecerem a tutela do direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º do CC?
* 3. Fundamentação de facto:
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. O Réu adquiriu à Ré, por escritura pública de compra e venda outorgada em 12 de agosto de 2015, “livre de ónus ou encargos”, a fração “E” correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito na Rua …, nº …, freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial da freguesia das Avenidas Novas sob o artigo ….
2. Por documento escrito datado 1 de agosto de 1967, foi dada de arrendamento aos ora Autores, para habitação, a fração supra referida.
3. Por documento escrito datado de 16 de novembro de 2015, subscrito pelos ora Autores, na qualidade de “arrendatários”, e pela 1ª Ré, na qualidade de “proprietária”, intitulado “Suspensão de Contrato de Arrendamento para Obras”, declararam as partes que “É livremente e de boa fé acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao … Dtº da Rua …, … (…) com efeitos a partir de 15 de novembro de 2015 e até à data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I” (…)”.
4. Nos termos do Ponto 1, este acordo previa que os ora Autores “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)”.
5. E nos termos do Ponto 2., os ora Autores, “Durante o período de obras (…) ficam dispensados do pagamento de rendas”.
6. Conforme contante dos Pontos 8. e 9., os ora Autores entregam à 1ª Ré “o imóvel no qual estão a residir, livre e devoluto de pessoas e bens (…) para realização de obras de conservação” e esta “suporta os encargos com o transporte dos bens existentes no imóvel (…) e guarda-os em instalações próprias durante o período de obras e até ao realojamento”, tendo os Autores ido residir para a Ericeira.
7. Concluídas as obras, não mais os Autores tiveram acesso ao locado e não foram realojados na fração “I” mediante a celebração de novo contrato.
8. Os Autores, por carta datada de 18/04/2018, instaram a 1ª Ré a entregar-lhes a fração “E” ou a facultar-lhes um outro espaço onde pudessem residir em condições análogas.
9. A 1ª Ré não respondeu.
10. Os Autores, através dos seus mandatários, enviaram nova carta à 1ª Ré, datada de 16/11/2018, dizendo que aguardariam por 10 dias um contacto, com vista a uma “solução consensual”.
11. A 1ª Ré respondeu, por carta datada de 03/12/2018, invocando uma reunião com a advogada da “Associação de Inquilinos” e a disponibilidade para apresentação de uma proposta de “rescisão de contrato”.
12. Por carta datada de 14/12/2018, os mandatários dos Autores esclareceram que a dita advogada já não os representava e reiteraram junto da 1ª Ré a intenção daqueles de exercerem o direito a habitar a dita fração, não fechando, no entanto, a negociação de uma solução que passasse por garantir uma habitação nas mesmas condições, ainda que noutra morada.
13. A 1ª Ré, por carta datada de 09/01/2019, informou estar aberta a negociar uma solução, tendo “a intensão de proposta de € 20.000”, propondo a marcação de uma reunião.
14. A esta carta, responderam os mandatários dos Autores, por carta datada de 22/01/2019, informando que o valor proposto “é inaceitável”, aceitando a proposta de reunião, que veio a ter lugar com a presença do Sr. HP em representação da 1ª Ré, que se comprometeu a adquirir, com a aceitação dos Autores, uma fração para os realojar.
15. Entre fevereiro de 2019 e outubro de 2019, a 1ª Ré levou os Autores a visitar potenciais fogos para “realojamento”.
16. A 1ª Ré, por carta datada de 11/10/2019, invocando ainda a qualidade de senhoria, veio informar que sem “aprovação bancária” não tinha condições para adquirir a fração escolhida e disse estar disponível para arrendar uma casa e, subsequentemente, subarrendar-lhes pelo valor de renda que tinham anteriormente.
17. Os Autores, por carta enviada pelos seus mandatários, datada de 06/11/2019, comunicaram à 1ª Ré que não podiam aceitar a solução proposta, por a mesma não lhes dar garantias, propondo ainda voltar a negociar o pagamento de uma indemnização, em montante a acordar.
18. A esta carta veio a 1ª Ré a responder, por carta datada de 15/11/2019, insistindo num contrato de arrendamento “com três partes”, em que assumiria a posição de “pagadora do remanescente pela renda”, solução que os Autores reiteraram ser “inaceitável” por não lhes dar garantias.
19. Os Autores, por carta enviada pelos seus mandatários, datada de 18/06/2019, informaram o 2º Réu do contrato celebrado em 1967, enviando cópia do mesmo, e do “acordo de suspensão”, solicitando um contacto, no prazo de 8 dias, com vista à entrega da referida fração “E”.
20. O 2º Réu não respondeu a esta carta.
21. Por carta datada de 26/09/2019, os Autores informaram o 2º Réu que iriam recorrer à via judicial, carta essa que foi devolvida, com a menção “não reclamado”.
22. A fração “E” tem, atualmente, um valor locatício superior a € 462,00 mensais.
23. A renda da fração “E” era de € 462,00, a qual os Autores não estão a pagar.
24. A Autora nasceu em 1940 e o Autor em 1936.
25. Os Autores tinham uma vida familiar, doméstica e social estável e organizada, em Lisboa.
26. O arrastar do tempo, avolumou a sua angústia e os seus incómodos por estarem privados da fração “E” e por terem todos os seus bens num armazém, não podendo dispor ou disfrutar dos mesmos.
27. Na Ericeira, viveram num apartamento de praia.
28. A sua deslocação para a Ericeira implicou, durante o período em que aí permaneceram, que tivessem que se deslocar com frequência a Lisboa, nomeadamente sempre que necessitavam de cuidados médicos, o que acontecia, normalmente, cerca de duas vezes por semana.
29. Assim como tinham que se deslocar a Lisboa sempre que pretendiam estar com a sua filha.
30. O mesmo acontecendo sempre que pretendiam estar com os seus amigos, seja para almoçar, para jantar, ou sempre que estes organizam quaisquer eventos.
31. Por tudo isto, os Autores sentem-se tristes e angustiados, tendo como objetivo de vida voltarem para a sua “casa”, onde tinham a expectativa de viver a sua velhice.
32. Os Autores, em finais de 2017, vieram residir para a casa da sua filha, em Lisboa.
33. A casa da filha dos Autores tem apenas um quarto, o que faz com que estes ou aquela tenham que dormir no sofá da sala.
34. A 1ª Ré desenvolveu diligências no sentido de encontrar um local com características semelhantes às da fração “E”, cujas condições fossem do agrado dos Autores, para o realojamento destes, promovendo visitas a potenciais fogos para realojamento na companhia da Autora.
35. A Autora impôs determinadas condições, designadamente, a proximidade do acesso a transportes, o (mesmo) número de quartos, a (mesma ou próxima da casa da filha) zona e a existência de elevador.
36. A CML emitiu, em 23/10/2019, o “Alvará de utilização Nº494”, titulando a autorização de utilização do edifico sito na Rua … … e …, na freguesia de Avenidas Novas, a que corresponde o “alvará de obras nº …”, emitido em 20/09/…, a favor da ora 1ª Ré.
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Não se provou que:
a) a 1ª Ré “fez de conta” que estava a negociar com os proprietários a casa que ambas as partes haviam escolhido;
b) os proprietários da fração que a 1ª Ré supostamente pretendia adquirir vieram confirmar aos Autores que aquela nunca negociou com os mesmos tal aquisição limitando-se a manifestar um conjunto de intenções muito vagas;
c) a fração “E” tem, atualmente, um valor locatício não inferior a € 1.300,00 mensais;
d) o apartamento na Ericeira tinha condições de conforto e funcionalidade “muito inferiores” às do locado;
e) os Autores tinham que se deslocar a Lisboa sempre que a sua filha necessitava da sua ajuda em virtude da doença de que padece;
f) passaram muitas noites sem dormir e deixaram de ter a alegria de viver que sempre tiveram;
g) a sua filha, em virtude da doença de que padecia, necessitava de ser acompanhada, quer quando se deslocava aos médicos, quer para realizar parte das suas tarefas quotidianas;
h) o único objetivo dos Réus, em conluio, foi retirar os Autores da fração “E” para que a mesma fosse entregue ao 2º Réu, nunca tendo sido sua intenção fazer voltar os Autores para a mesma ou de lhes proporcionar uma solução alternativa;
i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”;
j) em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração “I” declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores;
l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão e de outra por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé;
m) por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados;
n) mais recentemente, os Autores têm vindo a levantar objeções relativamente à duração do contrato de arrendamento, exigindo que o mesmo tenha duração indeterminada.
o) a 1ª Ré garantiu o arrendamento de um apartamento sito na mesma Rua, ou seja, na Rua …, no número …, com condições de habitabilidade em tudo idênticas ao que os Autores fruíam antes;
p) tendo os Autores recusado o realojamento por se situar no rés do chão do prédio.
q) o 2º Réu desconhecia, em absoluto, que a fração por si adquirida estava arrendada aos Autores ou a terceiro.
* 4. Fundamentação de Direito:
* I) Questões prévias:
* A) Se existe motivo para a rejeição do recurso interposto pela ré IMPORTANTALTURA, LDA., relativamente à impugnação da matéria de facto, por não observância pela recorrente do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) do CPC?
A recorrente pronuncia-se sobre 4 pontos da matéria de facto não provada (alíneas i), j), l) e m) ), com os quais discorda, nos termos que elencou ao longo da sua alegação.
Relativamente a tal impugnação, alegaram os recorridos, nas suas contra-alegações, nomeadamente, o seguinte: “No que às alegações da Recorrente Importantaltura, Lda. diz respeito, quanto à impugnação da matéria de facto, não pode deixar de se dizer que a mesma não cumpre o previsto na al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, porquanto não são indicados os concretos meios probatórios constantes do processo ou os pontos concretos do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa. A Recorrente faz a identificação de quatro pontos constantes dos factos não provados da Douta Sentença recorrida que, na sua perspetiva, deveriam ter sido considerados como provados. Acontece, contudo, que não discrimina, em concreto, como era sua obrigação, os meios probatórios que justifiquem aquilo que alega. A Recorrente limita-se a transcrever, quase na íntegra, o depoimento da testemunha arrolada por si, NL, o que, de per si, não faz rigorosamente prova nenhuma de que deveria ser tido tomada uma decisão diversa, demonstrando precisamente o contrário, ou seja, que não tem qualquer argumento que justifique a alteração da matéria de facto, tal e qual, foi decidida, e bem, pela Meritíssima Juiz a quo. Deste modo, não pode a impugnação da matéria de facto pretendida pela Recorrente ser, sequer, admitida por não respeitar as regras processuais que disciplinam o recurso sobre esta matéria, pelo que deve o mesmo, nesta parte, de imediato, ser rejeitado”.
Com a alegação produzida e com a impugnação deduzida, a recorrente/apelante pretende colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do CPC (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do artigo 640.º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Como resulta do n.º 1 do já citado artigo 640.º do CPC, no caso de impugnação sobre a decisão de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, bem como, os concretos meios de prova que impunham diversa decisão, indicando a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto.
De acordo com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, cabe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na parte respetiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso (sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte: “1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada. 2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância. 3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4. 4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Assim, pode concluir-se que, “como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2018, Pº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, rel. SOUSA LAMEIRA).
De todo o modo, de harmonia com o princípio da prevalência da substância pela forma a que se refere o artigo 6.º do vigente CPC (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2018, p. 32, nota 5), tem-se admitido que, se da conjugação da motivação e das conclusões é viável a percepção de quais os pontos da matéria de facto impugnados, não deverá ter lugar a rejeição da impugnação: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal. Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, Pº 274/17.8T8AVR.P1.S1, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, na linha do Acórdão do mesmo Tribunal de 12-07-2018, Pº 167/11.2TTTVD.L1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Quanto ao ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a jurisprudência tem entendido uniformemente, o seguinte:
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1 do artigo 640º, do CPC” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2019, Pº 126528/16.6YIPRT.P1, rel. CARLOS PORTELA); e
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018, Pº 1474/16.3T8CLD.C1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Finalmente – refira-se – que, conforme se deu nota no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018 (Pº 552/13.5TTVIS.C1.S1, rel. PINTO HESPANHOL): “A rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto prevista no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil não está dependente da observância prévia do princípio do contraditório. Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre tais pontos de facto”.
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Vejamos se, em face do exposto, existe motivo para a rejeição liminar da impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente.
Ora, apreciando a alegação da recorrente verifica-se ter sido alegado, designadamente, o seguinte: “(…) atenta a prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, não poderiam deixar de se considerar provados os factos relativos aos factos: i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”; j) em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração “I” declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores; l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão e de outra por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé; m) por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados; Nomeadamente através do testemunho da testemunha NL. 1min11’ Mandatário da 1ª Ré – Conhece os Srs. FF e BF? 1min12’ NL – “conheço bem os senhores Fragoso. Na altura, quando foi para o processo de realojamento, aproximei-me bastante dos senhores. Os senhores já têm alguma idade, fiquei sensibilizada com o caso e tentei efectivamente arranjar soluções adequadas àquilo que os senhores procuravam” (…)”.
A recorrente prossegue, extratando o depoimento desta testemunha até ao minuto 19 e 15 segundos.
Prosseguindo, refere a recorrente na respetiva alegação, ainda, o seguinte: “…do depoimento desta testemunha, um depoimento que não foi colocado em causa, resultou absolutamente evidente que os AA., visitaram vários imóveis com o intuito de serem realojados: Tendo dado inclusivé à 1ª Ré, uma lista de requisitos relativos ao imóvel onde gostariam de ser realojados. Sendo que, com o devido respeito, deveria ter sido provado que os AA., se recusaram a ser realojados numa casa, apenas e só pela falta de bidé; Sendo igualmente certo que existia efectivamente um acordo entre a 1ª Ré e os AA., para a efectivação do realojamento em imóveis que tivessem as características pretendidas. E assim, salvo o devido respeito, se os AA., não concordaram com o realojamento numa casa que, cumprindo todos os seus requisitos, só porque não tinha bidé, Os eventuais transtornos e danos que alegaram ter sofrido, pela sua manifesta falta de gravidade, não são dignos de tutela judicial Mais ainda, do teor do documento acordo de suspensão do contrato de arrendamento junto aos autos com a petição inicial; E analisado conjuntamente com o que foi referido pela testemunha acima referida, E aliás igualmente pelos depoimentos das demais testemunhas; Resulta evidente que, os AA., ao celebrarem tal acordo, e ao receberem o valor respectivo à indemnização prevista na respectiva cláusula 5 do acordo, junto com a petição inicial. Ou seja, mesmo que se considerasse, como considerou a sentença recorrida, que do comportamento das partes não se possa concluir pela revogação do contrato de arrendamento; Não poderá deixar de se considerar que existiu uma alteração do objecto! E bem assim uma alteração do valor da renda devida pela fruição do novo locado, que passou de €462,00 para €650,00 (conferir cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) Originando tal modificação de objecto e de condições contratuais a obrigação reconhecida pela ora 1ª Ré, no pagamento da compensação prevista na cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) E que por via deste contrato, os AA, aceitaram que não mais voltariam ao locado original; Tanto mais que, posteriormente à impossibilidade de ocupação da referida fracção I; Os Autores em vez de exigirem ser realojados na casa onde residiam anteriormente, Pediram expressamente à 1ª Ré, que os realojassem, tendo dado instruções para que este realojamento fosse feito nas zonas do Lumiar e Ameixoeira, em casas com condições certas e determinadas. Ou seja, do comportamento das partes, parece ser de presumir que com a celebração do acordo de suspensão do contrato de arrendamento, as partes extinguiram o contrato de arrendamento quanto à fracção I; Tendo-se comprometido a realojar os AA., num outro locado que seria o novo objecto do contrato de arrendamento. Assim sendo, e atento o comportamento das partes não só na celebração do negócio, como ainda, no período de anos posteriormente a esse facto não pode permitir outra conclusão sobre a vontade presumida das partes; Mas mais ainda, ainda que assim não fosse, os AA., visitaram inúmeros imóveis acompanhados de representantes da Ré, com o intuito de procurarem o imóvel para serem realojados; Virem, depois de tantas visitas a imóveis, depois de tantas instruções darem sobre quais os imóveis em que tinham interesse, depois de recusarem serem realojados em apartamentos só porque a cozinha tinha uma disposição de kitchinete e não de cozinha clássica, Alegar que não aceitam ser realojados e que exigem ocupar o locado que abandonaram no pressuposto de serem realojados. É manifestamente um comportamento, ilícito por compaginável com Abuso de Direito. Não merecendo assim ser tutelado!”.
E, no termo da respetiva alegação, a recorrente produziu as conclusões acima transcritas.
Ora, apreciada toda a alegação da apelante divisa-se na mesma, o cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, sendo identificados, nos termos acima mencionados, os concretos pontos de facto que a recorrente considera terem sido incorretamente julgados pelo Tribunal recorrido.
Para além disso, a recorrente afirma que relativamente a tal factualidade – que o Tribunal recorrido elencou no rol dos factos não provados – a mesma deverá transitar para o rol dos factos provados. Observado se mostra, igualmente, o ónus de impugnação a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada no processo, que determinariam decisão diversa da recorrida – alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC – a recorrente enunciou, como se viu, desde logo, o depoimento testemunhal de NL, relativamente ao qual extratou segmentos do mesmo – o que veio, aliás, a reproduzir em parte, em sede de conclusões – e desse extrato consta a indicação exacta das passagens da gravação em que a recorrente funda o recurso, transcrevendo, como se disse, o seu teor.
Assim, neste conspecto, a recorrente cumpriu com o ónus impugnatório constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º e observou, igualmente, o prescrito na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.
Iguais considerações merece a referência ao documento identificado pela recorrente: acordo de suspensão do contrato de arrendamento. O meio de prova constante do processo encontra-se cabalmente identificado.
Já, não assim, relativamente ao segmento da alegação do recurso em que a recorrente convoca, genericamente e sem outra concretização, os “depoimentos das demais testemunhas”, sendo que, estes depoimentos, tendo sido objeto de gravação, deveriam, para fundarem a impugnação de facto ter sido objeto de tratamento semelhante ao que a recorrente conferiu sobre o depoimento de NL.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o depoente se funda”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Ora, a impugnação em questão, embora significando uma declaração de vontade da apelante no sentido da impugnação da matéria de facto constante dos factos acima mencionados, por não observar o ónus consignado na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º, nem aquele a que se reporta a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, quanto aos “depoimentos” genericamente invocados, não passa de “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, sobre o resultado probatório alcançado pelo Tribunal.
Assim, por inobservância do disposto na alínea b), do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, do artigo 640.º do CPC, há lugar à rejeição imediata do recurso da recorrente IMPORTANTALTURA, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto fundada em depoimentos testemunhais, com exceção da impugnação referenciada ao depoimento da testemunha NL.
* B) Se existe motivo para a rejeição do recurso interposto pelo réu JGN, na parte em que pretende aditar um novo facto, por não observância pelo recorrente do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) do CPC?
Do mesmo modo, os recorridos vieram invocar quanto ao recurso do réu o seguinte: “No que toca às alegações deste Recorrente também se dirá que as mesmas, na parte em pretendem aditar um novo facto, não podem ser tidas em conta na medida em que se limita a alegar que a Douta Sentença recorrida deveria ter dado o mesmo como provado sem discriminar os concretos meios probatórios que impunham que assim fosse, o que também viola o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil e, consequentemente, deverá o recurso, nesta parte, ser rejeitado. Relativamente às alegações de ambos os Recorrentes, dir-se-á, ainda, que nenhum deles impugnou qualquer facto do elenco dos factos provados constantes da Douta Sentença recorrida, pelo que, não podem, como fazem, pretender que sejam considerados como provados factos que estão, claramente e diretamente, em contradição com os factos provados”.
O recorrente alegou no recurso que apresentou, designadamente, o seguinte: “(…) Ora, antes de mais, o recorrente entende que o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova, no que respeita aos seguintes pontos: Desde logo, a douta sentença deveria ter dado por provado, porque constante de documento escrito outorgado pelos AA. e pela R. Importantaltura, documento que as partes não impugnaram, que, “No documento escrito datado de 16/11/2015, os subscritores convencionaram que “A primeira outorgante (a R. Importantaltura) irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes (Autores), em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. (…).” Por outro lado, o recorrente entende verificar-se manifesto lapso na apreciação da prova, no que respeita ao facto dado por não provado, sob a alínea i) do respectivo elenco: “i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”. E o recorrente assim entende, não só porquanto tal resulta claro do teor do documento subscrito pelos Autores e pela R. Importantaltura, como resulta ainda de forma inequívoca do depoimento das testemunhas, até do comportamento dos Autores. Veja-se: Do documento outorgado em 16 de novembro de 2015, declararam as partes que “É livremente e de boa fé acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao …º da Rua …, … (…) com efeitos a partir de 15 de novembro de 2015 e até à data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I” (…)”, e que os Autores “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)” (pontos 3 e 4 do elenco dos factos provados) Ou seja, mostra-se expressamente consignado que, uma vez findas as obras que seriam realizadas no prédio, os Autores seriam realojados na fracção correspondente ao quarta andar direito – e não, portanto, na fracção designada pela letra E, esta correspondente ao segundo andar direito, de que haviam sido arrendatários, e em causa nestes autos. Isto é, não resulta do teor daquele escrito que as partes houvessem acordado que, uma vez findas as obras, os Autores teria direito a reocupar a fracção que haviam habitado, mas uma outra no mesmo prédio. Antes pelo contrário, resulta claro que foi intenção dos subscritores alterar o objecto do contrato de arrendamento – que passou da fracção E para a fracção I – mas também a alteração de outras cláusulas contratuais, nomeadamente as relativas ao prazo do arrendamento e ao valor da renda. Também as testemunhas inquiridas em audiência foram unânimes em esclarecer que a expectativa dos Autores era virem a habitar a fracção situada no quarto andar do mesmo prédio, e que, depois de gorada essa possibilidade, os Autores pretenderam ser alojados em apartamento noutro prédio, tendo formulado exigências quanto à respectiva localização e características”.
Seguidamente, o recorrente identifica na sua alegação, os depoimentos das testemunhas LF, MRC, MG e, relativamente aos mesmos identifica os segmentos que, em seu entender, motivam diversa conclusão probatória da alcançada pelo Tribunal recorrido.
Observados se mostram os acima mencionados ónus de impugnação constantes do artigo 640.º do CPC no que respeita ao facto constante da alínea i) que o recorrente entende dever transitar para os factos provados.
Mas, também no que se reporta à inclusão factual que o recorrente invoca, se afigura que a mesma cumpre os mencionados ónus impugnatórios, dado que, para além do facto invocado, da decisão que entende o recorrente que deveria ter sido proferida, vem identificado o meio de prova – o documento referenciado e a circunstância da não impugnação do teor do mesmo pelos réus a quem o mesmo foi apresentado pelos autores - nos termos assinalados pelo recorrente.
Assim, porque observados os ónus impugnatórios legais, conclui-se inexistir motivo para a rejeição liminar do recurso do recorrente JGN.
* II) Impugnação da matéria de facto:
Como se viu, ambos os recorrentes visam colocar em crise a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido.
Vejamos: “No direito anterior à Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, em sede de processo ordinário, a decisão sobre a matéria de facto tinha lugar após o encerramento da audiência de julgamento (cf. anterior artigo 653.º n.º 2). Na nova versão do Código de Processo Civil, o legislador suprimiu a decisão sobre matéria de facto, no termo da audiência de julgamento. Por isso, bem se pode chegar à sentença sem o proferimento de despacho formal sobre factos assentes. Na realidade, a decisão de fixação de factos assentes passou a ser uma decisão formalmente não autónoma — mas decisão, ainda assim…— no seio da fundamentação da sentença, prejudicial do dispositivo desta.” (assim, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil; vol. II, 2ª edição, p. 77).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” “A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315) refere, a este respeito, que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Ora, conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento, de acordo com os temas da prova fixados. “A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 717).
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING), “[f]actos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso”.
Ainda na mesma linha, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO) onde se escreveu que: “Sendo certo que a instrução tem por objecto os temas de prova enunciados e que no NCPC estes não se confundem apenas com factos podendo ser conclusões jurídicas ou versões contrárias de factos ou conclusões, é seguro para nós e de acordo com a generalidade da doutrina e da jurisprudência, que a enunciação dos temas de prova não constitui despacho que faça caso julgado formal sobre os factos essenciais, instrumentais ou complementares que interessam à decisão de direito segundo as diferentes soluções possíveis e alegados pelas partes de acordo com as regras dos artº 5º, nºs 1 e 2 e 607º, nº 4, NCPC”.
Ora, conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Importa considerar que, em termos substanciais, a impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância, procurando-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.
Como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127): “Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões”.
Assim, ressalvadas as modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar, desde logo, o que o recorrente - no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto - indicou nas respectivas alegações e cujo âmbito tem a função de delimitar o objecto do recurso.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada (cfr. Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 435-436).
Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420).
A apreciação das provas resolve-se, assim, na formulação de juízos, que assentam na elaboração de raciocínios que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).
Nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.
A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE).
Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade.
Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Mas, não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA).
Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS).
É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”.
Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida.
Aplicando estas considerações à impugnação de facto em questão, cumpre apreciar cada uma das factualidades colocadas em crise:
* C) Se deve ser incluído nos factos provados (com eliminação do rol de não provados) que: i) “as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração «E»”; j) “em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração «I» declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores”; l) “a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão e de outra por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé”; m) “por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados”?
Entende a recorrente IMPORTANTALTURA que a matéria em questão – vertida pelo Tribunal recorrido nas alíneas i), j), l) e m) dos factos não provados – deveria ter sido dada como provada.
Convocou, para o efeito, o depoimento de NL, alegando, nomeadamente, que, “(…) do depoimento desta testemunha, um depoimento que não foi colocado em causa, resultou absolutamente evidente que os AA., visitaram vários imóveis com o intuito de serem realojados: Tendo dado inclusivé à 1ª Ré, uma lista de requisitos relativos ao imóvel onde gostariam de ser realojados. Sendo que, com o devido respeito, deveria ter sido provado que os AA., se recusaram a ser realojados numa casa, apenas e só pela falta de bidé; Sendo igualmente certo que existia efectivamente um acordo entre a 1ª Ré e os AA., para a efectivação do realojamento em imóveis que tivessem as características pretendidas. E assim, salvo o devido respeito, se os AA., não concordaram com o realojamento numa casa que, cumprindo todos os seus requisitos, só porque não tinha bidé, Os eventuais transtornos e danos que alegaram ter sofrido, pela sua manifesta falta de gravidade, não são dignos de tutela judicial Mais ainda, do teor do documento acordo de suspensão do contrato de arrendamento junto aos autos com a petição inicial; E analisado conjuntamente com o que foi referido pela testemunha acima referida, E aliás igualmente pelos depoimentos das demais testemunhas; Resulta evidente que, os AA., ao celebrarem tal acordo, e ao receberem o valor respectivo à indemnização prevista na respectiva cláusula 5 do acordo, junto com a petição inicial. Ou seja, mesmo que se considerasse, como considerou a sentença recorrida, que do comportamento das partes não se possa concluir pela revogação do contrato de arrendamento; Não poderá deixar de se considerar que existiu uma alteração do objecto! E bem assim uma alteração do valor da renda devida pela fruição do novo locado, que passou de €462,00 para €650,00 (conferir cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) Originando tal modificação de objecto e de condições contratuais a obrigação reconhecida pela ora 1ª Ré, no pagamento da compensação prevista na cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) E que por via deste contrato, os AA, aceitaram que não mais voltariam ao locado original; Tanto mais que, posteriormente à impossibilidade de ocupação da referida fracção I; Os Autores em vez de exigirem ser realojados na casa onde residiam anteriormente, Pediram expressamente à 1ª Ré, que os realojassem, tendo dado instruções para que este realojamento fosse feito nas zonas do Lumiar e Ameixoeira, em casas com condições certas e determinadas. Ou seja, do comportamento das partes, parece ser de presumir que com a celebração do acordo de suspensão do contrato de arrendamento, as partes extinguiram o contrato de arrendamento quanto à fracção I; Tendo-se comprometido a realojar os AA., num outro locado que seria o novo objecto do contrato de arrendamento. Assim sendo, e atento o comportamento das partes não só na celebração do negócio, como ainda, no período de anos posteriormente a esse facto não pode permitir outra conclusão sobre a vontade presumida das partes; Mas mais ainda, ainda que assim não fosse, os AA., visitaram inúmeros imóveis acompanhados de representantes da Ré, com o intuito de procurarem o imóvel para serem realojados; Virem, depois de tantas visitas a imóveis, depois de tantas instruções darem sobre quais os imóveis em que tinham interesse, depois de recusarem serem realojados em apartamentos só porque a cozinha tinha uma disposição de kitchinete e não de cozinha clássica, Alegar que não aceitam ser realojados e que exigem ocupar o locado que abandonaram no pressuposto de serem realojados. É manifestamente um comportamento, ilícito por compaginável com Abuso de Direito. Não merecendo assim ser tutelado!”.
A respeito da alínea i) dos factos não provados e pugnando pela inclusão de tal matéria nos factos provados, o recorrente JGN também expendeu o seguinte: “(…) Por outro lado, o recorrente entende verificar-se manifesto lapso na apreciação da prova, no que respeita ao facto dado por não provado, sob a alínea i) do respectivo elenco: “i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”. E o recorrente assim entende, não só porquanto tal resulta claro do teor do documento subscrito pelos Autores e pela R. Importantaltura, como resulta ainda de forma inequívoca do depoimento das testemunhas, até do comportamento dos Autores. Veja-se: Do documento outorgado em 16 de novembro de 2015, declararam as partes que “É livremente e de boa fé acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao … Dtº da Rua …, … (…) com efeitos a partir de 15 de novembro de 2015 e até à data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I” (…)”, e que os Autores “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)” (pontos 3 e 4 do elenco dos factos provados) Ou seja, mostra-se expressamente consignado que, uma vez findas as obras que seriam realizadas no prédio, os Autores seriam realojados na fracção correspondente ao quarta andar direito – e não, portanto, na fracção designada pela letra E, esta correspondente ao segundo andar direito, de que haviam sido arrendatários, e em causa nestes autos. Isto é, não resulta do teor daquele escrito que as partes houvessem acordado que, uma vez findas as obras, os Autores teria direito a reocupar a fracção que haviam habitado, mas uma outra no mesmo prédio. Antes pelo contrário, resulta claro que foi intenção dos subscritores alterar o objecto do contrato de arrendamento – que passou da fracção E para a fracção I – mas também a alteração de outras cláusulas contratuais, nomeadamente as relativas ao prazo do arrendamento e ao valor da renda. Também as testemunhas inquiridas em audiência foram unânimes em esclarecer que a expectativa dos Autores era virem a habitar a fracção situada no quarto andar do mesmo prédio, e que, depois de gorada essa possibilidade, os Autores pretenderam ser alojados em apartamento noutro prédio, tendo formulado exigências quanto à respectiva localização e características. Assim, a testemunha LF referiu: Pergunta do mandatário dos Autores: “Também, havia a possibilidade de ela ir para outra casa, ou não?” Resposta da testemunha: “Mais tarde houve a possibilidade de ir para o mesmo prédio, para o 4º andar, (…)” (tempo 3’05” a ”3’25 do seu depoimento) “Um belo dia junto ao Natal, voltámos a encontrar a almoçar, e ela disse que afinal não ia para o segundo andar, mas ia para o mesmo prédio para o quarto andar, e fomos ver esse quarto andar, que estava prestes a ir para lá, (…) era no mesmo prédio mas no quarto andar.” (tempo 4’30” a 4’55” do seu depoimento). testemunha MRC: “Depois, disseram que ela (Autora) iria mudar do apartamento do segundo andar para um apartamento no quarto andar do mesmo prédio, pronto, e eles concordaram com isso” (tempo 2’10” a 2’20” do seu depoimento). ”Essa hipótese não se pôs, a hipótese de não ir para o quarto andar, (…) nós fomos ver a casa, o apartamento do quarto andar depois de remodelado, de pronto a habitar, nós fomos vê-lo, e estava tudo, ela (Autora) começou a dizer aqui vou pôr esta estante, ali vou pôr não sei quê, pronto, tudo bem” (tempo 2’55” a 3’15” do seu depoimento) Pergunta do mandatário dos Autores: “O que é que ela pretendia, voltar para casa dela, ou não?“ Resposta da testemunha: “Ela queria voltar para a casa dela, que neste caso já seria o apartamento do quarto andar” (tempo 3’40” a 3’55” do seu depoimento). (…) testemunha MG: Pergunta do mandatário dos Autores: “Só havia a possibilidade de voltarem para a mesma casa, ou também havia a possibilidade também de irem para outra apartamento do mesmo prédio?” Resposta da testemunha: “Inicialmente era voltar para a mesma casa, entretanto o senhorio aparece com uma proposta, que eles em vez de voltarem para a mesma casa, poderiam voltar para o quarto andar, que era exactamente do mesmo lado, com a mesma orientação, até era um pouco melhor porque tinha mais sol na medida em que era um andar mais elevado, e com algumas obras de recuperação, e de tal maneira que eu fui visitar essa casa” (tempo 2’45” a 3’20” do seu depoimento). ’“Nós fomos ver o quarto andar, estava pronto, o senhorio tinha feito a maior parte das adaptações que a Sra D. BF tinha pedido, lembro-me perfeitamente que só não tinha feito duas coisas que ela tinha pedido, que era a porta da casa de banho, (...) isto foi em Novembro ou Dezembro de 2017, já lá estavam os electrodomésticos e nós dissemos, pronto, BF, em Janeiro casa nova!” (tempo 3’45” a 4‘10” do seu depoimento). Dos depoimentos prestados pelas testemunhas supra identificadas, parece poder concluir-se que, num primeiro momento, a intenção dos Autores e da Ré Importantaltura seria a de que, no final das obras a realizar no edifício, os Autores reocupassem a fracção que lhes estava arrendada, sendo que, num segundo momento, o acordo se revestiu de novos contornos, tendo sido acordado que o “realojamento” ocorreria na fracção do quarto andar direito. O foi esta segunda a solução que os Autores e a Ré Importantaltura vieram a consagrar no escrito que outorgaram em 16 de Novembro de 2015. Conforme claramente expressaram as testemunhas inquiridas, os Autores concordaram com a proposta de virem a ocupar o apartamento do 4º andar; inclusivamente, solicitaram à Ré Importantaltura que fizesse adaptações nesse apartamento, que foram feitas, na sua maioria; para os Autores, a expectativa era de voltar para o apartamento no 4º andar, que já consideravam a sua casa! Tudo isto é incompatível com a decisão do Tribunal a quo, que entendeu não se mostrar provado que as partes intervenientes naquele escrito não tiveram intenção de pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E” Mas, para além do que resulta da prova testemunhal, e da interpretação do acordo celebrado por escrito entre os Autores e a Ré Importantaltura, também o comportamento daqueles primeiros demonstra que, efectivamente, foi sua intenção considerar findo o contrato de arrendamento que tivera por objecto a fracção E do prédio. Veja-se que, ao longo de cerca de dois anos, os Autores negociaram com a Ré Importantaltura o seu realojamento noutro apartamento, tendo mesmo visitado vários fogos, em vista de ser realojados. É pois, inevitável a conclusão de que, efectivamente, os Autores pretenderam e aceitaram que o contrato que tivera por objecto a fracção em causa nos autos havia cessado. A pretensão formulada nos autos configura, nas circunstâncias descritas, um venire contra factum proprium, que o direito e a justiça não podem legitimar. A decisão relativa à matéria de facto deve pois, ser alterada, passando a constar como provado que “as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”.”.
Ora, a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida é, quanto à matéria de facto em questão a seguinte: “Quanto aos factos não provados, o Tribunal assim os considerou porquanto não foi feita prova suficiente ou foi feita prova em contrário. (…) A prova não foi feita no sentido de ter sido a “demora” na resposta por parte dos Autores que tornou indisponível qualquer outra casa alternativa para o seu realojamento, mas antes a falta de condições da Ré para assegurar a compra e subsequente arrendamento de uma fração autónoma e a não aceitação dos Autores de uma situação (subarrendamento) que não lhes conferia as garantias que entendiam dever ter. Quanto ao rés do chão que terá sido uma das hipóteses colocadas para realojamento dos Autores, do depoimento da testemunha NL resultou claro que o mesmo era mais pequeno. Quanto à situação do bidé, ainda que fosse lícito à Autora pretender dispor de um, a prova não foi suficiente no sentido de se concluir que essa teria sido a única razão. (…)”.
Parece-nos que esta motivação expressa, de forma cabal, suficiente, congruente (com as considerações precedentemente efetuadas sobre a motivação dos factos provados e com os mesmos factos que resultaram provados) e com toda a adequação, a prova pessoalmente produzida em sede de audiência de julgamento, a cuja audição integralmente se procedeu.
Importa sublinhar, em particular, que nenhuma das afirmações transcritas pela apelante, relativamente ao depoimento da testemunha NL permite concluir algum juízo positivo sobre se com a celebração do acordo de 16-11-2015 as partes pretenderem pôr termo – ou alterar o seu objeto - ao contrato de arrendamento referente à fração “E”, respeitante ao 2.º Dt.º, do prédio dos autos.
A matéria constante da alínea i) dos factos não provados foi, pois, corretamente inserida nesse rol, não devendo transitar para os factos provados.
Na realidade, diversos meios de prova produzidos militam no sentido probatório alcançado pelo Tribunal recorrido, a saber:
- O documento n.º 2, junto com a petição inicial, intitulado “SUSPENSÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA OBRAS” e, em particular, as seguintes menções – demonstrativas do caráter temporário da estipulação contratual (com fixação de um termo inicial e de um termo final para a mesma), da manutenção do arrendado, da entrega do mesmo para a finalidade de realização de obras e, concomitantemente, da ausência de intenção de cessação da relação jurídica de arrendamento tendo por referência o 2.º Dt.º do prédio, bem como da celebração “futura” de um contrato de arrendamento com a duração de 15 anos - que dele constam (sendo certo que, tal estipulação negocial tem de interpretar-se, no conjunto do acordo firmado, de harmonia com as regras estatuídas no artigo 236.º e ss. do Código Civil, ou seja, “o sentido decisivo aí definido não é o querido pelo declarante nem o entendido pelo declaratário; decisivo é o sentido que uma declaratário normal atribuiria à declaração, uma vez colocado na posição do declaratário real (…)” - assim, E. Santos Júnior; Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos – Estudo de Direito Privado; Edição da AAFDL, 1.ª Reimp., 1988, p. 141):
- “É livremente e de boa-fé acordada a Suspensão temporária do Contrato de Arrendamento referente ao ….º Dt. da Rua …, …, em …Lisboa…”; “de que os Segundos Outorgantes são arrendatários”, “…com efeitos a partir de 15 de Novembro de 2015 e até à data de término das obras do edifício, zonas comuns e fração I”, “Os Segundos Outorgantes entregam o imóvel, no qual estão a residir, livre e devoluto de pessoas e bens, no dia 16 de Novembro de 2015 para realização de obras de conservação”; e “Os Segundos Outorgantes, à data de término das obras referidas, por intermédio de Contrato de Arrendamento, terão para sua habitação própria o imóvel sito, na Rua …, …, ….º Dt., em 1600-053 Lisboa, freguesia de Avenidas Novas, concelho de Lisboa, descrito na conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o nº …, Fração I, fração esta propriedade de Zefeng Qiu (…), com o qual irão celebrar Contrato de Arrendamento com duração de 15 (quinze) anos, do qual a Segunda Outorgante ficará como fiadora, que se anexa”;
- O testemunho congruente e compatível com o dito teor documental, de Lucília Fartura referindo, com clareza e de forma inequívoca e segura, referindo-se à disposição da autora sobre a saída do locado, que “ela voltaria para a casa dela outra vez… mais tarde houve a possibilidade de ir para o mesmo prédio, para o 4.º andar, porque já tinham ocupado a casa dela…”, salientando que visitou, nos termos que concretizou, o dito 4.º andar;
- O testemunho de MG, igualmente, referindo que “ela tinha a convicção segura que ia voltar. Disseram-lhe que era por um período de obras de reparação da casa, que seria à volta de três meses, tanto que o proprietário da casa arranjou um armazém para guardar os móveis da família Fragoso”, dizendo que, inicialmente, os autores iriam voltar para o locado, mas que, ulteriormente, “ela foi contactada e eles disseram que iam mudar para um apartamento no 4.º andar do mesmo prédio”;
- O testemunho de MG, também concordantemente, dizendo que a convicção dos autores era “o senhorio teria vendido a casa a um novo proprietário, em 2015 talvez… e esse proprietário apareceu com uma proposta de que teria que fazer obras, porque era obrigado a isso, porque eles teriam que sair durante algum tempo, para que se pudessem realizar as obras, depois do que poderiam voltar para a mesma casa exactamente, e de tal maneira assim foi que o proprietário arranjou um armazém onde a sra.. BF e o marido puseram alguns móveis e alguns pertences para poderem sair na expectativa de que poucos meses depois, 2, 3 meses, salvo erro, não sei…poderiam voltar para a mesma casa…inicialmente era voltar para a mesma casa. Entretanto o senhorio, aparece com outra proposta de que eles em vez de voltarem para a mesma casa poderiam voltar para o 4.º andar…”.
- O testemunho de MF referindo-se aos autores e ao ….º Dt.º: “Sempre pensaram que voltariam…Sempre estiveram convictos de que poderiam voltar para o ….º Dt.”. A saída para o ….º Dt.º foi “já muito posterior”, nos termos que concretizou.
E, em conformidade, foram consignados na decisão recorrida, entre outros, os factos constantes dos pontos 3, 5 e 6.
Compreende-se, pois, que não mereça qualquer censura ou reparo a inclusão nos factos não provados, do que aí ficou vertido na alínea i).
Na realidade, ao contrário do pugnado, em particular, pelo recorrente, não resulta destes meios probatórios que se possa concluir que, “num primeiro momento, a intenção dos Autores e da Ré Importantaltura seria a de que, no final das obras a realizar no edifício, os Autores reocupassem a fracção que lhes estava arrendada, sendo que, num segundo momento, o acordo se revestiu de novos contornos, tendo sido acordado que o “realojamento” ocorreria na fracção do quarto andar direito…O foi esta segunda a solução que os Autores e a Ré Importantaltura vieram a consagrar no escrito que outorgaram em 16 de Novembro de 2015”.
Ao invés, a celebração do novo arrendamento – referente ao 4.º Dtº - tinha um caráter futuro e, porque não interveniente no acordo de 16-11-2015 eventual, porque dependente do assentimento do proprietário da fração do 4.º Dtº e, nessa medida, se compreende a opção da subscrição do acordo de 16-11-2015, em detrimento da imediata subscrição do novo contrato de arrendamento tendo por objeto do 4.º Dt.º., acautelando-se a manutenção do arrendamento do 2.º Dt.º tendo os autores como arrendatários.
As diligências de “realojamento” (sendo que, de acordo com o facto provado n.º 15, em 2019, a 1.ª ré levou os autores a visitar potenciais fogos para tal “realojamento”) referenciadas inserem-se em elementos externos e distintos das condicionantes que estiveram na base da subscrição do mencionado acordo de 16-11-2015, não aportando algum elemento útil sobre a extinção do arrendamento do 2.º Dtº, que, afinal, subsistia.
E, nessa medida, subscreve-se a inclusão nos factos não provados do consignado na alínea i) dos mesmos.
O mesmo se diga quanto à matéria constante da alínea j) dos factos não provados, matéria que não foi abordada sequer no depoimento de NL, ou objeto de qualquer outro meio de prova.
Atenta a ausência de demonstração probatória do facto em questão, compreende-se a sua inclusão na matéria de facto não provada, decisão que não merece qualquer censura.
Relativamente às alíneas l) e m) dos factos não provados, a testemunha NL reportou, efetivamente, que os autores tinham determinados requisitos para a casa alternativa para que pudessem ser mudados.
Do referido depoimento e das demais provas produzidas a este respeito, apesar da ausência de precisão temporal das visitas, retira-se claramente a conclusão de que a casa teria de ser a contento dos autores, de acordo com a respetiva vontade subjetiva (salientando, por exemplo, a mencionada testemunha NL que os autores viviam no locado dos autos há 40 anos e que “tinham uma relação emocional com o lugar, o que também se compreende”), como, aliás, veio a ficar vertido no ponto 34 dos factos provados.
Entre esses requisitos – como se viu, de natureza não taxativa - contam-se, conforme resultou apurado no ponto 35 dos factos provados, a proximidade do acesso a transportes, o mesmo número de quartos, a mesma zona (mesma zona ou próxima da casa da filha) e a existência de elevador.
A referida NL referiu que, nunca não foi assinalado aos autores que a 1.ª ré se recusava a “realojá-los” e que, “a partir de certo momento, foi a minha colega, a dra. R... que ficou de lhes mostrar outras casas. Assumi outras funções na empresa e ela ficou de lhes mostrar as casas. Eu efectivamente como tenho uma relação de proximidade com a R... cheguei a falar com ela. Também estava preocupada com o caso. Perguntei se já tinham ou não encontrado soluções. Ela disse-me que tinha visto uma casa para compra, no próprio prédio, onde, os senhores viviam. Nesse momento, pareceu-me o ideal. Ficavam no prédio, onde, sempre viveram, só que ficavam no R/C e não no 2º andar.”, esclarecendo, posteriormente, que, quanto a tal casa, “na altura, o que a R... me disse é que o apartamento era mais pequeno do que aquilo que os senhores tinham. Mas era no mesmo prédio e era um apartamento que inclusive tinha quintal, tinha acesso exclusivo ao quintal (…).”
Ora, conforme resulta da motivação da convicção do Tribunal recorrido, não se afigura que o motivo determinante de os autores não terem mudado para a casa situada no R/C do mesmo prédio dos autos tenha sido tal circunstância (o facto de a casa alternativa se situar no R/C), mas sim, como foi salientado pela própria testemunha NL, que a casa em questão era mais pequena que a do 2.º Dt.º a que se refere o contrato de arrendamento dos autos e, nessa medida, inexiste motivo para a inclusão nos factos provados da matéria vertida na primeira parte da mencionada alínea l).
Em face do exposto, improcedente à a impugnação da matéria de facto quanto à matéria vertida nas alíneas i), j), l) 1.ª parte e m) dos factos não provados, que assim, deverão, nesse conspecto, subsistir.
A mencionada NL referiu, contudo, relativamente às visitas a casas que efetuou com os autores, que, não se logrou encontrar uma alternativa, pelos motivos que salientou.
Entre as afirmações que produziu mencionou que, “numa das casas, já tinha feito o contrato de arrendamento… e depois, à última da hora, os senhores recusaram porque não tinha bidé (…). Estava tudo a avançar. Eu já estava a tratar do contrato de arrendamento, já íamos sinalizar. E os senhores decidiram, afinal não queremos ir, porque não tem bidé e estamos muito habituados e é difícil”.
Parece-nos claro que a demonstração probatória, assente no referido depoimento de NL –concludente, espontâneo e não contraditado -, no sentido de que o motivo da não celebração de contrato de arrendamento (muito embora sem precisar o momento temporal em que tal terá ocorrido) foi a inexistência de bidé (logicamente, por ser o local onde esse equipamento é colocado, na casa de banho), elemento a que os autores estariam habituados.
Em face disso, justifica-se a inclusão no acervo probatório apurado de um novo ponto – com o n.º 37 – com a seguinte redação: “A autora recusou o arrendamento de uma fração por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé”.
E, igualmente, na decorrência do exposto, a redação da alínea l) dos factos não provados passará a ser a seguinte: “l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão”.
De acordo com o exposto e, consequentemente, será de julgar:
a) Improcedente a referida impugnação de facto a respeito das alíneas i), j), l) 1.ª parte e m) dos factos não provados;
b) Procedente a impugnação de facto a respeito da alínea l) 2.ª parte dos factos não provados e, consequentemente,
- Incluir nos factos provados um novo ponto – com o n.º 37 – com a seguinte redação: “37. A autora recusou o arrendamento de uma fração por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé”; e
- Alterar a redação da alínea l) dos factos não provados, passando a seguinte: “l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão”.
* D) Se deve ser incluído nos factos provados que: “No documento escrito datado de 16/11/2015, os subscritores convencionaram que “A primeira outorgante (a Ré Importantaltura) irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes (Autores), em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. (…).”?
Pugna o recorrente JGN pela inclusão nos factos provados da matéria acima mencionada, “porque constante de documento escrito outorgado pelos AA. e pela R. Importantaltura, documento que as partes não impugnaram”.
Os recorridos pronunciaram-se relativamente a este segmento recursório, dizendo que o recorrente incumpriu os ónus de impugnação, matéria que, como se viu, não obteve procedência (sendo que, o recorrente indica, qual a concreta matéria que pretende ver incluída nos factos provados, quais os meios de prova que, para isso concorrem e, bem assim, a decisão que deve ser proferida sobre o assunto).
Ora, certo é que, atento o que consta alegada da contestação da ré IMPORTANTALTURA (cfr. artigos 6.º a 11.º) e o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, afigura-se que a matéria em questão, para além de relevante e pertinente, atentos os temas da prova selecionados e o pedido e a causa de pedir formulados, resultou inequivocamente demonstrada, desde logo, em face do teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo ponto 5 contempla a matéria pretendida incluir pelo recorrente.
Tendo em conta uma tal alegação e porque se afigurar que assim terá total fidelidade com o teor do aludido excerto do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cumprirá aditar à matéria provada, um novo ponto – com o n.º 38 – do seguinte teor: “38. O ponto 5 do documento referido em 3. é do seguinte teor: “5. A Primeira Outorgante irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes, em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. Deste valor foi subtraído o pagamento antecipado de um ano de rendas, o que perfaz um total a haver de € 14.760,00 (Catorze mil setecentos e sessenta euros)”.
De acordo com o exposto e, consequentemente, cumprirá aditar à matéria provada, um novo ponto – com o n.º 38 – do seguinte teor: “38. O ponto 5 do documento referido em 3. é do seguinte teor: “5. A Primeira Outorgante irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes, em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. Deste valor foi subtraído o pagamento antecipado de um ano de rendas, o que perfaz um total a haver de € 14.760,00 (Catorze mil setecentos e sessenta euros)”.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1. O Réu adquiriu à Ré, por escritura pública de compra e venda outorgada em 12 de agosto de 2015, “livre de ónus ou encargos”, a fração “E” correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito na Rua …, nº …, freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial da freguesia das Avenidas Novas sob o artigo ….
2. Por documento escrito datado 1 de agosto de 1967, foi dada de arrendamento aos ora Autores, para habitação, a fração supra referida.
3. Por documento escrito datado de 16 de novembro de 2015, subscrito pelos ora Autores, na qualidade de “arrendatários”, e pela 1ª Ré, na qualidade de “proprietária”, intitulado “Suspensão de Contrato de Arrendamento para Obras”, declararam as partes que “É livremente e de boa fé acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao … Dtº da Rua …, … (…) com efeitos a partir de 15 de novembro de 2015 e até à data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I” (…)”.
4. Nos termos do Ponto 1, este acordo previa que os ora Autores “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)”.
5. E nos termos do Ponto 2., os ora Autores, “Durante o período de obras (…) ficam dispensados do pagamento de rendas”.
6. Conforme constante dos Pontos 8. e 9., os ora Autores entregam à 1ª Ré “o imóvel no qual estão a residir, livre e devoluto de pessoas e bens (…) para realização de obras de conservação” e esta “suporta os encargos com o transporte dos bens existentes no imóvel (…) e guarda-os em instalações próprias durante o período de obras e até ao realojamento”, tendo os Autores ido residir para a Ericeira.
7. Concluídas as obras, não mais os Autores tiveram acesso ao locado e não foram realojados na fração “I” mediante a celebração de novo contrato.
8. Os Autores, por carta datada de 18/04/2018, instaram a 1ª Ré a entregar-lhes a fração “E” ou a facultar-lhes um outro espaço onde pudessem residir em condições análogas.
9. A 1ª Ré não respondeu.
10. Os Autores, através dos seus mandatários, enviaram nova carta à 1ª Ré, datada de 16/11/2018, dizendo que aguardariam por 10 dias um contacto, com vista a uma “solução consensual”.
11. A 1ª Ré respondeu, por carta datada de 03/12/2018, invocando uma reunião com a advogada da “Associação de Inquilinos” e a disponibilidade para apresentação de uma proposta de “rescisão de contrato”.
12. Por carta datada de 14/12/2018, os mandatários dos Autores esclareceram que a dita advogada já não os representava e reiteraram junto da 1ª Ré a intenção daqueles de exercerem o direito a habitar a dita fração, não fechando, no entanto, a negociação de uma solução que passasse por garantir uma habitação nas mesmas condições, ainda que noutra morada.
13. A 1ª Ré, por carta datada de 09/01/2019, informou estar aberta a negociar uma solução, tendo “a intensão de proposta de € 20.000”, propondo a marcação de uma reunião.
14. A esta carta, responderam os mandatários dos Autores, por carta datada de 22/01/2019, informando que o valor proposto “é inaceitável”, aceitando a proposta de reunião, que veio a ter lugar com a presença do Sr. HP em representação da 1ª Ré, que se comprometeu a adquirir, com a aceitação dos Autores, uma fração para os realojar.
15. Entre fevereiro de 2019 e outubro de 2019, a 1ª Ré levou os Autores a visitar potenciais fogos para “realojamento”.
16. A 1ª Ré, por carta datada de 11/10/2019, invocando ainda a qualidade de senhoria, veio informar que sem “aprovação bancária” não tinha condições para adquirir a fração escolhida e disse estar disponível para arrendar uma casa e, subsequentemente, subarrendar-lhes pelo valor de renda que tinham anteriormente.
17. Os Autores, por carta enviada pelos seus mandatários, datada de 06/11/2019, comunicaram à 1ª Ré que não podiam aceitar a solução proposta, por a mesma não lhes dar garantias, propondo ainda voltar a negociar o pagamento de uma indemnização, em montante a acordar.
18. A esta carta veio a 1ª Ré a responder, por carta datada de 15/11/2019, insistindo num contrato de arrendamento “com três partes”, em que assumiria a posição de “pagadora do remanescente pela renda”, solução que os Autores reiteraram ser “inaceitável” por não lhes dar garantias.
19. Os Autores, por carta enviada pelos seus mandatários, datada de 18/06/2019, informaram o 2º Réu do contrato celebrado em 1967, enviando cópia do mesmo, e do “acordo de suspensão”, solicitando um contacto, no prazo de 8 dias, com vista à entrega da referida fração “E”.
20. O 2º Réu não respondeu a esta carta.
21. Por carta datada de 26/09/2019, os Autores informaram o 2º Réu que iriam recorrer à via judicial, carta essa que foi devolvida, com a menção “não reclamado”.
22. A fração “E” tem, atualmente, um valor locatício superior a € 462,00 mensais.
23. A renda da fração “E” era de € 462,00, a qual os Autores não estão a pagar.
24. A Autora nasceu em 1940 e o Autor em 1936.
25. Os Autores tinham uma vida familiar, doméstica e social estável e organizada, em Lisboa.
26. O arrastar do tempo, avolumou a sua angústia e os seus incómodos por estarem privados da fração “E” e por terem todos os seus bens num armazém, não podendo dispor ou disfrutar dos mesmos.
27. Na Ericeira, viveram num apartamento de praia.
28. A sua deslocação para a Ericeira implicou, durante o período em que aí permaneceram, que tivessem que se deslocar com frequência a Lisboa, nomeadamente sempre que necessitavam de cuidados médicos, o que acontecia, normalmente, cerca de duas vezes por semana.
29. Assim como tinham que se deslocar a Lisboa sempre que pretendiam estar com a sua filha.
30. O mesmo acontecendo sempre que pretendiam estar com os seus amigos, seja para almoçar, para jantar, ou sempre que estes organizam quaisquer eventos.
31. Por tudo isto, os Autores sentem-se tristes e angustiados, tendo como objetivo de vida voltarem para a sua “casa”, onde tinham a expectativa de viver a sua velhice.
32. Os Autores, em finais de 2017, vieram residir para a casa da sua filha, em Lisboa.
33. A casa da filha dos Autores tem apenas um quarto, o que faz com que estes ou aquela tenham que dormir no sofá da sala.
34. A 1ª Ré desenvolveu diligências no sentido de encontrar um local com características semelhantes às da fração “E”, cujas condições fossem do agrado dos Autores, para o realojamento destes, promovendo visitas a potenciais fogos para realojamento na companhia da Autora.
35. A Autora impôs determinadas condições, designadamente, a proximidade do acesso a transportes, o (mesmo) número de quartos, a (mesma ou próxima da casa da filha) zona e a existência de elevador.
36. A CML emitiu, em 23/10/2019, o “Alvará de utilização Nº494”, titulando a autorização de utilização do edifico sito na Rua … … e …, na freguesia de Avenidas Novas, a que corresponde o “alvará de obras nº …”, emitido em 20/09/2016, a favor da ora 1ª Ré. 37. A autora recusou o arrendamento de uma fração por a respetiva casa de banho não estar equipada com bidé; 38. O ponto 5 do documento referido em 3. é do seguinte teor: “5. A Primeira Outorgante irá remunerar, a título compensatório, os Segundos Outorgantes, em € 22.560,00 (Vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros) valor que servirá para colmatar a diferença de rendas entre os novos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e o montante que pagam atualmente € 462,00 (quatrocentos e sessenta e dois euros), correspondente à compensação da diferença de valor durante dez anos. Deste valor foi subtraído o pagamento antecipado de um ano de rendas, o que perfaz um total a haver de € 14.760,00 (Catorze mil setecentos e sessenta euros)”.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
Não se provou que:
a) a 1ª Ré “fez de conta” que estava a negociar com os proprietários a casa que ambas as partes haviam escolhido;
b) os proprietários da fração que a 1ª Ré supostamente pretendia adquirir vieram confirmar aos Autores que aquela nunca negociou com os mesmos tal aquisição limitando-se a manifestar um conjunto de intenções muito vagas;
c) a fração “E” tem, atualmente, um valor locatício não inferior a € 1.300,00 mensais;
d) o apartamento na Ericeira tinha condições de conforto e funcionalidade “muito inferiores” às do locado;
e) os Autores tinham que se deslocar a Lisboa sempre que a sua filha necessitava da sua ajuda em virtude da doença de que padece;
f) passaram muitas noites sem dormir e deixaram de ter a alegria de viver que sempre tiveram;
g) a sua filha, em virtude da doença de que padecia, necessitava de ser acompanhada, quer quando se deslocava aos médicos, quer para realizar parte das suas tarefas quotidianas;
h) o único objetivo dos Réus, em conluio, foi retirar os Autores da fração “E” para que a mesma fosse entregue ao 2º Réu, nunca tendo sido sua intenção fazer voltar os Autores para a mesma ou de lhes proporcionar uma solução alternativa;
i) as partes pretenderam pôr termo ao contrato de arrendamento relativo à fração “E”;
j) em momento posterior à celebração do acordo referido em 3., o proprietário da fração “I” declarou que não pretendia celebrar o referido contrato de arrendamento com os Autores;
l) a Autora recusou o arrendamento de uma fração por a mesma se situar no Rés-do-Chão;
m) por algumas vezes foram iniciadas negociações para arrendamento de uma fração relativamente à qual os Autores mostraram interesse mas, atendendo à demora de resposta por parte dos Autores, passava a indisponível quando os proprietários eram contactados;
n) mais recentemente, os Autores têm vindo a levantar objeções relativamente à duração do contrato de arrendamento, exigindo que o mesmo tenha duração indeterminada.
o) a 1ª Ré garantiu o arrendamento de um apartamento sito na mesma Rua, ou seja, na Rua …, no número …, com condições de habitabilidade em tudo idênticas ao que os Autores fruíam antes;
p) tendo os Autores recusado o realojamento por se situar no rés do chão do prédio.
q) o 2º Réu desconhecia, em absoluto, que a fração por si adquirida estava arrendada aos Autores ou a terceiro.
* III) Mérito dos recursos:
* E) Se deve ser julgado improcedente o pedido dos autores de reconhecimento da subsistência do contrato de arrendamento relativamente à fracção autónoma designada pela letra E, ….º ….º, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa?
A recorrente IMPORTANTALTURA formulou no recurso apresentado, designadamente, as seguintes conclusões: “(…) 13 – (…) mesmo que se considerasse, como considerou a sentença recorrida, que do comportamento das partes não se possa concluir pela revogação do contrato de arrendamento; 14 - Não poderá deixar de se considerar que existiu uma alteração do objecto!E bem assim uma alteração do valor da renda devida pela fruição do novo locado, que passou de €462,00 para €650,00 (conferir cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) Originando tal modificação de objecto e de condições contratuais a obrigação reconhecida pela ora 1ª Ré, no pagamento da compensação prevista na cláusula 5 do acordo celebrado entre as partes) 15 - E que por via deste contrato, os AA, aceitaram passar a residir noutro apartamento, e que não voltariam ao locado original; 16 - Tanto mais que, posteriormente à impossibilidade de ocupação da referida fracção I; 17 - Os Autores em vez de exigirem ser realojados na casa onde residiam anteriormente, 18 - Pediram expressamente à 1ª Ré, que os realojassem, tendo dado instruções para que este realojamento fosse feito nas zonas do Lumiar e Ameixoeira, em casas com condições certas e determinadas. 19 - Ou seja, do comportamento das partes, parece ser de presumir que com a celebração do acordo de suspensão do contrato de arrendamento, as partes extinguiram o contrato de arrendamento quanto à fracção I; 20 - Tendo-se comprometido a realojar os AA., num outro locado que seria o novo objecto do contrato de arrendamento. 21 - Assim sendo, e atento o comportamento das partes não só na celebração do negócio, como ainda, no período de anos posteriormente a esse facto não pode permitir outra conclusão sobre a vontade presumida das partes; 22 - Mas mais ainda, ainda que assim não fosse, os AA., visitaram inúmeros imóveis acompanhados de representantes da Ré, com o intuito de procurarem o imóvel para serem realojados; 23 - Virem, depois de tantas visitas a imóveis, depois de tantas instruções darem sobre quais os imóveis em que tinham interesse, depois de recusarem serem realojados em apartamentos só porque a cozinha tinha uma disposição de kitchinete e não de cozinha clássica, ou por ausência de bidé 24 - Alegar que não aceitam ser realojados e que exigem ocupar o locado que abandonaram no pressuposto de serem realojados. 25 - É manifestamente um comportamento, ilícito por compaginável com Abuso de Direito.Não merecendo assim a tutela jurídica! 26 – E assim, entende a 1ª Ré ora Recorrente que a qualificação jurídica feita pela sentença recorrida não foi a mais acertada, devendo ser revogada e substituída por uma decisão que reconheça a cessação do contrato de arrendamento, ou quanto muito a alteração do respectivo objecto, e consequentemente não ser reconhecido o direito dos AA., a reocuparem o apartamento actualmente propriedade do 2º R (…)”.
Por seu turno, também o réu JGN formulou no seu recurso, nomeadamente, as seguintes conclusões: “(…) 19. Assente que, efectivamente, foi intenção das partes pôr termo ao contrato de arrendamento que teve por objecto a fracção dos autos, inevitável se configura que terá de improceder o pedido formulado pelos Autores, de reconhecimento da subsistência do mesmo contrato; 20. A esta conclusão não obsta a circunstância de não haver sido concretizada a celebração de contrato de arrendamento tendo por objecto a fracção do quarto andar direito do mesmo prédio. O incumprimento dessa obrigação não importa a invalidade do acordo firmado entre os Autores e a Ré Importantaltura, mas somente a (eventual) obrigação de garantir a substituição do objecto do contrato por outra fracção, o que parece não haver ocorrido por exclusiva culpa dos próprios Autores; 21. E, assim sendo, terá a douta sentença recorrida de ser revogada, (pelo menos) na parte em que condenou o aqui recorrente a reconhecer os Autores como arrendatários da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao … andar …, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, e a fazer-lhes entrega dessa fracção, livre e devoluta de pessoas e bens (…)”.
Ora, relativamente a esta questão cumpre salientar que a decisão recorrida se louvou nas seguintes considerações de fundamentação: “A resposta à questão de saber se assiste aos Autores o direito a serem reconhecidos (ainda) como arrendatários do 2º andar direito (fração “E”) passa pelos próprios termos do acordo subscrito, intitulado de “Suspensão do Contrato de Arrendamento para Obras”. Prevê-se nos seus termos que “é (…) acordada a suspensão temporária do contrato de arrendamento referente ao 2 Dtº (…)” e que “à data do término das obras (…) terão para sua habitação própria o (…) 4.º Dtº (…) propriedade de Zefeng Qiu (…) com o qual irão celebrar contrato de arrendamento com duração de 15 (quinze) anos (…)”, ficando, durante o período de obras, “dispensados do pagamento de rendas”. Nos termos do art. 236º, nº 1, do Cód. Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. A posição mais razoável “de jure constituendo”, para a generalidade dos negócios é a doutrina da impressão do destinatário. Dá tutela à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração e é mais favorável à facilidade, rapidez e segurança da vida jurídico-negocial. Releva, assim, o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer. Nos negócios formais, acentua-se esse objetivismo: não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – art. 238º, nº 1, do Cód. Civil. O Código já não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação. A título exemplificativo, M. de Andrade refere “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.”. Ao lado destas circunstâncias, referidas a título de exemplo, podem assinalar-se outras, designadamente, “os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído” – cfr. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., p. 447 e ss.. Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – art. 237º do Cód. Civil. Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta – art. 239º do Cód. Civil. Ora, tendo em conta todo o teor do “documento” em que as partes verteram as suas declarações de vontade, o interesse que estava em jogo (direito a habitação) e as tentativas de resolução posteriores, não só não se vê no elemento literal qualquer referência a “revogação”, sendo certo que se fosse essa a real pretensão facilmente essa declaração seria expressa, como expressa ficou, ao invés, a declaração de “suspensão temporária do contrato”, assim como a “dispensa” do pagamento de rendas. Por outras palavras, o contrato de arrendamento não ficou resolvido mas tão só suspenso. Acresce que um entendimento no sentido da “revogação” implicaria, na prática, dar um tratamento desigual aos Autores, beneficiando a Ré, no confronto com o regime legal imposto pelo “Regime das obras em prédios arrendados”, de uma “denúncia” “extrajudicial” e sem garantir, efetivamente, o realojamento que se impõe, sendo certo também que pode entender-se, com toda a certeza exigível, que os Autores nunca acordaram na hipótese de ficar sem casa para habitar”.
Estas considerações não merecem algum reparo, antes, total aderência à factualidade apurada.
Na realidade, em face da subscrição do documento n.º 2 junto com a petição inicial, os contraentes não revogaram, nem modificaram o objeto da relação jurídica de arrendamento, que tinha por objeto o 2.º Dt.º do prédio dos autos. Apenas consignaram a pretensão – a concretizar no futuro – de vir a ser celebrado um contrato de arrendamento tendo por objeto o 4.º Dt.º do mesmo prédio.
Os termos – já analisados – em que se configuraram as recíprocas obrigações, não deixam margem para dúvidas, sobre o caráter temporário da suspensão das obrigações do contrato de arrendamento, tendo por objeto o 2.º Dt.º e da pretensão de vir a concluir um negócio sobre o 4.º Dt.º, mas daí não resulta, nem resultou de qualquer outra factualidade apurada, que as partes tenham entendido pôr termo ao contrato de arrendamento existente, que tinha por objecto o 2.º Dt.º.
Neste ponto, têm inteiro acerto as demais considerações de fundamentação do Tribunal recorrido, ao aludir ao negócio de celebração futura de um contrato de arrendamento, inserto na contratação constante do documento n.º 2 junto com a petição inicial, como um contrato preliminar: “A previsão da (re)ocupação do 4º andar – ao invés do 2º andar – só pode ser vista como uma “promessa” de (outro) arrendamento, tanto mais que a Ré “promitente” não é, como não era, proprietária da mesma pelo que, relativamente ao contrato (já) existente, a verificação da efetiva celebração desse (outro) contrato corresponderia a uma “condição resolutiva”, a qual, todavia, não se chegou a verificar”.
Ora, como se viu, não tendo a celebração do referido acordo de suspensão do contrato de arrendamento cessado a vigência do arrendamento ou alterado o respetivo objeto, o mesmo manteve a produção dos respetivos efeitos, pelo que, cessando o motivo da suspensão o locador deveria ter assegurado o gozo do locado para os autores, sendo que, a disponibilização de os autores celebrarem um futuro contrato de arrendamento, tendo por objeto outra fração do prédio dos autos (propriedade de outrem que não a 1.ª ré) não releva para o efeito, uma vez que a conclusão do mencionado futuro arrendamento não se veio a concretizar (não se apurando alguma culpa dos autores para tal desfecho), não tendo ocorrido o seu “realojamento” dessa ou de outra forma.
No mais, verifica-se que, subsistindo o contrato de arrendamento, o 2.º réu encontra-se vinculado ao cumprimento da obrigação de reconhecer o arrendamento existente sobre a fração de que é proprietário, pois, conforme se explanou na decisão recorrida, muito embora o aludido réu não tenha tido intervenção na celebração do acordo de suspensão do arrendamento – a que se reporta o documento n.º 2 junto com a petição inicial – e que na escritura de compra e venda que outorgo, tenha ficado a constar que a venda seria feita “livre de ónus ou encargos”, certo é que, o aludido arrendamento constitui uma obrigação “propter rem”, definida como “aquela cujo sujeito passivo (o obrigado) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa” - cfr. Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, p. 366-367 - “ambulatória”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular. Neste entendimento, tendo o 2º Réu adquirido um imóvel relativamente ao qual foi feito um contrato de arrendamento, o inquilino pode exigir-lhe o cumprimento dos deveres do senhorio em virtude da titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo. Relativamente à transmissão da posição de locador, o art. 1057º, do Cód. Civil, preceitua que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador. In casu, o 2º Réu adquiriu o direito real de propriedade da fração autónoma, designada pela letra “E”, que corresponde ao … andar direito do prédio urbano sito na Rua …, nº …, da freguesia das Avenidas Novas, concelho de Lisboa e, nessa medida, tornou-se senhorio dos Autores, por transmissão da posição de locador. Existindo uma vinculação contratual que se transmitiu para o 2º Réu (apenas) por força da transmissão do direito de propriedade, forçoso se torna concluir pela procedência (parcial) da pretensão dos Autores”.
De facto, do artigo 1057.º do CC resulta expresso que “o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-12-2020 (Pº 1940/17.3T8EVR-H.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA), “o artigo 1057.º do CC consagra o princípio emptio non tollit locatum, ou seja, a locação não caduca com a venda, corolário da natureza real do instituto do arrendamento, uma vez que lhe confere uma característica de que só os direitos reais beneficiam – o direito de sequela: o arrendamento acompanha o bem independentemente de quem seja o titular do direito real de base, propriedade”.
De igual modo e sobre o sentido do disposto no artigo 1057.º do CC referiam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 3.ª ed., 1986, pp. 424 e 425) que: “A translação desse vínculo é um efeito da lei, sem necessidade de alienante e adquirente a clausularem, nem possibilidade de a excluírem. Se o dono de uma casa arrendada a vende ou a lega, o comprador ou o legatário sucede na qualidade de senhorio, torna-se imperativamente titular dos respectivos direitos e obrigações (…). O adquirente, sucedendo nos direitos e obrigações do locador, não pode invocar a ignorância do contrato de locação para se eximir ao seu cumprimento…”.
E, nessa medida, a aquisição da propriedade da fração em questão pelo 2.º réu comportou para este a vinculação às obrigações atinentes, como seja a do reconhecimento da relação jurídica de arrendamento que então existia (e que, como se viu, até ao presente não se extinguiu).
Nenhum reparo merece, pois, a decisão recorrida.
As considerações precedentes podem, no essencial, sintetizar-se da seguinte forma:
- O acordo celebrado entre a 1.ª ré – na qualidade de “proprietária” - e os autores – como “arrendatários” - segundo o qual foi acordada a suspensão de contrato de arrendamento habitacional, para possibilitar a realização de obras de conservação no locado e até à data do término de obras no edifício onde o mesmo se situa, vincula o locador outorgante e, terminando tais obras, determina na falta de outra solução diversa, a pela vigência da obrigação de o locador assegurar aos arrendatários o gozo do locado para os fins a que se destina (cfr. artigo 1031.º, al. b) do Código Civil);
- Por via do referido acordo de suspensão do contrato de arrendamento não cessou a vigência do primitivo arrendamento e das obrigações dos respetivos locador e locatário e, tal vigência, também não cessou com a conclusão das obras no prédio;
- Não viabiliza diversa conclusão, a circunstância de, no acordo de suspensão do contrato de arrendamento, ter sido contemplado que, no final das obras os autores teriam para sua habitação própria uma outra fração do imóvel onde se situa o arrendado, relativamente à qual se disponibilizaram a celebrar com o respetivo proprietário (outrem, que não o locador do contrato de arrendamento inicial) um futuro contrato de arrendamento, mas que, sem culpa dos autores, não se veio a concretizar;
- Nos termos do artigo 1031.º do Código Civil, a obrigação primária do locador é, a par da entrega do locado, a de assegurar o gozo daquele para os fins a que destina, mesmo que os arrendatários tenham manifestado a disponibilidade de poderem vir, no futuro, a celebrar outro contrato de arrendamento com outro objeto;
- Vendido o imóvel locado ao 2.º réu, de harmonia com o disposto no artigo 1057.º do Código Civil, o arrendamento incidente sobre o mesmo transmitiu-se àquele, sucedendo na qualidade de senhorio, ficando imperativamente titular dos respectivos direitos e obrigações, não podendo invocar a ignorância do contrato de locação para se eximir ao seu cumprimento; e
- A aquisição da propriedade da fração em questão pelo 2.º réu comportou para este a vinculação às obrigações atinentes, estando adstrito a reconhecer a relação jurídica de arrendamento subsistente e de que os autores são locatários/arrendatários. “Já no que respeita ao pedido de entrega dos bens móveis que constituíam o recheio da sua habitação, resulta claro e pacífico que é a 1ª Ré quem os detém, recaindo, pois, (só) sobre esta a obrigação de os devolver.”.
Trata-se de obrigação a que se vinculou exclusivamente a 1.ª ré que, transportou e guardou, os bens móveis dos autores, conforme mencionado no facto provado n.º 6.
Improcedem, pois, as conclusões em contrário dos recorrentes, inexistindo motivo para a alteração da decisão recorrida no que concerne à parcial procedência da pretensão dos autores, no segmento constante da alínea a) do dispositivo, na condenação do 2.º réu a reconhecer-lhes a qualidade de arrendatários da fração “E”, correspondente ao …, do prédio dos autos, sito na Rua …, n.º …, em Lisboa, entregando-lhes a mesma, livre e devoluta de pessoas e bens e, bem assim, no demais decidido quanto ao consignado na alínea b) do dispositivo da sentença recorrida.
* F) Se a condenação no pagamento de indemnização em danos morais dos autores deve ser revogada, por ausência de prática de facto ilícito e falta de gravidade/não merecerem a tutela do direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º do CC?
Por fim, a recorrente IMPORTANTALTURA invocou nas conclusões 27.ª a 50.ª da sua alegação de recurso o seguinte: “(…) 27 - Considerou a sentença a quo quanto ao pedido de danos não patrimoniais formulado pelos AA. que, 28 - Os alegados danos patrimoniais são, no fundo, decorrentes da “privação do uso da sua fração e bens” durante um (largo) período de tempo. Ora, a privação do uso, neste caso, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e irrecuperável no poder de fruição de uma determinada habitação, não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda). 29 - Ora, a “tristeza e angustia” sofridas pelos Autores, a necessidade de deslocação constante a Lisboa durante um determinado período de tempo e, depois disso, a necessidade de habitar com a filha, num T1, tudo durante um considerável espaço de tempo e considerando a sua idade avançada, quando é certo que os Autores não inviabilizaram uma solução alternativa, desde que, naturalmente, lhes desse as mesmas garantias, são danos que assumem gravidade suficiente e relevância jurídica, no sentido de merecerem a tutela do direito, e são consequência direta do incumprimento por parte da 1ª Ré. Ponderadas todas as circunstâncias do caso, entende-se que o valor peticionado a esse título se mostra equitativo, fixando-se o valor de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. 30 - Ora salvo o devido respeito, não se pode a 1ª Ré conformar com tais pressupostos, porquanto como foi referido pela testemunha NL a 1ª Ré diligenciou repetidamente pelo realojamento dos AA., em condições análogas às que estes fruíam antes da celebração do acordo, inclusivamente na mesma freguesia, e noutras sugeridas pelos próprios AA.. 31 - Pelo que, os danos não patrimoniais que hajam alegadamente resultado da não residência em Lisboa dos AA não podem ser imputáveis à ora Ré. 32 - Foram os AA., que repetidamente, entenderam não pretender ser realojados nos imóveis apresentados, designadamente, por não ter bidé, por não ser tão próximo do Metro, por ser num rés do chão, porque não gostavam da vizinhança, etc. 33 - Dessa forma, e caso a ausência da presença no concelho de Lisboa fosse tão danosa e causasse assim tanto transtorno, os AA, teriam aceite os realojamentos propostos; 34 - Sempre se imporia concluir que concordariam a ser realojados, num apartamento sem bidé. 35 - Ou mesmo com uma cozinha mais pequena do que pretendiam 36 - Desde logo ressalta que, caso tivesse tanta necessidade de residir em Lisboa, teria aceite o realojamento em imóveis de condições análogas às que dispunham, e não teriam rejeitado o imóvel apenas e só por ser num rés do chão, ou por outros motivos de mero gosto pessoal. 37 - Sendo certo que, ainda assim, as circunstâncias descritas, esses supostos danos morais não merecem a tutela do direito para efeitos de condenação, nos termos e para os efeitos do artigo 496º do C.C. 38 - Mas mais ainda, considerou a sentença a quo que: 39 - Os alegados danos patrimoniais são, no fundo, decorrentes da “privação do uso da sua fração e bens” durante um (largo) período de tempo. 40 - Ora, a privação do uso, neste caso, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e irrecuperável no poder de fruição de uma determinada habitação, não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda). 41 - Ora, a “tristeza e angustia” sofridas pelos Autores, a necessidade de deslocação constante a Lisboa durante um determinado período de tempo e, depois disso, a necessidade de habitar com a filha, num T1, tudo durante um considerável espaço de tempo e considerando a sua idade avançada, quando é certo que os Autores não inviabilizaram uma solução alternativa, desde que, naturalmente, lhes desse as mesmas garantias, são danos que assumem gravidade suficiente e relevância jurídica, no sentido de merecerem a tutela do direito, e são consequência direta do incumprimento por parte da 1ª Ré. 42 - Ponderadas todas as circunstâncias do caso, entende-se que o valor peticionado a esse título se mostra equitativo, fixando-se o valor de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. 43 - Ora desta conclusão não se pode deixar de apontar para uma enorme contradição, pois por imperativo lógico, de duas uma: 44 - Ou a sentença considera que o contrato foi revogado, ou pelo menos mantendo-se o contrato de arrendamento mas alterado o respectivo objecto, assumindo então a 1ª Ré a obrigação de realojar os AA., e perante o incumprimento desta obrigação condenar a 1ª Ré nos danos emergentes desse incumprimento, (solução essa defendida pela 1ª Ré) Ou então Considera que o arrendamento não cessou e não se modificou quanto ao objecto, e assim sendo se transmitiu ao 2º Réu., sendo que nesse caso, nenhuma responsabilidade terá a 1ª Ré., na alegada privação de uso do imóvel em causa, uma vez que não é proprietária, nem senhoria dos AA. 45 - Assim é manifestamente contraditória a procedência do direito à restituição do locado aos AA., e a condenação da 1ª Ré, por impedir a fruição de um bem que lhe é alheio e que já alienou em 2015! 46 - Relativamente ao qual não exerce qualquer domínio. 47 - Não sendo o respectivo senhorio, não impediu os AA., de fruírem o Bem! 48 - Não tendo assim praticado qualquer facto ilícito, não sendo assim responsável pelo ressarcimento de qualquer alegado dano. 49 – Muito pelo contrário, resultou claro do depoimento acima referido, que a 1ª Ré tudo fez para realojar os AA., de acordo com as suas preferências, como resultou claro do depoimento da testemunha NL acima referido. 50 – Devendo assim à 1ª Ré ser revogada a condenação, no pagamento do montante fixado a título de danos não patrimoniais (…)”.
Relativamente à pretensão indemnizatória formulada pelos autores, a decisão recorrida apreciou-a tendo expendido a seguinte fundamentação: “Pretendem ainda os Autores o pagamento das quantias de € 41.062,00 e de € 838,00 mensais, desde fevereiro de 2020, até o locado lhes ser restituído, a título de danos patrimoniais, e ainda de € 10.000,00, a título de danos morais, acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Tal pedido de indemnização alicerça-se, pois, na responsabilidade civil. Vale neste domínio o preceituado no art. 483º, nº 1, do Cód. Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Assim, para que alguém incorra em responsabilidade civil extracontratual, suportando a respetiva obrigação de indemnizar, é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: - o facto: facto voluntário do agente, objetivamente dominável ou controlável pela vontade; um comportamento ou uma forma de conduta humana, bastando a possibilidade de controlar o ato ou omissão, assim se excluindo do conceito de facto voluntário ou ato, as causas de força maior ou a atuação irresistível de circunstâncias fortuitas, que a vontade do ser humano não pode controlar; - a ilicitude: categoria dogmática que exprime, em termos formais, o carácter anti-jurídico do facto, e consiste na violação do direito de outrem, quando reprovada pela ordem jurídica, ou na violação da lei que protege interesses alheios; na primeira modalidade (a violação do direito de outrem) inclui a doutrina maioritária somente a infração de direitos absolutos, tais como os direitos reais, os de personalidade, os familiares e os de exclusivo (direitos de autor e propriedade intelectual); a segunda dimensão da ilicitude reconduz-se à violação de normas que, tutelando certos interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger determinados interesses particulares (vd. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 3ª ed., p. 372 e 373); - a imputação do facto ao lesante (culpa): para que o ato ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante; superada a noção psicológica de culpa, pensa-se ser mais adequada a adoção de um critério normativo que veja neste pressuposto um juízo de censura ou reprovação por parte da ordem jurídica (vd. Pessoa Jorge, citado por Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, Vol. II, p. 308). - o dano: entendendo-se por dano a supressão ou diminuição de uma situação favorável, revista a mesma ou não contornos patrimoniais; o dano representa o ponto de enfoque da responsabilidade civil, constituindo simultaneamente o critério de adequação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do quantum indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo do agente lesante; - o nexo de causalidade entre o facto e o dano: traduz-se na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um determinado facto, exprimindo-se essa relação entre o ato ilícito e o dano por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado como causalidade adequada; assim, “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Galvão Telles, citado por Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., p. 578). Voltando ao caso sub judice, poder-se-á afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil supra elencados, assistindo aos Autores o direito de indemnização que se arrogam? Os alegados danos patrimoniais são, no fundo, decorrentes da “privação do uso da sua fração e bens” durante um (largo) período de tempo. Ora, a privação do uso, neste caso, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e irrecuperável no poder de fruição de uma determinada habitação, não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda). Por sua vez, o dano moral relevante, segundo o art. 496º, do Cód. Civil, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade, nos termos do seu nº 3, atendendo-se à gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica de lesante e lesado, bem como outras circunstâncias que forem pertinentes, como decorre do art. 494º do mesmo Código – cfr Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, p. 483 a 486; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, p. 499). Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 25/5/2007, Proc. n.º nº07A1187, disponível em www.dgsi.pt, “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. Ora, a “tristeza e angustia” sofridas pelos Autores, a necessidade de deslocação constante a Lisboa durante um determinado período de tempo e, depois disso, a necessidade de habitar com a filha, num T1, tudo durante um considerável espaço de tempo e considerando a sua idade avançada, quando é certo que os Autores não inviabilizaram uma solução alternativa, desde que, naturalmente, lhes desse as mesmas garantias, são danos que assumem gravidade suficiente e relevância jurídica, no sentido de merecerem a tutela do direito, e são consequência direta do incumprimento por parte da 1ª Ré. Ponderadas todas as circunstâncias do caso, entende-se que o valor peticionado a esse título se mostra equitativo, fixando-se o valor de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Assim, sem necessidade de outras considerações, conclui-se pela verificação dos pressupostos legais que determinam a obrigação de indemnizar no que respeita à 1ª Ré. Já não se pode assacar ao 2º Réu qualquer conduta causal dos danos sofridos pelos Autores, na medida em que nunca teve intervenção naquilo que foram as “negociações” com vista ao seu realojamento. Acresce que, como é consabido, a mora na reparação do dano é indemnizável, no caso de obrigações pecuniárias, mediante juros calculados à taxa legal desde a data do vencimento da obrigação, o qual, tratando-se de crédito ilíquido e correspetiva obrigação proveniente de facto ilícito, ocorre com a citação do devedor – arts. 805º, nºs 1 e 3, 806º, nºs 1 e 2, e 559º, todos do Cód. Civil. Todavia, uma vez que a função dos juros moratórios é essencialmente indemnizatória do dano do lesado decorrente do atraso de cumprimento da obrigação pecuniária, tendo em consideração a atualização correspondente à depreciação da moeda, como se infere do Acórdão do STJ nº 4/2002, de 29 de Maio, que fixou a seguinte jurisprudência: “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 interpretado restritivamente e 806º, nº 1 também do Código Civil, a partir da decisão actualizador e não a partir da citação”, e considerando que se procedeu ao cálculo do valor indemnizatório por via da operação de atualização aludida no mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, os juros moratórios sobre a indemnização de € 10.000,00 são apenas computados desde a presente data e não desde a citação.”.
Ora, considerando a factualidade apurada – nomeadamente a constante dos factos provados n.ºs. 7, 8, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31 e 33, verifica-se que, os autores são, presentemente, octogenários e que tinham a sua vida familiar, doméstica e social estável e organizada em Lisboa, encontrando-se privados da utilização do locado desde a data do término das obras no edifício, zonas comuns e fração “I”. Na realidade, concluídas as obras, não mais os autores tiveram acesso ao locado e não foram realojados na fração “I”, mediante a celebração de novo contrato de arrendamento. Em abril de 2018, os autores instaram a 1.ª ré a entregar-lhes a fração “E” ou facultar-lhes um outro espaço onde pudessem residir em condições análogas.
Não tendo sido proporcionada a entrega da fração “E”, nem se tendo provado que os autores tenham tido algum comportamento culposo ou censurável relativamente ao seu “realojamento” noutro edifício (não se provando o que ficou vertido nas alíneas l), m), n), o) e p) dos factos não provados, apenas se provando que a 1.ª ré desenvolveu diligências no sentido de encontrar um local com características semelhantes às da fração “E”, cujas condições fossem do agrado dos autores, de acordo com os requisitos e agrado destes, para o seu realojamento, promovendo visitas a potenciais fogos para realojamento na companhia da autora – cfr. factos provados n.ºs. 34 e 35 – e que, relativamente a uma dessas frações visitadas a autora recusou o arrendamento por a casa não esta equipada com bidé), tanto mais que, como se viu, não se estava à procura de casa do “agrado” da 1.ª ré ou de outrem, mas que, ao invés, apenas dependia do “agrado” e aquiescência dos autores, a situação de não uso pelos autores da fração locada veio a protelar-se - não estando até ao presente momento solucionada - e o arrastar do tempo, avolumou a sua angústia e os seus incómodos por estarem privados da fração “E” e por terem todos os seus bens num armazém, não podendo dispor ou disfrutar dos mesmos.
Em face do sucedido os autores viram-se forçados a mudar o seu centro de vida, passando, primeiramente, a residir na Ericeira, situação que lhes trouxe as contingências naturais decorrentes da mudança ocorrida, muito embora, como se afirmou na decisão recorrida, a “privação do uso” relativamente ao locado, “não pode deixar de ser visto numa perspetiva (apenas) moral, na medida em que não só não implicou qualquer acréscimo de despesas (por ex., o pagamento de uma renda maior) como teve como contraponto a dispensa do pagamento da contraprestação (renda)”, mas, todavia, comportou para os autores tristeza e angústia, tendo como objetivo de vida voltarem para a sua “casa”, onde tinham a expectativa de viver a sua velhice.
Nessa medida, a decisão recorrida – e bem – considerou não ser de atender tal situação em sede de ressarcimento do dano patrimonial, mas, unicamente, em sede de reparação do dano moral.
Ora, ao contrário do que pugna a recorrente, verifica-se que o requisito da ilicitude do comportamento imputável ao agente se encontra presente.
Conforme decorre do disposto no artigo 1031.º, al. b) do CC, ao locador cabe a fundamental obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina e com esta obrigação “relaciona-se o disposto no artigo 1037.º [do CC], que proíbe ao locador a prática de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa”.
A circunstância da saída dos autores do locado para realização de obras de conservação, por uma situação temporária e até à conclusão das obras, acordada com a 1.ª ré e assim justificada, deixou de ter tal justificação a partir do momento em que as obras foram concluídas, então cessando o motivo que determinava o facto de o locador não proporcionar o gozo do locado aos autores.
Desde então, o comportamento do locador deixou de ser lícito e conforme ao direito, passando a ser incumpridas as aludidas obrigações legais, designadamente, a obrigação de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo – e respetiva recuperação da fruição das utilidades inerentes – relativamente ao locado.
Ora, as diligências levadas a efeito pela 1.ª ré no sentido de procurar obter o “realojamento” dos autores, não têm ao invés do que pretende, por efeito “apagar” a conduta contrária ao direito verificada, antes se inserido numa lógica de não agravamento da situação verificada (que se pressentiu no depoimento de NL – ao aludir a que ficou “sensibilizada com o caso…”, “queríamos que ficassem com boas condições, a viver bem” e à preocupação das funcionárias da 1.ª ré com o assunto - e que, nas próprias palavras da ré, retratou o “processo” como “bastante moroso e desgastante… para ambas as partes” – cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial).
Vejamos se, contudo, como pugna a recorrente, os danos dos autores não atingiram patamar de gravidade que justifique o seu ressarcimento indemnizatório.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, do CC, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: Compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; Punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
O artigo 496.º, n.º 1 do CC atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória. “Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade humana” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2004, Proc.º n.º 2616/04, rel. SALVADOR DA COSTA).
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC (cfr. Maria Manuel Veloso; “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542).
Conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-05-2019 (Processo 1760/16.2T8VCT.G1, rel. MARGARIDA SOUSA): “Os danos não patrimoniais devem ser objeto de compensação a fixar com recurso à equidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência (art.’s 496º, nº 3, e 494º do Cód. Civil), sempre com o objetivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão – como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais –, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado. A compensação em causa “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral” (Acórdão do STJ de 24.04.2013). Merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações (Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004 – Apelação nº 3546/03, 2ª secção). E isto assim é, na verdade, porque o intérprete da lei deve ter presente as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada (art. 9º, nº 1, do Código Civil), nota esta, do legislador, que Antunes Varela e Pires de Lima qualificam de “vincadamente actualista” (CC Anotado, I, pág. 58). Por outro lado, como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça tem dito, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.”.
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC (neste sentido, vd. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; Vol. I, p. 577; para maiores desenvolvimentos, vd. Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite; A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais; FDUNL, Lisboa, 2015).
Contudo, conforme resulta do n.º 1 do artigo 496.º do CC, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O legislador consagrou assim uma cláusula geral, optando por não circunscrever o direito a compensação por dano não patrimonial a hipóteses legalmente expressas. “Considerou preferível, em alternativa, admitir, em termos gerais, a compensação do dano não patrimonial, estabelecendo apenas, como requisito específico de admissibilidade dessa compensação, a acrescer aos pressupostos gerais da responsabilidade civil definidos no artigo 483.º, que o dano não patrimonial se revista de gravidade tal que mereça a tutela do direito. O risco de um indiscriminado alargamento da responsabilidade civil é, desta forma, evitado, pela atribuição ao juiz da tarefa de apreciar quais os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade merecem a tutela do direito” (assim, Gabriela Páris Fernandes; anotação ao artigo 496.º do CC no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 355).
Tem-se entendido uniformemente na jurisprudência, que, “para efeito de compensação por danos não patrimoniais, dano que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito, não terá que ser considerado apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” (cfr., neste sentido, entre outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, Pº 07A1187, rel. ALVES VELHO; de 30-11-2010, Pº 581/1999.P1.S1, rel. ALVES VELHO; de 24-01-2012, Pº 540/2001.P1.S1, rel. MARTINS DE SOUSA; de 26-02-2013, Pº 6064/05.3TVLSB.L1.S1, rel. ALVES VELHO; da Relação de Lisboa de 24-11-2005, Pº 9035/2005-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; de 17-01-2008, Pº 684/2007-6, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA; de 28-10-2008, Pº 7563/2008-1, rel. ROSÁRIO GONÇALVES; de 08-03-2018, 3613/16.5T8CSC.L1-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; de 02-12-2021, Pº 17407/16.4T8LSB.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES; da Relação de Coimbra de 16-02-2017, Pº 177/16.3T8FIG.C1, rel. FERNANDO MONTEIRO; de 27-04-2017, Pº 3/14.8T8VIS.C1, rel. MOREIRA DO CARMO; de 29-01-2019, Pº 1569/12.2TBLRA.C2, rel. MOREIRA DO CARMO; da Relação de Évora de 22-11-2018, Pº 328/18.3T8STB.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO; e da Relação de Guimarães de 13-09-2018, Pº 749/15.3T8BCL.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES; e de 16-09-2021, Pº 26/20.8T8VNF-B.G1, rel. MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA). “Contudo não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2018, Pº 158/16.7T8SRQ.L2-4, rel. LEOPOLDO SOARES), ao passo que os incómodos, contrariedades, angústias ou desgostos “significativos” serão, em contrapartida, suscetíveis de compensação (assim, Gabriela Páris Fernandes; anotação ao artigo 496.º do CC no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, pp. 359-360, com alusão ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2010, Pº 17/07.4TBCBR.C1.S1, rel. GARCIA CALEJO).
Revertendo estas considerações para a situação dos autos, verifica-se que a tristeza e angústia dos autores – pessoas de avançada idade, que, embora perspetivando uma situação de ausência temporária do locado, de curto espaço de tempo, se viram confrontados com o “arrastar” no tempo da situação de não ter sido ainda, e até ao presente, viabilizado o seu regresso ao locado, aliada à circunstância de os autores se verem na necessidade, em razão da saída do locado, de terem vindo a habitar outras casas, sem disporem de condições equivalentes às que dispunham no locado (não tendo, desde logo, os móveis que foram guardados pela 1.ª ré; e, por outro lado, habitando desde finais de 2017 em casa da sua filha, onde apenas existe um quarto para os autores e aquela) e, bem assim, a necessidade de deslocação a Lisboa durante um determinado período de tempo – assumiu, de facto, um patamar suficientemente grave, que determina lhe seja conferida tutela jurídica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CPC.
A decisão recorrida não merece, pois, alguma censura e, ao invés do pugnado pela recorrente, nela não se divisa alguma “contradição”.
De facto, conforme resulta claro na decisão recorrida, formulou-se o entendimento de que o contrato de arrendamento, tendo por objeto o locado, não cessou, não tendo sido revogado ou alterado o respetivo objeto, mas, dessa mera circunstância, não se conclui a ausência de responsabilização da 1.ª ré.
É que, uma coisa é a cessação/alteração do objeto contratual, em razão da celebração do negócio a que se reporta o documento n.º 2 junto com a petição inicial e, outra, bem diversa, é a obrigação de indemnização dos danos não patrimoniais originados pela não entrega aos autores da fração arrendada, obrigação essa desencadeada pela conduta da 1.ª ré, enquanto geradora do comportamento ilícito e censurável correspondente (e, no qual, de acordo com o apurado, o 2.º réu não teve intervenção).
Quanto ao mais, não deixou o Tribunal recorrido de efetuar a necessária ponderação equitativa dos danos apurados, valorando adequadamente os dados de facto de que partiu e em que assentou o juízo equitativo.
Podem, no essencial, sintetizar-se as considerações precedentes do seguinte modo:
- O locador é responsável civil pelos danos não patrimoniais registados pelos locatários em consequência de não lhes ser assegurado, após a conclusão das obras no prédio, o referido gozo do locado;
- Desde então, o comportamento do locador deixou de ser lícito e conforme ao direito, passando a ser incumpridas as aludidas obrigações legais, designadamente, a obrigação de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo – e respetiva recuperação da fruição das utilidades inerentes – relativamente ao locado;
Tais danos são apenas de assacar à 1.ª ré que determinou a saída dos autores do locado e originou a produção dos danos correspondentes - angústia e tristeza em gravidade suficiente para merecerem a tutela jurídica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil -, não sendo assacáveis ao 2.º réu, que não teve qualquer conduta causal para a sua ocorrência.
Não merece, pois, alguma censura o juízo formulado pelo Tribunal recorrido, improcedendo as conclusões da ré/apelante em contrário.
As apelações deduzidas pelos recorrentes deverão, em conformidade com o exposto, ser julgadas improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida.
*
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, mantendo-se o dispositivo final da decisão recorrida, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre os réus/apelantes, que decaíram integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
a) Rejeitar o recurso da recorrente IMPORTANTALTURA, por inobservância do disposto na alínea b), do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, do artigo 640.º do CPC, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto fundada em depoimentos testemunhais, com exceção da impugnação referenciada ao depoimento da testemunha NL;
b) Julgar improcedente a impugnação de facto, respeitante às alíneas i), j), l) 1.ª parte e m) dos factos não provados;
c) Julgar procedente a impugnação de facto a respeito da alínea l) 2.ª parte dos factos não provados, aditando aos factos provados um novo ponto – com o n.º 37 – e alterando a redação da alínea l) dos factos não provados, nos termos supra expostos;
d) Aditar à matéria de facto provada um novo ponto – com o n.º 38 – de acordo com os termos supra referidos; e
e) Julgar improcedentes as apelações e, consequentemente, manter a sentença recorrida, de parcial procedência da ação, proferida em 24-11-2020.
Custas pelos réus/apelantes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 10 de fevereiro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva