DESPACHO DE ACUSAÇÃO
TIR
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
Sumário

I- Tendo a sociedade arguida prestado TIR, e nele indicado a morada para posteriores notificações, sem que, entretanto, e até à data de notificação da acusação, tenha requerido a alteração dessa morada e tendo tal notificação sido devolvida com a menção, no rosto da notificação, de “receptáculo avariado”, tal não obsta que a mesma se considere regularmente notificada do despacho de acusação, nem, justifica a adopção de outras diligências com vista a diferente modo de notificação da sociedade arguida;
II- De facto, a impossibilidade de depositar a carta de notificação na caixa de correio seja por estar avariado, ou por ser inexistente, só poderá onerar o arguido atento o dever de diligência que sobressai do seu estatuto juridico de arguido e o valor reforçado atribuido ao acto de prestação do TIR. A situação do caso vertente – receptáculo avariado - devia ter sido colmatada atempadamente pela sociedade arguida ou então a mesma devia ter fornecido ao Tribunal outra morada para as suas notificações. De outro modo isto significaria que o arguido poderia propositadamente prestar informação falsa sobre o seu endereço, indicando por exemplo um endereço com receptáculo avariado aquando da prestação do TIR, de modo a tornar impossivel proceder-se ao depósito da carta, com vista furtar-se à acusação ou a eximir-se ao julgamento. Ou seja, nestas situações estariamos a premiar o arguido que, mesmo não cumprindo os seus deveres processuais, não se podia considerar regularmente notificado. Pelo que a notificação da sociedade arguida do despacho de acusação foi regular e validamente efectuada, apesar do depósito da carta não ter ocorrido por avaria do receptáculo.

Texto Integral

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
I.1. O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido pela Sra. Juíza em 29.06.2021 que determinou a remessa dos autos ao MP para sanação da irregularidade da falta de notificação da sociedade arguida do despacho de acusação.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem)
“1. Tendo a notificação do despacho de acusação sido enviada, por via postal simples, para a morada constante do TIR prestado pela sociedade arguida, e tendo a mesma sido devolvida com a menção “receptáculo avariado”, há que concluir que a arguida se encontra regularmente notificada.
2. Na verdade, tendo a sociedade arguida prestado TIR, tendo sido devidamente advertida das obrigações advenientes de tal, a notificação por via postal simples considera-se efectuada, ainda que a carta seja devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio.
3. Pertencia à sociedade arguida a obrigação de, aquando da prestação do TIR, indicar uma morada para efeitos de notificação por via postal simples onde pudesse recepcionar as notificações expedidas pelo Tribunal, e de comunicar alterações de tal morada, tendo sido devidamente advertida das implicações daí decorrentes e constantes do artigo 196.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
4. Se a arguida indicou uma morada na qual não existe caixa de correio, ou na qual a caixa de correio em causa se encontra avariada, apenas a esta tal circunstância deverá onerar, considerando-se a mesma regularmente notificada, mormente, do despacho de acusação remetido por via postal simples, para a morada feita constar do TIR, pela arguida, para esse preciso efeito.
5. Assim sendo, consideramos que a sociedade arguida se encontra regularmente notificada da acusação proferida, já que a notificação em causa foi enviada para a morada do TIR, tendo a mesma vindo devolvida apenas por o receptáculo se encontrar “avariado”.
6. A tal não obsta, sequer, o facto de ter sido efectuada uma tentativa de notificação pessoal posterior.
7. Contudo, ainda que se entendesse que a notificação da acusação à sociedade arguida tinha sido omitida, tal omissão consubstanciaria apenas uma mera irregularidade que, por não afectar os direitos do arguido, não é de conhecimento oficioso e depende de arguição pelo interessado no prazo de 3 (três) dias – cfr. artigo 123.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, pelo que estava vedado o seu conhecimento pela Mm.ª Juiz.
8. E, ainda que se considerasse que estamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso (cfr. artigo 123.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), à Mm.ª Juiz estava vedado anular o despacho do Ministério Público que considerou regularmente notificada a sociedade arguida e ordenou a remessa dos autos à distribuição para julgamento.
9. Mais do que isso, estava-lhe igualmente vedado determinar a remessa/devolução dos autos ao Ministério Público para sanação da irregularidade que a própria conheceu.
10. Com efeito, a ordem da Mm.ª Juiz “a quo” tendo em vista reparação da mencionada irregularidade jamais poderá ser dirigida ao Ministério Público que, por ser uma magistratura autónoma, não está sujeita ao cumprimento de quaisquer ordens emanadas pela Mm.ª Juiz.
11. Assim, as diligências tendentes à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz deverão ser realizadas pelos serviços do Juízo onde exerce funções, sendo ilegal e inconstitucional, por violar os princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público, a ordem para devolução dos autos ao Ministério Público com vista à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz “a quo””.
Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público ou que determine a reparação da irregularidade da falta de notificação do despacho de acusação pela secretaria do Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3.
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I.3. Sustentação do despacho recorrido
A Sra. Juíza a quo proferiu despacho de sustentação da sua decisão.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação constante na motivação do recurso interposto pelo Ministério junto do tribunal recorrido.
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I.5. Resposta
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Questões a decidir
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
Saber se a sociedade arguida se encontra ou não regularmente notificada do despacho de acusação;
Subsidiariamente, no caso da falta de notificação do despacho de acusação, saber se essa irregularidade é do conhecimento oficioso;
3 Subsidiariamente, no caso de a falta de notificação do despacho de acusação ser do conhecimento oficioso, saber se os autos devem ou não ser remetidos ao M.P. para sanação dessa irregularidade.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Compulsados atentamente os presentes autos, afigura-se-nos que não foi devidamente respeitado o disposto no artigo 283.°, n.° 5, do Código de Processo Penal, pois as diligências de notificação do despacho de acusação à sociedade arguida que se impunham legalmente efectuar não foram levadas a cabo.
Ora, é verdade que, após a prolação da acusação, foi remetida notificação da mesma à sociedade arguida por via postal simples com prova de depósito para a morada do termo de identidade e residência que tal pessoa colectiva prestou a fls. 296, conforme oficio de fls. 493, mas essa notificação realizada dessa forma não se efectivou, porquanto foi devolvida ao tribunal, com a indicação “receptáculo avariado” – cfr. fls. 495.
De acordo com o artigo 113.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio, é lavrada nota do incidente e a mesma é enviada ao tribunal remetente mas o legislador não equiparou esse acto a notificação, até porque não mencionou expressamente, o que já fez no seu n.° 3.
Foi também tentada a notificação por contacto pessoal por referência à morada do termo de identidade e residência da sociedade arguida, que resultou infrutífera, conforme fls. 500, mas nem sequer se tentou fazer tal notificação por via pessoal para a morada do legal representante da sociedade arguida, conforme termo de identidade e residência que o mesmo prestou a fls. 290, nem se fez qualquer outra diligência, quando nos autos até consta indicação de que o legal representante da sociedade arguida foi alvo de atribuição de casa por parte da Câmara Municipal de Almada (informação policial entrada em 25-11-2020).
Ora, entre outros acórdãos, citamos o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 23-11-2016 (Proc. n.° 490/14.4PPRT-A.P1), disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso):
“O arguido apenas se considera regularmente notificado do despacho que designou dia para julgamento, por notificação postal simples enviada para a sua morada se:
- O TIR se mostra validamente prestado com indicação de morada para se notificado por via postal e
- ocorre o efectivo depósito da carta de notificação nessa morada.”.
Logo, a sociedade arguida não se encontra notificada do despacho de acusação e o que se constata é que nada mais foi feito, não se tentando a notificação por contacto pessoal através do seu legal representante, nem sequer se fazendo qualquer pesquisa quanto ao paradeiro deste nas bases de dados disponíveis em tribunal, nem se indagando da sua actual morada através do número de telemóvel que o mesmo colocou no seu termo de identidade e residência, nem se solicitando informação à Câmara Municipal de Almada, diligências estas pertinentes e razoáveis para dar a conhecer a tal pessoa colectiva a acusação contra si proferida.
Foram os autos depois remetidos à distribuição para julgamento, distribuição essa que se mostra irregular e de nenhum efeito, pois a sociedade arguida não foi notificada do despacho de acusação, omissão essa também irregular e de nenhum efeito, não se estando perante a situação prevista no artigo 283.°, n.° 5, do Código de Processo Penal, e tal obsta a que possa exercer cabalmente os seus direitos de defesa, mormente requerer a abertura de instrução, cujo prazo nem sequer se iniciou, afectando tal irregularidade o valor do próprio acto, pelo que, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal, oficiosamente o declaro.
E cabe ao Ministério Público levar a cabo a notificação da acusação à sociedade arguida, devendo fazer as diligências pertinentes e razoáveis a tal e não ao Juiz da fase do julgamento.
Neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-7-2018 (Proc. n.° 123/16.4PGOER.L1-3), disponível em www.dgsi.pt, cujo entendimento acompanhamos na íntegra:
“I. A omissão de notificação da acusação constitui irregularidade cuja reparação pode ser conhecida oficiosamente, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, afectando tal omissão o acto em si, de conhecimento da acusação, nos termos previstos no art° 123°, n° 2 do CPP.
II. Dispõe o n° 5 do art° 283° do CPP, por remissão para o n° 3 do art° 277° do mesmo diploma, a obrigatoriedade de o Ministério Público notificar a acusação ao arguido e ao seu defensor, tendo a obrigação legal de tudo fazer para notificar o arguido.
III. O legislador só admitiu a possibilidade de o processo transitar para a fase de julgamento sem o arguido ser notificado da acusação na situação prevista no n° 5 do art° 283° do CPP, ou seja, “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes”.
IV. A devolução dos autos ao Ministério Público para reparação da irregularidade por omissão de notificação da acusação, na situação em que se não mostram preenchidos os pressupostos do n° 5 do art° 283° do CPP, em nada contende com a estrutura acusatória do processo.”.
Em razão do exposto, determino a remessa destes autos ao Ministério Público, para sanação da irregularidade constatada, efectuando-se as diligências que se afigurem pertinentes e razoáveis para viabilizar a aludida notificação do despacho de acusação à sociedade arguida, mormente as supra referidas e não efectuadas.
Notifique e remetam-se os autos aos Serviços do Ministério Público para os fins aludidos, dando-se a pertinente baixa em termos estatísticos em virtude de tal remessa, sendo que voltando o Ministério Público a remeter os mesmos para a fase do julgamento, serão automaticamente enviados a este Juiz 3, não se procedendo a nova distribuição, por forma a não interferir com os contadores que regem a igualdade e aleatoriedade da distribuição.”
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II.3. Apreciação do Recurso
3.1. Da falta de notificação do despacho de acusação
§1. Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os seguintes elementos que constam dos autos:
- Nestes autos, a sociedade arguida prestou TIR, no qual consta uma morada – Travessa José dos Santos, Lote 347-A, Fernão Ferro –, indicada pelo seu representante legal;
- Do mesmo TIR consta ainda que que foi dado conhecimento à sociedade arguida da obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado e a obrigação de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada indicada ou para outra que entretanto vier a indicar;
- A sociedade arguida não indicou até à presente data outra morada;
- Findo o inquérito, tendo sido aplicada a forma de processo sumaríssimo, foi o requerimento de aplicação de pena não privativa da liberdade remetido à distribuição;
- Não tendo sido possível a notificação pessoal da sociedade arguida foram os autos reenviados ao M.P. para outra forma processual;
- Uma vez no M.P. foi proferido o seguinte despacho:
Equivalendo à acusação o requerimento do Ministério Público, formulado nos termos do artigo 394º, a fls. 473-478 – cfr, artigo 398º, n.º 1 do Código de Processo Penal – proceda às competentes notificações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 398º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
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Defensor do arguido RN : Maria Augusta Soldado, melhor id. nos autos a fls. 439.
Defensor da arguida RN Unipessoal, Lda.: Lurdes Rocha, , melhor id. nos autos sob a ref. 27485958.
Proceda à advertência a este(s) arguido(s) de que fica(m) obrigado(s), caso seja(m) condenado(s), a pagar os honorários do defensor(es) oficioso(s), salvo se lhe(s) for concedido apoio judiciário e que pode(m) proceder à substituição do defensor mediante a constituição de advogado, nos termos do artigo 64º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
Notifique, em cumprimento do disposto no artigo 66º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
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Uma vez efectuadas as competentes notificações do despacho de acusação e decorrido o prazo do artigo 287º, n.º 1 do Código de Processo Penal, nada vindo, remetam-se os autos à distribuição para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular (cfr. artigo 398º, n.º 1 do Código de Processo Penal).”
- Por via postal simples foi enviada carta para a morada constante no TIR com vista à notificação da sociedade arguida do despacho de acusação;
- Tal notificação veio devolvida com a menção, no rosto da notificação, de “receptáculo avariado”;
- Foi efectuada uma tentativa de notificação pessoal da sociedade arguida, a qual foi infrutífera;
- Após, em 11.06.2021, foi proferido pelo M.P. o seguinte despacho:
“Fls. 491, 493, 495 - Considero a arguida regularmente notificada, por via postal simples com prova de depósito, para a morada constante do T.I.R. prestado nos presentes autos (fls. 66 e 296), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 277.º, n.º 3 e n.º 4 alínea a) ex vi artigo 283.º, n.ºs 5 e 6 e 196.º n.º 2 e 3 alínea c) e 113.º n.º 1 alínea c), todos do Código de Processo Penal (cfr., entre todos, o acórdão do TRC, datado de 24.04.2018, proferido no processo n.º 313/15.7GCACB-A.C1). Assim, e efectuadas que se encontram as competentes notificações do despacho de acusação proferido e decorrido o prazo do artigo 287.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, remetam-se os autos à distribuição para julgamento.”.
- Remetidos os autos à distribuição para julgamento, a Mm.ª Juiz proferiu a decisão recorrida acima transcrita.
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§2. O M.P. sustenta que a sociedade arguida se encontra regularmente notificada do despacho de acusação por a notificação em causa ter sido enviada para a morada do TIR.
Invoca como normas violadas os artigos 311º e 312º, ambos do C.P.P..
Vejamos.
Como é sabido, “a notificação da acusação deve ser feita pessoalmente ao arguido, como expressamente prevê o n.º 10 do artigo 113º do CPP. Esta exigência constitui um pressuposto do exercício efectivo do direito de defesa, dada a função processual cometida à acusação e a posição eminentemente pessoal do arguido perante os factos nela descritos, que delimitam o perímetro dentro do qual se desenha o direito e se instalam as necessidades de defesa do acusado” (cfr. Ac. do STJ de 10.10.2007, acessível em www.dgsi.pt).
Trata-se de uma genérica decorrência da subordinação do processo ao princípio do contraditório, facultando ao arguido – a este por maioria de razão – a possibilidade de, ainda antes do julgamento, corrigir ou questionar tudo o que contra ele seja aduzido, assim lhe assegurando todas as garantias necessárias e adequadas a um eficaz exercício do direito de defesa.
E deve conter os elementos previstos no artigo 277º, n.º 3, ex vi artigo 283º, n.º 5, devendo observar a forma prevista no n.º 6 deste último normativo, todos do C.P.Penal.
Tal comunicação é efectuada “mediante contacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido (…) tiver indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art. 145º, do n.º 2 e da al. c) do n.º 3 do artigo 196º, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113º.”” (cfr. Ac. do TRG de 28.10.2019, acessível em www.dgsi.pt).
No que respeita às notificações preceitua o artigo 113º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P. que:
 “3- Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicilio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4- Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente”.
Por sua vez, o artigo 196º do C.P.P., sobre a epígrafe “Termo de identidade e residência”, prescreve:
“1- A autoridade judiciária ou o órgão de policia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250º.
2- Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da aliena c) do n.º 1 do artigo 133º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicilio à sua escolha”.
No que concerne à modalidade da notificação por via postal simples podemos ler no preâmbulo do D.L. n.º 320-C/2000, de 15.12 (sublinhado nosso):
“ (…), introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.”
No caso vertente, a sociedade arguida prestou TIR, e nele indicou a morada para posteriores notificações, sem que, entretanto, e até à data de notificação da acusação, tenha requerido a alteração dessa morada.
Por conseguinte, a notificação do despacho de acusação podia ter sido feita por via postal simples, nos termos em que o foi, em consonância com as obrigações decorrentes do TIR prestado.
Sucede que, tal notificação veio devolvida com a menção, no rosto da notificação, de “receptáculo avariado”.
Com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante no despacho de sustentação da decisão recorrida, entendemos que a devolução do expediente de notificação, com a menção de “receptáculo avariado” não impede, por um lado, que se considere a sociedade arguida validamente notificada, nem, por outro lado, justificava a adopção de outras diligências com vista a diferente modo de notificação da sociedade arguida.
Em primeiro lugar, a morada para a qual foi remetida a notificação da sociedade arguida corresponde à morada constante no TIR.
Em segundo lugar, a informação prestada pela sociedade arguida, através do seu legal representante, sobre a sua morada quando da prestação de TIR deve ser considerada verídica.
Em terceiro lugar, a impossibilidade de depositar a carta de notificação na caixa de correio (por estar avariado; por ser inexistente) só poderá onerar o arguido atento o dever de diligência que sobressai do seu estatuto juridico de arguido e o valor reforçado atribuido ao acto de prestação do TIR. A situação do caso vertente – receptáculo avariado - devia ter sido colmatada atempadamente pela sociedade arguida ou então a mesma devia ter fornecido ao Tribunal outra morada para as suas notificações.
Em quarto lugar, sendo considerados regularmente notificados na morada do TIR os arguidos que se ausentam das suas moradas sem previamente informarem os autos, bem como os arguidos que, no momento da prestação do TIR, forneçam uma morada com o nome de uma rua inexistente ou que indiquem uma morada que não disponha de caixa de correio na qual possam ser depositadas as cartas de notificação atentas as obrigações legais decorrentes com a prestação do TIR, deve também por idêntica razão ser considerado regularmente notificado na morada do TIR o arguido que indique uma morada com uma caixa de correio avariada como acontece na presente situação.
Em quinto lugar, o regime legal introduzido com as notificações por via postal simples seria em absoluto postergado, bem como as obrigações assumidas pelo arguido com a prestação do TIR seriam preteridas, caso se entendesse que a impossibilidade de depósito da carta de notificação por avaria do recetáculo (situação equivalente à inexistência de receptáculo) impediria a regular notificação do arguido nos termos previstos e conjugados nos artigos 196º e 113º, ambos do C.P.P.. Isto significaria que o arguido poderia propositadamente prestar informação falsa sobre o seu endereço, indicando por exemplo um endereço com receptáculo avariado aquando da prestação do TIR, de modo a tornar impossivel proceder-se ao depósito da carta, com vista a se furtar à acusação ou a se eximir ao julgamento. Ou seja, nestas situações estariamos a premiar o arguido que, mesmo não cumprindo os seus deveres processuais, não se considerava regularmente notificado.
Por fim, nos casos de ser impossivel proceder ao depósito da carta de notificação na caixa de correio, não se justifica que se realize uma outra notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que com a prestação do TIR a notificação se basta por via postal simples para a morada do TIR.
Do exposto resulta que a notificação da sociedade arguida do despacho de acusação foi regular e validamente efectuada, apesar do depósito da carta não ter ocorrido por avaria do receptáculo (veja-se, entre outros, Acs. do TRC de 14.05.2014, 05.07.2017 e 24.08.2018 e 05.07.201, Acs do TRE de 05.06.2018, 04.12.2018 e 10.03.2020 e Ac. do TRL de 04.06.2015, disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, o despacho recorrido não pode subsistir, procedendo, pois, neste segmento o recurso.
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§3. Consequências da procedência da primeira questão enunciada
Com a procedência da primeira questão – não há falta de notificação do despacho de acusação - fica naturalmente prejudicada a apreciação das demais questões subsidiariamente suscitadas pelo recorrente acima elencadas.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido e ordenar que seja substituído por outro que, apreciando a acusação pública, determine, se for caso disso, a data de julgamento.
Sem custas.
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Lisboa, 17.02.2022
Maria do Rosário Silva Martins
Lígia Maria da Nova Araújo Sá Trovão