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ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RECUSA DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENOVAÇÃO DA EXECUÇÃO EXTINTA
Sumário
Decretada, por sentença transitada em julgado, a extinção de uma execução na sequência do encerramento do processo de insolvência do executado e não podendo ignorar-se ou alterar-se esse pressuposto, não pode renovar-se esse processo executivo extinto, a requerimento do exequente, após a recusa da exoneração do passivo restante do devedor.
Texto Integral
PROC. Nº 8462/08.1TBVNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 7
REL. N.º 645
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1 – RELATÓRIO
A presente execução que Banco B…, SA moveu contra C… e D… foi declarada suspensa, em resultado da declaração de insolvência dos executados e, por decisão de 8/4/2018, foi declarada extinta, nos seguintes termos: “Os executados foram declarados insolventes e o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa. Nestes termos, ao abrigo do disposto no artº 88º nº3 e 230º nº1 d) do CIRE julga-se extinta a execução. Registe e Notifique.”
Em 9/4/2918, esta sentença foi notificada ao Il. Mandatário do exequente, ao Administrador da Insolvência e ao Agente de Execução.
Em 28/7/2020, o exequente Banco B…, S.A. veio informar de que fora recusada a exoneração do passivo restante dos aqui executados e requerer o prosseguimento da execução, com a penhora do vencimento do executado C…. Invocou, para o efeito, o disposto no art. 850º do CPC.
Foi executada tal penhora, na proporção de 1/3 do vencimento, tendo o próprio executado vindo requerer a redução dessa penhora para 1/8.
Tendo o processo sido concluso à Sra. Juiz, foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a hipótese de se considerar que a execução se mostra extinta, não podendo prosseguir.
O exequente pronunciou-se desfavoravelmente e o executado concordou, invocando o trânsito em julgado da decisão de extinção de 8/4/2018.
Certificada, nos autos, a decisão de recusa de exoneração do passivo restante, foi então proferida a decisão sob recurso, que consta do seguinte: “Nos termos do artigo 246.º, n.º 4, do CIRE, "A revogação da exoneração importa a reconstituição de todos os créditos extintos" mas não faz renascer processos extintos. A presente execução encontra-se extinta por decisão judicial transitada em julgado, e não lhe é aplicável o disposto no artigo 850.º do C.P.C., não se tratando de título que tenha trato sucessivo. Não tendo havido recurso da decisão judicial em causa, esgotou-se o poder jurisdicional sobre a matéria em análise, pelo que, encontrando-se extinta a presente execução não pode a mesma agora renascer, tendo o exequente, querendo, de intentar nova execução para o efeito. De forma diversa teria sido caso os autos estivessem suspensos, levando a revogação da exoneração à cessão da suspensão do processo e não à sua extinção. Neste caso, existindo já sentença transitada em julgado a julgar extinta a execução, não pode haver renovação da mesma, pelo que se indefere a pretendida renovação e determino o levantamento da penhora realizada nestes autos.”
É, pois, desta decisão que vem interposto recurso, pelo exequente, que o termina formulando as seguintes conclusões:
“(…)
3 – Não pode o recorrente aceitar a decisão/Despacho, desde logo porque à luz do disposto no art. 246.º, n.º 4 do CIRE, a execução deverá prosseguir nos termos requeridos.
4 – Aliás conforme é entendimento do Tribunal da Relação do Porto por Acórdão no Processo 37/09.4TBMCD-D.P1 de 19.06.2012 em que:
“I – Não é efeito do Despacho inicial do pedido de exoneração do passivo restante a extinção das execuções pendentes contra o insolvente, por impossibilidade superveniente da lide, devendo por isso, manter-se a suspensão que antes fora determinada, ao abrigo do art.º 88.º n.º 1 do CIRE, como resultado da declaração da insolvência.
II – A suspensão da execução só pode dar lugar à sua extinção, por impossibilidade superveniente da lide, caso venha a ser proferida a decisão final de exoneração, nos termos estatuídos nos artigos 244.º e 245.º n.º 1 do CIRE”
5 – Atento até que na execução nunca foi proferida qualquer decisão quer por Agente de Execução, quer pelo próprio Tribunal no sentido da extinção,
6 – Mas e apenas actualizações estatísticas;
7 – Nunca notificadas ao ora recorrente.
8 – Tendo também o ora recorrente no seu requerimento de renovação, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, indicado o ora recorrente bens concretos a penhorar,
8 - O exequente, ora recorrente, não aceita, nem pode aceitar, o teor do despacho recorrido, pois que, salvo o devido respeito, que é muito, tal decisão constitui uma clara violação do disposto no mencionado artigo 88º n.º 1 e 3 do CIRE;
9 - Sendo certo que o único Despacho é o notificado a 18.01.2012 referência citius 14718322, e também notificado ao executado por oficio de 18.01.2012 referência 14718324 de:
“CONCLUSÃO - 16-01-2012
(Termo electrónico elaborado por Escrivão Auxiliar E…)
=CLS= Face ao teor do ofício que antecede, ao abrigo do disposto no art.º 88.º do CIRE, declaro suspensa a instância.
Notifique. VNG, 2012.01.16
10 - Acresce que, para que a instância executiva fosse declarada extinta, mais do que a prerrogativa estabelecida através do disposto no artigo 88º do CIRE, era essencial que na pendência da execução se verificassem factos que tornassem a instância, verdadeiramente, impossível ou até inútil, o que não sucede.
11 – Assim sendo, a primeira instância parte dos pressupostos de uma decisão de extinção, a qual não existiu sequer,
12– E, não existindo, tal decisão, a mesma teria de ser excluída dos pressupostos de facto da decisão de mérito.
13 – E bem assim, independentemente da circunstância de a pretensão formulada pela Exequente se referir à “renovação da instância”, terá de se considerar que o efeito prático-jurídico visado pelo exequente o de retoma do normal andamento do processo, o qual tem sustentação à luz do disposto no citado art. 246.º, n.º 4, do CIRE.
14 – Com a actuação e decisão em crise o Despacho de Mmo Juiz (a) de Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 88.º do CIRE e 244.º e 245.º n.º 1 e 246.º do CIRE e 850 n.º 5 do CPC.
Nestes termos e nos Melhores de Direito que V.as Exas Doutamente suprirão
- Deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado,
- Revogando-se o Despacho proferido referência 42857113, em Citius em 28.09.2021, e notificado em 01.10.2021, referência 428812387
- Substituindo-o por Despacho de prosseguimento por renovação da acção executiva, com os seus ulteriores termos.
Fazendo assim Justiça!”
O executado ofereceu resposta ao recurso, onde inutilmente repetiu os termos da apelação, mas onde não deixou de apontar que o exequente foi notificado da sentença de extinção da execução em 9/4/2018, a par do Agente de Execução e do Administrador da Insolvência. Concluiu pela impertinência da jurisprudência citada pelo apelante e pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre decidir.
*
2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, a questão a decidir consiste em saber se, no caso dos autos, após a prolação de uma sentença de extinção da execução subsequente à declaração de insolvência dos executados, a instância pode ser renovada, por ter sido declarada a recusa de exoneração do passivo restante dos aqui executados.
Assim, diferentemente da jurisprudência invocada pelo apelante, não está em causa, nestes autos, saber se, perante uma decisão liminar de admissão do procedimento de exoneração do passivo restante, no âmbito de um processo de insolvência findo por inexistência de bens, a execução contra os insolventes, que havia sido suspensa nos termos do art. 88º do CIRE, pode ou não ser declarada extinta.
Na jurisprudência citada, o que estava em causa era a pertinência das próprias decisões de extinção da instância, que, tendo sido impugnadas, foram revogadas. Porém, no caso em apreço, essa sentença de extinção foi efectivamente proferida, em 8/4/2018 e imediatamente notificada às partes.
Errado está, pois, não o pressuposto factual da decisão recorrida, mas o pressuposto da apelação, expresso nas conclusões 5ª, 6º e 7º, 10ª, 11ª e 12ª, nos termos do qual não teria existido tal sentença, nem esta teria sido notificada ao exequente. Aliás, é quase surpreendente uma tal alegação, se se atentar em que tal sentença foi notificada precisamente ao Il. Mandatário que subscreve o presente recurso. Assim, contrariamente ao alegado, a referida sentença que declarou extinta a execução transitou em julgado, por não lhe ter sido oposto qualquer recurso, após ter sido notificada, em 9/4, ao exequente (na pessoa do seu Il. Mandatário, conforme certificação Citius constante do processo, por notificação com a refª 391580688), ao Agente de Execução e, na vez dos executados, ao Administrador da Insolvência.
Por conseguinte, a questão que aqui se coloca é diferente, competindo decidir se, depois dessa sentença de extinção, a recusa da exoneração do passivo restante permite a renovação do mesmo processo executivo.
Note-se que não está em causa a consideração a subsistência do crédito exequendo. Embora o CIRE não prescreva o que acontece nos casos de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante (art. 243º do CIRE) ou de recusa da exoneração (art. 244º, nº 2 do CIRE), o art. 245º, nº 1 e o art. 246º, nº 4 só permitem uma conclusão: a manutenção do crédito pelo seu valor não satisfeito no âmbito do processo de insolvência e/ou no âmbito do expediente de cessão de rendimentos cedidos à fidúcia (Cfr. Letícia Costa, O regime especial da insolvência de pessoas singulares, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, nº2, 2013, pgs. 146-147). Como se explica nesse texto, jamais tendo o crédito sido objecto de uma decisão de extinção, designadamente por efeito da decisão de exoneração (a ulteriormente revogada), como acontece no caso de revogação da decisão de exoneração do passivo restante, nos casos de cessação antecipada ou de recusa da exoneração não tem sentido considerar a sua “reconstituição”. Simplesmente, o crédito subsistirá nos precisos termos em que não tiver obtido pagamento.
Porém, no que ao caso compete, o que está em questão é, unicamente, se a cobrança coerciva desse crédito pode continuar a ser empreendida neste processo executivo, ou se tem de ser empreendido num outro e novo processo.
O Ac. do TRG de 25/2/2021 (proc. nº 6931/06.7TBGMR.G1) é peremptório na resposta negativa a tal questão, embora assente também na consideração da existência de um novo título executivo, resultante da sentença de verificação de créditos proferida na insolvência.
Em qualquer caso, e tal como ali se assinala, é inequívoco que a situação sub judice não preenche qualquer das hipóteses previstas no art. 850º do CPC, para as quais, por razões de economia processual, se admite a renovação de uma execução extinta.
Com efeito, a livrança dada à execução não constitui um título de trato sucessivo (apto a sustentar a cobrança de prestações que se vençam posteriormente), o exequente não é credor reclamante nos termos do nº 2 da norma, nem está nas circunstâncias descritas no nº 5.
Por consequência, estando a execução extinta, por efeito de sentença proferida nos autos e transitada em julgado, simplesmente não pode ver a sua instância renovada e prosseguir como se anteriormente tivesse estado apenas suspensa.
De resto, para isso, nem razões de economia processual se impõem (e o legislador não as reconheceu), pois a relação de crédito entre exequente e executado, exposta a um significativo lapso de tempo decorrido durante o período de cessão e sujeita às vicissitudes próprias do processo de insolvência, pode assumir, eventualmente, diferente conteúdo.
Pelo contrário, a extinção da instância nestes autos é um efeito salvaguardado pela força de caso julgado formal que não pode ser negado à sentença de 8/4/2018, em observância do disposto no art. 620º, do CPC.
Temos, pois, como insusceptível de crítica a douta decisão recorrida, que não deve deixar de ser confirmada.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação, na confirmação integral da douta decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Porto, 11 de Janeiro de 2022
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda