CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RECUSA DE DEPOIMENTO
UNIDOS DE FACTO COM IRMÃO DO ARGUIDO
RELATÓRIO DA PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
VALORAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DA OFENDIDA
PRESTAÇÃO DE JURAMENTO POR TESTEMUNHA MENOR DE 16 ANOS
Sumário


I – Os unidos de facto com irmão do arguido ("cunhados de facto") não podem recusar-se a depor, nos termos previstos no art.º 134º/1 C.P.P.
II - O que consta da motivação do recurso, mas não das suas conclusões não pode ser apreciado, por estar fora do objecto do recurso.
III - Não podem ser utilizadas como meio de prova, as declarações que determinada testemunha faz a um Perito e que este reproduz depois no seu relatório de peritagem.
IV - A prestação de juramento por menor de 11 anos de idade antes da prestação de depoimento em julgamento traduz-se em mera irregularidade, que fica sanada se não arguida pelo interessado, no próprio acto.
V - A inexistência de fundamentação de facto quanto aos elementos subjetivos do tipo, conhecimento da ilicitude e factos não provados reconduz-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, que deve assim ser repetida para sanação desse vício.

Texto Integral


1 – Relatório

Por sentença proferida nestes autos em 19 de Março de 2 021, foi proferida a seguinte decisão, quanto ao arguido D. N.:

- foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos arts.º 152º/1, b), c) e n.º 2), C.P. e das penas acessórias de proibição de contactos e de inibição do poder paternal, p(s). no art.º 152º/4 e 6), C.P.;
- foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º/1, b), C.P., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, com a obrigação de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de produtos estupefacientes e manter-se profissionalmente ativo, devendo ainda frequentar um programa de formação específica de prevenção da violência doméstica, em moldes a indicar pela D.G.R.S.P;
- foi ainda atribuída a A. S. a quantia de 500€ (quinhentos euros), a suportar pelo arguido.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido, para tanto tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. Com o devido respeito, que é merecido, o Arguido não se pode conformar com a douta sentença proferida merecendo a mesma censura, pelo que, o Recurso versará sobre matéria de facto e direito.
2. Entendemos não ter sido produzida e examinada em sede de audiência de julgamento prova suficiente para dar como provada a restante factualidade.

A - DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA

3. O artigo 356.º nº6 do Código de Processo Penal prevê a proibição em qualquer caso a leitura do depoimento prestado em inquérito quando a testemunha validamente se tenha recusado a depor, in casu a ofendida nos presentes autos, quando advertida recusou-se legitimamente a depor.
4. Todavia, na fundamentação da sentença do tribunal a quo, refere-se precisamente às declarações da ofendida no âmbito da queixa apresentada, “ Na sequência da queixa apresentada pela ofendida a 2-1-2020, foi esta submetida a perícia de avaliação corporal, no dia 3-1-2020, relatando em ambos os locais os mesmos factos, indicando desde logo como testemunha a sua sobrinha L. R..”
5. Pelo que, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do artigo 356.º nº6, 126, nº 1 e 2 do CPP e 122º do CPP.
6. A testemunha M. P. é cunhado do arguido, porque conforme referiu vive em união de facto com a irmã do arguido, pelo que existe da inadmissibilidade da produção e valoração do depoimento do mesmo, cunhado do recorrente, uma vez que não foi advertido no previsto no artigo 134.º n.º1 alínea a) do Código de Processo Penal, pela Meritíssima Juiz a quo, embora exista uma equiparação face aos direitos vigentes no casamento. (Sessão de 18/09/2020, CD Faixa 3, inicio 10:14:46 e termo 10:42:06 passagem de 00:10 a 01:20).
7. Assim, nas situações taxativamente previstas no citado dispositivo, a testemunha pode recusar-se a prestar depoimento, após ser advertida para tal, o que não aconteceu.
8. Com efeito, é reconhecido à testemunha o direito estabelecido de forma abstracta e potestativa, de recusar-se a depor contra o afim até ao 2º grau, em nome de um direito próprio a evitar o conflito pessoal que resultaria para a testemunha de poder contribuir para a condenação de um familiar ao cumprir o dever legal de falar com verdade.
9. Trata-se sem sombra de dúvida da salvaguarda das relações de confiança e solidariedade no seio da instituição familiar.
10. Ora, entendemos que o depoimento da testemunha M. P. não pode ser valorado, nem pode ser requerido pelo MP a extracção de certidão das suas declarações.
11. A Meritíssima Juiz não podia em primeira mão exigir aquele depoimento e em segundo lugar valorá-lo como prova, em virtude de tal consubstanciar uma nulidade.
12. Todavia, apesar de o artigo 134º, nº 2 do CPP se referir expressamente à nulidade, tal não significa sem mais, que o mesmo se reporta ao regime das nulidades que trata o artigo 118, nº 1 e 119 a 123º, do CPP, pois constituindo o art. 134º norma relativa à produção de prova, é aplicável o regime das proibições de prova, na medida em que tal regime detém autonomia face ao regime geral das nulidades. É este o entendimento unânime da jurisprudência – Ac Tribunal Relação de Évora Proc. 1991/07 – 1.
13. Por outro lado, as proibições de prova não carecem de ser arguidas, desde logo porque não lhe sendo directamente aplicável o regime das nulidades, não vale quanto a elas a regra do artigo 119º do CPP.
14. Do ponto de vista formal não há, pois em regra que faça depender de arguição as proibições de prova, pelo que pode a mesma ser conhecida oficiosamente.
15. Assim, verifica-se a proibição de produção de prova e consequente proibição de valoração da mesma, a qual implica que se declare nulo e de nenhum valor probatório o depoimento prestado pela testemunha M. P. e todos os actos subsequentes, incluindo a sentença condenatória.
16. Tem ainda de serem considerados nulos, todos os actos subsequentes, incluindo a sentença.
17. Pois entende o recorrente, que a Meritíssima Juiz deverá observar o disposto no artigo 134, nº 2, do CPP, na medida em que a testemunha não foi advertida do direito que detinha.
18. Em consequência, não poderia a Meritíssima Juiz, porque a lei o proíbe, proceder a leitura de depoimento prestado no inquérito pela testemunha M. P..
19. Trata-se com efeito de uma proibição de prova, em todo qualquer caso.
20. Com efeito, toda a fundamentação da decisão e a respectiva valoração da prova produzida em Audiência de Julgamento subverte os princípios fundamentais e estruturantes de um Estado de Direito.
21. A decisão recorrida viola o disposto no nº 2 do art. 134º do CPP, na medida em que, sendo a testemunha afim em 2º grau na linha colateral do arguido, não poderiam ser tomadas declarações, ou pelo menos tal devia ter sido colocado à escolha da testemunha.
22. Nos termos do disposto no artigo 122º do CPP, a declaração de nulidade, torna inválido o acto e ordena a sua repetição.
23. Pelo que, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do 134º, nº 2 do CPP, 356º, nº 6 do CPP, 126, nº 1 e 2 do CPP e 122º do CPP.
24. Mais se assim não se entender, sempre se dirá que se não se equiparar a união de facto ao casamento, não sendo a testemunha M. P. considerado cunhado do arguido, estamos perante inconstitucionalidade do n.º 1 do citado artigo 134.º, quando interpretado no sentido de que a testemunha porque vive em união de facto com a irmã do arguido não é seu cunhado, por violação do Principio da Igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP.

B – DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

25. A questão suscitada é a de saber se os «factos provados», mesmo mantendo-se inalterados, são suficientes para a condenação do arguido por um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 nº 1 al. b) do Código Penal.
26. Afigura-se-nos que não está presente na factualidade provada, aquele quid, aquele plus de desvalor que fundamenta a especificidade do crime de violência doméstica.
27. A matéria provada nos pontos 3 a 6 da douta sentença condenatória é insuficiente para condenar o arguido pelo mencionado crime.
28. Os pontos 3, 4 e 5 da douta sentença condenatória são vagos e indefinidos incapazes de sustentarem a decisão alcançada.
29. Não resultou provado o dolo específico do arguido, ou que o mesmo tenha actuado com vontade de praticar a conduta que lhe é imputada e o seu resultado na integridade física da assistente.
30. Sem prescindir do que se adiantou, não ocorreu qualquer lesão grave da integridade física da vítima, conforme refere o próprio Relatório Pericial, quando conclui que “Na ausência de lesões ou registos clínicos referentes ao evento em análise, a perita não tem elementos para se pronunciar medico-legalmente sobre as consequências da eventual ofensa à integridade física.”, datado de 03 de janeiro de 2020, ou seja, supostamente no dia imediatamente a seguir à eventual agressão.
31. Face ao que se disse supra, condenando o arguido na prática do crime de violência doméstica incorreu o douto Tribunal a quo em ilegalidade, violando os artigos 152º do Código Penal, por erro notório na apreciação da prova, erro consagrado no nº 2 al. c) do artigo 412º CPP.
32. Estribando-se o douto Tribunal a quo, de modo exclusivo, nos depoimentos da testemunha menor L. R. que já nem se lembrava dos factos, apenas quando confrontada com as declarações prestadas na GNR durante o inquérito acabou por relembrar alguns factos, os quais se tivessem a gravidade necessária para o tipo de ilícito não se teria a testemunha esquecido dos mesmos, até se dos mesmos resultassem sequelas permanentes.
33. Admitindo provada a matéria de facto constante dos pontos nº 3 a 6, o douto Tribunal a quo deveria ter alterado a qualificação jurídica dos factos, para um crime de ofensas à integridade física simples, pelo qual seria eventualmente condenado o arguido, absolvendo-o do crime de violência doméstica por ausência dos seus elementos típicos.
34. Em suma, para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge, o que in casu não ocorreu.
35. No caso em apreço, uma análise dos factos dados como provados conduz-nos inelutavelmente à conclusão de que se não demonstraram os elementos constitutivos do tipo legal de crime de violência doméstica que foi imputado ao arguido, impondo-se, consequentemente, a sua absolvição, como bem decidiu o tribunal recorrido. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 1011/11.6GBBCL.G1, Relator: FERNANDO CHAVES, de 10-09-2012, disponível em www.dgsi.pt), por equiparação ao caso dos autos.
36. Assim, não é suficiente qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal, pelo que deve ser o arguido absolvido do crime de quem acusado, e a ser condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples, sempre a assistente teria a possibilidade de desistir da queixa, que se manifesta na sua negação a prestar declarações em audiência de julgamento, e o MP carecia de legitimidade para a continuação do procedimento criminal.
37. Pelo que, condenando o arguido na prática do crime de violência doméstica incorreu o douto Tribunal a quo em ilegalidade, violando os artigos 152º do Código Penal, por erro notório na apreciação da prova, erro consagrado no nº 2 al. c) do artigo 412º CPP.

TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E CONSEQUENTEMENTE, REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, FARÃO V. EXAS. A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.”

Contra-alegou o M.P. Considera que a advertência a que se referem os ns.º 1) e 2) do art.º 134º C.P.P. se refere até aos afins em 2ª grau e não a quem viva em união de facto com parente até 2º grau, não sendo pois tal prerrogativa de poder recusar o depoimento por razões familiares, era extensível a M. P., pois este vive em união de facto, não sendo casado, com uma irmã do arguido. Mesmo que assim não se entendesse, considera que a invocação da nulidade deveria ter sido feita até à conclusão do depoimento da testemunha (art.º 120º/3, a), C.P.P.), pelo que sempre estaria a mesma atualmente sanada. Quanto à eventual inconstitucionalidade do disposto no art.º 134º/1, a), C.P.P., relativamente à união de facto nesta parte, considerou que a lei apenas tratou de forma diferente, o que era diferente. No que se refere ao preenchimento do crime de violência doméstica, entende que o bem jurídico protegido é a “dignidade da pessoa humana” e que os factos dados como provados têm uma carga humilhatória, vexatória e de domínio sobre o outro, que os fazem integrar e preencher a previsão do crime de violência doméstica. Defende assim, que seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido.
A Senhora Juíza sustentou a matéria das arguidas nulidades, referindo que o anterior depoimento da ofendida não foi utilizado, mas apenas as suas declarações constantes do auto de notícia e da perícia psicológica realizada.
neste Tribunal, teve vista no recurso o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que deu o seu parecer. No que se refere à utilização das declarações de A. S. que constam do relatório da perícia psicológica efetuada, considera que as mesmas não têm qualquer escrutínio e não podem assim, ser utilizadas em julgamento nos termos do previsto no art.º 356º C.P.P. Assinala ainda que a menor L. R. tinha, ao tempo em que prestou depoimento a idade de 11 (onze) anos, estando por isso desobrigada de prestar juramento (art.º 91º/6, a), C.P.P.), que porém foi obrigada a prestar. Considera que quanto a estas duas questões, o Tribunal não se pronunciou sobre a validade desses meios de prova, o que determina a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Relativamente à questão do parente por “afinidade de facto”, refere não haver interesse em agir por parte do recorrente, uma vez que o depoimento foi desconsiderado, na sentença. Quanto à matéria da “impugnação da matéria de facto”, entende que o recorrente confunde o “erro notório na apreciação da prova”, com a impugnação da matéria de facto. Refere não existir o dito “erro notório” e que a credibilidade do depoimento de L. R. não é sindicável, pois vigora aí o princípio da livre apreciação da prova. Quanto aos factos provados e preenchimento da previsão co crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º C.P., considera que a conduta assumida pelo arguido se revelou de “dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge ou companheira, manifestando uma vivência de domínio e subjugação. Pelo que, em seu entender deverá ser negado provimento ao recurso interposto.
Notificado o recorrente, nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo não respondeu.
Os autos vão ser julgados em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos

Para melhor concretização das questões em causa nos autos, transcrever-se-á de
seguida, a sentença proferida:

“Relatório
Em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público acusou:
D. N., solteiro, trolha, filho de J. N. e de R. L., nascido em ..-04-1995, domicílio: Rua do … Terras de Bouro.
Imputando ao arguido em autoria material a prática de factos que, em seu entender, integram um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º n.º 1 alíneas b) e c) e n.º 2, do Código Penal, incorrendo ainda nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima, nos termos do n.º 5 da mesma disposição legal, e de inibição do exercício do poder paternal, nos termos do n.º 6, da mesma disposição legal.
A fls. 145, foi proferido o despacho a que aludem os artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Penal e, posteriormente, nada ocorreu que afetasse a validade e a regularidade da instância aí afirmadas.
O arguido apresentou contestação a fls. 162, oferecendo o merecimento dos autos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, comunicando-se ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação.
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

*
Fundamentação.

De facto:
Resultou provado que:
1. O arguido e a ofendida A. S. vivem em união de cama, mesa e habitação pelo menos desde 2019.
2. Durante esse período, o arguido e ofendida viveram, designadamente, numa residência sita no Lugar …, sem número, …, Vila Verde, pertença dos pais do arguido.
3. Em data não apurada do início do ano de 2020, ao fim da tarde, a ofendida encontrava-se na casa da mãe, sita na numa residência sita na Travessa do …, s/ número, Vila Verde.
4. O arguido dirigiu-se à residência onde a ofendida se encontrava, entrou na mesma e perguntou à ofendida quem é que lhe tinha carregado o telemóvel e como é que a mesma tinha dinheiro no telemóvel, ao mesmo tempo que a apelidava de “puta” e “filha da puta”.
5. De imediato, o arguido pegou no telemóvel da ofendida, retirou-lhe o cartão e partiu-o, após o que, pegou no referido aparelho e, com o mesmo, desferiu uma pancada, com força, na cabeça de A. S..
6. Em consequência do descrito, A. S. sofreu dores de cabeça.
7. O arguido, por força dos atos descritos, causou a A. S., sua companheira, sofrimento ao nível físico e psíquico, humilhação, nervosismo, constrangimento e desgosto, ofendendo a sua honra e consideração, o que lhe causou instabilidade emocional, e se refletiu na sua vida e no seu dia-a-dia.
8. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com plena consciência de que não lhe era permitido atingir, como fez, a integridade física e psíquica da ofendida, a sua liberdade, submetendo-a a ato de violência física e psíquica, humilhando-a, fragilizando-a e afetando a sua dignidade enquanto pessoa humana.
9. O arguido sabia que as condutas eram proibidas e punidas pela lei penal como crime.
10. O arguido reside com a companheira, a irmã e o companheiro da irmã, em casa arrendada. Os filhos dos casais residem com os avós. Aufere mensalmente cerca de € 650,00, a sua companheira é doméstica e encontra-se grávida. Não dá qualquer sustento para o filho. Tem o 9.º ano de escolaridade.
11. O arguido tem como antecedentes criminais a prática de um crime de furto qualificado em 05/05/2012, pelo qual foi condenado em 20-06-2014, por sentença transitada em julgado em 05-09-2014, na pena de 10 meses de prisão suspensa por 1 ano, no Processo comum singular n.º 351/12.1GBVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Vila Verde.

Factos não provados:
1. O arguido e a ofendida residiram juntos desde junho de 2018 até 2 de janeiro de 2020.
2. Dessa relação nasceu a menor D. F., no dia - de abril de 2019, atualmente sujeita a medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar, na pessoa dos avós paternos.
3. Desde que a filha nasceu, o arguido alterou o seu comportamento para com a ofendida e passou a demonstrar comportamento possessivo e autoritário para com a mesma.
4. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de maio de 2019, quando a filha da ofendida e do arguido tinha, aproximadamente, 15 dias, na sequência de uma discussão relacionada com os cuidados da menor D. F., o arguido desferiu uma bofetada na cara da ofendida, que lhe provocou dores.
5. Em data não concretamente apurada, no decurso do mês de junho de 2019, no interior da referida casa, em momento em que a menor D. F. se encontrava a dormir, o arguido colocou música em tom muito alto, na sequência do que a ofendida se insurgiu com o comportamento do arguido e lhe disse que podia acordar a bebé.
6. Nessa ocasião, o arguido agarrou a ofendida, agarrou-a pela cabeça, puxou-a, com força, fazendo-a embater contra um espelho.
7. No 2.º dia da festa das colheitas de Vila Verde, no mês de outubro de 2019, no interior da referida casa, quando a ofendida e o arguido se prepararam para sair de casa, o arguido perguntou à ofendida pelas mortalhas ao que a mesma respondeu que não sabia.
8. De imediato, o arguido desferiu-lhe murros, bofetadas e pontapés que a atingiram no corpo, na sequência do que a mesma caiu ao chão.
9. Quando se encontrava caída no solo, o arguido desferiu-lhe mais pontapés, que atingiram no corpo.
10. Em consequência do descrito, A. S. sofreu dores e hematomas em todo o corpo.
11. Desde então, até desaparecerem os hematomas, o arguido fechou a ofendida em casa e, quando os hematomas desapareceram, apenas permitia que a ofendida saísse de casa acompanhada por si ou pela sua mãe.
12. Em data não concretamente apurada, aproximadamente no mês de dezembro de 2019, o arguido chegou a casa, cerca das 4.00 horas da madrugada, alcoolizado e, aparentemente, sob efeito de estupefacientes.
13. Quando chegou ao quarto de dormir, o arguido começou a implicar com a ofendida, sem qualquer razão, após o que, lhe desferiu murros e pontapés que a atingiram o corpo e após arrastou-a, pelos cabelos, pelo chão.
14. O comportamento do arguido apenas cessou quando a irmã do arguido, de nome S. e o companheiro desta, de nome M. P. entraram no quarto e separaram o arguido da ofendida inviabilizando que este continuasse a agredi-la.
15. Em consequência do descrito, A. S. sofreu dores e hematomas.
16. Os factos descritos em 17.º a 21.º ocorreram no dia 1 de janeiro de 2020, cerca das 19.30 horas.
17. O arguido, de forma não concretamente apurada, apercebeu-se que a ofendida tinha efetuado o carregamento do seu telemóvel.
19. O arguido partiu o telemóvel.
20. Depois, o arguido tentou que a ofendida regressasse para casa consigo, mas a mesma recusou-se a acompanhá-lo.
21. Perante tal recusa, o arguido saiu e, pouco tempo depois, regressou para levar a menor D. F. consigo, sem o acordo da ofendida.
22. Quando a ofendida tentava impedir que o arguido levasse a menor o arguido disse-lhe que se tentasse fazer alguma coisa contra si, a menina é que sofre, após o que se ausentou da referida casa, levando consigo a menor.
23. Desde então, o arguido passou a controlar as visitas da ofendida à menor, apenas permitindo que a ofendida a visse, na sua presença, ou mediante a supervisão de um membro da sua família.
24. O arguido causou instabilidade emocional permanente à ofendida e submeteu-a a situações reiteradas de violência.
25. O arguido é pessoa séria, educada e respeitado no meio social onde se encontra inserido.
26. O arguido é visto por todos quanto o conhecem como pessoa pacata, que nunca ofende ninguém e respeitador de todos aqueles que com ele convivem e falam.

Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção na concatenação das declarações de L. R., com o teor do relatório pericial e do relatório social.
Arguido e ofendida não prestaram declarações.
M. P. é companheiro da irmã do arguido, tendo residido na mesma casa em que o casal vivia, relatando que ouviu a filha do casal a chorar e temendo que ela tivesse caído foi busca-la ao quarto do casal.
O depoimento desta testemunha não teve qualquer relevo, desde logo por não fazer qualquer sentido que tenha ido ao quarto do casal buscar a criança sem razão, omitindo claramente os factos.
L. R., de onze anos, começou por dizer não se lembrar dos factos, num discurso claramente ensaiado. Quando confrontada com as declarações prestadas em sede de inquérito, mostrou desconforto e acabou por admitir que tudo o que dissera era verdade.
Não foi produzida prova relativamente a toda a matéria que resultou não provada, tal como nenhuma prova foi produzida que pudesse infirmar a versão da testemunha que foi pormenorizada, sendo o seu depoimento prestado em data próxima da ocorrência dos factos.
Na sequência da queixa apresentada pela ofendida a 2-1-2020, foi esta submetida a perícia de avaliação corporal, no dia 3-1-2020, relatando em ambos os locais os mesmos factos, indicando desde logo como testemunha a sua sobrinha L. R.. No exame médico efetuado fez referência a dor à palpação da região parietal direita, o que se coaduna com a alegada pancada que sofreu.
Do relatório social de folhas 102 e seguintes resulta que a relação de arguido e ofendida era conturbada, que a relação terminou a 1-1-2020, na sequência de mais uma discussão.
Atendendo a que os depoimentos testemunhais ouvidos em sede de audiência de julgamento não se revelaram credíveis, resta apenas a análise das declarações prestadas em sede de inquérito por L. R.. A postura desta testemunha em audiência de julgamento denunciou claramente o seu interesse em ocultar os factos de que tinha conhecimento, sendo certo que nada a move contra o arguido, antes pelo contrário, pretendia beneficiá-lo. A sua notória preocupação em ocultar os factos, indicia desde logo que tinha conhecimento de factos que poderiam incriminar o arguido. Quando confrontada com as suas declarações prestadas em sede de inquérito ficou claramente comprometida, adotando uma postura contraída, acabando por admitir que as mesmas correspondiam à verdade. Ora, nenhuma prova foi produzida que possa abalar a credibilidade dessas declarações, antes pelo contrário, todos os demais elementos de prova produzidos apontam no mesmo sentido. A testemunha prestou declarações cerca de três meses após a ocorrência dos factos, o que contribui para a credibilidade e genuinidade do seu relato, tendo os factos ocorrido na sua presença. Por outro lado, as declarações prestadas são escorreitas, não se mostram inquinadas por qualquer orientação e nada move a testemunha contra o arguido. Aliás, resulta das mesmas que a testemunha já nem com a ofendida mantinha contacto pois esta tinha regressado para junto do arguido.
Assim, atendendo ao único depoimento desprendido e credível que foi produzido, corroborado indiciariamente por outros elementos de prova, resultou provada a matéria dos artigos 17. e 19. a 21. da acusação, ainda que parcialmente.
A prova do nascimento e filiação de D. F. depende da junção de documento autêntico (artigo 1802.º do Código Civil), que inexiste nos autos.
A situação pessoal do arguido teve por base as suas declarações, não infirmadas por outros meios de prova.
A matéria dos artigos 26.º a 28.º da acusação teve por base as regras da experiência comum, atentos os factos objetivos que resultaram provados.
*
De direito.

Vem o arguido acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 b) e c) e n.º 2 do Código Penal, nos termos do qual é punido com pena de prisão de dois a cinco anos quem infligir a pessoa que com ele conviva em condições análogas às dos cônjuges ou a progenitor de descendente comum em primeiro grau, maus tratos físicos ou psíquicos, no interior da habitação comum ou na presença de menor. Atualmente a conduta é punida nos termos do artigo 152.º n.º 1 b) e c) e n.º 2 a) do Código Penal, de acordo com a alteração introduzida pela Lei n.º 44/2018, de 9-8.
Resulta da factualidade provada que o arguido agrediu e insultou a ofendida.
O bem jurídico protegido é, desde logo, a dignidade da pessoa humana, a integridade física e psíquica das pessoas que, por terem, ou terem tido, uma relação afetiva com o agressor, ficam mais vulneráveis em relação a ele.
Pretende-se prevenir as formas de violência no seio da família, considerada a significação alargada do conceito, que afetam, em geral de forma muito grave, quer a saúde física quer a psíquica da pessoa a elas sujeita.
Preocupação que o próprio Conselho da Europa manifestou, como o recordam Leal Henriques e Simas Santos, caraterizando a violência como “o acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade” (in Código Penal Anotado, 3.ª edição, 2.º Volume, pág. 298).
Cabem na previsibilidade típica não só as agressões físicas como também as ameaças, os insultos, as humilhações, que representam formas de violência psíquica de consequências por vezes mais graves do que as primeiras.
A Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, dispensando a reiteração para o preenchimento deste tipo legal de crime, acabou com a discussão doutrinal e jurisprudencial sobre a questão. Agora basta apenas um ato ofensivo, desde que ele revista uma intensidade tão forte, ao nível do desvalor, quer da ação, quer do resultado, que seja o bastante para lesar o bem jurídico protegido. Também a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, configura desse modo o crime de violência doméstica nos seus artigos 2.º n.º 1 e 3.º b) “«Violência doméstica» abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex-cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima”.
Estamos perante uma situação de violência doméstica física e psíquica. Com efeito, resultou dos autos que a ofendida foi agredida e insultada pelo arguido, agindo sempre de modo livre, voluntário e consciente. Atendendo à relação afetiva existente entre arguido e ofendida, entende-se que as condutas imputadas ao arguido atingem a dignidade da ofendida enquanto mulher e enquanto companheira do arguido.
Mostram-se claramente preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime em apreço sem que, contudo, se verifique a agravação do artigo 152.º n.º 2 do Código Penal.

Da medida concreta da pena

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Cumpre aqui salientar um dos princípios basilares e fundamentais do direito penal: o princípio da culpa, segundo o qual, como se sabe, em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa, constituindo esta, assim, um limite inultrapassável da pena.
O crime de violência doméstica admite apenas a aplicação de uma pena de prisão que apresenta uma moldura penal abstrata que se encontra compreendida entre um e cinco anos de prisão – artigo 152.º n.º 1 b) do Código Penal.
Na escolha e determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Tendo em conta o estatuído no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da pena concreta a aplicar ao arguido, dentro dos limites legalmente fixados (artigo 47.º n.º 1 do Código Penal), far-se-á em função da culpa manifestada no facto e das exigências de prevenção de futuros crimes. O limite máximo e inultrapassável da pena a aplicar ao arguido será fixado de acordo com a sua culpa (artigo 40.º n.º 2 do Código Penal). O limite mínimo será estabelecido em função das exigências de prevenção geral que no caso se verifiquem.
E a pena a aplicar concretamente dentro da submoldura assim encontrada será determinada, finalmente, de acordo com as exigências de prevenção especial – mormente na vertente de socialização – que ao caso couberem, artigo 40.º n.º 1 do Código Penal.
Nos termos do artigo 71.º n.º 2 do Código Penal devem considerar-se ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor e contra o agente.
As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, sendo a violência doméstica um dos crimes mais frequentes nesta comarca e por todo o País, com consequências muitas vezes trágicas. Ao nível da prevenção especial, atendendo a que o arguido tem antecedentes criminais registados verificam-se necessidades cautelares significativas. Importa contudo atentar na atual situação de reconciliação do casal, sendo que a ofendida não trabalha e está grávida. O arguido está profissionalmente inserido.
Considerando ainda os factos, a pouca gravidade das agressões e insultos perpetrados, a ilicitude num patamar mediano e o dolo direto, julga-se adequada a aplicação da pena de um ano e seis meses de prisão relativamente ao crime de violência doméstica.
Atendendo aos efeitos altamente criminógenos da prisão, ponderando que o casal está reconciliado e inclusivamente à espera do segundo filho, o Tribunal decide suspender a execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do Código Penal por um prazo de um ano e seis meses, sujeita a regime de prova. Nos termos do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009: A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio. Atenta a concreta situação dos autos, a postura da vítima em audiência de julgamento e a sua atual situação, a suspensão da execução da pena de prisão ficará sujeita a regime de prova (artigo 53.º do Código Penal) que incluirá a obrigação de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de produtos estupefacientes e manter-se profissionalmente ativo, devendo ainda frequentar um programa ou formação específico de prevenção de violência doméstica em moldes a indicar pela DGRSP.
Incorre ainda o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida nos termos do artigo 152.º n.º 5 do Código Penal, atendendo à prova produzida em julgamento, uma vez que se afigura contraproducente uma medida que afaste arguido e ofendida num altura em que estão reconciliados e à espera do segundo filho, considera-se que inexiste perigo concreto de prossecução da atividade criminosa, pelo que será o arguido absolvido desta pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência.
Incorre ainda o arguido na pena acessória de inibição do exercício do poder paternal nos termos do artigo 152.º n.º 6 do Código Penal, não resultaram provados factos que possam fundamentar a aplicação desta pena acessória, pelo que será o arguido absolvido da mesma.
Nos termos do artigo 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Determina o artigo 82.º-A n.º 1 do Código de Processo Penal que «não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

No caso concreto, atendendo à pouca gravidade da conduta do arguido, atendendo a que continua a sustentar a vítima, entendemos ser adequada a atribuição de uma quantia nos termos previstos neste artigo, que se fixa em € 500,00.

Decisão

Pelo exposto, o Tribunal decide:
- Absolver o arguido D. N. da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º n.º 1 b) e c) e n.º 2 a) do Código Penal e das penas acessórias de proibição de contactos e inibição do poder paternal, previstas no artigo 152.º n.º 4 e n.º 6 do Código Penal.
- Condenar o arguido D. N. pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º n.º 1 b) do Código Penal, numa pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, sujeita a regime de prova a acompanhar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que incluirá a obrigação de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de produtos estupefacientes e manter-se profissionalmente ativo, devendo ainda frequentar um programa ou formação específico de prevenção de violência doméstica em moldes a indicar pela DGRSP.
- Condena-se o arguido no pagamento de duas UCs de taxa de justiça e dos respetivos encargos – artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
- Atribui-se a A. S. uma compensação de quinhentos euros a suportar pelo arguido.
Após trânsito:
- Comunique ao registo criminal;
- Comunique nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 112/2009, de 16-09;
- Oficie à Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais solicitando que diligencie pela elaboração de plano de readaptação social que inclua as obrigações judicialmente fixadas.
Notifique, incluindo a ofendida.
Procedo ao depósito.”
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2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Advertência de que Pode Não Prestar Depoimento aos Unidos de Facto com Parentes ao 2º Grau
2.1.2. – Do Confronto da Testemunha L. R. com o seu Anterior Depoimento
2.1.3. – Da Utilização de Declarações da Testemunha A. S., Prestadas quando da Elaboração da Perícia Médica
2.1.4. – Da Prestação de Juramento antes da Prestação de Depoimento por Menor de 11 Anos de Idade
2.1.5. – Da Ausência de Motivação quanto aos Elementos Subjetivos do Tipo e os Factos Não Provados

2.1.1. – Da Advertência de que Pode Não Prestar Depoimento aos Unidos de Facto com Parentes ao 2º Grau
São suscitadas, quer pelo arguido recorrente, quer pelo Dignm.º Procurador Geral Adjunto várias nulidades da sentença e do julgamento que, a proceder, tornarão prejudicadas as questões de fundo colocadas e determinarão ou a nulidade de depoimentos, do julgamento ou da sentença proferida.
Assim e em termos metodológicos, opta-se por conhecer de todas as nulidades suscitadas, no sentido de quanto às mesmas se formar caso julgado e se decidir pela necessidade de declarar alguma nulidade ou de passar à apreciação do mérito da causa.
A primeira questão posta pelo arguido recorrente é muito simples de expor. Estarão os unidos de facto com irmãos dos arguidos incluídos na previsão do art.º 134º/1, a), C.P.P., quando aqui se refere os afins até ao 2º grau gozam da prerrogativa de não depor, do que devem ser avisados antes do seu depoimento sob pena de nulidade (art.º 134º/2 C.P.P.)?
Isto é, se é indubitável que os irmãos (parentes até ao 2º grau) e cunhados (afins até ao 2º grau) se podem recusar a depor, do que devem ser informados sob pena de nulidade, importa saber se tal regime deve ser estendido as “unidos de facto” com irmãos.
Como se sabe, este normativo visa proteger a família e os próprios depoentes familiares do arguido, que teriam de optar entre a legalidade, no sentido de prestarem um depoimento verdadeiro e a lealdade pessoal e familiar, no sentido de poderem concorrer para a condenação penal, de alguém que lhes é próximo.
Que a lei reconheceu, dando primazia aos valores da lealdade e coesão familiar, estabelecendo que os familiares muito próximos (parentes e afins até ao 2º grau) têm de ser informados da dita prerrogativa de poderem não prestar depoimento, só o prestando caso queiram.
“Quid júris” porém, se o “cunhado” não é casado com o irmão do arguido, apenas vivendo com ele em união de facto? Ou seja: juridicamente o casado tem um estatuto idêntico ao unido de facto?
Ora, no casamento há uma série de impedimentos (arts.º 1 601º e 1 602º C.C.), deveres conjugais (arts.º 1 671º e segs. C.C.), regras de administração de bens (arts.º 1 678º e segs. C.C.), regras sobre dívidas dos cônjuges (arts.º 1 690º e segs. C.C.), três regimes de bens (arts.º 1 717º e segs., 1 721º e segs., 1 732º e segs. e 1 735º e segte., C.C.), tal como efeitos sucessórios (arts.º 2 132º/2 133º C.C.).
Na união de facto, não há deveres previstos na lei, regras sobre bens, nem direitos sucessórios. Também goza de proteção legal, mas apenas em questões muito concretas, das quais se destacam a proteção da “casa de morada de família” e o regime de acesso a prestações por morte.
Assim e muito embora aos olhos de muitos e em termos sociais, casamento e união de facto sejam situações de facto sobreponíveis, o certo é que, em termos jurídicos têm um tratamento muito diferente.
E tanto é assim, que o próprio n.º 2) do art.º 134º C.P.P. diferencia, à semelhança do que ocorria já na versão original do C.P.P., a possibilidade de recusa do depoimento pelo cônjuge do arguido ou por quem vive com o mesmo, em união de facto:
- o cônjuge pode sempre recusar-se a depor e o ex-cônjuge também, mas apenas quanto ao factos ocorridos durante o casamento – art.º 134º/1, a) e b), C.P.P.;
- quem vive ou viveu com o arguido em condições análogas às dos cônjuges apenas se pode recusar a depor, quanto aos factos ocorridos durante a coabitação (art.º 134º/1, b), C.P.P.).
A situação do atual cônjuge e do atual companheiro, em termos de possibilidade de recusa de depoimento, são assim muito mais restritas na união de facto.
Se entre os atuais cônjuge e companheiro a lei quis fazer esta diferença, fica também explicada a diferença de regimes entre o cunhado (casado com a irmã) e o companheiro da mesma.
Parece pois, que a ausência de referência ao companheiro (a) do irmão (ã) no art.º 134º C.P.P. tenha sido intencional, pelo que não pode fazer-se uma interpretação extensiva deste normativo a estes casos.
Ocorrendo realidades distantes – casamento e união de facto – não pode estar em causa o princípio Constitucional da igualdade (art.º 13º C.R.P.), porquanto este só é aplicável a situações idênticas.
Além do mais e como bem diz o Dignm.º P.G.A., este depoimento não alicerçou o juízo de condenação por ter sido desconsiderado, pelo que não faz sentido atacá-lo em termos de validade, por falta de interesse em agir.
Deste modo, o disposto no art.º 134º C.P.P. não pode estender-se à testemunha M. P., que vive em união de facto com a irmã do arguido.
Improcedem pois, as invocadas nulidade e inconstitucionalidade em sede de recurso.

2.1.2. – Do Confronto da Testemunha L. R. com o seu Anterior Depoimento

O recorrente D. N. invocou, na motivação do seu recurso, a nulidade deste depoimento, nos termos do disposto nos arts.º 356º/6, 126º/1 e 2) e 122º C.P.P.
Porém, não reproduziu esta invocação, nas conclusões do mesmo.
Como se sabe, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.
O que quer dizer que esta matéria não constitui, em face da omissão verificada, objeto do recurso interposto pelo arguido D. N..
Assim, não será abordada.

2.1.3. – Da Utilização de Declarações da Testemunha A. S., Prestadas quando da Elaboração da Perícia Médica

O Dignm.º P.G.A. suscitou ainda outros dois tipos de nulidades por motivos formais, uma das quais foi, a utilização das declarações da testemunha ofendida A. S. prestadas quando da realização da perícia médico-legal e reproduzidas pelo Senhor Perito Médico, a fls. 25
Aí, refere-se que a mesma transmitiu ao Perito ter sido agredida pelo arguido, pelo que amos regressaram à casa dos Pais e referir “dor à palpação da região parietal direita”. Não foram porém observáveis lesões traumáticas.
Na motivação da decisão de facto, referiu-se na sentença recorrida, que a “convicção do Tribunal se baseou na concatenação das declarações de L. R. (leia-se depoimento), com o teor do relatório pericial e do relatório social – fls. 247V.º.
Lembre-se que o relatório pericial de fls. 24/26 apenas revelou que a ofendida tinha tonturas, sem necessidade de medicação, bem como um sentimento de revolta, “com o contexto de violência relatado”, tendo-se concluído que, “na ausência de lesões ou registos clínicos referentes ao evento em análise, a perita não tem elementos para se pronunciar medico-legalmente, sobre as consequências da eventual ofensa à integridade física”.
Ou seja: medicamente não existiam sinais objetivos de agressão, na pessoa da ofendida.
Mais à frente e ainda na referida motivação da sentença, diz-se que na queixa apresentada e no relatório da perícia medico-legal, a ofendida relatou em “ambos os locais os mesmos factos, indicando logo como testemunha a sua sobrinha L. R..
O que quer dizer que o Tribunal valorou as declarações da ofendida A. S. ao Senhor Perito Médico.
Estas resultam pois, da perceção que o mesmo teve das ditas declarações.
Ora, o art.º 355º C.P.P. trata da exigência de as provas serem produzidas ou examinadas em audiência, referindo no seu n.º 2), que isso pode não acontecer nos atos processuais cuja leitura, visualização ou audição pode ser feita em audiência, nos termos dos arts.º seguintes. Estes são os arts.º 356º C.P.P. (que trata da possibilidade de reprodução ou leitura de autos e declarações) e 357º C.P.P. (que trata da possibilidade de reprodução ou leitura de anteriores declarações do arguido).
Percorrendo o citado art.º 356º C.P.P., em lado algum se refere a possibilidade de reproduzir ou ler em audiência, anteriores declarações da testemunha perante Perito Médico. Mais, refere-se até, no art.º 356º/6 C.P.P., que é proibida em qualquer caso, a leitura em audiência do depoimento prestado pela testemunha em Inquérito ou Instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
Assim e nos termos do disposto no art.º 355º C.P.P., estas nunca poderiam ser analisadas em audiência, sendo pois insuscetíveis de servir para formar a convicção do Tribunal.
Como disse e bem o Senhor Procurador Geral Adjunto no seu parecer, tratam-se de “declarações de testemunha sem qualquer escrutínio” ao que se acrescenta que são apócrifas, pois nem foram assinadas e confirmadas pela testemunha.
Objetivamente pois, podem não conter o rigor ou a segurança exigíveis, para que uma prova seja avaliada pelo Tribunal. É que a maior preocupação e competência do Senhor Perito é a de fazer um diagnóstico das lesões físicas ou psíquicas observáveis e verificar do seu nexo de causalidade com o eventual ato ilícito e sequelas. Qualquer conversa tida com a examinanda visa traçar a anamnese das eventuais lesões e nunca a inquirição da testemunha, no sentido de verificar da credibilidade ou plausibilidade da versão. Estes critérios só estarão em causa quanto às lesões médicas observáveis.
Tratam-se assim de provas proibidas e que não podem pois, ser utilizadas para que o Tribunal forme a sua convicção.
Concorda-se assim, com a nulidade arguida pelo Dignm.º P.G.A., do que resulta a utilização pelo Tribunal de um meio de prova proibido por lei e do que resulta a necessidade de que o Tribunal reformule a sua convicção e factos fixados, sem recurso a este meio de prova.
Não se entende porém que haja nulidade por omissão de pronúncia quanto á validade do meio de prova, porquanto o que é certo é que se ele foi utilizado na motivação da matéria de facto, porquanto foi necessariamente tomado como válido.
Mais que qualquer nulidade por omissão de pronúncia, está pois em causa a utilização de um meio proibido de prova, na formação da convicção do Tribunal.
Concorda-se pois com os argumentos e invocação feita pelo Senhor P.G.A., do que resulta a anulação da sentença proferida e a necessidade de a substituir por outra, que não utilize como meio de prova as declarações da ofendida A. S., perante o Senhor Perito Médico.

2.1.4. – Da Prestação de Juramento antes da Prestação de Depoimento por Menor de 11 Anos de Idade

Coloca ainda o Dignm.º Procurador Geral adjunto a questão de a menor L. R., de 11 (onze) anos de idade, ter sido obrigada a prestar juramento (cfr. ata de julgamento, a fls. 179, “in fine”).
É que efetivamente e por ser menor de 16 (dezasseis) anos de idade, não o tinha de fazer.
Porém, a própria lei não comina a inobservância do estabelecido com qualquer nulidade.
Em termos materiais, trata-se de uma mera irregularidade que não se traduz em qualquer prova proibida ou em método proibido da prova (cfr. art.º 126º C.P.P.).
É que, jurando ou não jurando, a verdade é que qualquer testemunha, de qualquer idade, está sempre vinculada ao dever de responder com verdade, às perguntas que lhe forem dirigidas (art.º 132º/1, d), C.P.).
Trata-se pois, de mera irregularidade que se encontra sanada, por não arguida pelos interessados no próprio julgamento (art.º 123º/1 C.P.P.) – M.P. e arguido.
A irregularidade que sem dúvida foi cometida encontra-se pois sanada, por não arguida no tempo legal.
Quanto a este facto, nada pois a alterar à decisão recorrida.

2.1.5. – Da Ausência de Motivação quanto aos Elementos Subjetivos do Tipo e os Factos Não Provados

A matéria constante dos arts.º 8º e 9º dos factos provados diz respeito ao elemento subjetivo do tipo e ao conhecimento da ilicitude, por parte do arguido.
Porém, na motivação da decisão de facto nada se diz, quanto à razão ou fundamento do Tribunal, em dar esta matéria como provada.
Do mesmo modo, da sentença constam 28 (vinte e oito) arts.º, quanto a factos não provados.
Também quanto à motivação desta decisão quanto aos factos não provados, a sentença recorrida é completamente omissa, o que contraria o disposto no art.º 374º/2 C.P.P.
Considera-se assim, que não obstante haja formalmente uma motivação da decisão de facto, na mesma o Tribunal não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar.
O que se reconduz também a nulidade, por omissão de pronúncia (art.º 374º/1, c), C.P.P.) que pode ser conhecida oficiosamente, em sede recurso – nos termos do disposto no art.º 379º/2 C.P.P., as nulidades devem ser arguidas ou conhecidas, em sede de recurso. O que quer dizer que podem ser conhecidas, mesmo que não arguidas pelos sujeitos processuais, isto é, que podem ser de conhecimento oficioso. O que bem se compreende, pois as nulidades são de tal forma graves, que põem em causa a subsistência do próprio ato nulo e muito mais, no caso de uma sentença.
Pelo que, a sentença proferida é também nula, por omissão de pronúncia quanto à fundamentação das partes referentes ao elemento subjetivo do tipo e conhecimento da ilicitude (arts.º 8º e 9º dos factos provados) e pela omissão total de fundamentação quanto aos 26 (vinte e seis) arts.º constantes dos factos provados – devendo tal nulidade ser suprida também, em nova sentença a proferir.
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Razões por que e por este duplo fundamento será declarada de novo, a nulidade da decisão recorrida.
Esta decisão prejudica a análise das demais questões suscitadas no recurso do arguido.
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Termos em que, se decide

3 – Decisão

a) declarar parcialmente procedente o recurso embora por argumentos diferentes dos suscitados no recurso apresentado pelo arguido D. N., por via disso se declarando a nulidade da nova sentença proferida, quer por se basear em prova ilegal (as eventuais declarações da ofendida perante o Senhor Perito Médico), quer por omissão de pronúncia (por ausência de motivação quanto aos factos provados referentes ao elemento subjetivo do dolo e conhecimento da ilicitude, bem como quanto a todos os factos não provados), devendo estes vícios ser expurgados em nova sentença a proferir em 1ª instância, caso possível pela mesma Senhora Juíza.
b) Sem custas, por não ocorrer decaimento integral do recorrente (art.º 513º/1 C.P.P., “a contrario”.
c) Notifique.
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2 022

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Furtado)