CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS COM A VÍTIMA
FISCALIZAÇÃO POR MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA
ARBITRAMENTO OFICIOSO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – A utilização da vigilância electrónica, na fiscalização do cumprimento de penas acessórias aplicadas em contexto de violência doméstica, não está configurada como “regime regra”, nem surge como uma imposição, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a protecção da vítima.
II – A aplicação dessa vigilância, enquanto medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afectados, está dependente, por um lado, de um juízo de imprescindibilidade face às necessidades de protecção da vítima e, por outro lado, do consentimento do condenado, da vítima e de terceiros por ela afectados.
III – O legislador limita a casos especiais a possibilidade de o juiz dispensar o consentimento (imprescindibilidade para a protecção dos direitos da vítima), mas sempre mediante decisão fundamentada (a envolver, necessariamente, um juízo de ponderação entre os interesses em conflito).
IV - Na ausência dessa fundamentação, elaborada em termos suficientes e cabais, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios técnicos de controlo à distância.
V – A quantia indemnizatória arbitrada oficiosamente não está limitada ao valor eventualmente indicado pelo Ministério Público no despacho de encerramento do inquérito.

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum singular, com o NUIPC540/20.5GAEPS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Competência Genérica (Juiz 1), foi proferida sentença, em 13-10-2021, com o seguinte dispositivo (transcrição):

«VI. Decisão:
Por todo o exposto, decido:
a) Condenar o arguido M. M. pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n° 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal na pena de três anos de prisão.
b) Suspender a execução da pena de prisão de três anos, por igual período, suspensão esta sujeita a regime de prova que contemplará, pelo menos, a necessidade de o arguido frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica;
c) Condenar o arguido M. M. na acessória de proibição de uso e porte de arma, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos.
d) Condenar o arguido M. M. na acessória de proibição de proibição de contacto com a vítima e afastamento da residência desta, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com dispensa de consentimento do arguido, excetuando-se os contactos necessários à resolução das questões atinentes à filha de ambos que deverão ser tratados preferencialmente via telefone, mensagens escritas e correio eletrónico.
e) Condenar o arguido M. M. na pena acessória de obrigação de frequência de programas de prevenção da violência doméstica, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal de acordo com o plano de reinserção social que vier a ser delineado.
f) Condenar o arguido M. M. a pagar à ofendida A. C. a quantia de €5.000 (cinco mil euros) a título de reparação.
**
Mais se condena o arguido M. M. no pagamento de custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC»

2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido M. M..

Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES:

a) Pretende o arguido recorrer da decisão do tribunal a quo em o condenar na pena acessória de proibição de contacto com a vítima e afastamento da residência desta pelo período de três anos, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
b) No decorrer da fase de inquérito foi o arguido submetido à medida de coacção de proibição de contacto com a ofendida com recurso à fiscalização, por meio técnico de controlo à distância.
c) Durante esse período de tempo o arguido não violou quaisquer dos deveres a que estava legalmente obrigado.
d) Por força da mudança da vítima para …, França, entendeu-se não se justificar a manutenção das medidas de controlo à distância implementadas, pelo que, mantendo-se a proibição de contacto com a vítima, foi retirada ao arguido a pulseira electrónica que visava fiscalizar o respectivo cumprimento.
e) Após ter sido retirada a pulseira electrónica ao arguido, a ofendida regressou a Portugal por ocasião das suas férias, tendo o Arguido obtido conhecimento dessa situação e, em momento algum, infringiu ou tentou infringir a imposição de proibição de contactar com vítima.
f) Mantendo-se a ofendida a morar fora do território nacional, não há fundamento que sustente a imprescindibilidade da fiscalização da pena acessória de proibição de contacto com a vítima mediante recurso à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
g) A implementação de meios de vigilância electrónica depende da verificação de um juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima.
h) No caso em concreto, residindo a vítima no estrangeiro e a milhares de quilómetros do arguido, não se verifica o requisito de imprescindibilidade para aplicação dos meios de vigilância electrónica.
i) O arguido tem respeitado tanto a vontade da ofendida, bem como a do Tribunal, mantendo-se afastado daquela, e se fosse sua intenção aproximar-se, já o teria feito, o que não aconteceu.
j) Prova disso é que o arguido concordou que a ofendida recomeçasse a sua vida no estrangeiro, tendo acordado extrajudicialmente o regime das responsabilidades parentais da filha menor de ambos.
k) Face ao exposto, entende o arguido que a aplicação de meios electrónicos que visem a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima é excessiva por violar os princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.
l) Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que determina a imposição ao arguido dos meios electrónicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória.
m) O Arguido pretende também recorrer da medida do valor fixado para o pedido de indemnização cível a pagar à ofendida.
n) O valor peticionado pelo Ministério Público, tendo por base os factos alegados na acusação foi de 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros).
o) Se 3.500,00€ se afiguravam, na óptica do Ministério Público, justos e correctos para indemnizar a ofendida pelos factos que alegadamente lhe tinham sido causados pelo arguido, não se percebe como no final, e não se tendo provado alguns deles, venha o tribunal a quo condenar o arguido num valor superior ao peticionado.
p) O tribunal a quo deu como provado (relativamente às condições pessoais do arguido) que este é trabalhador da construção civil, trabalhando a fazer biscates.
q) Foi também dado como provado que o arguido não tem rendimentos fixos, auferindo o salário mínimo nacional e, em alguns meses, até menos do que isso.
r) O Arguido paga ainda a pensão de alimentos da sua filha L. B. no valor de 120,00€ mensais.
s) Os danos não patrimoniais são aqueles que são insusceptíveis de expressão pecuniária e a sua quantificação faz-se com recurso à equidade.
t) A fixação da indeminização com recurso à equidade significa que o seu valor é determinado considerando entre outras, a culpa do agente, a sua situação económica, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e criteriosa ponderação das realidades da vida.
u) Salvo melhor entendimento, não percebe o arguido como pode ser condenado a pagar a título de indemnização à ofendida o valor de 5.000,00€, quando esse valor é quase tanto como aquilo que o Arguido aufere ao fim de um ano de trabalho!
v) O arguido tem ainda como encargo o valor mensal de 120,00€ relativamente à pensão de alimentos da sua filha menor.
w) Tal condenação não se afigura como justa e proporcional na medida que condena o arguido numa obrigação incomportável e que irá contribuir para agravar ainda mais a situação de precariedade económica em que este vive.
x) Neste sentido, a douta decisão do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 496º, nº 4 e 494º do Código Civil.
y) Face ao exposto, considera o recorrente que se justifica por completo a redução do valor fixado pela sentença recorrida nesta parte, afigurando-se como adequado e proporcional o valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente como é de JUSTIÇA.»

3. Ao recurso interposto pelo arguido, respondeu o Ministério Público, no sentido de que “deverá ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente”.

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de que:

- No que concerne às questões levantadas pelo recorrente, e relativas à reparação cível, não tem interesse em agir, escapando-lhe legitimidade para tal, como se colhe do referido na conjugação dos artigos 401.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 413.º, n.º 1, ambos do CPP a contrario, na medida em que nesse concreto não é parte, nem representa nenhuma delas.
- Relativamente à fiscalização eletrónica da pena acessória de afastamento da ofendida deverá o recurso ser declarado procedente por não resultar da decisão, devidamente fundamentado um juízo de imprescindibilidade da fiscalização do cumprimento da medida com recurso a meios técnicos.

5. Não foi apresentada resposta a esse parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso.

Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal(1), e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

a) – Violação dos princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa em virtude da aplicação de meios eletrónicos de fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, aplicada ao recorrente.
b) – Violação o disposto no artigo 496º, nº 4 e 494º do Código Civil, na medida em que a quantia arbitrada a título de reparação dos danos causados à vítima é excessiva;

2. Da decisão recorrida.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade (transcrição):

«1. Factos Provados
1. A partir do ano de 2013, o arguido M. M. e a A. C. iniciaram vida em comum, como se marido e mulher se tratassem, partilhando cama, mesa e habitação, até ao dia 10.09.2020.
2. Durante o período de vivência em comum, fixaram residência na Travessa …, Esposende.
3. Dessa união, nasceu uma filha, L. B., em -.05.2015.
4. Contudo, a partir do ano de 2014, tal união passou a ser marcada por constantes desentendimentos entre o casal e cenas de violência perpetradas pelo arguido M. M., motivado por ciúmes exacerbados que sentia pela ofendida, agravados pelo facto de o mesmo consumir bebidas alcoólicas em excesso, pelo que, sempre que tal acontecia, insultava, ameaçava e, por vezes, agredia fisicamente a ofendida A. C., fazendo com que a mesma vivesse em permanente angústia e receio do seu comportamento cada vez mais violento e imprevisível.
5. Tais episódios ocorriam, por regra, no interior da residência do casal mencionada em 2., e culminaram, no dia 10.09.2020, com a saída de casa por parte da ofendida A. C. e da filha menor do casal para uma Casa Abrigo.
6. Neste contexto, no período compreendido entre o ano de 2014 e o dia 04.09.2020, no interior da habitação comum, o arguido M. M. iniciou discussões com a A. C., no decurso das quais a acusava de ter amantes e a apodava repetidamente de “puta, filha da puta, vaca”.
7. No período de tempo referido em 6., no interior da habitação comum, com uma frequência, pelo menos, mensal, o arguido M. M., durante as agressões que iniciou com a A. C., desferiu-lhe bofetadas na face, empurrões e arremessava objetos contra o seu corpo.
8. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2014, à noite, no interior da habitação comum, a A. C. estava a descansar, quando o arguido M. M. chegou a casa, embriagado, e assim que este chegou ao quarto, acordou-a a ofendida e iniciou uma discussão com ela, no decurso da qual a acusava de ter amantes, apodando-a repetidamente de “puta” e “vaca” e, a certa altura, agarrou-a e desferiu-lhe várias bofetadas nos dois lados da face.
9. No dia 10.06.2018, dia do aniversário da ofendida, esta seguia de carro com o arguido M. M., na companhia dos menores L. B. e R. B., este filho da ofendida, quando, a certa altura da viagem, aquele iniciou uma discussão com ela, na presença dos menores, no decurso da qual lhe disse, em tom sério e irado, que a iria matar e à filha menor de ambos, deixando-a e aos menores, completamente aterrorizados.
10. No dia 09.07.2018, cerca das 19h40m, no interior da cozinha do domicílio comum, o arguido M. M. iniciou uma discussão com a ofendida A. C., na presença da menor L. B., por questões relacionadas com dinheiro, e no decurso da contenda, começou a apodá-la repetidamente de “puta, vaca”.
11. Entretanto, o arguido M. M. dirigiu-se ao exterior da habitação, regressando logo de seguida munido com uma forquilha, ao mesmo tempo que lhe dizia que a iria matar e continuava a apodá-la repetidamente de “puta, vaca”.
12. Assustada com a atitude do arguido e receando que o mesmo a atingisse com a forquilha, a A. C. pegou na menor L. B. e fugiu para o exterior da habitação, tomando a direção do Café …, onde entrou para se refugiar.
13. Contudo, o arguido M. M. foi no seu encalço, entrando pouco depois no interior do referido estabelecimento e, assim que avistou a ofendida, começou a apodá-la de “puta, vaca”, ao mesmo tempo que procurava abeirar-se dela, fazendo menção de a agredir com bofetadas e murros, só não conseguindo concretizar os seus intentos, porque foi impedido pelos clientes presentes no local, que o afastaram da A. C..
14. Em dia não concretamente apurada, mas situada no mês de Outubro/Novembro de 2018, no interior da habitação comum, o arguido M. M., que se encontrava embriagado, iniciou, mais uma vez, uma discussão com a ofendida, no decurso da qual a apodou repetidamente de “puta, filha da puta, vaca”, ao mesmo tempo que lhe desferia bofetadas na face, murros em várias partes do corpo e empurrões.
15. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2019, à noite, no interior da habitação comum, o arguido M. M. entrou em casa, embriagado, e de imediato, começou a discutir com a A. C., apodando-a de “puta, filha da puta, vaca”.
16. No seguimento da contenda, o arguido M. M. ficou indisposto e começou a vomitar.
17. Ato contínuo, a ofendida A. C. foi buscar uma esfregona para remover a sujidade do pavimento e, enquanto esta procedia à sua limpeza, o arguido M. M. abeirou-se dela, puxou-lhe a camisola que esta trajava para cima, retirando-a parcialmente dos braços e, de seguida, enrolou a referida peça em redor do seu pescoço, apertando-a com força e provocando-lhe dificuldade em respirar.
18. Entretanto, a ofendida conseguiu colocar as suas mãos entre o pescoço e a camisola para não asfixiar, e após se debater com o arguido, conseguiu retirar a camisola do pescoço, colocando-se de seguida em fuga para o exterior.
19. Volvido algum tempo sobre este episódio, em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2019, à noite, no interior da habitação comum, o arguido M. M. entrou em casa, embriagado, e de imediato, começou a discutir com a A. C., apodando-a de “puta, filha da puta, vaca”.
20. No decurso da contenda, o arguido M. M. muniu-se de um martelo e, de seguida, abeirou-se da A. C., a qual, naquele momento, estava com a menor L. B. ao colo, e arremessou o mencionado martelo na direção dela para a atingir, só não o conseguindo fazer, porque a ofendida de desviou a tempo com a sua filha, fugindo na direção do quarto do menor R. B., onde se trancou com os dois menores no seu interior.
21. Furioso com tal desfecho, o arguido M. M. começou a desferir pancadas na porta do frigorífico, causando várias amolgadelas e deixando a ofendida e os menores aterrorizados.
22. Em data não concretamente apurada, mas situada no início do ano de 2020, a ofendida A. C. comunicou ao arguido que queria sair de casa, porque já não conseguia viver com ele, ao que este reagiu de forma agressiva, dizendo-lhe que não aceitava tal separação e que se ela o fizesse, iria matá-la e à filha que têm em comum.
23. No dia 04.09.2020, a A. C. voltou a dizer ao arguido que queria sair definitivamente de casa com a menor L. B., facto que aquele não admitiu, nem aceitou e na presença da sua filha e dos padrinhos desta, disse à ofendida que se o fizesse a iria matar e à menor, apodando-a ainda repetidamente de “puta, filha da puta, vaca”.
24. Tal discussão apenas cessou depois da ofendida retroceder e garantir ao arguido que não iria sair de casa, vindo, contudo, a apresentar queixa contra ele, no dia 07.09.2020 e a sair de casa com a menor L. B., no dia 10.09.2020.
25. Por força das condutas referidas em 7., 8., 12. e 15., o arguido M. M. causou na A. C., de forma direta e necessária, ferimentos, dores, tristeza, nervosismo e ansiedade.
26. O arguido M. M. atuou com o propósito, conseguido e reiterado, de durante aquele período temporal, no interior da habitação comum, na presença do filho menor da A. C. e da filha menor que têm em comum, molestar a integridade física da ofendida, sua companheira, produzindo-lhe os ferimentos, mal-estar, dores, nervosismo e a ansiedade do tipo dos verificados.
27. Atuou, ainda, com o propósito, conseguido e reiterado, de afetar a A. C. no seu bem-estar psíquico, designadamente, quando lhe dirigiu as expressões acima referidas de teor ameaçador e insultuoso, não obstante saber que o seu comportamento possessivo e violento desencadeava medo na ofendida, limitava a sua autodeterminação pessoal e que a humilhava e vexava, afetando a sua dignidade pessoal.
28. O arguido M. M. agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente puníveis.
29. Os factos referidos provocaram profunda dor, tristeza, angústia e sofrimento à ofendida.

Mais se provou que:
(Sobre as condições pessoais do arguido)
30. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
31. O arguido é trabalhador da construção civil, trabalhando a fazer biscates.
32. Não tem rendimento fixo, auferindo o salário mínimo nacional e, em alguns meses, menos.
33. Paga de alimentos à filha L. B. a quantia de €120 mensais.
34. Reside em casa própria.»

Em face de tal factualidade, e da qualificação jurídica da mesma (que o recorrente não contesta), a decisão em crise, fundamenta a escolha e medida das penas aplicadas, bem como a fixação da quantia a entregar à vítima a título de reparação dos danos causados pela seguinte forma (transcrição):

«IV. Pena e Medida da pena
1. Do crime de violência doméstica
Ao crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nº 1 e 2 do Código Penal cabe a moldura penal abstrata de pena de prisão de dois a cinco anos.

Sobre a determinação da medida concreta da pena dispõe o artigo 71º do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e o artigo 40º do mesmo Código estabelece no nº 1 que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” e no nº 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
Resulta daqui que a culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio dos quais se há-de construir o modelo de medida da pena, sendo estes os dois vetores que, temperados com as demais circunstâncias que rodearam o crime e que estão exemplificativamente enunciadas no nº2 do referido art. 71º, nos hão-de dar a medida da pena, sendo certo que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Relativamente às necessidades de prevenção, têm-se em vista aqui, fundamentalmente a prevenção geral positiva de integração e a prevenção especial positiva ou de socialização.
Às necessidades de prevenção geral positiva cabe a função primordial de estabelecer uma moldura de prevenção, ou como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág. 227 e 228, “a medida da pena há-de ser dada, primordialmente, pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. (…) Aqui proteção de bens jurídicos assume um significado prospetivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Um significado que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que (…) decorre precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena que o art. 18º nº 2 da CRP iniludivelmente consagra.”
Segundo este mesmo autor, a tutela dos bens jurídicos oferecem-nos uma medida ótima, medida esta que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo, mas abaixo, desse “ponto ótimo” outros existem em que a tutela é ainda efetiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial. Existe também um ponto mínimo resultante do “quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”, in obra citada pág. 242, limite mínimo esse que se aponta como o limite inultrapassável de defesa do ordenamento jurídico.
Relativamente à culpa, esta constitui-se como um limite inultrapassável, fundamentado na dignidade da pessoa humana, de todas e quaisquer considerações preventivas. A medida da culpa exerce uma função de proibição do excesso, estabelecendo-se, no nosso código o princípio unilateral da culpa, segundo o qual a culpa já não é fundamento da pena, mas tão-somente seu limite.
Por fim, são as exigências de prevenção especial de socialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Assim, analisando as exigências de prevenção geral imediatamente se dirá que são elevadas na medida em que se trata de um tipo de ilícito com repercussões sociais desastrosas.
Analisando os fatores concretos, há que realçar que o grau de ilicitude do facto é alto, atendendo nomeadamente à gravidade dos atos lesivos e à violência perpetrada, valora-se ainda o percurso temporal percorrido – que é longo e demonstrativo que não se tratou de um ato isolado ou ocasional.
Mais se valora às concretas ofensas físicas e psíquicas sofridas pela ofendida.
Relativamente às condições pessoais do agente, há apenas a que considerar que o arguido está socialmente inserido e não tem antecedentes criminais registados.

Face a estes dados julga-se ser adequado e suficiente estabelecer como uma pena de três anos de prisão pela prática do crime de violência doméstica.

**
- Da substituição da pena de prisão

Aplicada a pena concreta de 3 anos de prisão cumpre apreciar da sua eventual substituição, nos termos do art. 70º do Código Penal.
As finalidades da punição são, como já vimos, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A doutrina e a jurisprudência têm salientado que as finalidades da punição a atingir em sede de substituição da medida da pena são essencialmente preventivas: prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização e de prevenção geral sob a forma de defesa do ordenamento jurídico.
Neste âmbito, têm especial relevância as exigências de prevenção especial de socialização, “por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão”, Figueiredo Dias, obra citada, pág. 332.
Já a prevenção geral surge como limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.
No caso, ponderando a estigmatização associada ao cumprimento das penas de prisão e a atmosfera e constrangimentos próprios do ambiente prisional, ponderando ainda que o arguido está socialmente inserido, entende o Tribunal adequado substituir a pena de prisão por uma pena não detentiva.
Face ao facto de ter sido condenado a uma pena de 3 anos, a única pena de substituição aplicável é a suspensão da execução da pena de prisão.
No que toca à possibilidade de suspensão da pena de prisão cumpre acrescentar que o art. 50º, nº 1 do Código Penal estipula que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Assim, além da possibilidade abstrata, face às exigências de prevenção, a lei exige que, em concreto se possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De facto, só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro.
Conforme se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-2-2009 no processo 08P2191, relator Conselheiro Souto Moura e publicado em wwww.dgsi.pt, “A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.”
Assim, por um lado, cumpre assegurar em que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com propósitos de prevenção especial, devendo mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a sociedade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal, não devendo a suspensão ser vista pela comunidade como um “perdão judicial”.
No caso concreto, não obstante a gravidade dos factos julgados, há que afirmar que a opção pela pena de substituição favorece a reinserção do arguido que não tem antecedentes criminais e mostra-se inserido no seu ambiente familiar e social.
Neste contexto, valora-se ainda o facto de, após a aplicação da pulseira eletrónica, não mais haver registo de o arguido perturbar a ofendida.
Pelo exposto, atendendo ao facto de o arguido não ter antecedentes criminais, julgo que a solene advertência de aplicação da pena de prisão será suficiente para que o arguido passe a ter uma conduta conforme ao direito, pelo que se suspenderá, pelo mesmo período de tempo, a pena de prisão.
No entanto, nos termos do art. 50º, nº 2, é imperioso subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de regime de prova no qual o arguido frequente programas específicos de sensibilização para a violência doméstica de forma a que se sensibilize o arguido para a problemática da violência doméstica.
**
2. Das penas acessórias

O crime de violência doméstica está ainda sujeito a penas acessórias, em concreto as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima, incluindo o afastamento da residência, e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
No caso concreto, quanto à proibição de contactos com a vítima e de afastamento da residência desta, entendemos que tal proibição se deve aplicar no caso concreto, com vista a conferir à ofendida maior tranquilidade e estabilidade e justificando-se não só tendo em consideração a gravidade dos factos, como ainda a circunstância de terem sido cometidos num período temporal ainda recente.
Excetuam-se, necessariamente, os contactos necessários à resolução das questões atinentes à filha de ambos que deverão ser tratados preferencialmente via telefone, mensagens escritas e correio eletrónico.
Considerando que a situação de litígio é ainda muito recente, afigura-se-nos premente determinar ao arguido a proibição de contactar a ofendida por qualquer forma ou em qualquer lugar, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o que se determina por um período, igualmente, de 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no artigo 152º, nº4 e 5, do CP, numa moldura abstrata entre 6 (seis) meses e 5 (cinco) anos, e do disposto no artigo 34º-B, nº1, da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro (período esse que se considera necessário em ordem a um reequilíbrio definitivo e consolidado na dinâmica do ex-casal).
Mais se consigna que tal forma de controlo se mostra, em nosso entender, imprescindível para a proteção da vítima, face aos elementos disponíveis nos autos, maxime à avaliação de risco (classificado ainda assim como “médio”), mas sobretudo à personalidade do arguido, que se mostrou violenta e que sempre recusou terminar a relação.
Por este motivo, decide-se dispensar o necessário consentimento nos termos do disposto no artigo 36º, nº7, da Lei nº112/2009.
Com efeito, no caso dos autos, e conforme já referido, tal dispensa justifica-se em virtude da reiteração do arguido e, bem assim, da imprevisibilidade do seu comportamento, que, no limite, se não for devidamente aplacada, pode vir a redundar em atos de maior gravidade e danosidade.
Ademais, conforme é sabido, designadamente pelo alarme social que o crime de violência doméstica tem despertado na nossa comunidade, vários têm sido os casos de violência doméstica que têm redundado em situação de homicídio conjugal, impondo-se, em prol da proteção da vítima, recorrer nesta fase a todos os mecanismos que evitem qualquer repetição de comportamentos como aqueles pelos quais o arguido vai agora ser condenado.
**
Quanto à proibição de uso e porte de armas, quer da conduta do arguido, quer dos traços da sua personalidade evidenciados nos factos provados, dúvida não há de que se impõe a aplicação da pena acessória em causa.
Quanto ao período de tempo durante o qual devem ser aplicadas as penas acessórias, entende o Tribunal adequado fixar fixa-las pelo período da pena de prisão, 3 anos.
Finalmente, quanto à necessidade de frequência de programas específicos de violência doméstica, tal como referimos já a propósito da suspensão da pena de prisão, consideramos de suma importância, essencial até para que arguido interiorize o desvalor da sua conduta e de forma e a prevenir a prática de condutas semelhantes.
**
V. Da reparação à vítima

Dispõe o artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência às suas vítimas que “para efeitos da presente lei há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, exceto se a vítima a tal se opuser”.

Por sua vez, o artigo 82º-A, nº 1 do Código de Processo Penal dispõe que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

No caso concreto, não foi deduzido pedido de indemnização civil pela ofendida, e não houve oposição da vítima à reparação pelo contrário, a sua Ilustre Mandatária pugnou pela sua aplicação.
Assim sendo, entende o Tribunal que é de aplicar a reparação prevista neste dispositivo.

Vejamos melhor.
Dispõe o art. 483º, nº 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Por outro lado, e sobre os danos não patrimoniais, dispõe o art. 496º do Código civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” E no nº 4 estabelece-se que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal (…)”
Ora, no caso concreto, face aos factos provados, dúvida não há de que o arguido violou ilicitamente não só a integridade física da ofendida, causando-lhe dores nas agressões de que foi vítima, mas também e sobretudo o seu direito honra, à integridade pessoal e ao bem-estar e deve, por esses factos, ressarcir a ofendida.
Atendendo ao percurso temporal decorrido, que é longo, à gravidade das lesões físicas e psíquicas, ao facto de a ofendida, para por cobro à violência, ter tido necessidade de ir para uma Casa Abrigo com a sua filha menor, entende-se ser equitativo fixar uma compensação de €5.000 (cinco mil euros) à ofendida pelos danos não patrimoniais sofridos.
Assim, a título de reparação considero adequado fixar o montante de €5.000 à ofendida para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos.»

3. Apreciação do recurso.

O recorrente não põe em causa a condenação de que foi objeto no que se refere à escolha e medida das penas, quer principal, quer acessórias, pelo que, tal matéria se tem por assente.

3.1. – Da violação dos princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa em virtude da aplicação de meios eletrónicos de fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, aplicada ao recorrente [conclusões a) a k)].
Importa ter presente o quadro legal em que se inscreve a questão da aplicação de meios eletrónicos de fiscalização do cumprimento de penas acessórias aplicadas em contexto de violência doméstica (doravante designados por vigilância eletrónica – Cfr. Artigo 1º da Lei nº33/2010 de 02 de setembro).

Da lei nº112/2009 de 16 de setembro, com a redação dada pela Lei nº57/2021 de 16 de agosto, os artigos 35º e 36º.

Artigo 35.º
Meios técnicos de controlo à distância
1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
2 - O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados.
3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 6 do artigo 20.º
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente.
5 - À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal.

Artigo 36.º
Consentimento
1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento.
5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.

Da lei nº33/2010 de 02 de setembro, na redação dada pela Lei nº94/2017 de 23 de agosto.
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância, adiante designados por vigilância electrónica, para fiscalização:
(…)
e) Da aplicação das medidas e penas previstas no artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Artigo 7.º
Decisão
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 213.º do Código de Processo Penal, a utilização de meios de vigilância electrónica é decidida por despacho do juiz, a requerimento do Ministério Público ou do arguido, durante a fase do inquérito, e oficiosamente ou a requerimento do arguido ou condenado, depois do inquérito.
2 - O juiz solicita prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar.
3 - A decisão prevista no n.º 1 é sempre precedida de audição do Ministério Público, do arguido ou condenado.
4 - A decisão especifica os locais e os períodos de tempo em que a vigilância eletrónica é exercida e o modo como é efetuada, levando em conta, nomeadamente, o tempo de permanência na habitação e as autorizações de ausência estabelecidas na decisão de aplicação da medida ou da pena.
5 - A decisão que fixa a vigilância electrónica pode determinar que os serviços de reinserção social, quando suspeitem que uma ocorrência anómala seja passível de colocar em risco a vítima ou o queixoso do procedimento criminal, os informem de imediato.
6 - A decisão é comunicada ao arguido ou condenado e seu defensor, aos serviços de reinserção social e, quando aplicável, ao estabelecimento prisional onde aqueles se encontrem, bem como aos órgãos de polícia criminal competentes, para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 8.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º

Artigo 26.º
Execução
1 - Para aplicação das medidas e penas referidas na alínea e) do artigo 1.º, a informação mencionada no n.º 2 do artigo 7.º da presente lei e no n.º 4 do artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, deve ainda atender à compatibilidade da condição pessoal, familiar, laboral ou social da vítima com as exigências da vigilância electrónica.
2 - À utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização das medidas de afastamento é aplicável o regime previsto no artigo 36.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
3 - A execução da medida ou pena inicia-se quando instalados todos os meios de vigilância electrónica junto da vítima e do arguido ou condenado.

Assim, a aplicação da vigilância eletrónica encontra-se rodeada de uma série de pressupostos tendentes a garantir o efetivo cumprimento das medidas aplicadas sem esquecer, porém, mercê da necessidade de garantir o cumprimento de princípios com dignidade constitucional como seja o do respeito pela dignidade da pessoa humana, o respeito pelos direitos fundamentais do condenado, da vítima e de terceiros que são afetados pela aplicação dessa vigilância.
Por isso, para além do mais, o legislador não prescindiu da exigência de que a decisão de aplicação da vigilância eletrónica seja tomada por um juiz e mediante despacho fundamentado, recolhidas as informações que se impõem no caso concreto e ouvidos os sujeitos processuais.
Acresce que, a aplicação dessa vigilância, enquanto medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afetados, está dependente, por um lado, de um juízo de imprescindibilidade face às necessidades de proteção da vítima e, por outro lado, do consentimento do condenado, da vítima e de terceiros por ela afetados, limitando o legislador a casos especiais, a possibilidade de o juiz dispensar o consentimento (imprescindibilidade para proteção dos direitos da vítima), mas sempre mediante decisão fundamentada (a envolver, necessariamente, um juízo de ponderação entre os interesses em conflito).

O recorrente alega que, tendo a sua conduta, no decorrer do inquérito, sido pautada pelo respeito das medidas de coação impostas e, sobretudo, porque a vítima se encontra a residir no estrangeiro, tendo os contactos entre ambos respeitado o judicialmente definido, tendo, inclusive, existido acordo extrajudicial de definição das responsabilidades parentais relativas à filha que têm em comum, não se justifica a imposição da vigilância eletrónica. De todo o modo, não está demonstrado no caso concreto, que a aplicação da vigilância eletrónica seja imprescindível para a proteção da vítima.
Conforme assinalado no douto parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, as circunstâncias de facto mencionadas pelo recorrente que, na sua perspetiva, demonstram que não há razões para impor a vigilância eletrónica, não constam da matéria de facto apurada na sentença, pelo que “não pode em sede de recurso, o arguido valer-se delas”.
Importa, contudo, apreciar se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima, bem como para dispensar o consentimento do arguido, como acontece no caso dos autos.
A utilização da vigilância eletrónica, nos termos resultantes da conjugação dos preceitos legais acima transcritos não está configurada como “regime regra”, muito menos surge como uma imposição (apesar de ser de assinalar na evolução legislativa a substituição do termo “pode” pelo termo “deve”), mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a proteção da vítima, conforme claramente resulta do texto do citado artigo 35º, n.º 1 da Lei nº112/2009.
Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença (2).
O tribunal a quo, depois de decidir aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contactar a ofendida por qualquer forma ou em qualquer lugar (a par das penas acessórias de proibição de uso e porte de armas e de frequência de programas específicos de violência doméstica) por um período de 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no artigo 152º, nº4 e 5, do CP e do disposto no artigo 34º-B, nº1, da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro, determinou a fiscalização daquela medida por meios técnicos de controlo à distância, independentemente do consentimento do arguido, face ao superior interesse da vítima.

Fundamenta tais decisões da seguinte forma:

«Mais se consigna que tal forma de controlo se mostra, em nosso entender, imprescindível para a proteção da vítima, face aos elementos disponíveis nos autos, maxime à avaliação de risco (classificado ainda assim como “médio”), mas sobretudo à personalidade do arguido, que se mostrou violenta e que sempre recusou terminar a relação.
Por este motivo, decide-se dispensar o necessário consentimento nos termos do disposto no artigo 36º, nº7, da Lei nº112/2009.
Com efeito, no caso dos autos, e conforme já referido, tal dispensa justifica-se em virtude da reiteração do arguido e, bem assim, da imprevisibilidade do seu comportamento, que, no limite, se não for devidamente aplacada, pode vir a redundar em atos de maior gravidade e danosidade.
Ademais, conforme é sabido, designadamente pelo alarme social que o crime de violência doméstica tem despertado na nossa comunidade, vários têm sido os casos de violência doméstica que têm redundado em situação de homicídio conjugal, impondo-se, em prol da proteção da vítima, recorrer nesta fase a todos os mecanismos que evitem qualquer repetição de comportamentos como aqueles pelos quais o arguido vai agora ser condenado.»
Constata-se, assim, que a fundamentação da sentença sobre a imprescindibilidade de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, quer para a sua aplicação, quer para a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, não vai muito além da invocação abstrata do superior interesse da vítima convocando razões de alarme social que o crime de violência doméstica desperta na comunidade.
Ao nível da factualidade apurada no caso concreto, para além da menção da avaliação de risco (que é “médio”) remete para considerações que também são genéricas e que resultam do próprio preenchimento do ilícito em causa.
Com efeito, refere a personalidade violenta do arguido que sempre recusou terminar a relação, bem como a reiteração de condutas, circunstâncias que são comuns à maior parte das condutas dos agressores em contexto de violência doméstica e consubstanciam o preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime em causa.
Finalmente, refere-se na sentença a imprevisibilidade do comportamento do arguido, que, no limite, se não for devidamente aplacada, pode vir a redundar em atos de maior gravidade e danosidade, mas tais circunstâncias, salvo melhor opinião, não têm respaldo na factualidade apurada.
Assim, consideramos que a sentença em crise não procede à exigida demonstração de que a vigilância eletrónica se mostra imprescindível para a proteção da vítima e muito menos que tal imprescindibilidade justifique a dispensa do consentimento do arguido.
Na ausência dessa fundamentação, elaborada em termos suficientes e cabais, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
Constata-se, ademais, que não foi levada a cabo qualquer diligência para obtenção do consentimento do arguido e das pessoas diretamente afetadas com o eventual controlo por meios eletrónicos, conforme exige o artigo 36.º, nºs 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16 de setembro.
Finalmente, ao arrepio do disposto nos artigos 7.º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010 de 2 de Setembro e 35.º, n.º4 da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, não foi solicitada a pertinente informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido e a sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica”.
Mas atentemos na matéria de facto provada, a fim de averiguar se a mesma permite fazer o aludido juízo de imprescindibilidade.
Nos pontos 4. a 24. dos factos provados vem descrita uma conduta violenta do arguido, determinada por ciúmes e em contexto de abuso do consumo de álcool, concretizada em insultos, agressões físicas, ameaças, condutas essas levadas a cabo, em regra, no interior da residência de ambos e na presença da filha menor de ambos, no período entre o ano de 2014 e 04-09-2020, com uma frequência mensal.
Para além da factualidade de natureza psicológica subjacente à descrita conduta e da relativa às dores morais suportadas pela vítima (pontos 25. a 29.), consta da sentença que se apurou a seguinte factualidade: o arguido não tem antecedentes criminais registados; o arguido é trabalhador da construção civil, trabalhando a fazer biscates; não tem rendimento fixo, auferindo o salário mínimo nacional e, em alguns meses, menos; Paga de alimentos à filha L. B. a quantia de €120 mensais e reside em casa própria.
Assim, da matéria de facto apurada não resultam circunstâncias concretas que apontem no sentido de a proteção dos direitos da vítima reclamar a vigilância eletrónica.
O Tribunal a quo menciona, a propósito da imprescindibilidade da vigilância eletrónica, a avaliação de risco, contudo, a mesma é de nível “médio” e não “elevado” e a personalidade violenta do arguido, contudo, efetuou um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido aquando da fundamentação da sua decisão de substituir a pena de prisão por pena de prisão suspensa, concretamente, afirmando que: “No caso concreto, não obstante a gravidade dos factos julgados, há que afirmar que a opção pela pena de substituição favorece a reinserção do arguido que não tem antecedentes criminais e mostra-se inserido no seu ambiente familiar e social. Neste contexto, valora-se ainda o facto de, após a aplicação da pulseira eletrónica, não mais haver registo de o arguido perturbar a ofendida.”
Pelo exposto, não se deve manter a imposição ao arguido dos meios eletrónicos para fiscalização do cumprimento da pena acessória, pelo que, nesta parte, o recurso merece provimento, tal como também defendeu a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer.

3.2. – Da violação o disposto no artigo 496º, nº 4 e 494º do Código Civil, na medida em que a quantia arbitrada a título de reparação dos danos causados à vítima é excessiva.
Nas suas conclusões m) a y), o recorrente insurge-se contra aquilo que considera uma quantia injusta e desproporcional fixada pelo Tribunal a quo a título de reparação dos danos suportados pela vítima.
Em primeiro lugar, diz não se compreender nem se justificar, que o Tribunal tenha fixado a indemnização no valor de €5 000,00 (cinco mil euros) quando o valor do “pedido” foi de €3 500,00 (três mil e quinhentos euros), sendo certo que, alguns dos danos descritos na acusação não se vieram a provar.
Por outro lado, o Tribunal não teve em consideração a sua situação económica que não permite pagar aquela quantia, pois que a mesma corresponde à quantia por si auferida no final de um ano de trabalho.

Quanto à questão de ter sido ultrapassado o valor do “pedido”.

O Ministério Público, em sede de despacho de encerramento do inquérito, após dedução de acusação contra o arguido pela prática de crime de violência doméstica formulou o seguinte requerimento:

“1º - os factos supra referidos provocaram profunda dor, tristeza, angústia e sofrimento à A. C..
2º - A gravidade desse sofrimento é indemnizável, em face da ilicitude dos factos que lhe deram origem – arts.º483 nº1 e 496 nº1 do Código Civil, 82º-A do Código de Processo Penal e art.º21º nº2 da lei nº112/2009.
3º - Reputa-se como adequado a indemnização da ofendida em 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros), sem prejuízo de melhor ponderação oficiosa do Meritíssimo Juiz, quer dos factos alegados, quer do pedido deduzido [Art.º 82º-A do Código de Processo Penal]

Termos em que requer que o arguido M. M. seja condenado a indemnizar a ofendida A. C. no montante de, pelo menos, 3.500,00€ [três mil e quinhentos euros].”
Deflui com clareza do próprio teor do requerimento formulado que não se trata de um pedido de indemnização civil, formulado em nome da ofendida, nos termos do disposto no artigo 77º do Código de Processo Penal.
Aliás, a Exma. PGA no seu parecer assinala isso mesmo afirmando que “Na questão relativa à reparação cível o Ministério Publico não tem interesse em agir, escapando-lhe legitimidade para tal, como se colhe do referido na conjugação dos arts. 401.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 413.º, n.º 1, ambos do CPP a contrario, na medida em que nesse concreto não é parte, nem representa nenhuma delas.”
Acresce que, a aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal tem como pressuposto que não tenha sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º do Código de Processo Penal.
Não se tratando de pedido de indemnização civil, não está o Tribunal sujeito ao princípio da proibição da condenação extra vel ultra petitum - expresso no artigo 609º nº1 do Código de Processo Civil, aplicável aos pedidos de indemnização formulados no âmbito do processo penal, conforme estabelece o artigo 129º do Código Penal.
Assim, não tem razão o recorrente quando se insurge contra o facto de a condenação ter ultrapassado o “pedido” formulado pelo Ministério Público (não retirando, aliás, qualquer consequência do alegado), pois que, não se trata de um pedido, mas apenas de requerimento formulado ao Tribunal para que faça aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, sugerindo um valor indemnizatório.

Quanto ao quantitativo fixado.

Nesta parte, a sentença em recurso é do seguinte teor (transcrição):
“Dispõe o artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência às suas vítimas que “para efeitos da presente lei há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, exceto se a vítima a tal se opuser”.

Por sua vez, o artigo 82º-A, nº 1 do Código de Processo Penal dispõe que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.
No caso concreto, não foi deduzido pedido de indemnização civil pela ofendida, e não houve oposição da vítima à reparação pelo contrário, a sua Ilustre Mandatária pugnou pela sua aplicação.
Assim sendo, entende o Tribunal que é de aplicar a reparação prevista neste dispositivo.
Vejamos melhor.
Dispõe o art. 483º, nº 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Por outro lado, e sobre os danos não patrimoniais, dispõe o art. 496º do Código civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” E no nº 4 estabelece-se que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal (…)”
Ora, no caso concreto, face aos factos provados, dúvida não há de que o arguido violou ilicitamente não só a integridade física da ofendida, causando-lhe dores nas agressões de que foi vítima, mas também e sobretudo o seu direito honra, à integridade pessoal e ao bem-estar e deve, por esses factos, ressarcir a ofendida.
Atendendo ao percurso temporal decorrido, que é longo, à gravidade das lesões físicas e psíquicas, ao facto de a ofendida, para por cobro à violência, ter tido necessidade de ir para uma Casa Abrigo com a sua filha menor, entende-se ser equitativo fixar uma compensação de €5.000 (cinco mil euros) à ofendida pelos danos não patrimoniais sofridos.
Assim, a título de reparação considero adequado fixar o montante de €5.000 à ofendida para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos.
Uma vez que o recorrente não contesta a verificação do dever de indemnizar a vítima, mas apenas o quantum da indemnização fixada, atentemos se este se mostra exagerado.
No caso em apreço estão em causa apenas danos não patrimoniais.
Relativamente a este tipo de danos, de acordo com o disposto no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral (3).
O montante de tais danos deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.º 3 do mesmo artigo).
Acresce assinalar que, nesta matéria, não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, ou seja, a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos, através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda. Porém, acima de tudo, a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme, aliás, vem sendo repetidamente afirmado pelos nossos tribunais superiores (4).
Na jurisprudência, vem sendo assumida a ideia de que as compensações por tais danos devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico, de tal modo que as indemnizações não devem ser fixadas em montantes tão reduzidos que, na prática, se apague a função preventiva, sancionatória ou repressiva da responsabilidade civil.
No caso de indemnização por danos não patrimoniais a intervenção do tribunal de recurso é, por natureza, limitada.
Na verdade, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos (5).
Regressando ao caso dos autos.
A culpa do recorrente é assinalável. Com efeito, resultou provado que atuou com dolo direto (forma mais grave de culpa) – pontos 26. a 28. dos factos provados - persistindo na sua conduta, durante um período de cerca de seis anos (pontos 6. a 24. dos factos provados).
Por outro lado, a factualidade apurada é reveladora de danos com bastante expressão.

Resultou provado que:
- Por força das condutas referidas em 7., 8., 12. e 15. (agressões físicas, verbais e ameaças), o arguido M. M. causou na A. C., de forma direta e necessária, ferimentos, dores, tristeza, nervosismo e ansiedade (ponto 25.).
- O arguido M. M. atuou com o propósito, conseguido e reiterado (sublinhado nosso), de durante aquele período temporal, no interior da habitação comum, na presença do filho menor da A. C. e da filha menor que têm em comum, molestar a integridade física da ofendida, sua companheira, produzindo-lhe os ferimentos, mal-estar, dores, nervosismo e a ansiedade do tipo dos verificados (ponto 26.).
- Atuou, ainda, com o propósito, conseguido e reiterado (sublinhado nosso), de afetar a A. C. no seu bem-estar psíquico, designadamente, quando lhe dirigiu as expressões acima referidas de teor ameaçador e insultuoso, não obstante saber que o seu comportamento possessivo e violento desencadeava medo na ofendida, limitava a sua autodeterminação pessoal e que a humilhava e vexava, afetando a sua dignidade pessoal (ponto 27.)
- Os factos referidos provocaram profunda dor, tristeza, angústia e sofrimento à ofendida (ponto 29.).

Tenha-se em conta que todo este sofrimento ocorreu num período longo (quase seis anos) tendo os episódios de violência uma frequência, pelo menos, mensal.
Em nosso entender, os danos em causa justificariam até, uma indemnização mais elevada, contudo (e pensamos que o Tribunal a quo, ponderou esse aspeto, ao contrário do que afirma o recorrente), a situação pessoal e económica do arguido é instável e os seus rendimentos parcos, o que não permite fixar um valor mais elevado.
O recorrente faz apelo ao facto de, tendo os rendimentos e despesas que tem, se revelar incomportável o pagamento do valor fixado.
Atente-se, contudo, que o instituto de reparação da vítima, especialmente no caso das vítimas de violência doméstica, tem natureza mista, tem uma vertente indemnizatória e uma vertente sancionatória.
“Mesmo nos crimes em que se impõe um arbitramento oficioso (…) não deixamos de estar perante uma indemnização, embora coadjuvante de uma sanção, mas não de uma pena em si mesmo (…). Embora a natureza do instituto seja misto concentrando finalidades de natureza pública e particular (com preponderância deste último conforme o exarado em §2 e §3), o arbitramento oficioso é uma verdadeira indemnização para ressarcir os prejuízos apurados no processo penal (também neste sentido Maria João Antunes, 2016, p.54).” (6)

Como se afirma no acórdão do Tribunal da relação do Porto de 28-10-2021 (7):

I - A responsabilidade civil extracontratual pelo cometimento de um crime que integra o padrão de criminalidade violenta e foi praticado com dolo directo terá de apresentar, pelo menos relativamente à compensação dos danos não patrimoniais, uma clara função punitiva tradutora de preocupações preventivas.
II - A indemnização devida pela ofensa a direitos não patrimoniais (entre eles, com destaque, a dignidade humana, no âmbito de um crime de violência doméstica) reveste a natureza de compensação punitiva em que, como critérios essenciais de fixação indemnizatória, revelarão (i) o grau de culpa do lesante, (ii) a natureza, extensão e localização temporal das lesões biopsicológicas sofridas e (iii) o grau de ilicitude do comportamento lesivo.
III - Apresenta-se como variável desprezável (não obstante a norma remissiva estabelecida no artigo 496º, nº1, estabelecer parâmetros previstos na norma remetida - artigo 494º, ambos do Código Civil - prevista para o limite de indemnização em caso de mera culpa) as condições económicas apuradas do lesante (no sentido da sua escassez) não podendo tal circunstância obstar àquela função punitiva da responsabilidade civil.”

Atento tudo o exposto, afigura-se-nos correto fixar o valor indemnizatório em €5 000,00 (cinco mil euros), não se verificando qualquer violação do disposto nos artigos 496º nº 4 e 494º do Código Civil.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido M. M. e, consequentemente, decidem:

a) - Revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos do arguido com a vítima por meios técnicos de controlo à distância.
b) - Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem tributação, atenta a parcial procedência do recurso (artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
(Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 07-02-2022

(Fátima Sanches)
(Anabela Martins)

(Assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)


1. Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
2. Vide a este propósito o Acórdão da Relação de Guimarães de 21-9-2015, proc.º n.º 572/14.2GBCL.G1, rel. João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt
3. Cfr. Acórdão do STJ de 25-11-2009, processo nº397/03.0GEBNV.S1, disponível em www.dgsi.pt
4. Cfr. Acórdão do STJ de 16-12-1993, in CJ – Acs. Do STJ, III, 182 e acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2018, processo nº828/15.7T9STR.E1
5. Cfr. Antunes Varela-Pires de Lima in “Código Civil Anotado”, vol. 1º, anotação ao artigo 494.º e Acórdão do STJ de 6-1-2010, in Col. de Jur.-Acs do STJ, ano XVIII, tomo 1, pág. 173 (este último com inúmeras outras referências jurisprudências).
6. Cfr. Tiago Caiado Milheiro, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina, página 880 e 882.
7. Processo nº411/19.0GAVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt