I - Um dos pressupostos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do disposto nos art. 437.º do CPP, é a existência de duas decisões opostas sobre a mesma questão jurídica.
II - In casu, no acórdão recorrido, o tribunal da relação do Porto considerou não ter decorrido o prazo da prescrição invocado pelo arguido nos termos do art. 189.º do CEst. No acórdão fundamento, o tribunal da relação do Porto considerou estar prescrito o respetivo procedimento contraordenacional, nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. c), do RGCO.
III - Verifica-se, assim, que os acórdãos pretensamente colidentes não se encontram em oposição, uma vez que estamos perante questões de direito diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, pelo que se rejeita o recurso apresentado.
I. RELATÓRIO
1. AA, Arguido no âmbito dos presentes autos, não se conformando com o Acórdão proferido em 17/06/2021, transitado em julgado o qual confirmando a decisão da primeira instância, julgou o seu recurso totalmente improcedente, veio interpor RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, nos termos do disposto nos artigos 437º, do Código de Processo Penal,1 nos seguintes termos:
«Da Amissibilidade:
Da conjugação do disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do CPP decorre que é admissível recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, desde que se verifique a existência de determinados pressupostos formais e substanciais.
Entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões.
Sendo requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto.
Ora, o presente recurso é interposto pelo Arguido do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença da primeira instância - Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2 e, consequentemente, manteve a decisão da ANSR de cassação do seu título de condução n.º AV-462995, ocorrendo, portanto, dupla conforme que, no caso em apreço, impossibilitou o recurso ordinário.
O Recorrente/Arguido tem interesse em agir, porquanto, foi ordenada a cassação do seu título de condução pela ANSR, a sentença da primeira instância manteve tal ordem de cassação e o acórdão recorrido confirmou esta sentença.
O acórdão recorrido transitou em julgado no dia 17 de junho de 2021.
Por conseguinte, o presente recurso é interposto dentro dos 30 dias após o referido trânsito.
Tal acórdão apreciou a questão da prescrição invocada pelo Arguido e concluiu pela inexistência de qualquer prescrição.
Em oposição com este encontra-se o acórdão também proferido pela 4: ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, no processo 2265/18.2T9VCD.P1 de 18-03-2020, também já transitado em julgado em Maio de 2020.
Em ambos as situações fáticas verifica-se, salvo melhor opinião, uma total identidade, porquanto, quer no processo que deu origem ao Acórdão Recorrido, quer no processo que deu origem ao Acórdão Fundamento, existiram duas condenações com penas acessórias de proibição de conduzir, ambas comunicadas à ANSR e consequente perda dos 12 pontos, o que desencadeou o processo de cassação dos títulos de condução.
Assim, em termos fácticos, no processo que deu origem ao Acórdão Recorrido temos que:
Por sentença proferida no dia 16 de Novembro de 2017, transitada em julgado no dia 18 de Dezembro de 2017, no âmbito do processo sumário n.º 389/17.2…, do Juízo Local Criminal de …, Juiz 1, o Arguido foi condenado, pela prática, em 1 de Novembro de 2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do C.P, entre o mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de sete meses, com a consequente subtração de 6 pontos (cfr. artigo 148.º, n.º 2 do C.E.);
Por sentença proferida no dia 30 de Novembro de 2017, transitada em julgado no dia 12 Janeiro de 2018, no âmbito do processo sumário n.º 411/17.2…, do Juízo Local Criminal de …, Juiz 1, o Arguido foi condenado, pela prática, no dia 19 de Novembro de 2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69º, n.º1, alínea a) ambos do C.P, entre o mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de oito meses, com a consequente subtração de 6 pontos (cfr. artigo 148.º, n.º 2 do C.E.).
E, no processo que deu origem ao Acórdão Fundamento temos que:
Por sentença transitada em julgado em 30/09/2016, o Arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 316/16.4… que correu termos na (extinta) Instância Local – Secção Criminal – J2 do Tribunal Judicial de …, Comarca de …, pela prática, em 19/08/2016, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1, al. a) ambos do C.P., entre o mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 meses, com a consequente subtração de 6 pontos (cfr. artigo 148.º, n.º 2 do C.E.);
Por sentença transitada em julgado em 06/12/2017, mais foi condenado no processo n.º 394/17.9… que correu termos no Juízo Local Criminal de … – Juiz 1, pela prática, em 69.º, n.º1, al. a) ambos do C.P., entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses e 15 dias, com a consequente subtração de 6 pontos (cfr. artigo 148.º, n.º 2 do C.E.).
E, portanto, em ambos os processos, quer o do Acórdão Recorrido, quer o do Acórdão Fundamento, tendo em conta que cada condenação acarretou a subtração de 6 pontos, após as duas condenações, os recorrentes viram-se sem quaisquer pontos, o que determinou a aplicação do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) do CE.
Pelo que, em ambos os processos – o do Acórdão Recorrido e o do Acórdão Fundamento -, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) determinou a cassação dos títulos de condução pertencentes aos Arguidos, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 148.º, n.º. 2 e 10 do Código da Estrada.
Em termos de apreciação da mesma questão fundamental de direito, temos que, quer no recurso que deu origem ao Acórdão Recorrido, quer no recurso que deu origem ao Acórdão Fundamento, foi invocada a prescrição, designadamente, do direito à aplicação da sanção de substração de 6 pontos.
Sendo que, relativamente a tal questão, no Acórdão Recorrido entendeu-se não existir qualquer prescrição.
Enquanto no Acórdão Fundamento, conheceu-se oficiosamente da prescrição do processo de cassação do título de condução, declarando-se prescrito o indicado processo.
Pelo que, em nossa humilde opinião, o presente recurso extraordinário deve ser admitido, na medida em que, a questão fundamental de direito em ambas as decisões em confronto, a Recorrida e a do Acórdão-Fundamento proferido pela 4.ª Secção do mesmo Tribunal da Relação do Porto, no processo 2265/18.2T9VCD.P1 de 18-03-2020, ambas já transitadas em julgado, têm por base a interpretação do instituto da prescrição, porém, no Acórdão Recorrido entendeu-se não existir qualquer prescrição, enquanto no Acórdão Fundamento, entendeu-se existir prescrição de conhecimento oficioso, conhecendo-se e declarando-se a prescrição do procedimento de cassação do título de condução do Arguido».
2. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se pela rejeição do recurso uma vez que não se mostram preenchidos os requisitos previstos no art. 437º, nº2, do CP.
3. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal emitiu Parecer, no sentido que o recurso deve ser rejeitado, nos seguintes termos, na parte que aqui releva: (…)
«Ora, no caso em apreço, temos que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não fixam soluções diferentes para a mesma questão de direito, não se podendo afirmar estarmos perante a existência de oposição de acórdãos, para os efeitos do disposto no art. 437º, nº 2, do Cod. Proc. Penal.
Com efeito, no acórdão recorrido entendeu-se que as coimas e as sanções acessórias prescrevem no prazo de dois anos contados a partir do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, mas a perda de pontos não é uma coima, nem uma sanção acessória, é apenas uma consequência decorrente da condenação sofrida pelo condutor, que se revelou perigoso no exercício da condução, pelo que não lhe é aplicável o art. 189º do Cod. da Estrada, não tendo ocorrido qualquer prescrição.
E, no acórdão fundamento entendeu-se que já se encontrava prescrito o respectivo procedimento contraordenacional quando o recurso quando deu entrada no Tribunal da Relação situação que é de conhecimento oficioso, tendo ficado sem ser apreciada a questão do a apreciação da questão da natureza do ato de subtração de pontos e da prescrição do processo de cassação do título de condução.
Concluindo, estamos perante questões de facto e de direito distintas, sendo que:
- No acórdão recorrido, entendeu-se não estar prescrito o prazo da prescrição do direito à aplicação da sanção de substração de 6 pontos, uma vez que a perda de pontos não é uma coima, nem uma sanção acessória, mas apenas uma consequência decorrente da condenação sofrida pelo condutor, que se revelou perigoso no exercício da condução;
- No acórdão fundamento, entendeu-se estar prescrito o respetivo procedimento contraordenacional, (art. 27º nº 1, al. c) do RGCO), que é de conhecimento oficioso, tendo ficado prejudicada a apreciação da questão da natureza do ato de subtração de pontos, e da prescrição do processo de cassação do título de condução.
Face ao exposto, considera-se não estarem preenchidos os pressupostos, a que alude o art. 437º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, para que o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência possa ser aceite, pelo que somos de parecer que o mesmo deverá ser rejeitado, por não se verificar uma oposição de julgados, nos termos dos arts. 440º, nº 3, e nº 4, e 441 °, n° 1, ambos do Cod. Proc. Penal.
4. Com dispensa de Vistos, foram os autos à Conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte:
1. No Recurso de Contraordenação nº 2265/18.2T9VCD do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3, o arguido .... interpôs recurso da decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação do título de condução n.º AV-349701, pertence àquele, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 148.º, n.º 10 do Código da Estrada (doravante, CE), por remissão ao seu n.º 2 e n.º 4, alínea c).
Não se conformando com esta sentença datada de 14 de outubro de 2019, que manteve a decisão de cassação do título de condução AV-34...01 o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto.
Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de março de 2020 foi oficiosamente declarado prescrito o procedimento contraordenacional, nos termos do artigo 28º, nº3, do RGCO, porquanto quando o processo deu entrada no Tribunal da Relação, já o procedimento contraordenacional se encontrava extinto por prescrição, ficando prejudicada a apreciação do recurso.
2. Na sequência da impugnação judicial da decisão do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, (ANRS) que determinou a cassação da carta de condução do arguido AA, a qual veio a ser mantida integralmente por sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de …, J…, em 11 de janeiro 2021, no âmbito do processo nº 3577/19.3…, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação d. …. .
Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do … em 12 de maio 2021 foi negado provimento ao recurso do arguido, tendo sido considerado que não se verificava a prescrição do procedimento contraordenacional invocada pelo arguido, nos termos do art. 189º, do Código da Estrada.
O art. 437º, do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do Recurso”, consagra o seguinte: «1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acódãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar».
«2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”
Relativamente à interposição, o art. 438.º do mesmo Código estabelece:
“1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - …”.
Como tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, «Destes preceitos extrai-se, tal como vem afirmando insistente e uniformemente a jurisprudência2, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos - uns de natureza formal e outros de natureza substancial.
São de natureza formal:
- A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido; - A identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão
fundamento) e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; - O trânsito em julgado de ambos os acórdãos;
- A justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência; e
- A legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis. Constituem pressupostos de ordem substancial:
- A verificação de identidade da legislação à sombra da qual os acórdãos foram proferidos;
- As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar “soluções opostas” para a mesma questão fundamental de direito;
- A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e
- Haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.
Este último pressuposto, embora não esteja previsto expressamente na lei, resulta da necessidade de tal identidade para aferir da oposição sobre a mesma questão de direito.
Por isso, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito, como foi referido no acórdão deste Tribunal, processo n.º 4042/06 – 3.ª Secção, de que nos dá notícia o acórdão do mesmo Tribunal e Secção, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S13.
O mesmo pressuposto da identidade fáctica tem vindo a ser exigido, de forma unânime, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal4.
Importa, pois, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes para poder desencadear a aplicação das mesmas normas e relevar na definição da oposição das soluções encontradas.
A exigência de uma identidade das situações de facto nos dois acórdãos em conflito decorre de só com ela ser possível estabelecer uma comparação que permita concluir que, relativamente à mesma questão de direito, existem “soluções opostas”, como pressupõe o n.º 1 do citado art.º 437.º.
Além disso, a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objeto de decisões expressas. Como se lê no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 583/02.0TALRS.C.L1.A.S15, “[a] oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário», sendo que «[a]s soluções de direito devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto”.
Acresce que “[s]endo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excecional, é entendimento comum deste Supremo Tribunal (v. desde logo o Ac. de 23 de Janeiro de 2003, processo n. 1775/02-5ª), que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excecionalidade”6.
No caso subjudice o recorrente veio interpor recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de maio de 2021 proferido no processo 3577/19.3T8VFR.P1, invocando o disposto nos arts. 437º, nº 2, do CPP por se encontrar em contradição com o acórdão já proferido pelo Tribunal da Relação Porto, processo 2265/18.2T9VCD datado de 18 de março de 2020 – acórdão fundamento - ambos transitados em julgado e o primeiro há menos de 30 dias.
O presente recurso foi interposto em tempo, pelo arguido que tem legitimidade, para o efeito. (art. 446º nº 1 e 2 do CPP).
O recorrente justificou a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que, no seu entender, motiva o conflito de jurisprudência.
Assim sendo, mostram-se preenchidos os pressupostos de natureza formal de admissibilidade do recurso.
Relativamente aos pressupostos de ordem substancial, os mesmos não severificam.
Com efeito, as decisões proferidas no acórdão recorrido e fundamento, não partiram de idênticas questões de direito.
No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto considerou não ter decorrido o prazo da prescrição invocado pelo arguido nos termos do art. 189º, do Código da Estrada.
No acórdão fundamento, o Tribunal da Relação do Porto considerou estar prescrito o respetivo procedimento contraordenacional, nos termos do art. 27º nº 1, al. c) do RGCO, de conhecimento oficioso, tendo ficado prejudicado conhecimento do recurso.
Ou seja,
Como bem refere a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, neste Supremo Tribunal de Justiça:
- No acórdão recorrido, entendeu-se não estar prescrito o prazo da prescrição do direito à aplicação da sanção de substração de 6 pontos, uma vez que a perda de pontos não é uma coima, nem uma sanção acessória, mas apenas uma consequência decorrente da condenação sofrida pelo condutor, que se revelou perigoso no exercício da condução;
- No acórdão fundamento, entendeu-se estar prescrito o respetivo procedimento contraordenacional, (art. 27º nº 1, al. c) do RGCO), que é de conhecimento oficioso, tendo ficado prejudicada a apreciação da questão da natureza do ato de subtração de pontos, e da prescrição do processo de cassação do título de condução.
Do exposto, se concluiu que estamos perante questões de direito diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, não se verificando a necessária oposição.
Neste sentido, os acórdãos pretensamente colidentes não se encontram em oposição, inexistindo decisões opostas sobre a mesma questão jurídica, ou seja a da prescrição do procedimento contraordenacional.
Assim sendo, concluindo-se pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 441.º do CPP.
Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por manifesta improcedência.
Custas pela requerente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, e ao abrigo do disposto no art. 420º, nº3, do CPP, aplicável ex vi do art. 448º, do mesmo diploma, em 4 (quatro) UC’s.
Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).
Lisboa, 02 de dezembro de 2021
Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)
Nuno Gonçalves
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1 Doravante designado pelas iniciais CPP
2 Cfr. AC do STJ 12/12/18 no processo nº 906/14.0PFLRS-A.L1-A.S1, Relator Fernando Samões, e jurisprudência ali citada, «Nomeadamente, os acórdãos do STJ de 9/10/2013, no processo 272/03.9TASX, e de 20/11/2013, no processo 432/06.0JDLSB-Q.S1, da 3.ª Secção; de 13/7/2009, no processo 1381/04.2TAOER.L1-B.S1 e de 22/9/2016, no processo 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, da 5.ª Secção; de 20/12/2017, no processo n.º 125/15.8T9PFR.P1-A.S3, de 21/6/2017, no processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1 e de 22/3/2017, no processo n.º 6275/08.0TDLSB.L3-B.S1, estes também da 3.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt.
3 Disponível em www.dgsi.pt.
4 Cfr., entre outros, os acórdãos de 11/1/2017, processo n.º 895/14.DPGLSB.L1-A.S1, 22/3/2017, 6275/08.0TDLSB.L3-B.S1, 21/6/2017, processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1 e de 20/12/2017, processo n.º 125/15.8T9PFR.P1-A.S3, todos disponíveis no mesmo sítio da internet.
5 Relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral, atual Presidente da Secção, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt.
6 Cfr. citado acórdão de 20/10/2011