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ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
INCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário
1–A ação de reivindicação pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro. A procedência da ação de reivindicação está sempre dependente da procedência dessas duas pretensões em simultâneo, que não gozam de autonomia efetiva no contexto do Art. 1311.º do C.C..
2–Não sendo sequer colocada em causa a titularidade do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, mas se os detentores demandados provarem que são titulares de direito que legitime a sua posse ou detenção sobre a coisa, a ação de reivindicação improcede necessariamente na totalidade, porque não é cumprida a finalidade que ela pressupõe na sua plenitude.
3–O tribunal pode limitar-se a reconhecer o direito de propriedade, não condenando na restituição da coisa, mas daí não decorre uma procedência parcial da ação de reivindicação. A ação de reivindicação deve ser julgada totalmente por improcedente, mesmo que se reconheça, porque não foi sequer posto em causa, que as Autoras são as proprietárias da coisa reivindicada.
4–Neste caso, compete às Autoras a responsabilidade pelas custas do processo (Art.s 527.º n.º 1 e 535.º n.º 1 do C.P.C.).
5–A impugnação genérica da decisão sobre a matéria de facto e a manifestação do propósito de se fazer uma repetição completa do julgamento, sem especificação dos concretos segmentos de facto impugnados, nem indicação da decisão que com a prova reproduzida se pretende ver consagrada, é completamente contrária ao nosso sistema legal de recurso sobre a matéria de facto, constituindo uma violação do disposto no Art. 640.º n.º 1 al.s. a) e c) do C.P.C., que deve conduzir à rejeição nessa parte do recurso.
6–Numa ação de reivindicação, a eventual subsistência dum contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa pelas Rés, funciona como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa, nos termos do disposto no Art. 1311.º n.º 2 “in fine” do C.C., constituindo um caso típico de fundamento de recusa da restituição previsto na lei.
7–No caso o imóvel encontrava-se arrendado desde 1975 para habitação do inquilino que faleceu em 1997, vindo o direito ao arrendamento a ser transmitido para o seu cônjuge, que vem a falecer no dia 24 de março de 2011, quando estava em vigor o NRAU, provado pela Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, na sua versão original, sendo aplicável o que então dispunha no Art. 57.º. 8–Por força desse Art. 57.º do NRAU, o arrendamento para habitação não caduca quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, o que se verifica ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
9–A lei permitia então a possibilidade de duas sucessivas transmissões no direito ao arrendamento.
10–Nos termos do Art. 1107.º n.º 2 do C.C. a consequência legal para o facto da pessoa com direito à transmissão do arrendamento não informar esse direito ao senhorio é o dever de indemnizar pelos prejuízos causados por essa omissão e não a caducidade do direito ao arrendamento.
11–A inobservância do disposto no n.º 1 do Art. 1107.º do C.C. não impede a transmissão do contrato de arrendamento, que se opera “op legis”.
12–A realização de pequenas obras de conservação pela inquilina, mesmo que possam não ter sequer sido autorizadas por escrito pelas senhorias, nos termos do Art. 1074.º n.º 2 do C.C., não constituem comportamento ilícito relevante, que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, não sendo por isso fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, nos termos do Art. 1083.º n.º 2 do C.C..
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
A e B intentaram a presente ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra C, D e desconhecidos incertos,pedindo que se reconheça o direito de propriedade das A.A. sobre o prédio urbano sito no Largo Santa ... .... n.º ...,-L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o número ... da freguesia de Santa ... ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e, em consequência, condene os R.R. a desocupar o referido imóvel, entregando-o livre e devoluto às A.A.; condenando ainda os R.R. a pagar às A.A. quantia não inferior a €66,00 (sessenta e seis euros) por cada dia de atraso na entrega do imóvel, bem como numa indemnização pela ocupação indevida do imóvel no valor de €2.000,00 (dois mil euros) por cada mês (ou parte) que decorrer entre a data da citação para a ação e a data da entrega efetiva às A.A. da sua propriedade. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, pedem que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento nos termos do Art. 1083.º, n.º 2, al.s. d) e e) do C.C. e, consequentemente, a condenação dos R.R. a restituir o locado às A.A., livre e devoluto de pessoas e bens, no estado em que se encontrava antes das obras nele realizadas ilegalmente.
Alegaram, para tanto e em síntese, são proprietárias do mencionado imóvel, que adquiriram em 2004, e que se encontrava arrendado a Eponina ...... que, por sua vez, já havia sucedido no direito ao arrendamento, por óbito do seu falecido marido, Maurício ....., primitivo arrendatário.
Por carta expedida, em 4 de Janeiro de 2013, pela 1.ª R., as A.A. tomaram conhecimento de que a arrendatária tinha falecido, tendo aquela informado que havia comunicado o óbito, por carta datada de Junho de 2011 – a qual as A.A. não receberam, uma vez que foi enviada para morada que nunca foi usada por estas nas suas comunicações –, e que reclamava para si, na qualidade de filha da arrendatária e por com ela habitar há mais de um ano, a transmissão do arrendamento.
As A.A. comunicaram à R. que não havia direito de transmissão do arrendamento e solicitaram a imediata devolução do imóvel, mas a 24 de Janeiro de 2013, a 1.ª Ré reclamou a transmissão do arrendamento para a 2.ª R., alegando que esta era portadora de incapacidade total para o trabalho, tendo exibido um relatório médico. As A.A. recusaram o direito à transmissão, invocando que a 2.ª R. não habitava o locado e que não estava devidamente comprovada a sua incapacidade, contudo, as R.R. não devolveram o imóvel às A.A., continuando a nele habitar com o marido e filho.
No mês de Novembro de 2014, a 2.ª R., e/ou quem com ela habita o imóvel, fizeram obras de vulto no locado, tudo levando a crer que terão demolido paredes, alterando a tipologia do imóvel, tendo as A.A. deduzido oposição a tais obras.
Concluem assim que as R.R. não têm qualquer título que as legitime a ocupar o imóvel, que a sua ocupação é contra a vontade das A.A. e constitui grave violação do seu direito de propriedade, causando-lhes um prejuízo correspondente ao rendimento que estas tirariam diretamente do imóvel caso o pudessem arrendar. Caso assim não se entendesse, deveria considerar-se que existe fundamento para a resolução do contrato, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do Art. 1083.º do C.C., bem como por força das obras realizadas, devendo os R.R. ser condenados a restituir o locado às A.A., livre de devoluto de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes das obras nele ilegalmente realizadas.
Por despacho de 27 de Setembro de 2015, os R.R. incertos foram julgados parte ilegítimas, tendo assim sido absolvidos da instância.
Citadas, as R.R. apresentaram contestação, impugnando parcialmente a factualidade alegada pelas A.A., sustentando que o direito de transmissão que assiste à 2.ª R., que reside no locado desde 1990, não foi imediatamente invocado para poupar a mencionada R. de todo este procedimento, uma vez que padece de grave doença do foro psiquiátrico, circunstância que não pode fragilizar o direito da 2.ª R.. Alegam ainda que as A.A. nunca enjeitaram os montantes das rendas e que, para além de simples reparações, a única obra que foi realizada foi uma pequena intervenção no teto da casa, que precisava de ser substituído, por se encontrar abaulado e que se assim continuasse poderia causar danos físicos a quem ali habita, intervenção essa que foi urgente, sendo lícito às R.R. realizá-la. Concluem assim que existe título que legitima a ocupação do imóvel e a transmissão do arrendamento, pelo que deveria improceder a ação.
Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi admitida a retificação do pedido - no sentido de constituir fundamento do pedido de resolução do contrato de arrendamento, quer, por um lado, o previsto no n.º 2, al. d) e e), do Art. 1083.º do C.C., quer, por outro, a situação genericamente prevista no n.º 2 do referido normativo, por referência ao alegado nos artigos 30.º e 31.º da petição inicial, relativamente às obras realizadas no imóvel pelas R.R., sem autorização das proprietárias.
Aí foi ainda fixado objeto ao litígio, enunciados os temas de prova e admitida uma perícia à carta que as R.R. alegaram ter enviado às A.A. a comunicar o óbito de Eponina ..... e a transmissão do arrendamento, que veio a ser realizada, tendo tal carta sido posteriormente aberta pelo tribunal, conforme auto então elaborado.
Em 6 de Março de 2017, as A.A. apresentaram articulado superveniente, alegando que, nos últimos dois anos, verificou-se o aparecimento de diversas fissuras nas paredes e teto do andar superior ao ocupado pelas R.R., bem como o afastamento do rodapé em relação ao soalho, e infiltrações de águas pluviais junto à chaminé, tendo as A.A. solicitado uma vistoria técnica que, em 27 de Fevereiro de 2017, concluiu que o descrito tinha como causa provável alterações realizadas no piso inferior que se encontra ocupado pelas R.R., que implicaram uma alteração da estrutura do prédio, colocando em risco a segurança do mesmo, concluindo pela ampliação do pedido, de forma a nele incluir a condenação das R.R. a indemnizarem as A.A. por todos os danos que causaram e venham a causar com as obras por si realizadas.
O articulado superveniente foi liminarmente admitido, tendo as R.R. impugnado a factualidade constante do mesmo e pedido a condenação das A.A. como litigantes de má-fé.
As A.A. responderam a esse pedido, peticionando também a condenação das R.R. como litigantes de má-fé.
Foi ainda determinada a realização de perícia às obras alegadamente realizadas.
Finda a instrução prévia dos autos, veio a realizar-se a audiência final e, produzida a prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que absolveu as R.R. de todos os pedidos, absolvendo-se ainda, quer as A.A., quer as R.R., dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.
É dessa sentença que as A.A. vêm agora interpor recurso de apelação, sobrelevando das suas alegações as seguintes conclusões: A)–Surgem as presentes alegações, no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença de primeira instância a qual absolveu as recorridas de todos os pedidos deduzidos pelas recorrentes, salvo a absolvição recíproca dos pedidos de condenação de litigância de má fé, matéria esta que, nos termos do art. 635º do CPC, não constitui objeto do presente recurso e com o que as recorrentes se não podem conformar. B)–Como se pode ver da petição da presente ação, e, aliás sumariado na sentença proferida constituem os pedidos da presente ação: a)-o reconhecimento do direito de propriedade das recorrentes sobre o imóvel sito no Largo Santa ... ... nº ... em L____; b)-a correspondente desocupação pelas recorridas do referido imóvel entregando-o livre e devoluto às recorrentes; c)-a pagar a título de indemnização a quantia de €2.000,00 euros por mês que corresponde sensivelmente ao valor locativo dado como provado no ponto 20 dos factos provados; d)-e como pedido subsidiário, ser declarado resolvido o contrato com a condenação a despejo imediato por concretização de obras não autorizadas no locado e que também poriam em risco a natureza estrutural do prédio. C)–Verifica-se assim dos mesmos pedidos que, em termos dos diversos pedidos deduzidos, aquele que consta da alínea a) tem a ver com a titularidade registral do imóvel e o pedido sobre a alínea c) da indemnização requerida, respeita não só ao facto da sentença recorrida ter atribuído o arrendamento a quem nunca o requereu, como também a tal pretenso transmissário ser obrigado a indemnizar os danos derivados da omissão de não ter requerido novo arrendamento e da obrigação que tal transmissão o vinculava, sendo só a questão da desocupação, seja por invalidade da transmissão, seja por fundamento da resolução contratual que eram decorrentes dos pedidos efetuados nas anteriores alíneas. D)–Verificando-se que na parte decisória da sentença a mesma julga a presente ação totalmente improcedente por não provada absolvendo as recorridas de todos os pedidos, constata-se que a sentença dispõe claramente que as recorrentes são titulares do direito de propriedade do prédio identificado nestes autos e neles reivindicado. E)–Deste modo, tendo a sentença recorrida dado como procedente um dos pedidos da ação, não podia, na parte dispositiva vir julgar a ação totalmente improcedente, tanto mais que estabelecia a sua natureza como ação de reivindicação. F)–Por outro lado, e sobre a indemnização pedida determinando a sentença recorrida que o pedido de indemnização tem de improceder, constata-se do ponto 7 dos factos provados que a arrendatária transmissária Eponina ..... falecera a 24 de Março de 2011, e independentemente de, segundo as recorrentes não haver direito à transmissão do arrendamento o certo é que a mesma, a existir, implicava o estabelecimento de uma nova renda, em função do valor tributário da fração de €73.320,00. G)–Dando a sentença como provado o direito de propriedade das recorrentes, e sendo este um dos pedidos, não poderia decidir julgando totalmente improcedente a presente ação, como não o poderia fazer mesmo no caso de manutenção do arrendamento, tendo este sido atribuído na sentença recorrida a quem nunca o requereu, o caso da segunda recorrida, e não estando esta isenta de atualização da renda ao julgar improcedente o pedido de indemnização. H)–Ambas estas matérias determinam a nulidade da sentença de acordo com o art. 615 nº 1, alínea c) do CPC, especialmente pelas consequências que têm ao nível dos restantes pedidos da ação, não podendo as recorrentes deixar também de salientar a profunda contradição que existe na sentença entre a matéria provada e o decidido quando, no ponto 16 dos factos provados é definido que desde pelo menos 2003 até ao presente a recorrida D residia no arrendado com sua mãe e no ponto 17 ter sido provado que tem uma incapacidade permanente global de 70% desde 1993. I)–É que, e como se encontra provado no já referido ponto 7 da matéria de prova, a D. Eponina ..... faleceu a 24 de março de 2011 com 74 anos de idade o que significa que, segundo a matéria provada na sentença, a segunda Recorrente cuidou sozinha, desde 2003 até 2011 de sua mãe com provecta idade, não existindo por isso qualquer razão ou limitação para que a segunda recorrente executasse as tarefas do dia a dia. J)–Quando a sentença recorrida dá como provado que a segunda Ré tinha incapacidade, fá-lo com base em prova documental que infirma tal incapacidade para efeitos de transmissão de arrendamento uma vez que à data do primeiro relatório de 14.01.1999 segunda recorrida não vivia com a falecida D. Eponina ....., mas por si só e todos os outros atestados seguintes de fls. 56 vso, 16 vso, e 59, são atestados posteriores ao falecimento de D. Eponina ..... . L)–Quanto às contradições da matéria de facto fixada na sentença, e às nulidades decorrentes entre a matéria de facto, cabe demonstrar a errada fundamentação da respetiva convicção integrada na sentença recorrida, cabe fazer uma análise sobre a matéria provada e não provada que consta da própria sentença. M)–Se na mesma sentença se encontra provado o registo do imóvel a favor das recorrentes, que determinou o seu reconhecimento como proprietárias e que é fundamento de nulidade de sentença por ter sido julgada a ação totalmente procedente, já dos pontos nºs 2 e 3 dos factos provados se constata inequivocamente que, sobre o arrendado, só existia o arrendamento que tinha como arrendatário Maurício ....., e que consta a fls. 324 do presente processo e no qual, já como transmissária sucedeu a D. Eponina ..... . N)–Sob o ponto nº 5, também deste deveria constar o que resulta do depoimento de parte da co-recorrente B no sentido de que só a partir de 2005, e por força do seu casamento mudou a sua morada Rua Francisco ..... -L_____, o que determinava a correção da carta enviada e também deveria constar que em facto provado autónomo, todos os aumentos de rendas a partir de 2007, tinham sido comunicadas à falecida inquilina Eponina ..... a partir da morada da Rua Francisco ... ... L____, referência essa que era extensiva a integrar um novo facto provado, e que justificava também o que constava no ponto 6 dos factos provados. O)–Por outro lado, há igualmente erro na mera reprodução da carta colocada no ponto 8 dos factos provados porquanto desse facto também deveria constar que a primeira Ré, aqui primeira recorrente terá enviado essa carta a título exclusivamente pessoal, só tendo reclamado e de novo em seu nome pessoal o arrendamento para sua irmã a 4 de Março de 2013, quase 2 anos após o falecimento de D. Eponina ....., e quando, como já se salientou a segunda recorrente é pessoa capaz, não interdita, não inabilitada ou sujeita a processo de acompanhamento de maior. P)–Igualmente em função de factos provados com base documental o facto provado sob o numero 9 é manifestamente insuficiente, porquanto é tão só dito que a 19 de janeiro de 2012 as autoras comunicaram a atualização de renda à inquilina D. Eponina ....., sem saber que o faziam em relação a alguém que já falecera 10 meses antes conforme consta do ponto 7 dos factos provados para além do que no ponto 15 dos factos provados, é dito que o valor das rendas tem vindo a ser depositado na conta das autoras e sendo assim a carta constante do ponto 9 dos factos provados foi recebida pelas recorridas, porquanto de outra forma, nunca teriam estas procedido à atualização de rendas estabelecida na mesma carta. Q)–O que aconteceu também com a carta de 30 de novembro de 2012 estabelecida no ponto 10 dos factos provados, sendo que na carta de 4 de janeiro de 2013, ponto 11 dos factos provados, continuava a primeira recorrida a pretender o arrendamento para seu nome exclusivo, o que lhe foi negado nessa parte pela sentença recorrida e como tal, também com base na mesma prova documental não deveria ter sido dado como não provado que a assinatura da carta referida no ponto 9 dos factos provados não fora falsificada pelas recorridas que cumpriram o valor da renda nela estipulada. R)–É que, como já se alegou no art. 23º das presentes alegações, o primeiro relatório de incapacidade da segunda recorrida é datado de 14.01.1999 e a mesma recorrida, segundo o que está definido no ponto 16 dos factos provados estaria, desde 2003 no arrendado, residindo e cuidando sua falecida mãe D. Eponina ....., o que significa que a segunda recorrida esteve integralmente sozinha 8 anos a cuidar da sua mãe e a trazê-la em cadeira de rodas à Rua, conforme foi confirmado por prova testemunhal, sem precisar de ninguém que a auxiliasse a cuidar da mãe e muito menos dela própria. S)–De todo este quadro resulta que, o que se constata desta ação é uma vil tentativa de a primeira recorrida e sua família, tentar servir-se da segunda recorrida para tentar obter para aquela o arrendamento que desde sempre para si reivindicou, o que constitui uma utilização abusiva da lei e da respetiva fraude à lei. T)–Nos relatórios periciais apresentados pelo Sr. Perito nestes autos foi definido que o edifício não foi alvo de alterações estruturais pelas recorridas, para além das obras realizadas em novembro de 2014 das quais as recorridas não deram qualquer conhecimento às aqui recorrentes quando no relatório de fls. 183 vso, até junto pelas recorridas é claramente definido nas suas conclusões que as patologias identificadas nas paredes tetos e lareira, ou seja na estrutura da habitação, têm a ver com uma deformação da estrutura do pavimento de madeira que terão origem em alterações realizadas no piso inferior com a existência de obras sem o conhecimento dos proprietários. U)–Do depoimento do senhor perito transcrito manteve o mesmo que só foram feitas pequenas obras de conservação, embora não comunicadas às recorrentes e que as obras estruturais já eram antigas não podendo precisar a idade da fissuração apresentada, sem prejuízo de ter referido que ainda que existia um teto falso recente logo à entrada na zona do vestíbulo e em metade da área do quarto em que também se notava uma alteração de textura nas tijoleiras. V)–Ao invés a testemunha, Autora do relatório de fls. 183 vso e seguintes, manteve no seu depoimento também o teor do seu próprio relatório e das conclusões e desse depoimento resulta a confirmação do relatório documentalmente junto, bem como as declarações de que a testemunha não foi autorizado com as recorrentes a entrar no arrendado e quando entrou confirmou nas suas declarações que a deformação da estrutura do pavimento teve como única causa alguma intervenção no andar inferior (local arrendado) porque tal patologia não acontece naturalmente nos edifícios, acrescentando que, face à inexistência de um sistema de contraventamento de vigas, qualquer intervenção no andar inferior tem repercussões no andar superior. X)–A sentença recorrida e unicamente fundamentada no relatório pericial e não no relatório complementar e depoimento da testemunha Rui ....., bem como da testemunha Isidro ..... veio dar unicamente como provada a existência de intervenção de estuque sem conhecimento às autoras e veio dar como não provado ter havido intervenções que implicaram uma alteração da estrutura do prédio e puseram em causa a segurança do mesmo, pelo que, se de nenhumas obras quer estruturais quer de estuque foi dado conhecimento às recorrentes e tendo-se provado a existência de obras estruturais no imóvel, o ponto 19 dos factos provados deveria ter sido alterado para englobar o facto não provado quanto ás obras. Z)–Por outro lado, do depoimento da testemunha Ana ....., ficou claro que as recorrentes só tiveram conhecimento do falecimento da sua inquilina D. Eponina ..... em 2013, depois de um fim de vida com falta de saúde que obrigou à construção da rampa para saída de cadeira de rodas, unicamente acompanhada pela segunda recorrida, confirmando a mesma testemunha que a partir do casamento de sua filha Rafaela ..... em 2005 a primeira recorrente passou a ter a morada da Rua Francisco ... ... explicando também toda a questão da carta de 2012 assinada pela inquilina das recorrentes 10 meses após o seu falecimento. AA)–Igualmente referiu que, em consequência, em 2011 não podiam ter sido recebidas cartas na Rua João ... e que a Sra. D. Eponina ..... já tinha elementos anteriores de conhecimento da nova morada da primeira recorrente, explicando também o dia a dia da segunda recorrida Paula ....., bem como os ruídos de obras profundas com que foi confrontada em Novembro de 2014 no andar inferior e que continuaram até agora. AB)–Já a testemunha Almedina ....., do seu depoimento confirmou a existência de uma carrinha de caixa aberta com obras realizadas no locado em 2014 e por seu turno a testemunha Cristina ..... fez um depoimento essencial para relato da vida do dia a dia da segunda recorrida e das consequências da sua incapacidade definida para o mesmo dia a dia em que foi relatado que a segunda recorrida fazia as suas compras era pessoa dialogante, só tendo começado a frequentar a casa arrendada à Sra. D. Eponina ..... após a morte do padrasto, o que está de acordo com os pontos 2 e 7 dos factos provados. AC)–Retornando ás obras mostrou-se também essencial o depoimento de Isidro ....., no qual ficou claro a existência de obras estruturais, e obviamente também não comunicadas às recorrentes, face à diferença que existia entre os tetos em que foi feita a peritagem e em que o depoente prestou apoio, e os tetos adjacentes da casa onde vive a mãe das recorrentes, o que também conduz à existência de obras estruturais. AD)–E também se revelam de grande importância, embora em termos pontuais os depoimentos da testemunha Albano ..... e Abílio ..... no sentido que o primeiro afirmou que só a segunda recorrente é que acompanhava a mãe e o segundo que só entrava no locado para dar injeções à segunda recorrente. AE)–Mas é no depoimento de parte da primeira recorrente B que toda esta situação é descrita de forma linear, correta e verídica pois nesse depoimento foi claramente definido o estatuto pessoal e de vivencia diária da segunda recorrida, toda a matéria sobre a alteração de moradas, uma carta da inquilina D. Eponina ..... dirigida à Rua Francisco ... ... nº ... - L_____, a existência de correspondência para a anterior morada já após diligencias processuais na presente instância, a existência da própria rampa para deslocações da falecida inquilina, bem como quanto às obras todos os factos que deram origem à verificação da existência de obras estruturais feitas no andar arrendado e que justificaram, designadamente, o articulado superveniente deduzido nestes autos confirmando-se assim ter havido um clamoroso erro na apreciação da prova devendo a mesma ser alterada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa nos termos explanados. AF)–Quer face à matéria provada quer face à matéria que deveria, em função dos depoimentos e dos documentos ser provada, verifica-se que, com a morte de D. Eponina ..... ocorrida a 24 de Março de 2011, deveria ter tido lugar a caducidade do arrendamento, com a correspondente desocupação de quem se mantinha no arrendado após o termo do respetivo contrato. AG)–Na data do falecimento do primitivo inquilino a 1 de junho de 1997 estava em vigor o primeiro regime de arrendamento urbano (RAU) aprovado pelo Decreto Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro que, no seu art. 85º, estabelecia que o arrendamento para habitação não caducava por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tivesse sido cedida a sua posição contratual se lhe sobreviver cônjuge, sendo com base nessa disposição que a D. Eponina ..... sucedeu no arrendamento ao óbito de seu marido. AH)–Acontece que, quando a transmissária Eponina ..... faleceu a 24 de Março de 2011, já estava em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano instituído pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro o que implica que fazendo uma interpretação comparativa entre o regime do RAU e o regime do NRAU, constata-se que ao ser introduzida a figura do primitivo arrendatário, o legislador pretendeu que não houvesse mais do que uma transmissão, sendo por essa razão que a sentença recorrida não reconheceu o direito ao novo arrendamento à primeira recorrente, que o requereu tendo, ao invés vindo a reconhecer tal arrendamento à segunda recorrente que nunca o requereu, nem estava incapacitada para o fazer, conforme resulta da prova testemunhal já sublinhada para alteração da matéria de facto. AI)–Mas mesmo em relação à segunda recorrente, que volta a sublinhar-se, nada requereu a sentença recorrida ultrapassa a questão da segunda transmissão, aplicando o nº 4 do art. 57º do NRAU. AJ)–Com efeito, a hipótese de segunda transmissão a favor de filho ou enteado maior de idade que convivesse há mais de um ano e portador de deficiência ou grau comprovado de incapacidade superior a 60% é referido, em relação ao primitivo arrendatário na alínea e) do nº 1 do art. 57º do NRAU pelo que a segunda transmissão só ocorreria ope legis se o portador da incapacidade já residisse com o primitivo arrendatário há mais de um ano. AL)–Como o primitivo arrendatário faleceu a 1 de junho de 1997 e se encontra provado, no ponto 16 dos factos provados que a segunda recorrente só residiu no imóvel desde 2003, constata-se que aquela a quem foi conferido direito a novo arrendamento nunca viveu com o primitivo arrendatário e não se verificou a condição em que a portadora da incapacidade poderia ter direito à transmissão do arrendamento do primitivo arrendatário. AM)–Acresce que nenhuma das hipóteses contempladas no nº 4 do art. 57º do NRAU é suscetível de permitir esta segunda transmissão do arrendamento pelo que não tendo sido atribuído o arrendamento a quem o requereu e não estando a segunda recorrente em condições de ver transmitido a seu favor o arrendamento, cuja transmissão aliás nunca requereu, caducou inexoravelmente o arrendamento existente sobre o Largo Santa ... ... nº ... - L____. AN)–Quanto à indemnização pedida, tendo caducado o direito ao arrendamento, são as recorridas responsáveis solidariamente, pelos prejuízos causados às recorrentes com a sua manutenção no ex locado, tudo nos termos do art. 1107º do CC, uma vez que nunca foi comunicado em prazo às recorrentes o falecimento da transmissária D. Eponina ....., sendo certo que a única comunicação constante dos autos foi a concretizada pela primeira recorrida a quem não foi atribuído o arrendamento, como também essa falta de comunicação determina a constituição de um direito indemnizatório das recorrentes por todos os danos derivados da omissão. AO)–Mas mesmo que houvesse transmissão do arrendamento, nunca a renda era suscetível de se manter no mesmo montante pelo que os prejuízos sofridos seriam sempre a diferença entre a renda depositada e a renda devida, salientando-se que a segunda recorrente não está nem nunca esteve interdita, inabilitada ou com qualquer processo de acompanhamento de maior que diminuísse a sua capacidade jurídica, pelo que e quanto à indemnização violou a sentença recorrida os arts. 483º e 1107º do CC, bem como o art. 57º do NRAU. AP)–Relativamente à questão das obras não comunicadas e não autorizadas, e que a sentença recorrida refere no ponto nº 19 dos factos provados que deveriam ter sido comunicadas às recorrentes, veio a mesma sentença fundamentar-se no art. 1083º do CC quando refere que só são fundamento de resolução do contrato de arrendamento as obras não necessárias realizadas pelo inquilino sem comunicação ou sem autorização e quando o relatório pericial não é desde logo, unívoco em determinar se tais obras eram necessárias e muito menos urgentes ou se careciam de autorização das recorrentes. AQ)–Verifica-se assim que a sentença recorrida, ao não valorizar as obras feitas sem autorização e muitas delas aparentemente inovatórias, violou os arts. 396º, 1074º e 1083º do CC e o art. 483º do CPC para além do que e quanto a custas, verifica-se que a sentença recorrida, depois de dar como provada a titularidade das recorrentes sobre o imóvel reivindicado, não podia condenar as recorrentes no pagamento de todas as custas do processo violando quanto a esta matéria o art.528º do CPC.
AR)–Face ao exposto, a sentença recorrida: a)-em função das invocadas nulidades decorrentes das contradições entre a matéria provada sobre o reconhecimento da propriedade das recorrentes e a decisão, bem como relativamente à questão das custas deve ser julgada nula nos termos do art. 615º nº 1 c) do CPC; b)-face às contradições da matéria de facto e patente erro de julgamento relativamente aos documentos e depoimentos prestados que reforçam a procedência dos pedidos deduzidos e as incongruências entre a matéria de facto fixada, os depoimentos de testemunhas e a prova documental deverá toda a prova ser reapreciada nos termos discriminados nas presentes alegações; c)-sem prescindir a douta sentença recorrida ao reconhecer o direito à segunda transmissão da segunda recorrida, que nunca o requereu nem estava incapacitada para o fazer, violou o art. 85º do Decreto Lei nº 321-B/90 de 15 de outubro e o art. 57º nº 1 alíneas a) b) c) e e) e nº 4 da Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro; d)-ao não condenar as recorridas a qualquer indemnização violou também a sentença recorrida os arts. 483º, 1083º e 1107º do CC; e)-ao condenar as recorrentes no pagamento de todas as custas do processo violou a sentença recorrida o art. 528º do CPC.
Pede assim que o recurso seja julgado procedente e, por via dele: a)-ser declarada a sentença recorrida nula por clara contradição entre os seus fundamentos e a decisão; b)-ser julgado a existência de erro de julgamento e modificada a decisão sobre a matéria de facto aplicável designadamente aos pontos discriminados nas alegações; c)-em qualquer caso ser a sentença recorrida revogada sendo substituída por douto acórdão que julgue inexistente o direito da segunda recorrente à segunda transmissão do arrendamento para quem nunca viveu com o primitivo arrendatário e que nunca o requereu nem estava incapacitada para o fazer, bem como condene as recorridas em indemnização a regularizar às recorrentes com custas em conformidade.
A R.R. responderam ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões: A.–As Recorrentes interpuseram recurso da sentença do Tribunal a quo por entenderem que: a)-A mesma é nula na medida em que julgou a ação totalmente improcedente, quando as Recorrentes nela pediam o reconhecimento do seu direito de propriedade e o Tribunal reconheceu tal propriedade, o que entendem consubstanciar uma contradição entre os fundamentos e a decisão; b)-A mesma é também nula porquanto mesmo quando considerada verificada e válida a transmissão do arrendamento para a Recorrida D, sempre devia ter procedido o pedido de condenação no pagamento da indemnização peticionada na medida em que a Recorrida D não requereu para si o seu direito à transmissão naquele arrendamento, o que entendem consubstanciar uma contradição entre os fundamentos e a decisão; c)-A mesma é ainda nula uma vez que o facto 16 dado como provado está em contradição com o facto 17 dado como provado, tendo também em conta a matéria dada como provada no facto 7, o que entendem consubstanciar uma contradição entre os fundamentos e a decisão; d)-O Tribunal deu como provados e não provados determinados factos que, em face da prova produzida, não podia ter, e respetivamente, dado como provados e não provados; e)-Sem prejuízo, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do Direito mesmo quando considerada a matéria de facto dada como provada, uma vez que a segunda transmissão do arrendamento para a Recorrida D não podia ter ocorrido na medida em que a mesma (alegadamente) não residiu com o primitivo arrendatário – que até residiu. B.–Ora, quanto à primeira nulidade invocada, a mesma não procede uma vez que numa ação de reivindicação o pedido de reconhecimento da propriedade é um pressuposto do pedido de restituição – ambos formam, por assim dizer, um só pedido ou, pelo menos, pedidos indissociáveis, não sendo o primeiro independente do segundo –, tanto que a causa de pedir numa ação de reivindicação é ao mesmo tempo, e por um lado, o reconhecimento do direito de propriedade e, por outro, a violação desse direito por parte do reivindicado, e o pedido de condenação é na restituição da coisa reivindicada, ou seja, na entrega do bem. C.–Portanto, quando não resulte demonstrada a violação do direito de propriedade – e, designadamente, por existir um título legítimo de ocupação, como seja, justamente um arrendamento –, efetivamente não pode proceder o pedido da reivindicação, sendo que, no caso, na sentença recorrida a improcedência deste pedido decorre precisamente da circunstância do Tribunal a quo ter apurado que a Recorrida Paula tem um título legítimo de ocupação do imóvel de que as Recorrentes são proprietárias – e, em particular, enquanto transmissária do arrendamento por morte da sua mãe. D.– Sendo que a Recorrida C também não ocupa ilegitimamente o imóvel, na medida em que a qualquer arrendatário é permitido viver com quem quiser. E.–Quanto à segunda nulidade invocada, não há qualquer contradição quando o Tribunal, reconhecendo o direito de propriedade das Recorrentes, julga improcedente o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização, na medida em que a Recorrida D não comunicou a morte da sua mãe, e desde logo porque as Recorrentes peticionaram o pagamento de uma indemnização tão-só com fundamento na (alegada) violação do seu direito de propriedade por parte das Recorridas na medida em que (alegadamente) o ocupam ilegitimamente, sendo esta violação a casa do pedido indemnizatório. F.–Quanto à terceira nulidade invocada, também não existe qualquer contradição entre os factos 16 e 17 dados como provados e a decisão, ou seja, entre o facto da Recorrida Paula ..... ter residido com a sua mãe desde pelo menos 2003 até à morte desta e até ao presente, de forma contínua e ininterrupta, no imóvel referido e, desde data não concretamente apurada, também com a sua irmã, cunhado e sobrinho, que para ali foram residir para cuidar da Recorrida D e auxiliá-la na realização das tarefas do dia-a-dia e o facto de à Recorrida D ter sido diagnosticada esquizofrenia da qual resultou a atribuição de uma incapacidade permanente global de 70% desde 1993. G.–Com efeito, fundamentam as Recorrentes esta (alegada) contradição porque no facto 7 da sentença o Tribunal a quo deu como provado que “Eponina ..... faleceu em 24 de Março de 2011”, o que significaria que Recorrida Paula ..... cuidou sozinha da sua mãe desde 2003 até 2011, pelo que não teria qualquer limitação na execução das tarefas do seu dia a dia até à data da morte da sua mãe e, assim, qualquer incapacidade à data do falecimento desta. H.–Sucede que, na sentença recorrida, não consta como provada que a Recorrida D tenha cuidado sozinha da sua mãe desde que passou a residir com ela e até à sua morte, nem qual a exata data em que a Recorrida C, irmã da Recorrida D, foi viver com a sua família para a casa da mãe para auxiliar a sua irmã, a Recorrida D, nas tarefas do seu dia a dia. I.–Sendo que também não há qualquer contradição quando o Tribunal a quo dá como provado que a Recorrida D tinha uma incapacidade de 70% com base num atestado médico que data de 1999, o qual, na tese das Recorrentes, infirma a incapacidade para efeitos de transmissão de arrendamento, uma vez que deste atestado consta uma morada que não corresponde à do locado. J.–O que não faz qualquer sentido, já que o que tal atestado datado de 1999 demonstra é que em 2003 a Recorrida D já tinha tal incapacidade – ou seja, que já a tinha ainda antes da data que o Tribunal dá como certa a partir da qual, pelo menos, a Recorrida D passou a morar com a mãe – e, por conseguinte, que era incapaz à data em que a sua mãe faleceu, 2011, sendo que a incapacidade da Recorrida D reconhecida em 1999 não se interrompeu, mantendo-se infelizmente até hoje. K.–Quanto a todas as contradições invocadas dir-se-á, em suma, que a existência de uma oposição entre os fundamentos e a decisão se verifica apenas quando os fundamentos com base nos quais o Tribunal assente a sua decisão conduzam necessariamente a um sentido decisório diferente – o que não sucedeu na sentença recorrida. L.–Relativamente à impugnação da matéria de facto, as Recorrentes começam por dizer que o facto 4 dos factos provados não podia ter sido dado como provado sem a referência de que o signatário da carta aí indicada a enviou como mandatário da anterior proprietária do imóvel que o vendeu às Recorrentes, sob pena do conteúdo de tal facto não ser “completamente consistente” – alegação esta que, com o devido respeito, nem se percebe, já que o Tribunal a quo não deu como provado que tal carta foi enviada por aquele Ilustre Advogado como mandatário das Recorrentes. M.–Sendo que não foi produzida prova consistente no sentido de que aquela carta não foi enviada em representação das Recorrentes – e mesmo que o tivesse, relevante é o facto da Recorrente B ter confessado que, de todo o modo, não enviou qualquer comunicação à sua inquilina, informando-a da morada para a qual a mesma devia enviar a correspondência respeitante ao arrendamento (cf. as própria declarações da Recorrente B). N.–As Recorrentes vêm dizer que no ponto 5 dos factos provados devia constar que a Recorrente B só mudou a sua morada para a Rua Francisco ... ... - L____, a partir de 2005, o que também não tem qualquer razão de ser, na medida em que este ponto 5 do que trata é unicamente da carta que a mesma enviou à mãe das Recorridas, sua então inquilina, a 5 de Novembro de 2004. O.–Ao que acresce o facto de nesta carta a Recorrente B ter informado a mãe das Recorridas que “as próximas rendas com o valor atual deverão ser pagas no Banco Millennium BCP” na conta que indicou, tendo, após a sua assinatura, indicado como morada a Rua João ... Nº...-3º.- esq. -A____. P.–Mais alegam as Recorrentes que devia constar em facto autónomo que todos os aumentos de rendas comunicados à mãe das Recorridas a partir de 2007 o foram a partir da morada Rua Francisco ... ... - L____ – matéria esta que, de resto, não foi alegada na pi, tanto que, nesta parte, o que foi alegado pelas Recorrentes foi que a Recorrida C dirigiu às Recorrentes uma carta para uma morada que nunca foi usada pela Recorrente B nas suas comunicações com a mãe das Recorridas, o que não é verdade (cf. Doc. 5 da contestação). Q.–Alegam ainda as Recorrentes que do facto 8 dos factos provados deveria também constar que a Recorrida C enviou a carta nele reproduzida a título exclusivamente pessoal, só tendo reclamado o arrendamento para a sua irmã a 04 de Março de 2013 e que quando o fez a Recorrida D não era incapaz, o que, para além de não ser verdade, nem faria sentido aí prever dada a demais matéria dada como provada (cf. por exemplo, facto 11 dos factos provados). R.–Sendo de referir, mesmo em sede de conclusões, que a carta a que se reporta este facto 8, datada e enviada a 14 de Junho de 2011, corresponde precisamente à carta na qual a Recorrida C comunicou, pela primeira vez, às Recorrentes o óbito da sua mãe, que ocorreu a 24 de Março de 2011, e que dirigiu para a morada das Recorrentes de que tinha conhecimento como sendo a morada para a qual deviam ser feitas as comunicações relativas ao arrendamento e até já tinha sido utilizada pelas Recorrentes em diversas comunicações efetuadas no âmbito deste. S.–Por outro lado, a Recorrida D é reconhecidamente incapaz desde 1993, pelo que não faria sentido dizer-se que esta carta foi enviada quando a mesma era capaz – que não era. T.–Alegam também as Recorrentes que o facto 9 é manifestamente insuficiente porque nele não se diz que as Recorrentes comunicaram a atualização da renda “sem saber que o faziam em relação a alguém que já falecera 10 meses antes”, quando esta matéria é absolutamente irrelevante e, sobretudo, em face da carta remetida pela Recorrida C comunicando o óbito da Sra. D.ª Eponina ....., a 14 de Junho de 2011, que se não foi recebida pelas Recorrentes não foi por culpa das Recorridas. U.–As Recorrentes alegam ainda que da conjugação dos pontos 9 e 15 dos factos provados resulta que as Recorridas receberam a carta a que se refere o ponto 9 e a carta a que se refere o ponto 10, uma vez que, de outra forma, não teriam as Recorridas procedido à atualização das rendas, o que não faz qualquer sentido, e quanto mais não seja porque o coeficiente de atualização de rendas é publicado anualmente em Diário da República e amplamente publicitado em diversos sítios de internet, a começar pelo INE (Instituto Nacional de Estatística). V.–Tendo a própria Recorrente B dito, nas declarações que prestou, que não percebia porque é que as Recorridas tinham continuado a fazer os aumentos quando a mesma deixou de lhes comunicar qualquer aumento a partir de 2007 (cf. reprodução de parte das transcrições desta Recorrente constantes das alegações de recurso). W.–Especificamente quanto à carta a que se refere o ponto 9, as Recorridas impugnaram expressamente ter recebido tal carta – e porque efetivamente não a receberam –, pelo que cabia às Recorrentes, no âmbito das regras do ónus da prova, fazer prova de que as mesmas efetivamente receberam tal carta, o que não lograram fazer, razão pela qual, e bem, o Tribunal a quo, de forma fundamentada, deu como não provado que “a assinatura aposta no aviso de receção da carta referida em 9. foi falsificada por quem residia no locado”. X.–Relativamente à carta a que se refere o ponto 10, que as Recorridas também não receberam, o próprio registo dos CTT aposto nesta carta, quando pesquisado na procura de objetos no sítio de internet dos CTT, tem como resultado “objeto não encontrado” (cf. Doc. 1 da contestação), sendo que, de todo o modo, as Recorrentes – e após impugnação das Recorridas no que respeita à receção desta outra carta – também não lograram demonstrar que a mesma, a contrario do impugnado, tinha sido efetivamente recebida pelas Recorridas, daí que, e bem, o Tribunal a quo tenha dado como não provado que “A carta referida em 10. foi recebida pelas Rés”. Y.–Mais alegam as Recorrentes que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que a Recorrida D convidou a sua irmã – a Recorrida C –, o seu cunhado e sobrinho para residirem com ela para a auxiliarem nas tarefas do dia a dia, até porque a Recorrida D tinha estado 8 anos sozinha com a mãe a cuidar dela. Z.–Só que o Tribunal não deu como provado que a Recorrida D os convidou para residir consigo para a auxiliarem nas tarefas do dia a dia, como também não deu como provado, nem resulta da conjugação de quaisquer dos factos dados como provados ou da prova produzida, que a Recorrida D tenha estado 8 anos sozinha com a mãe a cuidar dela (cf. Factos provados em geral e em específico o facto 16). AA.–Sendo que foi a mãe das Recorridas quem cuidava da Recorrida D, tendo a dada altura necessitado do auxílio da sua outra filha – a Recorrida C – para o efeito em virtude do agravamento do seu próprio [da mãe das Recorridas] estado de saúde. BB.–Mais impugnam as Recorrentes a matéria de facto referente às obras realizadas – obras que as Recorrentes alegam ter sido de vulto, ter consistido na demolição de paredes e na alteração da tipologia e terem sido obras estruturais (cf. art. 31.º da sua pi e articulado superveniente), e, por conseguinte, que quanto a obras o Tribunal a quo não podia ter dado “unicamente” como provado que foram realizadas as obras que constam no facto 19 dos factos provados. CC.–No que concerne às obras, as Recorrentes vêm alegar que o perito designado veio dizer que o imóvel não foi alvo de obras estruturais pelas Recorridas, para além das obras realizadas em Novembro de 2014 – o que não é verdade e as Recorrentes bem sabem que não é verdade, tanto que o que o Sr. Perito veio dizer foi precisamente que não foram realizadas obras estruturais pelas Recorridas. DD.–Conjugam tal alegação com o princípio da livre apreciação da prova pericial, ou seja, no sentido em que o Tribunal a quo podia ter decidido em sentido diferente do que dela resultou, e ainda com o alegado facto do Tribunal a quo ter decidido esta matéria com base unicamente na prova pericial, o que, e embora o pudesse ter feito, não é verdade, tanto que consta da sentença recorrida precisamente que relativamente ao facto descrito em 19, atendeu também aos depoimentos das testemunhas Luís ..... e Luís ....., tendo sido este último quem realizou a obra no locado em 2014 (obra que consistiu na reparação do estuque do teto do hall de entrada que se encontrava abaulado e em risco de cair) – quanto às obras efetuadas cf. também o depoimento da testemunha Diogo ..... . EE.–A propósito das obras efetuada cf. ainda o depoimento da mãe das Recorrentes que veio dizer que em 2004 a sua casa estava ótima e que a mesma não sofreu quase obras nenhumas desde que as Recorrentes adquiriram o prédio em 2014, o que faz mesmo apesar do relatório que uma das Recorrentes apresentou na candidatura ao programa RECRIA descrever um grave estado de deterioração da casa da sua (a este propósito cf. também os autos de vistoria realizados pela Câmara Municipal de Lisboa em 2005 e 2006). FF.–Quanto à matéria relacionada com as obras que o Tribunal a quo deu como não provada, as Recorrentes vêm socorrer-se do relatório que elas próprias juntaram no seu articulado superveniente (relatório de fls. 183), relatório este elaborado a seu pedido, dizendo que do mesmo resulta que as patologias encontradas no andar que se situa por cima do locado têm a ver com uma deformação da estrutura do pavimento que terá tido a ver com alterações realizadas no locado – o que também não é verdade, tanto que aí se pode ler “suspeita-se que estas deformações tenham origem em alterações realizadas no piso inferior, ou seja, …”. GG.–Sendo que o autor deste relatório no depoimento que prestou como testemunha, na audiência de julgamento, não afirmou que as fendas e fissuras resultam de obras realizadas no piso inferior, mas sim que tal lhe foi dito pela proprietária, sendo que quando esta testemunha prestou depoimento não foi capaz de manter o teor do seu próprio relatório, como também não confirmou que a deformação da estrutura do pavimento do andar que se situa por cima do locado teve como causa alguma intervenção no locado. HH.–Já o Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, a propósito da perícia que realizou ao locado e, numa segunda fase, apenas ao teto do quarto Norte localizado no Piso 1 do locado, de onde as Recorrentes a dada altura dizem que as Recorridas removeram uma viga, e do Relatório Pericial que elaborou, esclareceu que não houve obras estruturais no locado e que as únicas obras recentes seriam pinturas, pequenas reparações e um teto falso, no vestíbulo logo à entrada do locado, que não tinha quaisquer consequências na estrutura do prédio. II.–Relativamente ao teto falso do quarto do Piso 1 do locado, o Sr. Perito mais esclareceu que o mesmo não tinha sido alterado recentemente, até porque constatou que é um teto falso antigo, dizendo ainda que nos últimos 40 ou 50 anos não houve obras de fundo no locado. JJ.–Quanto ao depoimento prestado pelo Senhor Isidro ....., do qual as Recorrentes sustentam ter resultado demonstrado que foram realizadas obras estruturais no locado, que até não resultou, a verdade é que, nesta parte, as Recorrentes até acabaram por prescindir deste depoimento e também porque esta testemunha se trata do empreiteiro que por indicação das Recorrentes – indicação que as Recorridas numa posição de boa-fé aceitaram para evitar mais delongas do processo – se limitou a abrir os buracos no teto do quarto norte do Piso 1 do locado para que o Sr. Perito realizasse a perícia. KK.–Entretanto, mais à frente, no seu recurso, as Recorrentes retomam a questão da transmissão do contrato de arrendamento por óbito da mãe das Recorridas e fundamentam a não ocorrência desta transmissão no facto de só terem tido conhecimento do falecimento da Sra. D.ª Eponina ....., mãe das Recorridas, no facto da Recorrente B, a partir de 2007, ter passado a ter outra morada, no facto da Recorrida D não ter uma incapacidade à data da morte da mãe e no facto da mesma não ter residido com o primitivo arrendatário e também não requerido para si o arrendamento. LL.–Primeiro, a data do conhecimento da data da morte por parte das Recorrentes ou o facto de uma delas ter mudado de morada a dada altura são absolutamente irrelevantes no que respeita à transmissão do arrendamento, sendo que a Recorrida C comunicou o óbito da sua mãe às Recorrentes em Junho de 2011, por carta remetida para a morada das Recorrentes de que tinha conhecimento, sendo que as Recorrentes nunca comunicaram à mãe das Recorridas a morada para a qual a mesma, enquanto inquilina, devia passar a endereçar comunicações – nem antes ou depois da Recorrente B ter alterado a sua morada. MM.–Quanto à incapacidade em si, e como já referido, a Recorrida D tem uma incapacidade reconhecida em 70%, que lhe foi atribuída em consequência da esquizofrenia diagnosticada de que padece há já muitos anos, e logo num atestado de 1999 e desde 1993 – o que na tese das Recorrentes não significa que fosse certo que a Recorrida D tivesse tal incapacidade à data da morte da sua mãe, quando tal incapacidade é permanente e global e, no caso, resulta de uma doença que não tem cura. NN.–Sendo que o Tribunal a quo no que concerne à factualidade descrita em 11. a 13., 17. e 18, que inclui precisamente a incapacidade da Recorrida D, “considerou o teor das cartas, sobrescritos e aviso de receção de fls. 12 verso a 16, documentos que não foram impugnados, o teor de fls. 56 verso e o certificado de incapacidade junto aos autos de fls. 547 verso” e que “não só destes últimos documentos resulta manifesto a doença de que padece a 2.ª Ré, como também do relatório de fls. 16 verso, sendo que tal diagnóstico também é confirmado pela mãe da Ré na carta de fls. 57 e pelos depoimentos das testemunhas Rogério ....., Luís ..... e Diogo ....., respetivamente, irmão das Rés, marido e filho da 1.ª Ré, e da testemunha Abílio ....., vizinho das Rés, que administra à 2.ª Ré as injeções receitadas por força da doença de que padece, que, nesta parte, prestaram depoimentos seguros e convictos”. OO.–Por outro lado, as Recorrentes vêm também dizer que, mesmo em face da matéria dada como provada, o Tribunal a quo devia ter reconhecido que com a morte da Sra. D.ª Eponina ....., a 24 de Março de 2011, o contrato de arrendamento cessou por não ter resultado provado que a Recorrente viveu com o primitivo arrendatário há mais de um ano e inclusivamente que o atestado de incapacidade que data de 1999 é prova disso mesmo porque nele se previa outra morada diferente da do locado – a tal Rua do ... . PP.–Mas o que resultou provado foi que a mesma reside no locado desde pelo menos 2003, e não somente desde 2003, sendo que aquela morada era a morada onde a Recorrida viveu antes de ir morar com a sua mãe em 1990 e continuou a ser a morada do pai das Recorridas, de quem a mãe das Recorridas se separou antes de ir viver com o primitivo arrendatário para o imóvel sito no Largo Santa ... ...-L____. QQ.–Ter a Recorrida D vivido com o primitivo arrendatário é, segundo as Recorrentes, condição necessária para a transmissão do arrendamento nos termos do n.º 4 do art. 57.º do NRAU em vigor à data da morte da mãe das Recorridas, mas não é – não há na lei aplicável qualquer disposição que permita assim considerá-lo. RR.–Com efeito, e no que respeita à transmissão do arrendamento do falecido primitivo arrendatário para a sua cônjuge, Sra. D.ª Eponina ....., a mesma ocorreu em virtude do disposto do então em vigor RAU e no que respeita à transmissão do arrendamento da falecida Sra. D.ª Eponina ..... para a sua filha, enteada do primitivo arrendatário e aqui Recorrida D, a norma aplicável é o art. 57.º do NRAU na sua redação em vigor à data do falecimento da mãe das Recorridas – ou seja, à data de 24 de Março de 2011. SS.–E desta norma o que resulta é que a transmissão do arrendamento a favor da Recorrida D operou por força do disposto no n.º 4 deste normativo, que permitia uma segunda transmissão do arrendamento a enteada do primitivo arrendatário, após primeira transmissão do arrendamento para o cônjuge deste nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 57.º, se a mesma tivesse uma incapacidade superior a 60% – precisamente o caso da Recorrida D. TT.–Seja neste n.º 4 ou noutro dispositivo legal então em vigor não se exigia como condição necessária para a segunda transmissão que o transmissário nesta transmissão tivesse também vivido com o primitivo arrendatário. UU.–Aliás, a função do n.º 4 do art. 57.º do NRAU da sua redação em vigor à data da morte da mãe das Recorridas era precisamente a de permitir uma segunda transmissão do arrendamento nos casos aí previstos – precisamente o caso da Recorrida D. VV.–Seja como for, sempre resultou da prova produzida que, em bom rigor, a Recorrida D vive no locado desde 1990 – aliás, é a própria mãe das Recorrentes a primeira a dizer que a Recorrida D viveu lá desde sempre. WW.–Sendo que a testemunha Abílio ....., vizinho das Recorridas e da mãe das Recorrentes, disse muito claramente que a Recorrida D já morava no locado precisamente quando o primitivo arrendatário ainda era vivo – e que faleceu em 1997 – e que a testemunha Albano ....., também vizinho das Recorridas e da mãe das Recorrentes, disse que a Recorrida D já morava no locado há mais de 30 anos. XX.–No mesmo sentido depôs a testemunha Rogério ...., irmão das Recorridas, que esclareceu a questão referente à Rua do P...., explicando que essa era a morada onde vivia atualmente e a morada para a qual foram viver quando vieram de Angola e ainda a morada na qual o seu pai (e pai das Recorridas) ficou a residir, pelo que é perfeitamente normal que no referido atestado de 1997 ainda apareça como sua morada a Rua do P...., sendo que esta testemunha também garantiu que a Recorrida D foi viver com a mãe e com o primitivo arrendatário para o locado há mais de 30 anos. YY.–Quanto à defendida e pretendida cessação do contrato em virtude da Recorrente D (de acordo com a matéria dada como provada) por esta não ter requerido o arrendamento, também não há na lei aplicável qualquer disposição que permita assim considerá-lo, tanto que o direito ao arrendamento não depende de qualquer ato; basta a ocorrência da morte e o preenchimento da situação de facto que permite a transmissão do arrendamento para que a transmissão opere e porque a mesma opera ope legis. ZZ.–Quanto ao alegado erro do Tribunal a quo por, não obstante a transmissão, não ter reconhecido e condenado as Recorridas a pagar uma indemnização às Recorrentes pelo (alegado) facto das mesmas não terem comunicado em prazo a morte da sua mãe, tal erro não se verifica porque as Recorridas comunicaram o óbito da sua mãe às Recorrentes (cf. facto 8 dos factos provados) e porque, mesmo que não o tivessem feito, a sua condenação no pagamento de uma indemnização por tal omissão implicaria que as Recorrentes tivessem peticionado o pagamento da mesma com este fundamento, bem como alegado e demonstrado eventuais danos que uma tal não comunicação lhes tivesse provocado – o que não fizeram, tal como bem aponta a sentença recorrida. AAA.–Quanto ao alegado erro do Tribunal a quo por não ter reconhecido ser devido o montante da diferença entre as rendas depositadas e o que seriam as rendas devidas, é aplicável o mesmo raciocínio, ou seja, teriam as Recorrentes de peticionar indemnização com uma tal causa de pedir. BBB.–As Recorrentes peticionaram o pagamento de uma indemnização, sim, mas fizeram-no exclusivamente com fundamento na violação do seu direito de propriedade e que na sentença recorrida o Tribunal a quo entendeu não ter ficado demonstrada na medida em que houve transmissão do arrendamento para a Recorrida D. CCC.–Quanto ao alegado erro pelo facto do Tribunal a quo não ter concluído que as própria obras realizadas descritas no facto 19 da sentença são, ainda assim, fundamento de resolução por não terem sido comunicadas nem autorizadas pelas Recorrentes, tal erro não se verifica. DDD.–Com efeito, para que um senhorio possa resolver com justa causa o contrato de arrendamento, é necessário que haja um incumprimento (ar. 1083.º, n.º 1 do Código Civil) e que esse incumprimento “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” (cf. 1.ª parte do n.º 2 do mesmo art. 1083.º do Código Civil). EEE.–Sendo que as obras executadas se trataram de obras de reparação e, dir-se-á, urgentes na medida em que o teto falso intervencionado estava abaulado e em risco de cair, pelo que a sua realização não foi um ato que se possa considerar grave e muito menos que tenha tido consequências. FFF.–Daí que na sentença recorrida o Tribunal a quo tenha julgado, e bem, que, tais obras, apesar de não consentidas nem autorizadas, nem terem sido comunicadas, não assumem gravidade que permita concluir pela inexigibilidade ao senhorio de manter o contrato de arrendamento, e tanto mais quando as Recorrentes, para fundamentar o pedido de resolução, invocaram a realização de obras estruturais, com alteração de tipologia, o que não resultou provado. GGG.–Por outro lado, não têm tais obras qualquer caracter inovatório – são tão-só obras de reparação no âmbito das quais foi reparada uma parte do teto falso do hall da entrada do locado que se encontrava abaulada. HHH.–Assim sendo, quanto a custas, em face do demais, o Tribunal a quo tinha mesmo de condenar as Recorrentes em custas.
Pedem assim que a sentença recorrida seja confirmada, por não merecer qualquer censura, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente.
O tribunal a quo, ao admitir o recurso e em cumprimento do Art. 617.º n.º 1 do C.P.C., pronunciando-se sobre as arguidas nulidades da sentença recorrida, deixou consignado o seguinte: «Cumpre proferir despacho nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 641.º do mesmo diploma. «Invocam as recorrentes que a sentença é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão. «Sustentam as recorrentes que peticionaram o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel sito no Largo Santa ... ... n.º ...-L_____, e a condenação das Rés a pagar, a título de indemnização, a quantia de 2000,00 € por mês, pelo que, reconhecendo o tribunal, na fundamentação, que ficou demonstrado que as Autoras são titulares do direito de propriedade do prédio reivindicado, não poderia o tribunal julgar, em sede de dispositivo, a ação como totalmente improcedente, assim como não poderia julgar improcedente o pedido de indemnização, uma vez que, resultando do ponto 7 dos factos provados que a arrendatária transmissária Eponina ..... falecera a 24 de Março de 2011, e independentemente de, segundo as recorrentes não haver direito à transmissão do arrendamento, o certo é que a transmissão, a existir, implicava o estabelecimento de uma nova renda, em função do valor tributário da fração, impondo-se que o tribunal julgasse procedente o pedido de indemnização. «Ora, sendo certo que as ora recorrentes formularam o pedido de reconhecimento da propriedade do imóvel em causa nos autos e que o tribunal considerou que ficou demonstrada a titularidade do direito de propriedade sobre tal imóvel, com base no registo, como resulta da fundamentação da sentença, julga-se, salvo melhor opinião, que tal pedido não tem autonomia para que se considere a ação como parcialmente procedente. Com efeito, com base no artigo 1311.º do Código Civil, a doutrina e jurisprudência maioritárias vêm afirmando que se exige que o Autor formule dois pedidos, o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição, quando em causa está uma ação de reivindicação. Contudo, julga-se que em situações como a presente, em que não há litígio quanto à propriedade do imóvel, a finalidade da ação é a restituição do objeto do direito de propriedade, ou seja, a pretensão condenatória. Assim, como refere o Professor José Oliveira Ascensão(in Artigo Doutrinário Ação de Reivindicação, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57, Abril de 1997, (537-540), págs. 520 e 540), em situações como a presente, em que não é discutido o direito de propriedade, “a reivindicação é uma ação de condenação fundada em razões absolutas”, onde “a pretensão real é a da entrega; a propriedade intervém para justificar as razões absolutas”, pois que “quem invoca a propriedade para reivindicar de quem não se pretende proprietário, não está a querelar sobre a propriedade”. Veja-se que entendimento contrário levaria à conclusão de que sempre que o proprietário/senhorio pretendesse, com base na caducidade do contrato por óbito do arrendatário, obter a entrega do locado de quem se arroga transmissário do arrendamento, ainda que reconhecendo este a qualidade de proprietário do senhorio, veria sempre proceder parcialmente o seu pedido, independentemente de obter ou não a finalidade por si pretendida, e o Réu decairia sempre parcialmente. Sendo este o entendimento do tribunal julga-se não padecer a sentença da nulidade arguida. «Já quanto à invocada nulidade respeitante à improcedência do pedido de indemnização, salvo o devido respeito, a indemnização peticionada assenta na ocupação indevida e não na falta de pagamento de renda atualizada ou no ressarcimento dos danos “derivados da omissão de não ter requerido novo arrendamento”, razão pela qual se considera, igualmente, não padecer a sentença da aludida nulidade».
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II–QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5.º n.º 3 do C.P.C.). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a)-A nulidade da sentença recorrida; b)-A impugnação da matéria de facto; c)-A reivindicação e a caducidade do contrato de arrendamento que tinha por objeto o imóvel reivindicado; d)-A transmissão do direito ao arrendamento para a 2.ª R.; e)-O direito a indemnização pela a sua ocupação ilícita e pelo atraso na restituição do imóvel reivindicado; f)-A resolução do contrato de arrendamento fundada na ilicitude das obras realizadas no locado; e g)-As custas do processo.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.– Está registada a favor das A.A. aquisição da propriedade sobre o prédio urbano sito no Largo Santa ... ... n.º ...-L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o número ... da freguesia de Santa ... ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..., pela Ap. 27 de 12.12.2005. 2.–Em 2 de Julho 1975, foi dado de arrendamento a Maurício ....., para habitação, o imóvel referido em 1. 3.–Aquando da aquisição pelas A.A. do imóvel referido em 1. este estava arrendado a Eponina ....., que havia sucedido no direito ao arrendamento, por óbito do seu falecido marido, Maurício ....., ocorrido em 1 de junho de 1997. 4.–Por carta datada de 2 de Novembro de 2004, junta a fls. 55, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o Senhor Advogado Miguel ... ... comunicou a Eponina ..... o seguinte: “Para os devidos efeitos, nomeadamente para futuros contactos relativamente ao imóvel em epígrafe, cumpre-me informar que por escritura de 28 de Outubro de 2004 (…) a Senhora D. Muazzez ..... vendeu o imóvel (…) à Sr.ª Arq. Iria ....., residente na Travessa de ... ..., n.º ..., 3.º - L____ e Senhora Eng. ..... Oliveira, residente na Rua João ..., n.º ...- 3.º esq, - A_____, devendo dirigir a estas todos os assuntos que digam respeito ao prédio”. 5.–Por carta datada de 5 de Novembro de 2004, junta a fls. 55 verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido, dirigida a Eponina ....., a. B informou que “as próximas rendas com o valor atual deverão ser pagas no Banco Millennium BCP” na conta que indicou, tendo, após a sua assinatura, indicado a morada “Rua João ...-Nº...-3º- esq. -...-...-A_____”. 6.–No recibo emitido pelas A.A. quanto à renda Março de 2005 consta a morada “Rua João ...-Nº...-3º- esq.-...-...-A_____”. 7.–Eponina ..... faleceu em 24 de março de 2011. 8.–A 1.ª R. enviou a carta, datada de 14 de Junho de 2011, junta a fls. 132, cujo teor se dá aqui por reproduzido, para a Rua João ..., N.º...- 3.º- Esq -A____, contendo em anexo a certidão do assento de óbito de Eponina ....., que veio devolvida, da qual consta o seguinte: “Nos termos e para os efeitos do art. 1106 do Código Civil, comunica-se a V. Exas. a morte da Senhora D. Eponina da ..... (…) conforme cópia da certidão de óbito que anexo. Mais se informa que é transmissária do direito ao arrendamento, a filha que com ela residia em economia comum há mais de dezoito anos, C, casada (…) solicitando que os recibos de renda sejam a partir da presente data passados em seu nome.” 9.–Por carta registada, com aviso de receção, de 19 de janeiro de 2012, as A.A. comunicaram à atualização da renda, constando do aviso de receção que a carta foi entregue ao destinatário e tendo sido aposto no campo “nome legível” o nome de Eponina ..... . 10.–As A.A. enviaram a Eponina ..... a carta, datada de 30 de novembro de 2012, junta a fls. 11, cujo teor se dá aqui por reproduzido, com o registo RC828716424PT, a comunicar a atualização da renda referente ao mês de fevereiro para a quantia de 212,00€. 11.–A 1.ª R. enviou, em 4 de Janeiro de 2013, às A.A., a carta, datada de 3 de Janeiro de 2012, junta a fls. 12 verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido, para a Rua João ..., N.º...- 3.º- Esq - A____, que foi recebida pelas A.A., acusando a receção do aviso para levantamento da carta com o registo n.º RC828716424PT, da qual consta o seguinte: “Conforme informado através de carta expedida em Junho de 2011, para a morada constante do contrato – única que tenho conhecimento – e devolvida por V. Exa., a Senhora D. Eponina ..... já faleceu (cfr. cópia da frente e do verso do envelope de registo que se junta). Na referida missiva, no prazo legal e nos termos e para os efeitos do artigo 1106 do Código Civil, comuniquei a morte, juntei cópia de certidão de óbito e adverti quem na qualidade de filha, que com ela residia em economia comum há mais de um ano, seria a transmissária do direito ao arrendamento, devendo os recibos de renda ser passados em meu nome (…)”. 12.–Por carta datada de 21 de Janeiro de 2013, enviada pelo mandatário das A.A. à 1.ª R., junta a fls. 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido, que foi recebida, aquelas comunicaram o seguinte: “V. Exa já tem conhecimento há bem mais de um ano e meio que o arrendamento terminou com a morte da Senhora D. Eponina ....., porquanto já tinha havido uma transmissão do arrendatário inicial, Arq. Maurício ..... Assim, V. Exa, deverá entregar imediatamente o andar que está ilegalmente na posse de V. Exa., causando prejuízos diários às Senhorias (…) Assim, caso V. Exa. não entregue as chaves até ao final do corrente mês, seremos forçados a promover o despejo imediato, sem prejuízo da indemnização diária de 100,00€ por utilização abusiva, descontada das quantias por V. Exa. entregues no Millennium BCP a título de “renda Largo Santa ... ... - N.º ...1”-L_____”. 13.–Por carta datada de 24 de janeiro de 2013, junta a fls. 13, cujo teor se dá aqui por reproduzido, a 1.ª R. enviou ao mandatário das A.A. cópias frente e verso da carta de 14 de junho de 2011, a que fez menção na carta referida em 11. 14.–A 1.ª R., através do seu advogado, reclamou a transmissão do arrendamento para a 2.ª R., alegando ser esta portadora de incapacidade total para o trabalho, tendo exibido o relatório médico junto a fls. 16 verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido, datado de 4 de Março de 2013, do qual consta: “D (…) com diagnóstico de Psicose Esquizofrénica do tipo paranoide, fase residual (…) Trata-se de um quadro psicopatológico, de evolução crónica e incapacitante, que obriga a tratamento continuado (…) Tem também já passado um atestado médico multiusos datado de 1999 em que lhe foi atribuída uma desvalorização de 0,70 pela mesma patologia (…) pensamos que o quadro se enquadra no Grau V – Perturbações funcionais muito graves, envolvendo uma importante regressão da personalidade e profunda modificação dos padrões de comportamento, que prevê um quociente de desvalorização entre 0,61-0,95. Pelo que é nossa opinião de que deve manter a desvalorização atribuída de 0,70”. 15.–O valor das rendas tem vindo a ser depositado na conta das A.A.. 16.–Desde pelo menos 2003 até ao presente que a 2.ª R., D, reside de forma contínua e ininterrupta no imóvel referido em 1., tendo aí residido com a sua mãe até ao óbito desta e, desde data não concretamente apurada, com a sua irmã, cunhado e sobrinho, que para ali foram residir para cuidar da 2.ª R. e auxiliá-la na realização das tarefas do dia-a-dia. 17.–À 2.ª R. foi diagnosticada esquizofrenia paranoide e, em 14 de janeiro de 1999, foi passado um atestado médico de incapacidade multiuso, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente global de 70% desde 1993. 18.–Em 18 de Outubro de 2012, foi considerado pela Junta da Caixa Geral de Aposentações que a 2.ª R. sofria de incapacidade permanente e total para o trabalho, por esquizofrenia paranoide grave. 19.–Em novembro de 2014, as R.R. mandaram realizar uma intervenção no estuque do teto da casa, que se apresentava abaulado, podendo cair e provocar danos físicos em quem habitava o imóvel, da qual não deram conhecimento às A.A.. 20.–O valor médio das rendas habitacionais, no mercado tradicional de arrendamento, de um imóvel como o referido em 1., considerando a sua localização, a tipologia T3, duplex e a vista que dispõe sobre a cidade, ronda os 1.800,00€ mensais.
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Foram ainda julgados por não provados os seguintes factos: 1.º-A carta referida em 10. foi recebida pelas Rés; 2.º-A 2.ª Ré reside no imóvel referido em 1. desde 1990 e a 1.ª Ré desde 1992; 3.º-A assinatura aposta no aviso de receção da carta referida em 9. foi falsificada por quem residia no locado; 4.º-No mês de novembro de 2014, as R.R. demoliram paredes do imóvel referido em 1. e alteraram a sua tipologia; 5.º-Para além do relatório médico referido em 14., as R.R. enviaram às A.A. outros relatórios médicos e o auto de junta médica mencionado em 17.; 6.º-As fissuras nas paredes e teto do andar de cima do habitado pelas R.R., bem como o afastamento do rodapé em relação ao soalho e as infiltrações de águas pluviais juntas à chaminé resultaram das obras realizadas pelas R.R. no imóvel referido em 1., que implicaram uma alteração da estrutura do prédio e colocaram em causa a segurança do mesmo, podendo mesmo ocasionar o seu colapso.
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Tudo visto, cumpre apreciar.
IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.
1.–Da nulidade da sentença recorrida.
A primeira questão suscitada pelas recorrentes está relacionada com a invalidade da sentença de que recorrem, o que se desdobra em três subargumentos, de natureza diversa, que importa apreciar individualmente. 1.1.-Da nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos quanto ao pedido de reivindicação.
Vêm as Recorrentes sustentar que a sentença seria nula, porque foi pedido o reconhecimento do direito de propriedade das A.A. sobre o imóvel, sendo que a ação foi julgada por improcedente, apesar de dar por provado que as mesmas são titulares do direito de propriedade do prédio identificado nestes autos. Em suma, concluem as Recorrentes, que a sentença seria nula, nos termos do Art. 615º n.º 1 al. c) do C.P.C., por haver oposição entre os fundamentos e a decisão.
As Recorridas vieram sustentar que não se verifica essa nulidade, porquanto numa ação de reivindicação o pedido de reconhecimento do direito de propriedade não goza de autonomia relativamente ao de restituição da coisa, sendo que no caso não poderia a ação de reivindicação proceder porquanto o direito ao arrendamento transmitiu-se para a 2.ª R., nos termos do Art. 57.º do NRAU, na versão então vigente, por ser filha da anterior arrendatária, que com ela viva há mais de um ano, com um grau de deficiência comprovado superior a 60%.
O Tribunal a quo, como vimos, ao abrigo do Art. 617.º n.º 1 do C.P.C., também sustentou que não se verificava essa alegada nulidade, com argumentos semelhantes aos expostos pelas Recorridas.
Apreciando, diremos que nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C. a sentença é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Como todas nulidades previstas nesse preceito, trata-se de vício meramente formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Ora, efetivamente, numa sentença, não pode haver contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, mas para tal vício se verificar é necessário que o julgador tenha seguido determinada linha de raciocínio, que aponta para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente (cfr. Ac.s do S.T.J. de 13.2.97 – Relator: Nascimento Costa, in BMJ nº 464, pág. 524 e de 22/6/12999 – Relator: Ferreira Ramos, in C.J. Tomo – II, pág. 160; e do T.R.C. de 11/1/1994 – Relator: Cardoso Albuquerque, in BMJ n.º 433, pág. 633).
Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio, mas decide em colisão com tais pressupostos.
A nulidade em questão ocorre quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que se vem a decidir e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados, ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente (cfr. Ac. do T.R.P. de 2.5.2016 – Relator: Correia Pinto, Proc. n.º 1556/14, consultável no sítio www.dgsi.pt).
Realidade distinta desta é, portanto, o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, pois o que existe então é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (cfr. Lebre de Freitas in “A Ação Declarativa Comum”, 2000, pág. 298). Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (cfr. Ac. do S.T.J. de 8/3/2001 – Relator: Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt).
Na explicitação circunstanciada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2016 (Relator: Tomé Gomes – Proc. n.º 1364/06):
«(…) quanto à oposição entre a fundamentação e a decisão, importa ter presente o disposto no artigo 607.º, n.º 3, parte final, do CPC, segundo o qual o juiz deverá concluir pela decisão final, o que se reconduz, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre: a base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável - a dita premissa maior; a factualidade dada como provada – a dita premissa menor; e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.
«Entre tais premissas e conclusão deve existir, portanto, um nexo lógico que permita, no limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa relação de recíproca exclusão lógica. Com efeito, sobre dois termos excludentes nem tão pouco é viável formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de uma relação de mera inconcludência, sobre a qual é possível formular um juízo de demérito.
«Assim, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizere desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da ação».
No caso concreto é evidente que não se verificou qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, quando se julgou a ação de reivindicação totalmente improcedente, apesar de se ter dado por provado que as A.A. eram proprietárias do imóvel reivindicado.
Explicitando melhor esta conclusão, há que ter em consideração o que estabelece o Art. 1311.º do C.C., que regula a “ação de reivindicação”. Aí se pode ler que: «1.- O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2.- Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
Da literalidade do preceito parece resultar que a ação de reivindicação comporta dois pedidos. Nesse sentido, conforme referiam Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2.ª Ed., revista e atualizada, págs. 113): «São dois os pedidos que integram e caraterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n.º 1, se preenche o esquema da ação de reivindicação». Esclarecendo mais há frente que: «Não há, pois ação de reivindicação, que é uma ação condenatória e não de simples apreciação ou declaração, se o autor (…) se limita a pedir o reconhecimento do direito de propriedade». Tal como «Também não há reivindicação, se o autor pede a entrega da coisa, não por ser proprietário dela». Embora estes autores admitam que se for pedida a entrega da coisa, no pressuposto de haver titularidade do direito de propriedade, pode interpretar-se que o pedido do reconhecimento do direito de propriedade do autor da ação está implícito e, portanto, estamos perante uma ação de reivindicação, tal como estabelecida no Art. 1311.º do C.C..
Ainda assim é doutrinalmente discutível se é possível cindir esses dois pedidos em pretensões verdadeiramente autónomas, nomeadamente quando não se discute sequer o reconhecimento do direito de propriedade dos A.A., mas se ponha em causa apenas a condenação das R.R. na entrega da coisa reivindicada, como era o caso dos autos.
Nestes casos, por exemplo, Luís Menezes Leitão (in “Direitos Reais”, 8.ª Ed., pág. 234) parece ser defensor dessa cindibilidade, quando sustenta que: «Uma vez demonstrada a titularidade do direito real (…) a recusa da restituição ocorrerá sempre que o possuidor ou detentor for titular de um direito que legitime essa posse ou detenção, designadamente um direito real ou pessoal de gozo relativo à coisa. Nesse caso, o tribunal limitar-se-á a condenar o réu a reconhecer o direito do autor, não ordenando a consequente restituição da coisa».
Ao contrário, José Alberto Vieira (in “Direitos Reais”, 2.ª Ed., pág. 434), sustenta que: «a ação de reivindicação não tem dois pedidos: o reconhecimento do direito de propriedade e a entrega da coisa. A ação de reivindicação tem um pedido principal: a entrega da coisa. Simplesmente, como a titularidade do direito real de gozo representa um fundamento de procedência da ação, o reivindicante tem de fazer prova do mesmo. / Isto não equivale, porém, a dizer que o reivindicante tenha de deduzir um pedido autónomo de reconhecimento do direito, e cumulá-lo com o pedido de entrega da coisa. Basta fazer este último. A finalidade da ação de reivindicação não se encontra na apreciação judicial da existência do direito do reivindicante, mas na condenação do réu na entrega da coisa» (Neste sentido, vai também Oliveira Ascensão in “Direito Civil – Reais”, 5.ª Ed., 2000, pág. 428 e ss. e no texto citado pelo Tribunal a quo - Artigo Doutrinário “Ação de Reivindicação”, ROA, Ano 57, Abril de 1997, (537-540), págs. 520 e 540).
Rui Pinto Duarte (in “Curso de Direitos Reais”, 2.ª Ed. Revista e aumentada, pág. 65) também carateriza a ação de reivindicação pelo pedido principal, que é o de restituição da coisa, mas o fundamento desse pedido é a titularidade da propriedade.
Já Carvalho Fernandes (in “Lições de Direitos Reais”, 3.ª Ed. atualizada e aumentada, pág. 260) inverte o raciocínio atrás exposto, sustentado que: «relativamente à conformação do pedido a dirigir ao tribunal, pode dizer-se que há um ponto principal e outro secundário. O principal é o do reconhecimento da titularidade do direito; e secundário, o de restituição da coisa reivindicada. Na verdade, a condenação do réu na restituição da coisa constitui, na própria letra da lei, uma consequência da procedência daquele pedido. Assim se explica o regime do n.º 2 do art.º 1311.º, segundo o qual, sendo reconhecido o direito, «a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
Portanto, como se vê por esta pequena amostra, a questão é tudo menos isenta de controvérsia. Seja como for, o ponto central do recurso, nesta parte, é o de saber se há contradição entre a decisão final, de improcedência total da ação de reivindicação, quando está provado que as A.A. eram as proprietárias do imóvel reivindicado. Ora, em termos de vício formal da sentença, tal como o mesmo é previsto no Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C., é evidente que ele não existe, pois o que há é a assunção no ato decisório dum determinado posicionamento doutrinário considerado sobre esta matéria.
Não se pode dizer que há contradição entre a decisão e os factos que lhe servem de fundamento, quando a decisão se encontra devidamente fundamentada na parte da doutrina que sustenta que a tese segundo a qual: improcedendo o pedido de entrega da coisa, improcede necessariamente a ação de reivindicação, o que conduz à absolvição das R.R. de todos os pedidos contra si formulados.
Neste contexto, não há nenhum erro lógico-discursivo. Há uma mera expressão dum posicionamento doutrinário, discutível, com o qual se pode concordar ou não, mas do qual não se pode dizer que formalmente enferme a sentença de nulidade, no sentido pressuposto pelo Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C..
Quando muito haverá erro de julgamento, que pode levar a revogação da sentença, mas não vício configurável como nulidade, o que é fundamento bastante para julgarmos improcedentes as conclusões que sustentam o contrário do exposto.
1.2.–Da nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos quanto ao pedido de indemnização.
As Recorrentes sustentam ainda a nulidade da sentença quanto ao julgamento da improcedência do pedido de indemnização por si formulado, porquanto no ponto 7 dos factos provados consta que a arrendatária transmissária, Eponina ....., já havia falecido a 24 de março de 2011, o que sempre implicaria o estabelecimento de uma nova renda, em função do valor tributário da fração. Pelo que, também neste caso, haveria oposição entre os fundamentos e a decisão, o que determinaria a nulidade da sentença, nos termos do Art. 615º n.º 1 al. c) do C.P.C..
As Recorridas defenderam que também este vício não se verifica, porquanto as Recorrentes nunca peticionaram a fixação duma nova renda, pedindo apenas uma indemnização por ocupação ilícita do locado, a qual, por não se verificar, necessariamente conduziria à improcedência do pedido indemnizatório efetivamente formulado.
Igual posicionamento foi expresso pelo Tribunal a quo,quando proferiu despacho ao abrigo do Art. 617.º n.º 1 do C.P.C..
Apreciando, diremos que o enquadramento legal e doutrinário em consideração é precisamente o mesmo que anteriormente expusemos, sendo que no que tange à questão da alegada nulidade, na vertente do alegado direito a indemnização relativo a uma nova renda a cargo das R.R., de facto temos de reconhecer que as A.A., na sua petição inicial, pedem apenas uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação (ilícita) do imóvel pelas R.R., prejuízos esses que resultariam da possibilidade de obter um rendimento se pudessem arrendar essa casa a terceiros (cfr. artigos 25.º a 27.º da petição inicial), acrescida duma sanção pecuniária diária de €66,00 por cada dia de atraso na restituição da coisa (cfr. artigo 28.º da petição). No final, são apenas esses os pedidos indemnizatórios formulados, nada se dizendo sobre eventuais outras indemnizações derivadas de alegado direito a novo arrendamento, ou direito à fixação duma nova renda a cargo de qualquer uma das R.R..
Dito doutro modo, as Recorrentes acharam uma contradição relativamente a uma omissão de decisão que deveria ter por fundamento uma causa de pedir que não alegaram e um pedido que não formularam. Logo, a sentença não tinha motivo algum para se debruçar sobre essa hipotética pretensão, tendo em atenção o disposto no Art. 608.º n.º 2, 1.ª parte, e Art. 609.º n.º 1, ambos do C.P.C..
Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, só poderemos concluir que não pode proceder este fundamento de invalidade da sentença recorrida.
1.3.–Da contradição referente aos factos provados e provas.
Numa outra vertente, as Recorrentes vêm ainda invocar a nulidade da sentença por alegadas contradições relativas à própria matéria de facto, o que fazem de forma verdadeiramente confusa e de difícil compreensão.
Assim, realçam que no ponto 16 dos factos provados é definido que desde pelo menos 2003 até ao presente a R., D, residia no arrendado com sua mãe, e no ponto 17 dá-se por provado ter que a mesma uma incapacidade permanente global de 70% desde 1993. No entanto, no ponto 7 da matéria de prova, esclarece-se que Eponina ..... (mãe da 2.ª R.) faleceu a 24 de março de 2011 e, de acordo com o que consta do ponto 16 dos factos provados, a “segunda recorrente” (julgamos que há aqui lapso, pois parece que se pretende referir à 2.ª R.) terá solicitado que sua irmã e a respetiva família fossem viver com ela e auxiliá-la nas tarefas diárias, o que está em contradição com o que consta a certidão de óbito da referida D. Eponina ..... (cfr. fls. 136), pela qual se prova que a mesma senhora faleceu em 2011 com 74 anos de idade. Ou seja, a “segunda recorrente” (repita-se que julgamos que se pretende referir à 2.ª R.) cuidou sozinha de sua mãe, desde 2003 até 2011, com provecta idade, não existindo por isso qualquer razão ou limitação para que a segunda recorrente executasse as tarefas do dia a dia.
Depois acrescentam ainda que, segundo as Recorrentes, quando a sentença recorrida dá como provado que a 2.ª R. tinha incapacidade, fá-lo com base em prova documental que infirma tal incapacidade para efeitos de transmissão de arrendamento, pois o primeiro relatório sobre a incapacidade, junto como doc. n.º 2 com o requerimento das R.R. de 10/06/2021, atribui à 2.ª R. uma morada completamente diversa da do arrendado, o que só demonstra que, na data de tal atestado – 14/01/1999 – a 2.ª R. não vivia com a falecida D. Eponina ....., mas por si só. Todos os outros atestados (cfr. fls. 56 v.º, 16 v.º, e 59), são posteriores ao falecimento de D. Eponina ..... .
As Recorridas vieram sustentar que não existe qualquer contradição quanto à matéria de facto, realçando as incoerência dos argumentos expedidos.
Apreciando, com o devido respeito e sem prejuízo da forma algo atabalhoada como a questão é colocada, diremos que as contradições entre a matéria de facto provada, ou entre os factos provados e não provados, ou entre os factos provados e não provados e a prova em que os mesmos se sustentam, não são fundamento de nulidade da sentença, nos termos de nenhuma das alíneas do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C.. Podem constituir um erro de julgamento e fundamento de impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou para modificação da decisão de facto, a apreciar no contexto dos Art.s 662.º e 640.º do C.P.C., desde que sejam cumpridos os respetivos ónus de impugnação ou exista documento com força probatória suficientemente forte que imponha necessariamente decisão diversa.
A eventual contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e a mesma decisão não integra a nulidade da sentença prevista na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do Art. 615º do CPC, podendo, eventualmente, consistir em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada (cfr. Ac. do T.R.L. de 9/12/2014 – Relatora: Cristina Coelho, Proc. n.º 8601/12 – disponível no sítio www.dgsi.pt).
Assim, por todas as razões expostas, só nos resta julgar improcedentes todas as conclusões que sustentam a invalidade da sentença recorrida no quadro legal do Art. 615.º do C.P.C..
2.–Da impugnação da matéria de facto.
Grande parte das alegações das Recorrentes centra-se na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pondo em causa factos provados, relativamente aos quais pretendem ver aditados novos pormenores, alegadamente omissos, e pondo também em causa o julgamento de alguns dos factos não provados.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediatarejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que, ao Recorrido, por contraposição, caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo um dos fundamentais o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Mas isso só não basta, pois como decorre do Art. 640.º do C.P.C., importa que sejam sempre identificados os factos que concretamente são postos em causa (n.º 1 al. a) do citado preceito) e, bem assim, indicar qual a decisão que deveria ser proferida sobre cada um desses factos impugnados (n.º 1 al. c) do citado preceito), ou seja descrevendo com precisão e sem margem para dúvidas os que devem ficar provados, ou não provados, e quais os concretos meios probatórios que devem conduzir a essa conclusão (idem, al. b) do n.º 1).
É completamente contrário ao nosso sistema legal recursivo, no que se refere à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apresentar uma apelação em termos de tal modo vagos e imprecisos, ou em que se pretenda uma reapreciação geral da prova, que coloque o Tribunal de Recurso na dificuldade de saber que factos concretos são postos em causa e que decisão concretamente se pretende que seja tomada.
Conforme Abrantes Geraldes refere (in “Recurso no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Ed., pág.153), na nossa lei: «foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a um repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente».
Ora, no caso concreto dos autos, adiante-se desde já, que as Recorrentes não cumpriram sempre estes ónus relativamente a toda a matéria cujo julgamento visavam impugnar. Em todo o caso, esses vícios do ónus de impugnação não são absolutos e, portanto, não está em causa a rejeição integral da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumprindo verificar cada situação individualmente.
Vejamos então cada uma das situações em concreto, tentando respeitar a ordem sequencial da impugnação apresentada pelas Recorrentes: 2.1.-Do facto omisso no ponto 4 relativo a saber quem o advogado representava quando remeteu a carta aí dada por provada.
O primeiro facto impugnado pela Recorrentes têm a ver com o ponto 4 dos factos provados, onde ficou assente que o Senhor Advogado, Miguel ... ..., comunicou a Eponina ....., por carta de 2 de Novembro de 2004 (cfr. doc. de fls. 55) que, após a venda do imóvel às A.A., em 28 de outubro de 2004, e «para futuros contactos relativamente ao imóvel» se deveria dirigir às novas proprietárias: «à Sr.ª A, residente na Travessa de ... ..., N.º ..., 3.º -L____ e Senhora Eng.B, residente na Rua João ..., Nº ..., 3.º. esq -A____».
Pretendem as A.A. que seja aditado a esse facto que o Sr. Advogado em causa agiu como advogado da anterior proprietária, ou seja da vendedora, e não das A.A.. No entanto, ao impugnar este facto em concreto, não indicam quais os concretos meios de prova em que sustentam este pretendido aditamento. O que, constitui uma violação ao Art. 640.º n.º 1 al. b) do C.P.C., que deveria conduzir à rejeição da impugnação nesta parte.
As Recorridas não suscitaram a questão da rejeição do recurso, mas realçam que o Tribunal também não deu por provado que foi em representação das A.A. que a carta em causa foi remetida.
Assim, sem prejuízo do já exposto, como o que está em causa é o documento de fls. 55, tal como é explicitado na redação do ponto 4 da matéria de facto provada, poder-se-ia admitir que pudesse resultar da redação dessa carta que o Sr. Advogado, seu subscritor, agiu em representação da anterior proprietária e vendedora do imóvel. Só que não é esse o caso. O Sr. Advogado escreveu a carta em seu nome, sem identificar quem representava. Aliás, nós à cautela até tivemos oportunidade de ouvir toda a prova produzida em julgamento e a única conclusão que daí podemos retirar é que a carta foi escrita pelo advogado, não se sabendo a que propósito ou em representação de quem. Provavelmente esse facto só poderia ser apurado se o mesmo tivesse sido inquirido como testemunha, o que não ocorreu. Logo, só poderemos julgar improcedente a impugnação apresentada nesta parte, sendo certo que, como bem realçam as Recorridas, não resulta do facto provado no ponto 4 que a carta em menção tenha sido remetida pelos Sr. Advogado em representação das A.A..
2.2.-Do facto omisso no ponto 5 relativo à circunstância da A. B só ter mudado a sua residência para a Rua Francisco ... ... -L......a partir de 2005.
O segundo facto impugnado reporta-se ao ponto 5, onde ficou provada uma outra carta datada de 5 de novembro de 2004, junta a fls. 55 verso, remetida pela A., B, à anterior arrendatária, Eponina ....., para a informar da conta onde deveria passar a depositar as rendas e indicando a sua morada na “Rua João ... -Nº...-3º-esq. -....-...-A_____”.Pretendem agora, as Recorrentes, que seja aditado que só a partir de 2005 é que a A. passou a residir na Rua Francisco ... ... -L_____.
Ao impugnar este facto em concreto, limitam-se as Recorrentes a dizer que esse esclarecimento resulta do depoimento da A., B, que disse que se mudou para essa morada após o seu casamento.
No entanto, não indicam logo em que parte da gravação desse depoimento tal é dito, sendo que está em causa um depoimento que tem mais de hora e meia de gravação. Portanto, em bom rigor, esta seria mais uma daquelas situações que deveria cair na previsão do Art. 640.º n.º 1 al. b) do C.P.C. e deveria conduzir à rejeição da impugnação nesta parte.
Em todo o caso, as Recorrentes, a propósito e a despropósito, reproduziram longos segmentos da gravação desse depoimento da A., completamente fora do contexto da impugnação deste facto, sendo que nós, como já tivemos oportunidade de dizer, acabámos por ouvir a gravação do julgamento e podemos dizer que efetivamente esses factos foram referidos pela A., em declarações de parte (v.g. ao minuto 15:03).
As Recorridas vêm contrapor ao aditamento proposto que a A. deveria ter avisado a inquilina de que mudou de residência a partir de 2005, o que a própria reconheceu que não fez, pondo assim em evidência a irrelevância objetiva do facto pretendido aditar.
Dito isto, de facto, fez-se prova do facto pretendido aditar, mas também se fez prova de que a mesma A. nunca chegou a comunicar formalmente que a partir de 2005 tinha residência na Rua Francisco ... ... -L____ e que toda a correspondência relativa ao contrato de arrendamento deveria passar a ser dirigida para essa sua nova morada. Portanto, a mudança factual da morada da A. acaba por ser um facto de escassa relevância no contexto do relacionamento entre senhorias e inquilina, quando não foi remetida pelas A.A. qualquer outra comunicação com teor semelhante àquela que ficou dada por provada no ponto 4.
Por outro lado, como resulta das declarações de parte da A., B Sousa, a casa sita na Rua João ... - Nº..., 3.º-esq.º, -A_____, foi efetivamente por si adquirida e só muito recentemente – «há um ano e tal» (sic) – é que terá sido vendida (conforme gravação do seu depoimento aos minutos 18:12 a 19:00). Sendo que também reconheceu, durante o seu depoimento, que a sua irmã, aqui co-A.A., Iria ....., chegou a morar nessoutra casa (de A_____), o que justifica alguma correspondência daí remetida por ela, num período em que era a mesma quem tratava dos assuntos relacionados com a administração conjunta das A.A. relativamente a esse imóvel.
Em suma, no contexto global das suas declarações de parte, não se afigura relevante o aditamento proposto, na estrita medida em que não houve uma fixação oficial de qual a residência para a qual deveria ser remetida toda a correspondência por parte da inquilina.
2.3.–Do facto omisso relativo a que todos os aumentos de renda a partir de 2007 foram comunicados pela A. B à inquilina Eponina ..... por cartas remetidas da residência na Rua Francisco ... ... - L____.
Na sequência da impugnação anterior, vieram as Recorrentes pretender que fosse ainda aditado que todos os aumentos de renda após 2007 foram comunicados pela A. B por cartas remetidas da sua residência na Rua Francisco ... ... - L_____. O que até deveria ser igualmente aditado em esclarecimento ao ponto 6, onde está provado um recibo emitido pelas A.A. relativo à renda de março de 2005, onde ainda consta a morada da “Rua João ...”.
As Recorridas contrapõem que essa matéria não foi sequer alegada pelas A.A. na sua petição inicial.
Apreciando, tem de se dizer, uma vez mais, que não foram sequer indicados quais os concretos meios de prova em que sustentam este pretendido aditamento. O que, constitui uma violação ao Art. 640.º n.º 1 al. b) do C.P.C., que deveria conduzir à rejeição da impugnação nesta parte.
Em todo o caso, como já dissemos, ouvimos a gravação das declarações de parte da A., que efetivamente referiu esse facto. Simplesmente, não podemos deixar de relevar que a A. tem interesse na apreciação que se viesse a fazer do mérito da causa e esses factos deveriam constar de prova documental que não se mostra sequer junta aos autos.
Efetivamente, nada consta do processo relativamente às cartas de aumento das rendas de 2007 a 2011. Só constam do processo as cartas dadas por provadas nos pontos 9 e 10, que se referem aos aumentos de renda para os anos de 2012 e 2013, já depois do óbito da inquilina.
Pelo que, para além da novidade dessa factualidade, não alegada no momento oportuno e não sujeita a contraditório, somos confrontados com a manifesta insuficiência da prova, para além do que já consta dos pontos 9 e 10 da factualidade provada, o que determina a necessária improcedência nesta parte da impugnação.
2.4.–Do facto alegadamente omisso no ponto 8 relativo a que essa carta foi remetida pela 1.ª R. a título pessoal, que só voltou a reclamar a transmissão do arrendamento a título pessoal, em 4 de março de 2013, 2 anos depois do óbito de Eponina ..... .
O facto seguinte impugnado é o que consta do ponto 8 dos factos provados, pretendendo as Recorrentes pôr em evidência que a 1.ª R. escreveu essa carta a título “exclusivamente pessoal” e que só voltou a reclamar o direito ao arrendamento para a sua irmã, que as Recorrentes entendem ser pessoa perfeitamente capaz, já 2 anos depois da morte da inquilina, mãe das R.R..
As Recorridas vieram negar que a 2.ª R. seja pessoa capaz, porque o contrário ficou provado no ponto 17, realçando que é precisamente por ser uma pessoa incapaz que a 1.ª R. escreveu essa carta e não a 2.ª R..
Apreciando, com o devido respeito, não conseguimos perceber que “factos novos” relevantes se pretendem aditar ao ponto 8 dos factos dados por provados na sentença recorrida.
O que está provado é que a carta de fls. 133 foi remetida pela 1.ª R.. Assim, o que adianta afirmar como facto “novo” que o fez a título pessoal? É que ninguém pôs em dúvida que foi a 1.ª R. quem assinou e remeteu essa carta, e não a sua irmã, que é a 2.ª R. na ação. Por outro lado, o propósito dessa carta resulta do seu teor, que é reproduzido e, portanto, já constam dos factos provados o que interessa.
O motivo pelo qual quem remeteu essa carta ter sido a 1.ª R., e não a sua irmã, é questão sobre a qual se pode discutir, mas não é matéria factual, nem é isso que está em causa no ponto 8 dos factos provados.
Tudo o mais alegado a propósito deste facto não passa de dissertações sobre outros factos provados, sem qualquer relevância estrita em matéria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, portanto, escusamo-nos de sobre esse assunto agora tecer mais comentários.
Em suma, improcede também nesta parte a impugnação.
2.5.–Do facto alegadamente omisso no ponto 9 relativo à circunstância de as A.A. não saberem do óbito da inquilina Eponina ..... quando remeteram essa carta de atualização da renda.
Uma vez mais, as Recorrentes impugnam a decisão de matéria de facto provada, quanto ao ponto 9, sem sequer indicarem logo os meios de prova que sustentariam decisão diversa. O que deveria conduzir à rejeição da impugnação por não cumprimento do ónus estabelecido na al. b) do n.º 1 do Art. 640.º do C.P.C..
Em todo o caso, resulta dos factos já dados por provados que a carta mencionada em 8 veio devolvida, como aliás consta da redação desse ponto da matéria de facto. Acresce que, a sequência de comunicações provadas nos pontos 9 a 12 já permitem, só por si, deduzir que as A.A. desconheceriam o falecimento da inquilina. Portanto, não vemos qualquer utilidade no aditamento proposto, indeferindo-se assim a impugnação também nesta parte.
2.6.–Do facto não provado, relativo ao ponto 9, de que a assinatura constante do aviso de receção dessa carta não foi falsificada pelas R.R..
Aqui as Recorrentes saltam diretamente dos factos provados para impugnar um facto não provado.
Efetivamente, em 3.º lugar dos factos não provados ficou a constar que: «A assinatura aposta no aviso de receção da carta referida em 9. foi falsificada por quem residia no locado».
Uma vez mais, não são indicados meios de prova, para além da circunstância de que as rendas eram depositadas na conta das A.A. (facto provado 15) e a consideração que a carta deve ter sido recebida pelas R.R., pois doutra forma não teriam procedido à atualização da renda.
A sentença recorrida fundamentou a resposta negativa a este facto, nos seguintes termos: «não foi produzida prova quanto à falsificação da assinatura aposta no aviso de receção da carta mencionada em 9., sendo certo que tal carta não contém uma assinatura, mas apenas o preenchimento do campo “nome legível”, nem tem menção do n.º do bilhete de identidade da pessoa que se apresentou a receber a carta, pelo que, tendo Luís ..... referido que sempre dispuseram de empregadas, não tendo sido produzida qualquer prova em contrário, não pode afirmar-se que foi alguém residente na casa que colocou o nome de Eponina ..... no aviso de receção».
Assim, o problema é que não foi feita prova em audiência sobre quem efetivamente apôs o nome da falecida inquilina no aviso de receção. O que nós pudemos constatar.
É certo que essa aposição não foi feita pela inquilina, pelo motivo óbvio do seu falecimento. No entanto, como foi aventada a possibilidade desse nome ter sido escrito por alguma empregada ou pessoa distinta das R.R., fica a dúvida sobre esse facto. O que é motivo bastante para que fique esse facto nos factos não provados.
A circunstância de as rendas terem sido sempre pagas com atualizações nem sequer é decisiva, porque a própria A., B, em declarações de parte, afirmou que ainda hoje são depositadas rendas com atualizações que não comunicou, pelo que parece ser procedimento das R.R. atualizarem as rendas por sua iniciativa, de acordo com os coeficientes legais publicados no Diário da República.
Em face do exposto, a matéria constante do 3.º ponto dos factos não provados deverá permanecer como não provada.
2.7.–Do alegado facto provado de que a “2.ª Recorrente” (supomos que se referem à 2.ª R.) teria convidado a sua irmã para viver consigo.
Aqui as Recorrentes propõem-se impugnar matéria de facto, que dizem estar provada, mas que não se vislumbra sequer que tal conste dos factos provados da sentença recorrida.
A única matéria de facto relativa a essa matéria consta do ponto 16 e dele não resulta redação minimamente semelhante ao que as Recorrentes pretendem impugnar. Pelo que, passamos adiante.
2.8.–Da alegada contradição entre a matéria do ponto 16 e o atestado médico de 14 de janeiro de 1999.
As Recorrentes pretendem de seguida por em evidência a contradição entre o facto de se ter dado por provado, no ponto 16, que a 2.ª R. reside no locado desde 2003, quando do atestado médico de 14 de janeiro de 1999 consta que a 2.ª R. tem outra residência.
Sinceramente, não se vislumbra nenhuma contradição entre dizer-se num atestado que a 2.ª R., em 1999, residia numa morada e dar-se por provado que a partir de 2003 a 2.ª R. tinha outra morada.
Escapa-nos por completo esta linha de raciocínio, que enferma de lapso manifesto, não devendo nós perder mais tempo com esta linha de argumentação. Sendo que quanto à questão da natureza da doença da 2.ª R., com todo o devido respeito, existe prova médica do diagnóstico de “psicose esquizofrénica do tipo paranoide” (v.g. fls. 16 verso), sendo que a demais prova produzida em audiência é também indiciadora da gravidade, continuidade e permanência da doença há mais de 20 anos e, portanto, insistir na alegada “capacidade” da 2.ª R. afigura-se algo abusiva.
2.9.–Da impugnação relativa a obras.
Segue-se um conjunto extenso das alegações de recurso que são encabeçadas pela epígrafe “A relação da prova documental com a prova testemunhal sobre as obras”.
O exercício que as Recorrentes aqui pretendem fazer é, em termos muito claros e sucintos, que o Tribunal da Relação reaprecie toda a prova testemunhal, que reproduzem extensamente, a propósito e a despropósito, e toda a prova documental, incluindo a pericial, relativa a obras. No entanto, não identificam um único facto provado, ou não provado, cujo julgamento considere incorreto; não indicam uma única vez que redação entendem que deveria ficar dada por assente ou por não provada; e limitam-se a reproduzir extensamente depoimentos de testemunhas e das declarações de parte da A., que depois se encarregam de ir resumindo pontualmente, aqui e ali, sem se perceber que decisão efetivamente pretendem que o Tribunal da Relação tome relativamente a cada concreto facto que a sentença deu por provado ou não provado.
Em causa está assim o cumprimento integral dos ónus de impugnação estabelecidos no Art. 640.º do C.P.C., que nem sempre é devidamente compreendido em geral pelos Recorrentes, apesar da lei ser bem explícita neste aspeto.
Conforme é explicitado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/4/2016 (Relator: Abrantes Geraldes - disponível em www.dgsi.pt) deve falar-se aqui de um ónus multifacetadocujo cumprimento não é fácil, mas que tem diversas justificações, entre as quais:
«- A Relação é um Tribunal de 2.ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior;
«- A Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, reapreciando apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados;
«- O sistema não admite recurso genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam resultado diverso;
«- Importa que seja feito do sistema uso sério, de forma a evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais» (negrito e sublinhados nossos).
No mesmo sentido também o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2018 (Revista n.º 1869/12.1TYLSB.L1.S1 - 6.ª Secção – Relator: Fonseca Ramos – disponível em “sumários de acórdãos” no sítio: www.stj.pt): «III - A exigência legal imposta ao recorrente de especificar os pontos de facto que pretende impugnar constitui corolário do princípio do dispositivo no que respeita à identificação e delimitação do objeto do recurso, pelo que não pode deixar de ser avaliada sob um critério de rigor, mas sem se reconduzir a um rigorismo formalista que desconsidere os aspetos substanciais constantes das alegações, que não se coaduna com o espírito do sistema radicado na necessidade de preservar o uso sério do regime do recurso da matéria de facto por forma a impedir a utilização abusiva de instrumentos processuais com efeitos dilatórios».
Já no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2018 (Revista n.º 67/09.6TBVPA.P1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Salazar Casanova – disponível no mesmo sítio: www.stj.pt) é dito que: «II- A inobservância desse ónus leva a que o tribunal não possa deitar a adivinhar, calcular ou supor, a partir de uma impugnação insuficiente, o sentido a impugnação que o recorrente teria porventura em vista. Assim procedendo, o tribunal infringe o Art. 685.º-B do C.P.C. (Art. 640.º do NCPC (2013)), que dita um comando legal – ónus de impugnação –, que obriga o juiz ao seu escrupuloso respeito, não havendo lugar, nestes casos, à possibilidade de uma intervenção oficiosa subsidiária do tribunal».
Do mesmo relator, no acórdão do S.T.J. de19/5/2015 (Revista n.º 267287/10.3YIPRT.L1.S1 – 6.ª Secção – disponível no mesmo sítio), resulta que se deve entender que, face ao estatuído nos artigos 635.º n.º 4, 637.º n.º 2, parte inicial e 639.º do NCPC (2013), devem necessariamente constar das conclusões «a questão concreta consistente nessa impugnação da matéria de facto determinada».
No Acórdão do S.T.J. de 2/2/2016 (Revista n.º 2000/12.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator: Mário Mendes – sempre no mesmo sítio da “dgsi”) especifica-se que: «II- A delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorretamente julgados e demais ónus impostos pelo Art. 640.º do CPC, há-de ser efetuada no corpo da alegação. III- Nas conclusões bastará fazer referência muito sintética aos pontos de facto impugnados, e às razões porque se pretende a sua alteração, sem necessidade de transcrever ou repetir o que a respeito se escreveu no corpo da alegação sobre a mesma matéria».
Mas o Supremo também já decidiu que os Recorrentes que pedem na apelação a reapreciação da matéria de facto, mas não indicam os meios de prova que impõem decisão diversa, não cumprem o ónus previsto no Art. 640.º n.º 1 do C.P.C. (vide: Ac. S.T.J. de 8/10/2019 – Proc. n.º 3138/10.2TJVNF.G1.S2 – Relatora: Maria João Vaz Tomé). Tal como o não cumprem se também não indicarem qual a decisão que no seu entender deveria ser proferida (Idem: Ac. do S.T.J. de 6/11/2019 – Proc. n.º 1092/08.0TTYBRG.G1.S1 – Relator: Chambel Mourisco), nem fizerem referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que pretendam ver alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, devendo por isso ser rejeitados (Vide: Ac. S.T.J. de 13/11/2019 – Proc. n.º 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1 – Relator: António Leones Dantes). Não sendo suficiente que nas conclusões se limite o recorrente a «consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados» (Ac. S.T.J. de 16/5/2018 – Proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1 – Relator: Ribeiro Cardoso – todos estes disponíveis em www.dgsi.pt).
A impugnação genérica e a manifestação do propósito de se fazer uma repetição completa do julgamento, sem especificação dos concretos segmentos de facto impugnados ou dos meios de prova que justificam a impugnação, é completamente contrária ao nosso sistema legal de recurso sobre a matéria de facto.
Acresce que o não cumprimento desses ónus de impugnação dos factos é insuscetível de despacho de aperfeiçoamento, por ser o recurso a este expediente processual restrito à matéria de direito e nunca à matéria de facto (Vide: Ac. S.T.J. de 13/9/2016 - Revista n.º 166472/13.7YIPRT.P1.S1 – Relator: Hélder Roque – disponível em sumário do S.T.J.; e Ac. S.T.J. de 18/6/2019 – Proc. n.º 152/18.3T87GRD.C1.S1 – Relator: José Rainho – disponível em www.dgsi.pt).
Conforme refere Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4.ª Ed., pág. 153) o legislador recusou soluções que: «pudessem conduzir-nos a uma repetição de julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto», o legislador optou por: «restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente» (idem, no mesmo sentido: Ac. do T.R.L. de 13/11/2001 in C.J. – Tomo V, pág. 84; e Ac. do T.R.P. de 19/9/2000 in C.J. – Tomo V, pág. 186).
Quanto à inserção sistemática do cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no Art. 640.º n.º 2 do C.P.C., o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que a rejeição da apelação respeitante à impugnação da matéria de facto pode radicar na falta de especificação, nas conclusões do recurso, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, pois os demais ónus relativos à falta de especificação dos meios de prova e sentido da decisão a proferir, apenas se revelam indispensáveis na “motivação” ou “corpo alegatório” (Vide: Ac. S.T.J. de 19/6/2019 – Proc. n.º 7439/16.8T8STB.E1.S1 – Relator: Hélder Almeida – disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, no acórdão do S.T.J. de 31/10/2018 (Proc. n.º 2820/15.2T8LSB.L1.S1 – Relator: Chambel Mourisco) defendeu-se que da conjugação do Art. 640.º n.º 1 al.s a) e c) e Art. 639.º n.º 1 do C.P.C. resulta que para impugnar a matéria de facto devem constar das conclusões os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar e a decisão que no entender do recorrente deverá ser proferida (no mesmo sentido: Ac.s STJ de 18/2/2016 – Proc. n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1 e de 13/11/2019 – Proc. n.º 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1 – em ambos os caso o Relator foi o Senhor Conselheiro António Leones Dantas).
Seja como for, também está firmemente assente no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que não se deverá ser excessivamente formalista na apreciação do cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos na lei processual.
Assim, no acórdão do S.T.J. de 11/9/2019 (Proc. n.º 42/18.0T8SRQ.L1.S1 – Relator: Ribeiro Cardoso) defende-se que é nas conclusões que deverá o recorrente indicar os concretos pontos de facto cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração, mas «o cumprimento dos referidos ónus não pode redundar na adoção de entendimentos formalistas do processo por parte do Tribunal da Relação, devendo aquela ser moderada por princípios de proporcionalidade e razoabilidade». Assim, «tendo a recorrente procedido, no corpo das alegações, à indicação discriminada dos factos que considerava incorretamente julgados e consignado a decisão que entendia dever ser proferida relativamente a cada um deles, decisão que reproduziu nas conclusões, mas sem repetir aí aquela indicação discriminada, limitando-se a referir os pontos da fundamentação em que procedera àquela especificação, cumpriu suficientemente os ónus impostos pelo Art. 640.º n.º 1 al.s a) e c) do Código de Processo Civil».
Na mesma senda, o acórdão do Supremo de 12/9/2019 (Proc. n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2 – Relatora: Rosa Ribeiro Coelho), julgou que cumpre suficientemente esses ónus de impugnação quando a recorrente elabore as suas alegações em termos tais que não deixem dúvidas sobre aquilo que pretende ver sindicado, assim definindo o objeto do recurso nessa parte, através da enunciação suficientemente clara da questão que submete à reapreciação do recurso.
De igual modo, no Acórdão do STJ de 11/7/2019 (proc. n.º 334/16.2T8CMN-G1.S2 – Relator: Ricardo Costa) se defendeu que não poderá ser extraído o efeito gravoso da rejeição ou não conhecimento da impugnação da matéria de facto «se o julgador compreenda o tema recursivo para a apreciação do mérito do recurso, tendo em conta e desde que o mesmo seja percetível e/ou dedutível das Conclusões apresentadas, ainda que com prejuízo para o intuito de a parte recorrente inverter a decisão recorrida». Embora se deva acrescentar que este acórdão expressou o entendimento de que deveria ser rejeitado o recurso quando, ainda que se identificassem os concretos pontos de facto julgados incorretamente, se manifestasse apenas discordância quanto à valoração de um certo meio probatório, sem oferecer com exatidão meio de prova alternativo para se obter o resultado pretendido e sem se especificar a decisão diversa sobre a questão de facto impugnada.
O Supremo Tribunal de Justiça também tem defendido de forma recorrente que os Art.s 640.º e 662.º do C.P.C. impõem ónus de impugnação diversos que importa distinguir. Por um lado, haveria “ónus primários”, que são os estabelecidos nas alíneas do n.º 1 do Art. 640.º do C.P.C., relativos à exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, à especificação dos concretos meios probatórios convocados e à indicação da decisão a proferir. Mas, por outro, haveria os “ónus secundários”, estabelecidos no n.º 2 do Art. 640.º do C.P.C., que visariam apenas facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Por regra, só a violação dos primeiros implicaria a rejeição automática do recurso. Já a violação dos “ónus secundários” só poderia levar a rejeição se a omissão ou inexatidão das alegações for de tal modo grave que dificultasse fortemente o exercício do contraditório e/ou o exame da prova pelo tribunal de recurso (vide: Ac. STJ de 3/10/2019 – Proc. n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2 – Relatora: Maria Rosa Tching e Ac.s STJ de 29/10/2015 e de 2/6/2016 – Proc.s n.º 233/09.4TBVNBC.G1.S1 e n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 – ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Lopes do Rego).
Os mesmos argumentos foram utilizados no acórdão do S.T.J. de 17/3/2016 (Proc. n.º 124/12.1TBMTJ.L1.S1 – Relator: Tomé Gomes) quando nele se afirma que a impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não visa propriamente um novo julgamento da causa, mas apenas a reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida, ficando a apreciação do erro de julgamento «circunscrita aos pontos impugnados». É esse o sentido da imposição ao recorrente do ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais pontos, sob pena de rejeição do recurso na parte afetada, nos termos do Art. 640.º n.º 1 al.s a) e c) do C.P.C.. Por isso, nesse acórdão também se decidiu que não observa esse ónus quando o impugnante se limita a convocar e analisar determinados meios de prova, nomeadamente depoimentos de parte e de testemunhas, sem especificar, de forma inteligível quais os pontos concretos da decisão de facto que impugna, nem que decisão sobre eles deve ser proferida, concluindo-se que «não compete ao tribunal de recurso inferir, sem mais, dos depoimentos assim convocados, quais os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, do contraditório e da imparcialidade do julgador, como corolários que são do princípio latitudinário do processo equitativo».
Ora, no caso concreto dos autos, as Recorrentes não identificam um único concreto facto constante da sentença que pretendessem impugnar, sendo que a decisão recorrida teve o cuidado de individualizar os factos provados, por números perfeitamente ordenados, e os não provados.
No final, o que se pretende é uma reapreciação genérica de toda a prova produzida, com o propósito de se aderir à conclusão de que as R.R. realizaram recentemente no locado “obras estruturais”, o que é conclusão que evidentemente não se consegue sequer retirar da leitura do relatório que o Sr. Perito veio juntar aos autos, que nos conduz a dizer precisamente o contrário (cfr. fls. 408 a 419 e 501 a 507).
Portanto, as Recorrentes cumpriram o disposto na al. b) n.º 1 do Art. 640.º do C.P.C., mas de forma complemente genérica, sem objetividade, perdendo a noção de que deveriam dirigir as reproduções das gravações que fizeram relativamente a concreta matéria de facto que deveriam logo identificar como pretendendo impugnar, explicitando depois, no final, o que com essa prova pretendiam que concretamente fosse dado por provado, ou não provado, explicitando a redação que deveria passar a constar por assente. Dito isto, a realidade é que as Recorrentes não cumpriram os ónus estabelecidos nas al.s a) e c) do n.º 1 do Art. 640.º do C.P.C., o que é patente da própria redação das conclusões T) a AE), e conduz à necessária rejeição do recurso nesta parte.
Sem prejuízo, podemos acrescentar que, como já dissemos antes, nós até acabámos por ouvir a gravação integral da audiência de julgamento e a nossa apreciação global da prova aí produzida até é coincidente com o que a sentença recorrida fez, não se vislumbrando daí motivos para alterar nenhuma parte da matéria de facto.
Em conclusão, sem prejuízo da parte em que a impugnação sobre a decisão da matéria de facto deve ser rejeitada, no mais improcede integralmente a impugnação, não se determinando qualquer alteração aos factos provados e não provados da sentença recorrida.
3.–Da reivindicação e caducidade do direito ao arrendamento.
Fixada a matéria de facto relevante para o conhecimento do mérito da causa, cumpre então agora debruçar-nos sobre as questões substantivas deste processo.
Como já tivemos oportunidade de sumariar, as A.A. instauraram uma ação de reivindicação, a qual se sustenta na alegada caducidade do contrato de arrendamento incidente sobre o imóvel reivindicado, por óbito do inquilino.
Atualmente, já não importa voltar a discutir se a ação em causa deveria ser uma ação de despejo, como resultava dos revogados Art.s 55.º e 56.º do R.A.U.. O que agora releva é que não está em causa o procedimento especial de despejo regulado nos Art.s 15º e ss. da Lei n.º 6/2006 de 27/2, pois qualquer outra ação destinada a obter o reconhecimento da cessação de um contrato de arrendamento sempre seguirá os termos do processo declarativo comum (“ex vi” Art. 14.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006 de 27/2), tal como sucede com as ações de reivindicação (Art. 546.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).
No caso, não era pedido, a título principal, o reconhecimento da cessação de um contrato de arrendamento por caducidade – pretensão típica da ação de despejo –, mas o pedido de reivindicação pressupunha a apreciação da caducidade desse contrato como pressuposto necessário da procedência da pretensão concretamente deduzida, sendo que nada obsta a que o pedido de restituição do imóvel nesse contexto seja configurado nos termos do Art. 1311.º do C.C..
Nestas condições é destituído de consequência jurídico-processuais relevantes o recurso à ação de reivindicação e não à ação de despejo, na medida em que é perfeitamente legítimo ao proprietário reivindicar o seu prédio de quem alegadamente não tem legitimidade para o deter.
Numa ação de reivindicação a eventual subsistência do arrendamento, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa pelas R.R., é apenas relevada como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa, nos termos do disposto no Art. 1311.º n.º 2 “in fine” do C.C., funcionando assim como um caso típico de fundamento de recusa da restituição previsto na lei.
Neste contexto, cumpre ainda tomar posição sobre a divergência doutrinária que deixámos expressa no ponto 1.1. do presente acórdão, nomeadamente por nos parecer que as Recorrentes suscitaram a nulidade da sentença com o propósito de, em qualquer caso, verem julgado por procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel que identificaram no artigo 1.º da petição inicial.
É nosso entendimento que a ação de reivindicação, tal como ela é regulada no Art. 1311.º do C.C., pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro. É isso que resulta literalmente da lei.
Na mesma medida, a procedência da ação de reivindicação está sempre dependente da procedência desses dois pedidos. Pelo que, se não se provar que os A.A. são proprietários da coisa reivindicada, ou se os detentores demandados provarem que são titulares de direito que legitime a sua posse ou detenção sobre a coisa reivindicada, a ação de reivindicação improcede necessariamente na totalidade, porque não é cumprida a finalidade que ela pressupõe na sua plenitude.
Admitimos ainda assim, como Luís Menezes Leitão (in “Direitos Reais”, 8.ª Ed., pág. 234), que o tribunal possa limitar-se a reconhecer o direito de propriedade, não condenando na restituição da coisa, quando os demandados logrem provar serem legítimos titulares de direito incompatível com o pedido de restituição. Mas daí não decorre uma procedência parcial da ação de reivindicação. A ação de reivindicação, nesse caso, deve ser julgada totalmente por improcedente, mesmo que se reconheça, porque não foi sequer posto em causa, que as A.A. são proprietárias da coisa reivindicada.
Há mesma conclusão se chega, se ponderarmos a questão em termos de custas pelo decaimento da ação.
De facto, se no caso cindíssemos o pedido de reconhecimento do direito de propriedade relativamente ao pedido de restituição da coisa reivindicada, então teríamos dois pedidos autónomos: um que corresponde a uma ação de simples apreciação e outro a uma ação de condenação.
Á improcedência do pedido de condenação (restituição da coisa), corresponderia o decaimento que atribuiria a responsabilidade pelas custas às A.A., nos termos do Art. 527.º n.º 1 do C.P.C.. Mas à procedência do pedido de simples apreciação (reconhecimento do direito de propriedade), que não foi sequer posto em causa pelas R.R. em momento algum, também corresponderia uma responsabilidade tributária das A.A., porque a parte contrária também não deu causa a essa pretensão isoladamente considerada (Art.s 527.º n.º 1 e 535.º n.º 1 do C.P.C.).
Em conclusão, admitimos que a sentença, na parte dispositiva pudesse ter julgado a ação (de reivindicação) totalmente improcedente, sem prejuízo de poder ressalvar o reconhecimento do direito de propriedade das A.A. sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, considerando que o facto provado no ponto 1, conjugado com a presunção registral constante do Art. 7.º do C.R.P., permitiria essa declaração judicial. O que, diga-se, em substância, nada de fundo mudaria.
No final, a procedência da ação de reivindicação estará sempre dependente da conclusão de saber se as R.R. são, ou não, titulares do direito de arrendamento sobre a parte do imóvel que ocupam.O que nos leva ao tema seguinte desta apelação.
4.–Da transmissão do direito de arrendamento para a 2.ª R.
Estando nós perante uma ação de reivindicação, a eventual subsistência dum contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa pelas R.R., funciona como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa, nos termos do disposto no Art. 1311.º n.º 2 “in fine” do C.C., constituindo, como vimos, um caso típico de fundamento de recusa da restituição previsto na lei.
Partindo desta conclusão de base, em primeiro lugar, temos de ter em consideração que a A.A. são efetivamente as proprietárias do imóvel reivindicado (facto provado no ponto 1), pois beneficiam da presunção registral constante do Art. 7.º do C.R.P.. No entanto, sobre o imóvel reivindicado existia, desde 2 de julho de 1975, um contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado entre a anterior proprietária, na qualidade de senhoria, e Maurício ....., na qualidade de inquilino (facto provado no ponto 2).
Entretanto, as A.A. compraram esse imóvel, sucedendo “ex lege” na posição que senhorias, por força do Art. 1057.º do C.C., sem prejuízo da subsistência da relação contratual locatícia – emptio non tollit locatum.
Já quanto à outra parte, verifica-se que o inquilino primitivo terá falecido em 1 de junho de 1997 e a sua posição contratual ter-se-á transmitido para o seu cônjuge, mãe das R.R., Eponina ..... (facto provado no ponto 3).
Vigorava então o Art. 85.º n.º 1 al. a) do RAU, aprovado pelo Dec.Lei n.º 321-B/90 de 15/10, que estabelecia que o arrendamento para habitação não caducava por morte do primitivo arrendatário, ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobrevivesse o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto.
Sobre essa transmissão do direito ao arrendamento não há qualquer litígio, tendo-se consolidado antes mesmo da aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel por parte das A.A., que terá ocorrido apenas no ano de 2004 (cfr. facto provado no ponto 4).
Sucede que, a nova inquilina, Eponina ....., vem também a falecer no dia 24 de março de 2011, no estado de viúva do anterior inquilino, Maurício ..... (cfr. doc. de fls. 136).
Estava então em vigor a Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, que se convencionou designar por NRAU, na sua versão original, com as retificações n.º 24/2006 de 17/4.
Em matéria de transmissão do direito de arrendamento por morte do inquilino, regia então o Art. 57.º do NRAU, com a seguinte redação: «1-O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva: «a)-Cônjuge com residência no locado; «b)-Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado; «c)-Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano; «d)-Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior; «e)-Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%. «2-Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respetivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho. «3- Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles. «4- A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 ou nos termos do número anterior».
Resulta assim claro que, à data desse segundo óbito, era possível a dupla transmissão do direito ao arrendamento: primeiro para o cônjuge do arrendatário primitivo falecido e; depois, por óbito desse cônjuge do arrendatário primitivo, para os descendentes maiores do cônjuge, fossem eles filhos ou enteados do primitivo inquilino, desde que convivessem há mais de um ano com o inquilino e fossem portadores de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Esta possibilidade de sucessão de transmissões decorria explicitamente da letra da lei e era incontrovertida. Só posteriormente deixou de ser exatamente assim, partir das alterações introduzidas no NRAU pela Lei n.º 31/2012 de 14/8, que evidentemente não têm aplicação ao caso.
O que se passava então, nos termos da lei, era uma transmissão do direito ao arrendamento e não um direito a um novo arrendamento. O arrendamento original continuava precisamente nos mesmos termos, mas a posição de inquilino era assumida pela pessoa que, nos termos da lei, tinha direito à sua transmissão.
Sucede que as Recorrentes sustentam que o direito ao arrendamento caducou, porque a 2.ª R. nunca chegou a reclamar o direito à transmissão do arrendamento a seu favor.
Voltando um pouco a história atrás, porque isso tem interesse para perceber a solução encontrada pelo legislador no caso concreto, temos que relembrar que no quadro da vigência do RAU (aprovado pelo Dec.Lei n.º 231-B/90 de 15/10), a lei previa para estes casos duas situações distintas: ou a pessoa com direito à transmissão renunciava expressamente ao arrendamento, tendo que o comunicar ao senhorio no prazo de 30 dias a seguir ao óbito do arrendatário (cfr. Art. 88.º do RAU); ou pretendia exercer o direito à transmissão e, então, deveria comunicá-lo ao senhorio, por carta registada com aviso de recção, informando-o da morte do primitivo arrendatário ou do cônjuge sobrevivo, no prazo de 180 dias (cfr. Art. 89.º n.º 1 e n.º 2 do R.A.U.).
O que é que acontecia quando essa pessoa, titular do direito à transmissão do arrendamento, nada dizia? Aplicava-se o disposto no n.º 3 do Art. 89.º do RAU, que chegou a ser revogado pelo Dec.Lei n.º 278/93 de 10/8, mas que veio logo de seguida a ser repristinado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/97 de 23 de maio de 1997, que declarou inconstitucional com força obrigatória geral, a norma do Art. 1.º do Dec.Lei n.º 278/93, na parte que havia eliminado o n.º 3 do Art. 89.º.
Assim, a solução era a seguinte: «3- A inobservância do disposto nos números anteriores não prejudica a transmissão do contrato mas obriga o transmissário faltoso a indemnizar por todos os danos derivados da omissão».
O NRAU manteve precisamente esta mesma solução, passando a situação a ser regulada no Art. 1107.º do C.C., que passou então a ter a seguinte redação: «1-Por morte do arrendatário, a transmissão do arrendamento, ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo,deve ser comunicada ao senhorio, com cópia dos documentos comprovativos e no prazo de três meses a contar da ocorrência. 2- A inobservância do disposto no número anterior obriga o transmissário faltoso a indemnizar por todos os danos derivados da omissão».
É por força do que acabámos de expor que subscrevemos inteiramente a sentença recorrida quando aí se refere: «Como resulta do normativo citado, a inobservância do disposto no n.º 1 do artigo 1107.º não impede a transmissão do contrato de arrendamento (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 18 de Dezembro de 2018, proc. n.º 1037/18.9T8MAI.P1, in www.dgsi.pt e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, Novo regime anotado e legislação complementar, Quid Juris, 2.ª Edição, anotação ao artigo 1107.º, pág. 395). Na verdade, “A aquisição do direito ao arrendamento não depende, ao contrário do que se passa com o fenómeno sucessório, de qualquer comportamento positivo (aceitação expressa) por parte do transmissário. Com efeito, a aquisição do direito ao arrendamento verifica-se automaticamente (ipso iure) com a morte do arrendatário (…) Assim, falecendo o arrendatário habitacional, o beneficiário da transmissão adquire automaticamente a posição de arrendatário” (José Diogo Falcão, “A Transmissão do Arrendamento Para Habitação por Morte do Arrendatário no NRAU”, Revista da Ordem dos Advogados, 2007, ano 67, volume III, Dez. 2007, disponível na página da Ordem dos Advogados)». (sublinhados nossos).
É assim inquestionável que a omissão de comunicação da pessoa com direito à transmissão do arrendamento não determina a caducidade do arrendamento. A transmissão opera-se na mesma, “op legis”, só que se a omissão de comunicação causar prejuízos ao senhorio, fica o transmissário obrigado a reparar esses concretos danos.
O que se passou no caso dos autos?
Em primeiro lugar, a 1.ª R. escreveu a carta de fls. 133, datada de 14 de junho de 2011, a comunicar o óbito da inquilina Eponina ....., informando que o direito ao arrendamento se transmitia para si, que residia em economia comum com a falecida, há mais de 18 anos, solicitando que as rendas passassem a ser emitidas em seu nome (facto provado no ponto 8). No entanto, essa carta nunca chegou ao seu destino, tendo sido devolvida.
Em segundo lugar, a 1.ª R., por carta de 4 de janeiro de 2013, vem a comunicar às A.A., por carta registada com aviso de receção, desta feita efetivamente recebida, que como já havia comunicado antes, a inquilina Eponina ..... havia falecido, devendo o direito ao arrendamento transmitir-se para quem com a aquela residia em economia comum há mais de um ano (facto provado 11).
Relativamente as estas duas comunicações, a questão é de fácil resolução: a 1.ª R. não preenche a previsão de nenhuma das alíneas do Art. 57.º do NRAU, na versão em vigor à data do óbito da inquilina D. Eponina ..... Pelo que, efetivamente, não tinha direito à transmissão do direito ao arrendamento.
Em terceiro lugar, a 1.ª R., por carta de 4 de março de 2013, reclamou o direito ao arrendamento a favor da sua irmã, aqui 2.ª R., alegando que a mesma era portadora de incapacidade total para o trabalho superior a 70%, juntando atestado médico (cfr. doc. de fls. 16 verso).
Defendem, no entanto, as Recorrentes que nunca a 2.ª R. reclamou para si o direito ao arrendamento com fundamento em deficiência com grau de incapacidade superior a 60%. Sucede que, não se pode por em dúvida que a 2.ª R. pretende efetivamente reclamar para si o direito ao arrendamento. Por um lado, porque vive no locado desde pelo menos 2003, e até hoje (facto provado no ponto 16). Por outro, porque continua a ser paga a renda (facto provado no ponto 15). E, finalmente, porque constituiu mandatário para contestar a presente ação (cfr. fls. 59 verso) e na contestação alega-se precisamente o seu direito à transmissão do arrendamento (v.g. artigos 31.º a 50.º da contestação). Portanto, a consequência legal do atraso na comunicação do seu direito continua a ser a mesma: perante a ausência de comunicação atempada do seu interesse na transmissão do direito ao arrendamento, não se verifica a caducidade do arrendamento, mas apenas e só a obrigação de indemnização pelos prejuízos que o atraso nessa comunicação possa ter causado às A.A., conforme decorre do Art. 1107.º n.º 2 do C.C..
Quanto aos mais, as A.A. sabem que a 2.ª R. é filha da falecida inquilina, Eponina ....., sendo que ficou provado que essa R. reside no locado desde pelo menos 2003 e até ao presente (facto 16), paga a renda (facto 15) e foi-lhe diagnosticada desde 1993 uma incapacidade permanente global de 70%. Logo, está preenchida a previsão do Art. 57.º n.º 1 al. e), n.º 2 e n.º 4 do NRUA, não tendo caducado o contrato de arrendamento, que assim se transmitiu para a 2.ª R., a quem assiste o direito a esse arrendamento.
Improcedem, portanto, todas as conclusões que sustentam o contrário, devendo a sentença ser confirmada na parte que julgou a ação de reivindicação improcedente por não provada, sem prejuízo de se ressalvar que se reconhece o direito de propriedade das A.A. sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial.
5.–Do direito a indemnização pelo atraso na restituição do locado.
Conforme já deixámos explicitado no ponto 1.2. do presente acórdão, as A.A. pediram apenas uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação ilícita do imóvel pelas R.R., prejuízos esses que resultariam da impossibilidade arrendar a casa a terceiros (cfr. artigos 25.º a 27.º da petição inicial), ao que acresceria a pretendida aplicação duma sanção pecuniária compulsória diária de €66,00 por cada dia de atraso na restituição da coisa (cfr. artigo 28.º da petição). Efetivamente, não foi pedida qualquer indemnização no quadro legal do Art. 1107.º n.º 2 do C.C., nem relativa a direito a novo arrendamento, ou por direito à fixação duma nova renda.
Assim sendo, as pretensões indemnizatórias efetivamente formuladas nos autos tinham como pressuposto a ilicitude da ocupação da casa pelas R.R. e a existência da obrigação de entrega do locado, por força da caducidade do arrendamento motivada pelo óbito da inquilina Eponina ..... . Ora, como vimos, a 2.ª R. tem direito à transmissão do arrendamento a seu favor, logo a ocupação do locado não é ilegítima, estando as A.A. inclusivamente obrigadas, por força desse vínculo contratual, a assegurar o gozo da coisa à inquilina (Art. 1031.º al. b) do C.C.), que não está ainda obrigada à sua restituição, enquanto se mantiver a relação locatícia vigente. Logo, improcedem necessariamente os pedidos indemnizatórios formulados na petição inicial, devendo a sentença recorrida ser igualmente confirmada nesta parte, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.
6.–Da resolução do contrato de arrendamento.
Subsidiariamente as A.A. haviam ainda instaurado contra as R.R. uma ação de despejo, para a eventualidade de se julgar que subsistia um vínculo contratual de natureza locativa, pedindo que fosse declarada a resolução desse contrato, nos termos do Art. 1083.º n.º 1 e n.º 2 al.s. d) e e) do C.C., porque foi cedido o gozo da coisa à 1.ª R. e ao seu agregado familiar (cfr. artigo 29.º da petição inicial) e também por terem sido realizadas obras que implicaram a demolição de paredes e a alteração da tipologia do andar sem autorização das senhorias (cfr. artigos 30.º e 31.º da petição inicial), pretensão esta que foi objeto de ampliação em articulado superveniente, por forma a nele se incluir não só a resolução do arrendamento, como ainda a condenação das R.R. a repor o andar no estado que se encontrava antes das obras e indemnizarem as A.A. por todos os danos causados por essas obras a quantificar na perícia (cfr. artigo 14.º do articulado superveniente).
Pretendem agora as Recorrentes, por via da presente apelação, que sejam esses pedidos julgados por procedentes, no que se refere às obras realizadas e não autorizadas, já que a sentença recorrida absolveu deles as R.R.. Portanto, as Recorrentes conformam-se com a sentença recorrida no que se refere ao fundamento de resolução do contrato de arrendamento com base na cedência do gozo do locado à 1.ª R., que assim não faz parte do objeto deste recurso.
Posto isto, vejamos então a questão do despejo decorrente da resolução do contrato de arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas.
Dispõe o Art. 1083.º n.º 1 do C.C. que: «1- Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais do direito, com base em incumprimento pela outra parte». Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que: «2- É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…)».
As A.A. sustentaram esta pretensão com base no facto de que as R.R. realizaram obras estruturais no locado que consistiram na demolição de paredes e a alteração da tipologia do andar, sem autorização das senhorias.
A prova pericial, sob este ponto foi muito clara, pois só constatou pequenas obras de conservação, nomeadamente pinturas em algumas superfícies das paredes e tetos, sem que a estrutura das paredes do edifício tenha sido alterada (cfr. relatório a fls. 409 verso e fls. 410), não implicando tais obras a necessidade de qualquer reparação do locado (cfr. fls. 410 verso). A situação “estrutural” mais grave verificada, relativa a fissuras na parede de separação do quarto do andar superior ao locado, não resulta sequer de obras realizadas pelas R.R., mas duma deformação no apoio dessa parede, por não ter continuidade no piso inferior (cfr. fls. 411 a verso).
Ora, pequenas obras de conservação, realizadas pela inquilina, mesmo que possam não ter sequer sido autorizadas por escrito pelas senhorias, nos termos do Art. 1074.º n.º 2 do C.C., não constituem de forma alguma comportamento ilícito relevante, que pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.
Em abono da verdade, tomara que os senhorios tivessem sempre inquilinos que assumissem o custo de obras de conservação que a lei até estabelece a cargo do senhorio (cfr. Art. 1074.º n.º 1 do C.C.).
Insistir que obras de pequenas reparações são comportamentos graves do inquilino, quando na verdade constituem beneficiações para o locado, destinadas a tornar o espaço mais agradável e habitável, afigura-se-nos perfeitamente despropositado. A ação de despejo foi julgada improcedente, e muito bem. Não havia motivo algum que justificasse a resolução do contrato de arrendamento.
Quanto ao pedido indemnizatório fundado na realização dessas obras, tal como foi formulado no articulado superveniente, o mesmo também só poderia ser julgado por improcedente, porquanto não há ilícito, tal como não há dano a ressarcir, o que são pressupostos de verificação necessária para haver obrigação de indemnização, seja nos termos do Art. 483.º do C.C., seja nos termos do Art. 798.º do C.C..
Relativamente a todas estas pretensões, as A.A. não cumpriram o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos que invocaram (Art. 342.º n.º 1 do C.C.), pelo que a sentença deve ser confirmada também nesta parte, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.
7.–Das custas.
Finalmente, põem as Recorrentes em causa a sua condenação em custas, repescando o argumento de que pelo menos deveria ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel, considerando no final que foi violado o disposto no Art. 528.º do C.P.C..
Apreciando, não vemos a que propósito é invocado o disposto no Art. 528.º do C.P.C., que estabelece as regras relativas a custas em situações de litisconsórcio e coligação.
Em todo o caso, a nossa posição sobre a matéria já ficou explicitada no ponto 3 do presente acórdão.
A ação de reivindicação deveria necessariamente ser julgada improcedente por não provada, por não ter cumprido a sua finalidade plena, nos termos do Art. 1311.º do C.C.. Mesmo que se devessem ressalvar o reconhecimento do direito de propriedade das A.A., que no contexto deste tipo de ação não goza efetivamente de verdadeira autonomia, como essa pretensão nunca foi sequer posta em causa pelas R.R., à mera procedência do “pedido” de simples apreciação (reconhecimento do direito de propriedade) também deverá corresponder a responsabilidade tributária das A.A., porque a parte contrária não deu causa a essa pretensão, quando isoladamente considerada (Art.s 527.º n.º 1 e 535.º n.º 1 do C.P.C.). Logo, a responsabilidade por custas competiria sempre inteiramente às A.A., improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.
Em resumo, em função de todo o exposto, a sentença recorrida deverá ser inteiramente confirmada, sem prejuízo de se ressalvar o reconhecimento de que as A.A. são as titulares do direito de propriedade sobre o imóvel dos autos, o que não tem qualquer implicação quanto ao necessário julgamento de que a ação de reivindicação improcede.
V–DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo-se a sentença recorrida que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo as R.R. dos pedidos contra si formulados, sem prejuízo de ressalvar o reconhecimento do direito de propriedade das A.A. sobre o imóvel que identificaram no artigo 1.º da petição inicial.
- Custas pelas Apelantes (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 8 de fevereiro de 2022
Carlos Oliveira Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva