RECLAMAÇÃO
ERRO DE ESCRITA
INDEFERIMENTO
Sumário


I - Não ocorre qualquer irregularidade quando se determina, por força do disposto no art. 130.º, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP, a não realização de um ato inútil.
II – Invocando o recorrente o que alegou no requerimento que interpôs no tribunal da Relação de Lisboa não só já não pode ser agora apreciado porque não se trata de questão colocada no âmbito do recurso interposto, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia, como depois de o recurso ter sido interposto não pode ser ampliado o seu âmbito.
III - Competia ao STJ decidir o recurso interposto quanto à questão colocada — a relativa à decisão em que a Senhora Presidente do tribunal da Relação de Lisboa se considerou não impedida, recurso este interposto ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP; não estávamos perante a análise de prova documental onde seria aplicável o disposto no art. 170.º, do CPP, e por via da existência de disposição própria no processo penal quanto à falsidade de documentos, o incidente de falsidade de documento previsto no CPC não é aplicável ao processo penal, uma vez que não existe qualquer lacuna.

Texto Integral




Processo n. º 5063/13.6TDLSB-J.L1.S1


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório

1.1. No Tribunal da Relação ..., foi interposto recurso do despacho do Tribunal da Comarca ... (Juízo Central Criminal ..., Juiz ...) de 16.09.2021 (ref. ..., nos autos principais), que admitiu o recurso ali interposto, porém determinou que subiria a final, nos próprios autos e com efeito devolutivo (nos termos dos arts. 407.º, n.º 3, 406.º, n.º 1 e 408.º, a contrario, ambos do Código de Processo Penal, doravante CPP).

AA reclamou, ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP, pedindo que o recurso suba imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A reclamação apresentada foi decidida, a 08.11.2021, pela Senhora Presidente do Tribunal da Relação .... A notificação deste despacho ocorreu a 09.11.2021 (ref. ...).

1.2. Após esta decisão, AA veio requerer (a 16.11.2021), ao abrigo do art. 41.º, n.º 2, do CPP, a declaração de impedimento da Senhora Presidente.

1.3.  A 18.11.2021, a Senhora Presidente do Tribunal da Relação ... proferiu o seguinte despacho:

«Vem o reclamante solicitar que a Presidente do Tribunal da Relação ... se declare impedida, ao abrigo do disposto no art. 41.°, do CPP, alegando que suscitou o seu impedimento no seu requerimento de 27/9/2021 – Reclamação – nos termos da sua parte I, em que é suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 405.°, n.° 1, do CPP.

Ora, a questão da invocada inconstitucionalidade do art. 405.°, n.° 1, do CPP, foi conhecida na decisão por nós proferida em 8/11/2021.

O reclamante não junta elementos comprovativos dos factos que alega, ao abrigo do disposto no n.° 2, do art. 41.º, do CPP.

Em 22/10/2021 a signatária teve conhecimento de que o reclamante havia apresentado queixa crime contra si, no âmbito do inquérito n.º 14/18...., ao ser notificada da decisão de arquivamento da mesma, de 19/10/2021, proferida no âmbito do inquérito n.º 29/21...., que correu termos no Supremo Tribunal de Justiça.

Assim sendo, entendemos que não existe qualquer fundamento legal para que a Presidente do Tribunal da Relação ... se declare impedida ao abrigo do disposto no art. 41.º, do CPP.

Notifique-se.»
1.4. A notificação desta decisão ocorreu a 19.11.2021 (ref. ...).
2. AA recorreu (a 24.11.2021, ref. ...), ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP, e por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.01.2022, foi negado provimento ao recurso e determinado o desentranhamento da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação ... e do Parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, por se ter considerado que:
«(...) nos termos do art. 413.º, do CPP, apenas respondem à interposição do recurso os sujeitos processuais afetados pelo recurso.
No presente caso, de recurso de uma decisão de não impedimento numa reclamação ao abrigo do art. 405.º, do CPP, afigura-se-nos que o Ministério Público não é afetado por este recurso (mesmo que se diga que poderá ser afetado por uma decisão prolatada por um juiz impedido, mas se assim se considerasse teria também recorrido da decisão, o que não sucedeu).
Pelo exposto, desentranhe-se a resposta apresentada e devolva-se.
E o mesmo se deve entender quanto ao parecer apresentado, pelo que deve ser também desentranhado e devolvido.
Dada a conclusão a que chegámos, atento o disposto no art. 130º, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º, do CPP, não foi notificado ao recorrente do parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.»
3. É deste último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o recorrente vem agora reclamar com fundamento em irregularidade e nulidade do acórdão, nos seguintes termos:
«I – Ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, argui a INVALIDADE do acórdão de 13.01.2022, por omissão de prévia notificação do documento, nele, designado de «parecer» do «Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal da Justiça».
Essa notificação é imposta pelo artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
E o Recorrente tem direito a saber quem é o seu autor, e a conhecer a data da sua apresentação, e o seu teor integral.
O Recorrente tem direito a impugnar essa intervenção nos autos.
A omissão dessa notificação antes da prolação do acórdão de 13.01.2022, é determinante da INVALIDADE deste.
II – Ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, argui a INVALIDADE do acórdão de 13.01.2022, por omissão de prévia notificação do despacho previsto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

Sublinha, com a devida vénia, que a norma do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tem natureza imperativa, e que a notificação do despacho, nela, previsto, não pode, nunca, ser considerado ato inútil, designadamente quando tem por objeto acto ferido de ilegitimidade.
A omissão dessa notificação antes da prolação do acórdão de 13.01.2022, é determinante da INVALIDADE deste.
III – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao pronunciar-se sobre recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP (cf. fls 2, nº 2), sendo certo que o recurso se encontra interposto ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.º 1, do CPP.
IV – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por omitir pronúncia sobre as razões do impedimento oposto à Exma. Juíza Desembargadora Dra. BB, subsumíveis ao disposto no artigo 39.º, n.º 1, alínea d), do CPP (cf. requerimento de 16.11.2021, designadamente seu número 9, e parte II, e conclusão 2.ª do recurso).
V – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379..º, nº 1, alínea c), do CPP, por haver confundido falsidade das declarações exaradas pela IMPEDIDA no despacho de 18.11.2021, em que recusou reconhecer o seu impedimento, com as razões do impedimento que lhe foi oposto por requerimento de 16.11.2021.
VI – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por conter pronúncia sobre «junção de documentos necessário», e omitir pronúncia sobre junção de elementos comprovativos.
VII – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por omitir pronúncia sobre alegação da natureza pessoal dos factos em que se fundamenta a oposição de impedimento deduzida por requerimento de 16.11.2021.
VIII – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao dizer «que existe norma expressa a determinar a junção de documentos».
XIV [[1]] – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao dizer que «compulsadas as regras processuais penais em matéria de impedimentos, maxime os arts. 39.º e 40º, do CPP, não vislumbramos nenhuma das situações indicadas naqueles dispositivos que determinem o impedimento do magistrado judicial». Neste texto é omitida pronúncia sobre o facto de a IMPEDIDA ter de prestar depoimento no processo principal sobre a falsificação produzida no Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados em 10.04.2012, com a designação de “acórdão” de 24.01.2012, cujo conhecimento lhe advém da sua intervenção nos processos referidos nos requerimentos de 16.11.2021 e 24.11.2021.
X [[2]] – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao pronunciar-se sobre incidente do artigo 43.º e seguintes do CPP, e sobre o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CPP.
XI – Acresce que o acórdão de 13.01.2022 também padece da nulidade cominada no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao omitir pronúncia sobre o disposto no art. 449.º, n.º 4, do CPC, para que remete o art. 451.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, relativamente à falsidade arguida no requerimento de 24.11.2021, designadamente nos termos das suas partes V, VI, VII e VIII, e conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª.
Termos em que pede:
a) a declaração da invalidade/nulidade do acórdão de 13.01.2022,
b) o suprimento das omissões cometidas.»
4. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II
Fundamentação
1. Nos pontos I e II da reclamação apresentada, o recorrente alega a invalidade do acórdão em consequência da não notificação, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, do Parecer apresentado pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Comecemos por referir que o recorrente, em requerimento autónomo (apresentado a 11.12.2021, após a interposição do recurso), requereu que a resposta apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação ... fosse rejeitada, por entender que não devia ter sido cumprido o disposto no art. 413.º, do CPP.
É em resposta a este requerimento que se decidiu o seguinte:
«2. Mas, ainda antes disso, cumpre analisar o requerimento onde o recorrente solicita que a resposta do Ministério Público no Tribunal da Relação ... seja rejeitada, por considerar que o recurso devia subir de imediato, sem que se tivesse cumprido o disposto no art. 413.º, do CPP.
Nos termos do art. 42.º, n.º 1, do CPP, é admissível recurso da decisão em que o juiz não reconhecer o impedimento. Ora, nas regras que regulam os impedimentos, recusas e escusas, isto é, os artigos 39.º a 47.º, do Código de Processo Penal, não existem quaisquer outras regras em matéria de recursos, para além da que prevê a possibilidade de recurso da decisão do juiz que não se considera impedido.
 Assim sendo, necessariamente nos temos que socorrer da tramitação unitária dos recursos (arts. 410.º e ss, do CPP) tal como a própria designação indicia — isto é, regras gerais para todos os recursos ordinários interpostos.
Ora, após a interposição do recurso e no prazo de 30 dias, os sujeitos processuais podem responder (os termos do art. 413.º, do CPP). E cumpre desde já referir que este incidente ocorre nos autos que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., onde o aqui recorrente intervém como sujeito processual na categoria de arguido.
A declaração de impedimento pode ser requerida pelo Ministério Público (para a qual tem legitimidade por força do disposto no art. 41.º, n.º 2, do CPP), ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis, pelo que, à primeira vista, parecia que também o Ministério Público poderia responder ao recurso da decisão do juiz que não se declarou impedido.
Porém, esta decisão, nos presentes autos, decorre de uma reclamação a um despacho de admissibilidade de recurso, mas que determinou que subisse apenas a final. Ora, nos termos do art. 405.º, do CPP, apenas o recorrente pode reclamar do despacho que foi proferido quanto ao recurso por si interposto. E nos termos deste art. 405.º, do CPP, nunca se dá qualquer hipótese de o não recorrente responder.
Sendo assim, nos termos do art. 413.º, do CPP, apenas respondem à interposição do recurso os sujeitos processuais afetados pelo recurso.
No presente caso, de recurso de uma decisão de não impedimento numa reclamação ao abrigo do art. 405.º, do CPP, afigura-se-nos que o Ministério Público não é afetado por este recurso (mesmo que se diga que poderá ser afetado por uma decisão prolatada por um juiz impedido, mas se assim se considerasse teria também recorrido da decisão, o que não sucedeu).
Pelo exposto, desentranhe-se a resposta apresentada e devolva-se.
E o mesmo se deve entender quanto ao parecer apresentado, pelo que deve ser também desentranhado e devolvido.
Dada a conclusão a que chegámos, atento o disposto no art. 130º, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º, do CPP, não foi notificado ao recorrente do parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.»
Perante isto, alega agora que a notificação do parecer é uma imposição legal decorrente do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP.
Mas não tem razão o recorrente.
Na verdade, o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça é um acórdão decorrente da interposição de um recurso de uma decisão de não impedimento numa reclamação ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP. Isto é, houve um recurso para o Tribunal da Relação ..., recurso este que não foi admitido e, consequentemente, foi apresentada, junto daquele Tribunal, uma reclamação por não admissibilidade do recurso, nos termos do art. 405.º, do CPP. Esta reclamação foi decidida pela Senhora Presidente do Tribunal da Relação ..., e o recorrente considerou que a Senhora Desembargadora devia ter-se declarado impedida e não devia ter decidido; porém, a Senhora Presidente não se considerou impedida e é desta decisão que recorreu. Ora, não sendo o Ministério Público afetado pela decisão prolatada ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP, não há lugar a intervenção do Ministério Público, pelo que não deve ser tido em consideração nenhuma resposta ou parecer apresentado. E se o Tribunal não deve considerar aquelas na sua análise do acórdão, não há sequer necessidade de contraditório. Para quê permitir o contraditório relativamente a argumentos que não podem ser apreciados pelo Tribunal? Assim sendo, qualquer resposta ao parecer apresentado é um ato inútil, pois o Tribunal não o poderia considerar.
Aliás, é o próprio recorrente que, no requerimento apresentado contra a resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação ..., afirma expressamente que o Ministério Público não tem legitimidade para responder. Ora, se assim é, o ato é inválido. Então, qual o interesse do recorrente em reagir contra um ato inválido e que não vai ser tido em conta na decisão do Tribunal?
A imposição legal (nos termos do art. 130.º, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP) para a não realização de atos inúteis decorre da necessidade de o processo correr sem prolações indevidas e atrasos em ordem a que o arguido seja julgado num prazo aceitável. E em ordem a assegurar esta garantia e sabendo-se de antemão que o recorrente considerava que não havia legitimidade para a resposta ao recurso e, consequentemente, para a prolação de parecer, qualquer resposta que apenas vinha reafirmar o que já constava dos autos constitui um ato inútil.
Nestes termos, entende-se que não ocorreu qualquer irregularidade, dado que esta só sucederia se houvesse legitimidade para a intervenção do Ministério Público. Não havendo, entende-se que também não existe interesse em agir, na alegação desta irregularidade.
Improcede, pois, a alegação de invalidade apresentada.
2. Entende o recorrente que existe nulidade do acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por o Tribunal ter referido que o recurso havia sido interposto ao abrigo do art. 43.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP, quando o recurso foi interposto ao abrigo do art. 42.º, n.º 1, do CPP (ponto III da reclamação).
Ora, lendo o disposto no art. 43.º, n.º 1, do CPP, facilmente se percebe que neste dispositivo não está referida qualquer possibilidade de interposição do recurso, sendo que se dispõe sobre as circunstâncias em que se pode requerer a recusa de intervenção de um juiz. E também facilmente se verifica que o recurso interposto decorre do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP, e por isso foi referido no relatório do acórdão esta 2.ª parte (não existe uma 2.ª parte no art. 43.º, n.º 1, do CPP). Ou seja, tratou-se de um mero lapso de escrita constante do relatório e que, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, se corrige.
Assim, onde no ponto 2 do relatório (parte I), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.01.2022, se refere:

«I Relatório (...) 2. É deste despacho que AA recorre (a 24.11.2021, ref. ...), ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos: (...)»
deve ler-se:

«I Relatório (...) 2. É deste despacho que AA recorre (a 24.11.2021, ref. ...), ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos: (...)»
3. Entende o reclamante que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça padece de nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, porque não se pronunciou sobre as razões do impedimento oposto à Senhora Presidente (ponto IV da reclamação).
Porém, não só consta do acórdão uma síntese apertada dos motivos que o recorrente entende fundamentarem o impedimento da Senhora Desembargadora — «O recorrente alega que a Senhora Desembargadora se deveria ter considerado impedida por ter sido apresentada, pelo aqui recorrente, queixa-crime contra a Senhora Desembargadora. Além disto, alega que a Senhora Desembargadora referiu este facto no despacho que proferiu, e entende ainda o recorrente que estava impedido de juntar mais elementos comprovativos (tendo em conta o disposto no art. 130.º, do CPC ex vi art. 4.º do CPP) e alega que o despacho em análise contém “falsidades”» — como perante este elenco se considerou que:
- nenhuma desta razões se integra nas previsões dos arts. 39.º e 40.º, do CPP — “compulsadas as regras processuais penais em matéria de impedimentos, maxime os arts. 39.º e 40.º, do CPP, não vislumbramos nenhuma das situações indicadas naqueles dipositivos que determinam o impedimento do magistrado judicial. Pelo que, improcede também aqui o recurso interposto.” — ou seja, a queixa-crime apresentada contra a Senhora Desembargadora (e cujo inquérito foi arquivado) não integra nenhuma das hipóteses taxativas previstas naqueles dipositivos;
- a alegações de “falsidades” constantes do despacho recorrido não procediam por não bastar a sua simples alegação — «a consideração de que um qualquer documento é falso, ainda que constitua um despacho de um magistrado judicial, não decorre apenas da alegação de que aquele contém falsidades. Como em qualquer outro crime, não basta dizer-se que foi cometido para que se considere que é prova bastante para afirmar que na realidade foi praticado. Ou seja, qualquer alegação de falsidade relativamente a um qualquer despacho/documento necessita de ser comprovada judicialmente — é necessária uma decisão judicial a declarar a falsidade do documento (mediante decisão transitada em julgado) no âmbito de um processo que não o daquele em que se visa verificar se o Magistrado Judicial que prolatou uma certa decisão está ou não impedido.
Assim sendo, improcede qualquer alegação de falsidade do despacho prolatado para que se possa concluir pelo impedimento da Senhora Desembargadora.»; e

- a alegação de que o recorrente foi impedido de juntar os elementos comprovativos improcedia porquanto: «Acresce referir que, nos termos do art. 41.º, n.º 2, do CPP, quando se requer a declaração de impedimento, “ao requerimento [devem ser] juntos os elementos comprovativos”. Nestes termos, são as regras específicas processuais penais que determinam a junção dos documentos necessário. Ainda que no âmbito do art. 130.º, do CPC, se determine que não é lícita a realização de atos inúteis, não podemos concluir que a junção de elementos nos termos em que se impõe no art. 41.º, n.º 2, do CPP, se trate de um ato inútil. Mas, ainda que por absurdo o considerássemos como tal, o certo é que não só foi o legislador que o determinou, como também não é admissível a aplicação das regras processuais civis, isto porque estas só são aplicáveis quando, por força do art. 4.º, do CPP, ocorra uma lacuna. E não estamos perante nenhuma lacuna, dado que existe norma expressa a determinar a junção de documentos.»

Vem agora o recorrente alegar que a Senhora Desembargadora estava impedida com base no disposto no art. 39.º, n.º 1, al. d), do CPP. Porém, sabe-se que o âmbito de cognição do Tribunal está delimitado pelo recurso interposto[3]. Ora, contrariamente ao que o reclamante alega no requerimento de interposição de recurso não consta qualquer referência ao disposto naquele normativo.

Invocar agora o que alegou no requerimento que interpôs no Tribunal da Relação ... (note-se não se trata do requerimento e interposição de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça) não só já não pode ser agora apreciado porque não se trata de questão colocada no âmbito do recurso interposto, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia, como depois de o recurso ter sido interposto não pode ser ampliado o seu âmbito.

Por fim, cumpre referir que em parte alguma destes autos consta que a Senhora Desembargadora tenha sido testemunha ou devesse ser testemunha.

4. O recorrente alega nulidade do acórdão nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por se ter “confundido falsidade das declarações exaradas pela IMPEDIDA no despacho de 18.11.2021, em que recusou reconhecer o seu impedimento, com as razões do impedimento que lhe foi oposto por requerimento de 16.11.2021.” (ponto V da reclamação).

No anterior acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, constituía objeto de decisão o recurso interposto da decisão da Senhora Presidente do Tribunal da Relação de 18.11.2021. Não houve qualquer confusão. O recorrente, nas conclusões 5.ª, 6.ª 7.ª e 8.ª (cf. transcrição supra), é claro quanto à alegação de “falsidades” no despacho de 18.11.2021. E o que se disse foi que:

«a consideração de que um qualquer documento é falso, ainda que constitua um despacho de um magistrado judicial, não decorre apenas da alegação de que aquele contém falsidades. Como em qualquer outro crime, não basta dizer-se que foi cometido para que se considere que é prova bastante para afirmar que na realidade foi praticado. Ou seja, qualquer alegação de falsidade relativamente a um qualquer despacho/documento necessita de ser comprovada judicialmente — é necessária uma decisão judicial a declarar a falsidade do documento (mediante decisão transitada em julgado) no âmbito de um processo que não o daquele em que se visa verificar se o Magistrado Judicial que prolatou uma certa decisão está ou não impedido.

Assim sendo, improcede qualquer alegação de falsidade do despacho prolatado para que se possa concluir pelo impedimento da Senhora Desembargadora.»

Tal como referimos, todos os factos apresentados no requerimento de interposição de recurso quanto às alegadas falsidades constantes do despacho de 18.11.2021 serão relevantes quando assim confirmadas em processo próprio e autónomo.

Assim, não se vislumbrando a confusão alegada, improcede também nesta parte a reclamação.
5. O recorrente alega a nulidade do acórdão [nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP] “por conter pronúncia sobre «junção de documentos necessário», e omitir pronúncia sobre junção de elementos comprovativos.” (ponto VI da reclamação), e por ter referido que “existe norma expressa a determinar a junção de documentos” (ponto VIII da reclamação).
O reclamante refere-se à seguinte passagem do acórdão em análise:
«Acresce referir que, nos termos do art. 41.º, n.º 2, do CPP, quando se requer a declaração de impedimento, “ao requerimento [devem ser] juntos os elementos comprovativos”. Nestes termos, são as regras específicas processuais penais que determinam a junção dos documentos necessário. Ainda que no âmbito do art. 130.º, do CPC, se determine que não é lícita a realização de atos inúteis, não podemos concluir que a junção de elementos nos termos em que se impõe no art. 41.º, n.º 2, do CPP, se trate de um ato inútil. Mas, ainda que por absurdo o considerássemos como tal, o certo é que não só foi o legislador que o determinou, como também não é admissível a aplicação das regras processuais civis, isto porque estas só são aplicáveis quando, por força do art. 4.º, do CPP, ocorra uma lacuna. E não estamos perante nenhuma lacuna, dado que existe norma expressa a determinar a junção de documentos.»
Ora, percebe-se que quando se refere “documentos necessários” se está a utilizar esta terminologia em ordem a não repetir demasiado a expressão “elementos necessários”, pelo que não ocorre qualquer omissão de pronúncia; não se vislumbrando qualquer nulidade quando se refere “documentos necessários”, aludindo ao disposto no art. 41.º, n.º 2, do CPP referido.
6. O reclamante entende que há omissão de pronúncia quanto à alegação da natureza pessoal dos factos dos factos que fundamenta a oposição de impedimento deduzida por requerimento de 16.11.2021” (ponto VII da reclamação). Porém, o que era objeto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça era o requerimento de interposição do recurso de a 18.11.2021, e não o requerimento de 16.11.2021 onde alegou o impedimento da Senhora Desembargador e na sequência do qual foi prolatada a decisão que estava sob recurso. Ou seja, no recurso, decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2022, apenas estava em questão analisar a decisão da Senhora Desembargadora e o recurso interposto.
Pelo que improcede a alegação.
7. O reclamante vem ainda arguir a nulidade do acórdão, também com base no art. 379.º, n.º, a. c), do CPP, por omissão de pronúncia quanto ao “facto de a IMPEDIDA ter de prestar depoimento no processo principal sobre a falsificação produzida no Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados em 10.04.2012, com a designação de “acórdão” de 24.01.2012, cujo conhecimento lhe advém da sua intervenção nos processos referidos nos requerimentos de 16.11.2021 e 24.11.2021”(ponto XIV, assim designado, na reclamação).
Compulsadas as conclusões do recurso apresentado (e transcritas supra) a eventual prestação de depoimento da Senhora Desembargadora em processo cuja questão é a da “falsificação produzida no Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados” não foi levantada. Assim sendo, não se pode concluir pela omissão de pronúncia alegada.
8. É ainda invocada a nulidade do acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por se ter pronunciado sobre incidente de recusa (ponto X da reclamação).
Refere-se o reclamante ao seguinte excerto do acórdão agora em análise:
«Se o recorrente entendia que a intervenção da Senhora Desembargadora Presidente do Tribunal da Relação ... corria sério risco de ser considerada suspeita, deveria ter suscitado o necessário incidente de recusa, nos termos dos arts. 43.º e ss, do CPP. Mas não é isso que aqui está em causa, nem mesmo o momento temporal em que este requerimento foi apresentado é o adequado para apresentar o requerimento de recusa, pelo que nem sequer se afigura como possível proceder a um aproveitamento do ato, nem sequer foi dada oportunidade à Senhora Desembargadora para se pronunciar nos termos do art. 45.º, n.º 3, do CPP, e bem, dado que não estamos perante um incidente de recusa.»
Como se constata do parágrafo transcrito, não nos pronunciámos sobre qualquer pedido de recusa. E a redação no condicional demonstra exatamente que não estávamos a analisar um pedido de recusa, mas sim a referirmo-nos a uma eventualidade caso o recorrente viesse alegar (ao abrigo do disposto no art. 193.º, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP) a necessidade de aproveitar o requerimento de interposição do recurso como se fosse um requerimento de recusa.
Assim sendo, não tendo havido qualquer pronúncia sobre a procedência ou não de um pedido de recusa, conclui-se não existir qualquer nulidade com base no disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
9. Por fim, é ainda arguida a nulidade do acórdão [também ao abrigo do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP] por ter sido omitida pronúncia sobre “sobre o disposto no art. 449.º, n.º 4, do CPC, para que remete o art. 451.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, relativamente à falsidade arguida no requerimento de 24.11.2021, designadamente nos termos das suas partes V, VI, VII e VIII, e conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª.” (ponto XI da reclamação).
Como já referimos, competia ao Supremo Tribunal de Justiça decidir o recurso interposto quanto à questão colocada — a relativa à decisão em que a Senhora Presidente do Tribunal da Relação ... se considerou não impedida, recurso este interposto ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP. E foi este o objeto sobre o qual decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não tendo omitido qualquer pronúncia quanto à questão colocada.
Além disto, não estávamos perante a análise de prova documental onde seria aplicável o disposto no art. 170.º, do CPP. E por via da existência de disposição própria no processo penal quanto à falsidade de documentos, o incidente de falsidade de documento previsto no CPC não é aplicável ao processo penal, uma vez que não existe qualquer lacuna.
Por fim, resta referir que o que está em causa, tendo em conta a alegação apresentada, é uma decisão judicial, pelo que pretendendo recorrente arguir a sua falsificação por integração de facto falso deve, se assim o entender, apresentar a necessária queixa-crime. E apenas no caso de vir a ser dada razão ao recorrente quanto ao alegado, poderá o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça ser objeto de recurso extraordinário de revisão.
Assim sendo, não existe qualquer omissão de pronúncia.

III
Conclusão
Nos termos expostos acordam, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em
a) indeferir a reclamação apresentada por AA;
b) corrigir, nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b), do Código Processo Penal ex vi art. 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, o lapso de escrita ocorrido no relatório do acórdão prolatado a 13.01.2022 (ponto 2 da parte I) e onde se lê:

«É deste despacho que AA recorre (a 24.11.2021, ref. ...), ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos: (...)»
deve ler-se:

«É deste despacho que AA recorre (a 24.11.2021, ref. ...), ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos: (...)»

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de janeiro de 2022

Os Juízes Conselheiros,


Helena Moniz (Relatora)

Eduardo Loureiro

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[1] Respeitou-se a numeração apresentada no requerimento.
[2] Respeitou-se a numeração apresentada no requerimento.
[3] Foram as seguintes as conclusões do recurso apresentado: «1.ª – A norma do artigo 41.º, n.º 1, do CPP, tem implícito o conhecimento oficioso dos factos causadores de impedimento legal, ex vi o estatuído nos artigos 2.º, 18.º, n.ºs 1 e 3, 20.º, n.º 4, e 203.º da Constituição, e 412.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP. 2.ª – No seu despacho de 18.11.2021, a IMPEDIDA confessa os factos que constituem fundamento do requerimento de 16.11.2021, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPC, também aplicável ex vi artigo 4.º do CPP. 3.ª – Acresce que os factos invocados no requerimento de 16.11.2021 são pessoais como ela confessa. 4.ª – A junção ao requerimento de 16.11.2021, de mais elementos comprovativos, é proibida pelo artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP. 5.ª – O despacho de 18.11.2021 contém falsidade evidente do artigo 372.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, face ao teor do n.º 7 do requerimento de 16.11.2021, acima reproduzido, cuja factualidade foi confessada pela IMPEDIDA. 6.ª – A falsidade do teor do despacho de 18.11.2021, na parte em que se refere ao proc. n.º 14/18…, também se encontra, nele, provada nos termos da motivação supra, designadamente da sua parte VI, que consubstanciam reconhecimento do seu impedimento legal. 7.ª - A falsidade do teor do despacho de 18.11.2021, na parte em que se refere ao proc. n.º 29/21…, também se encontra, nele, provada nos termos da motivação supra, designadamente da sua parte VII. 8.ª – A falsidade do teor do despacho de 18.11.2021, relativamente aos processos n.ºs 14/18… e 29/21…, é subsumível ao artigo 451.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, e a decisão que sobre ela for proferida tem de ser transmitida à EXMA. PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA ex vi o disposto nos artigos 449.º, n.º 4, do CPC, e 265.º, n.º 1, do CPP. 9.ª – O despacho recorrido viola o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do CPP, e é nulo/inválido por cominação do n.º 3 do mesmo artigo, e artigo 3.º, n.º 3, da Constituição, por violar o estatuído no seu artigo 204.º ao insistir na aplicação das normas do artigo 405.º do CPP, de que se socorre para não reconhecer o seu impedimento legal. 10.ª – O presente recurso sobe de imediato, nos próprios autos, e tem efeito suspensivo de todos os actos, nulos, neles, praticados pela IMPEDIDA. Termos em que requer seja declarado o impedimento legal da autora do despacho recorrido.»