RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - O recurso de revisão é, na essência, um remédio que, atentando contra o efeito preclusivo do caso julgado e a inerente segurança e paz, cuida de manter o equilibro necessário entre o valor da certeza jurídica que lhe é imanente e a justiça material.
II - Não tem por objeto o reexame da decisão judicial transitada. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença firme.
III - Somente se admite a revisão quando o STJ se depara com um caso de condenação notoriamente equivocada, enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu como podendo justificar a revogação da sentença transitada em julgado.
IV - O nosso regime não prevê a revisão da decisão judicial com fundamento em erro de julgamento nem, fora dos casos expressamente previstos, em vícios do procedimento.
V - “Descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente se descobriram depois. VI - Exige-se que as “novas provas” sejam tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.
VII - Para se autorizar a “desconstituição” de uma decisão firme, não basta a existência de novos elementos de prova. Exige-se que tenham tal densidade que, confrontadas com as provas que sustentaram a condenação, se lhe sobrepõem tão manifestamente, que num juízo de prognose sobre a valoração, de umas e das outras, em novo julgamento, se possa perspetivar, fundamentadamente, como praticamente certa a absolvição do condenado.

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, em conferência, acorda:



A - RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., no processo comum com intervenção do tribunal coletivo supra identificado, mediante pronúncia, foi julgado o arguido:

- AA, de 71 anos e os demais sinais dos autos

e, por acórdão de 15 de junho de 2015, transitado em julgado em 23/11/2020, condenado pela prática, como autor material, de: ----------------

- 2 (dois) crimes de falsificação de documento agravados, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Cod. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada;

- 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c), do Cod. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada; e

- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Foi também condenado a pagar €9.060,00 a título de indemnização civil.

E ainda nas custas processuais.

Inconformado recorreu para a 2ª instância.

Recurso que não foi admitido por despacho de 21/03/2018.

Reclamou da não admissão do recurso, tendo a reclamação sido indeferida por decisão proferida em 18/05/2018 pelo Presidente do Tribunal da Relação ....

Irresignado interpôs recurso para o Tribunal da Relação ..., do despacho da 1ª instância que em 21/03/2018 não admitiu aquele recurso.

E recorreu ainda para o Tribunal Constitucional.

Tribunal que por decisão de 6/11/2020, não conheceu do recurso.

b) o recurso extraordinário:

O arguido, por requerimento apresentado nos autos em 28.01.2021, apresentou o vertente recurso extraordinário de revisão, invocando o disposto nos artigos 449º n.º 1 alínea d) e 450º do nº 1 alínea b), ambos do Código Processo Penal.

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

1. o fundamento de revisão de sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, importa a verificação cumulativa de dois pressupostos:

2.  por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova;

3.  Por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

4.   Quanto ao primeiro “critério”, são unânimes a doutrina e a jurisprudência na afirmação de que deve entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.

5.   quanto ao segundo “critério”, as dúvidas, porque graves, «(...) têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação.

6.  Tais dúvidas carecem de incidir sobre a condenação, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido.

7.  em N / entendimento, a testemunhas ora indicadas, permitirão compreender as circunstâncias em que os atos imputados ao arguido sucederam;

8.  Nomeadamente, compreender se os factos imputados sucederam na forma em que o Tribunal a quo os julgou provados;

9.   E desta forma, promover a reavaliação da “justeza” da condenação do Arguido ora recorrente;

10.   Devendo ser determinada a realização de nova audiência, para produção de nova prova, aqui é oferecida pelo recorrente;

11.   O que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

Na alegação afirma pretender a “inquirição das testemunhas: BB, CC e DD” que, diz “não foi possível a identificação e indicação das [mesmas] ao tempo da discussão e julgamento”.

c) resposta do M.º P.º:

O Ministério Público na 1ª instância respondeu, defende a rejeição do recurso “por inobservância dos pressupostos formais” e, de qualquer modo, também porque é infundado “uma vez que não vêm apresentados pressupostos fáctico-legais viáveis à revisão”.

d) informação do tribunal:

O Tribunal da condenação, nos termos do art. 454.º do CPP informou:

No caso do presente recurso de revisão o arguido alega não ter sido possível - à data do julgamento - a identificação e indicação das testemunhas que agora indica e arrola, sendo certo que não alega sequer a impossibilidade de identificação e indicação das referidas testemunhas, como se bastasse alegar que não se pôde indicar testemunhas sem, no mínimo, alegar motivo fundado para não o ter feito de forma a tais meios de prova terem sido considerados na decisão a proferir.

Assim, não é possível dizer que os meios de prova indicados são novos e nem tão pouco que o arguido não os conhecia à data do julgamento, não podendo, pois, ser considerados em sede de recurso de revisão como sendo processualmente novos.

Por outro lado, não é possível concluir também que o arguido não conhecia tais meios de prova ou que esteve impedido de os indicar, até porque nada a esse propósito foi alegado.

Acresce que, indicando duas testemunhas, o arguido pese embora alegue terem conhecimento dos factos em causa nos presentes autos, não indica a razão de ciência das mesmas, nem de que modo é que do seu depoimento haveria de resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Sendo o recurso de revisão um meio absolutamente excepcional, não podendo com ele colocar-se em crise a credibilidade de todo o sistema judicial e a estabilidade das decisões, não cremos que com a argumentação esgrimida pelo arguido (o qual no fundo não se conforma é com a bondade da condenação sofrida, a demandar a interposição de um recurso ordinário) constitua um meio de prova seguro para colocar em dúvida a decisão proferida.

O recurso é manifestamente improcedente pois, como acima se disse, os fundamentos do recurso de revisão são taxativos, não cabendo esta situação na alínea d) do artigo 449º do Código de Processo Penal, posto que nos factos e meios de prova novos serão apenas aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em os invocar.

Afigura-se-nos, pois, salvo o devido respeito, que o pedido do condenado é manifestamente infundado, devendo, pois, ser negada a revisão.

e) parecer do M.º P.º no STJ:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista a que alude o artigo 455.º n.º 1 do CPP, em douto parecer pronuncia-se pela negação “por não se verificar o fundamento legal para a revisão da sentença condenatória, a que alude o art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal”. Acrescentado que o recorrente “pretende discutir novamente a matéria de facto, como se de um recurso ordinário se tratasse”.

Argumenta, em síntese:

No caso, o recorrente AA alega ter localizado três testemunhas, que têm conhecimento dos factos, não as tendo podido apresentar aquando da realização de audiência de julgamento, por desconhecer na altura a sua identificação, constituindo as mesmas o único meio de poder suscitar e demonstrar a injustiça da sua condenação, requerendo a sua inquirição, por forma a que estas se pronunciem sobre os factos que lhe foram imputados na acusação.

Ora, entende-se que este argumento invocado pelo recorrente AA por si só não poderá constituir fundamento para a admissibilidade do recurso de revisão.

Na verdade, o recorrente AA não logrou demonstrar de que forma o depoimento destas três testemunhas poderá pôr em causa todos os meios de prova que alicerçaram a convicção do tribunal, e que serviram de fundamento para a sua condenação, uma vez que nem sequer indica quais os factos que as mesmas possam ter conhecimento, que coloque em causa a bondade e o acerto da decisão condenatória.

Com efeito, não basta que o recorrente AA alegue que o depoimento das Testemunhas BB, CC, e DD é apto e idóneo a colocar em causa a justiça da sua condenação, por terem conhecimento directo sobre os factos dos autos, e desta forma constituírem um contributo inquestionável para a descoberta da verdade material, nem que à data da realização de audiência de discussão e julgamento desconhecia a identidade destas testemunhas, para poder ser aceite a sua pretensão.

não basta que o recorrente AA afirme que estas testemunhas “têm conhecimento dos factos”, teria que resultar do alegado no presente recurso de revisão em que medida é que o depoimento prestado por estas testemunhas poderia colocar em causa a bondade e acerto da decisão, para viabilizar o pedido de revisão formulado.


*


O recorrente (arguido nos autos) tem legitimidade para requerer a revisão da sua condenação decretada em decisão judicial transitada em julgado (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

O recurso encontra-se motivado e está instruído (artigos 451.º, n.º 3, e 454.º do CPP).

Este Supremo Tribunal é o competente (artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP) para apreciar o pedido de autorização da rescisão do acórdão condenatória. Nada obstando, pois, ao conhecimento do recurso.

Dispensaram-se os vistos, estando o processo acessível no Citius.

O processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

B - FUNDAMENTAÇÃO:

1. revisão extraordinária de condenação:

a) o caso julgado penal:

A decisão judicial[1], a partir do momento em que não pode ser contestada ou impugnada através dos procedimentos ordinários legalmente previstos, torna-se firme, regulando definitivamente o caso concreto na ordem jurídica. Na expressão de Manuel de Andrade, a sentença constitutiva (que julga procedente uma ação) transitada em julgado (caso julgado material) traz o direito para a evidência[2].

Sem caso julgado nenhuma decisão judicial seria exequível, nunca o processo atingiria o seu fim.

Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis literis, na Constituição da República, ele decorre de vários preceitos do texto constitucional (artigos 29º, n-º 4 e 282º, n.º 3) e é considerado como subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garante da certeza jurídica. As exceções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco[3].

O Código de Processo Penal não contém qualquer normativo do qual possa extrair-se, diretamente, a definição do trânsito em julgado das sentenças penais. Remete-nos – art. 4º - para o direito adjetivo subsidiário, para o Código de Processo Civil. Neste diploma, o art. 628º estabelece: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

Nas palavras de Eduardo Correia, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”[4].

No entender de J. Figueiredo Dias também a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “O que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania[5].

Para J. Alberto dos Reis, “o recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”[6].

O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais[7], evitando a contradição prática de decisões.

A favor do caso julgado em processo penal, invoca-se também o efeito nefasto da reabertura em relação ao coarguido e às vítimas, que seria potenciado pelas circunstâncias emergentes do distanciamento em relação ao material probatório derivado da passagem do tempo.

b) o recurso de revisão:

Na expressão de M. Cavaleiro de FerreiraA irrecorribilidade das decisões judiciais irrevogáveis tem por efeito a sua definitividade e a sua exequibilidade. Quer dizer, esgotou-se no respectivo processo quanto à matéria da decisão o poder jurisdicional, e ficou autorizada a execução da decisão[8]”.

Contudo o princípio res judicata pro veritate habetur não confere ao caso julgado, ainda que erga omnes, uma presunção juris et de jure, de que a decisão consagra justiça absoluta, perenemente irreparável, e por isso irrevogável”.

A revisão, qualquer que seja a sua génese, será sempre uma violação da segurança do caso julgado que é justificada em razões de justiça[9].

Todavia, socorrendo-nos das justificações do Tribunal Supremo de Espanha: “o problema político-social que se produz pelo facto de que sendo as decisões judiciais um ato humano não se deve cerrar o passo definitivamente à consideração de que possam estar equivocadas. O intérprete do sistema legal tem que sopesar se num momento determinado o valor da segurança jurídica deve sobrepor-se ao valor da justiça. Um Estado democrático deve buscar saídas e soluções para resolver os problemas que afetam a liberdade e os direitos individuais[10].

O recurso extraordinário de revisão, assenta na ideia de que as sentenças judiciais condenatórias firmes, embora esmagadoramente correspondam à verdade prático-jurídica, todavia podem não ser infalíveis, mas também não podem estar permanentemente abertas a qualquer reapreciação. É, na essência, um remédio que, atentando contra o efeito preclusivo do caso julgado e a inerente segurança e paz, cuida de manter o equilibro necessário entre o valor da certeza jurídica que lhe é imanente e a justiça material.

Por isso que, somente se admite a revisão quando o Supremo Tribunal se depara com um caso de condenação notoriamente equivocada, enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu como podendo justificar a revogação da sentença condenatória transitada em julgado.

O recurso ordinário da sentença eleva a tramitação a outra etapa do processo penal, a fase destinada ao reexame da decisão.

O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme.

No entendimento seguido no Ac. n.º 376/2000 do Tribunal Constitucional, “no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento[11].

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), Protocolo 7, no artigo 3º (direito a indemnização em caso de erro judiciário) alude a “condenação penal definitiva” “ulteriormente anulada” “porque um facto novo ou recentemente revelado prova que se produziu um erro” de julgamento. E no artigo 4º estatui-se que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento”.

Nesta linha, a Constituição da República, no artigo 29º, (n.º 5), “obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto[12] e (n.º 6) atribui à pessoa injustamente condenada o direito à revisão da sentença, nos termos que a lei prescrever

A violação do caso julgado, permitida pela Constituição da República, e pela CEDH, visa a salvaguarda do elementar direito à liberdade e o direito a uma condenação justa de acordo com as regras constitucionais e do processo penal.

Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário[13] e no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica –art.11º do Código Civil.

Como se sustenta no Ac. de 26-09-2018, deste Supremo Tribunal, “do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”.

c) regime legal:

Em execução daquele comando constitucional (e do referido preceito da CEDH), o Código de Processo Penal, consagra, e regula o recurso extraordinário de revisão, estabelecendo no artigo 449º (fundamentos e admissibilidade da revisão) n.º 1 do CPP:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

Por sua vez, o art. 451º (“formulação do pedido), n.º 2 exige que do requerimento conste a exposição circunstanciada dos fundamentos da revisão e a indicação dos meios de prova em que se possa amparar.

Exige-se também que o requerimento venha instruído com cópia autenticada da decisão revidenda e a certificação do seu trânsito em julgado (n.º 3)

Não se admitindo testemunhas que não tenham sido inquiridas no processo, a não ser justificando que se ignorava a sua existência à data da condenação ou que estiveram impossibilitadas de depor –art. 453º n.º 2 do CPP.

Com o requerimento, apresentado no tribunal da condenação, inicia-se o procedimento destinado à verificação dos requisitos formais e dos pressupostos substantivos para poder ser formulado um juízo rescindente, da competência exclusiva do STJ.

O juízo rescindente só pode ser formulado e, consequentemente, autorizado novo julgamento, se proceder algum dos fundamentos constitucional ou legalmente previstos para que o caso julgado tenha de ceder perante a grave injustiça da condenação.

Não estando presente todos os requisitos ou não existindo ou não se demonstrando os fundamentos invocados, ou se, alicerçando-se em novos factos ou novos elementos de prova, visa corrigir a medida da pena, a revisão deve ser negada –art. 456º.

Sendo autorizada, inicia-se a fase do juízo rescisório a processar na 1ª instância territorialmente competente.

d) antinomia condenação-absolvição:

O fundamento previsto na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP (invocado pelo requerente e, por conseguinte, único que importa ao vertente recurso), exige desde logo a descoberta de “novos factos ou meios de prova”.

E exige ainda que os novos factos ou meios de prova, por si sós ou combinados com os que foram apreciados no processo, “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Norma cuja redação provém e se mantem inalterada desde o texto original, inspirada no artigo 673.º, n.º 4, do Código de Processo Penal de 1929, que tinha a seguinte redação:

“4. Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciadas no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.

Entendia-se então que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não pod[ia] fundamentar a revisão”.

Sustenta-se na doutrina e tem sido adotado na jurisprudência o entendimento de que a alínea d) “tem um campo de aplicação bastante divergente deste seu antecedente, muito mais amplo, pois enquanto aquele n.º 4 exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem graves presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A disposição atual tem, é certo, a limitação do n.º 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de posteriormente à condenação se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (…) e o de diferente enquadramento dos factos”[14].

Entendimento seguido também por G. Marques da Silva, que aponta os mesmos exemplos[15].

Alguma jurisprudência tem ido no sentido de que naquele fundamento não está apenas em causa a presunção de inocência do arguido, bastando que os novos factos ou documentos suscitem grave dúvida sobre a justiça da condenação.

Mas há também quem entenda que, no essencial, o fundamento em apreço traduz a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques[16] no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condenação-absolvição.

Interpretação adotada por este Supremo Tribunal, nomeadamente no Ac. de 13/03/2003[17] e no Ac. de 20/11/2003[18]. Para ser admitida a revisão não é suficiente a descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado. Interpretação reafirmada no Ac. STJ de 24/01/2018, onde se sustentou: “não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável[19].

No direito comparado, o código de processo penal de alguns países que nos são próximos, enunciando também como um dos fundamentos da revisão, a descoberta de novos factos ou meios de prova, exige-se que evidenciem que o condenado devia ter sido absolvido.

Exigência que não implica a subversão do sistema de carga probatória. Na fase do juízo rescindente, não se discute a acusação, existe já uma sentença condenatória firme que fixou os factos, transpondo-os da realidade histórica para o domínio da juridicidade. No processo penal, o arguido, para alcançar a revisão da sentença, não tem que demonstrar perante o Tribunal de recurso que não cometeu os factos por que foi condenado ou de que por eles não é responsável. Mas também não é bastante que indique quaisquer novos factos ou novas provas. Pretendendo eliminar ou reverter uma situação judicialmente estabelecida e juridicamente estabilizada no domínio do direito (visando a desconstituição da condenação decretada[20], na feliz expressão da jurisprudência dos supremos tribunais brasileiros), enquanto requerente da revisão de uma condenação firme, exige-se-lhe que apresente novos factos ou provas que, por si sós ou conjugadas com outras provas produzidas no julgamento, sejam de molde a infirmar objetivamente os factos provados, a desvaloriza-los completamente ou que tornem manifestamente insuficientes as provas em que se fundou a condenação. A presunção de inocência cessa com o trânsito em julgado da condenação – art. 32º n.º 2 da Constituição da República. Para readquirir essa presunção, a Constituição e o processual penal, no compromisso imanente com a verdade material das decisões judiciais, não impõem que o condenado prove que os factos não aconteceram ou de que por eles não culpável. Demandam, isso sim, que o condenado apresente novos dados de facto ou meios de prova que demonstram grave insuficiência cognitiva da decisão em matéria de facto. Tal sucederá quando são levados ao conhecimento do tribunal factos anteriores suficientemente acreditados, que interessando ao objeto da causa e podendo influir no sentido da decisão em matéria de facto, não podia ter conhecido ou meios de prova cuja existência se ignorava e que se revelam com força probatória adequada a infirmar os factos provados que sustentam a condenação. 

Não se admitindo, no nosso regime, a revisão com fundamento na injustiça da medida da pena, resta campo limitado para outros substratos factuais ou probatórios que não venham a traduzir-se, in fine, na absolvição do condenado com notório equívoco ou erro palmar e patente ou, ao menos, no regresso à situação jurídica anterior à decisão transitada em julgado (a revogação da suspensão da execução da pena de prisão tem suscitado divergências[21]).

O nosso legislador também não prevê a revisão da decisão judicial com fundamento no erro de julgamento[22]. Nem, fora dos casos expressamente previstos, em vícios do procedimento devido[23].

Seja como for, inscrevendo-se o direito à revisão extraordinária da condenação no elenco dos direitos fundamentais dos cidadãos injustamente condenados, a segurança e a paz jurídicas devem ceder, excecionalmente, perante a necessidade de, em situações de patente e grave injustiça legalmente catalogadas, reafirmar o valor da justiça, de modo que a sentença transporte para os autos e traduza no processo a realidade da vida. Nas palavras de M. Cavaleiro de Ferreira, no processo penal, “a justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais, a garantia dum mal invocando prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa da postergação de direitos fundamentais do cidadão, transformados cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada … da lei e do direito”[24]. Contudo, a relativização do caso julgado, não pode postergar completamente o valor da segurança e a paz jurídica, constitucionalmente garantidos através do instituto do caso julgado.

No entendimento do Tribunal Constitucional exposto no Ac. 376/00 de 13/07/2000:

O recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores. O núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, precipitada na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.

Trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva, ao ponto de banalizar e consequentemente desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação. É nesta ordem de considerações que a Constituição consagra no nº 6 do artigo 29º o direito dos cidadãos injustamente condenados, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença". Esta é a norma constitucional que mais próxima e diretamente disciplina a matéria, (…).

Deste modo, como se assinalou, a abertura e amplitude da revisão da sentença condenatória não pode deixar de ser informada pela ideia de excecionalidade, aplicável apenas a casos de injustiça intolerável. Só assim se poderá manter, na medida do possível, o necessário equilíbrio entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança jurídica.

e) novos factos ou meios de prova:

Salientou-se que, com o fundamento em apreço – invocação da al.ª d) - podem sustentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou meios de prova que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que motivam a condenação.

Não satisfaz aquele requisito a invocação de quaisquer factos ou de outras provas nem a mera invocação de factos novos, ou tampouco basta a sua hipotética verosimilhança. Ademais da novidade, têm de estar suficientemente acreditados, isto é, resultarem convincentemente demonstrados. No processo penal, os factos adquirem-se através das provas. Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indiretas que os demonstrem, - por si só (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata.

Do mesmo modo, não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença firme, provas que, ademais da novidade, aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que legitimam a condenação.

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é ainda necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; terá de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade”, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidadeda dúvida.

Descobrirem”, do verbo descobrir, tem o significado de pôr a descoberto, destapar, encontrar, tanto para o que é verdadeiramente novo como também o que já existia e de que só agora se adquiriu conhecimento.

Novos” são os factos ou elementos de prova vistos pela primeira vez, que eram inéditos, desconhecidos.

A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois.

Como se sustenta no citado Ac. STJ de 26/09/2018:

I - Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o STJ entendeu, durante anos e de forma pacífica que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

II - Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

Por sua vez, no Ac. de 12/5/2005 do Tribunal Constitucional expende-se:

Há‑de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de ato em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.

Não se trata, portanto, de elementos probatórios que permitam novas argumentações a favor da inocência do condenado, mas de autênticas novas provas que desvirtuando totalmente as provas que motivaram a condenação, fazem duvidar gravemente da sua justiça material. Tampouco se trata de uma nova oportunidade para reapreciar os elementos probatórios que o tribunal de instância e/ou de recurso já tiveram em conta.

Como se sustenta-se no Ac. de 3/12/2014, deste Supremo (e secção), exigem-se “novas provas” que, no concreto quadro factual, se revelem tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a prova de um quadro de facto novo ou a exibição de novas provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão[25].

Em síntese, são, dois e cumulativos os parâmetros da admissibilidade da revisão com fundamento na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP:

-que os factos ou provas apresentados não existiam ou se, existentes, desconheciam-se e, portanto, não puderam apresentar-se e, consequentemente, ser tidos em conta na sentença;

-que por si sós ou conjugados e confrontados com provas produzidas na audiência evidenciem, acima de qualquer dúvida razoável, a grave injustiça da condenação.

Discutida tem sido a aferição da novidade dos factos e dos meios de prova. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal a corrente maioritária, - seguida entre outros, no recente Ac. de 10/02/2021 desta 3ª secção – sustenta (com sublinhado de realce): Louvando-nos, brevitatis causa, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, processo 41/05.1 GAVLP-C.S1, de 12.03.2014,  factos novos serão «os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão”.

f) no caso:

Vejamos se o vertente recurso extraordinário satisfaz os parâmetros da pretendida revisão do acórdão que, transitado em julgado, firmou na ordem jurídica e judiciária a narrativa dos acontecimentos sobre que versou a decisão e, consequentemente, a condenação do arguido aqui recorrente nos termos inicialmente plasmados.

O recorrente ampara a pretensão rescindente alegando que “o Tribunal a quo não espelha, na sua fundamentação, a concatenação da prova produzida; limitando-se a retirar conclusões face a cada elemento probatório isoladamente; sempre em detrimento, sem mais, da defesa do arguido.

Resulta, grosseiramente, que todas as declarações foram para o Tribunal a quo claras, conscientes e inequívocas, à exceção da defesa do Recorrente que, sem demonstração de um raciocínio lógico-dedutivo que o justificasse, foi votada à total desconsideração.

Com o princípio in dúbio pro reo tem-se em vista a garantia da não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos de facto típicos e ilícitos imputados ao Arguido;

Assim como se pretende salvaguardar a retidão na atribuição do dolo ou da negligência aos factos alegadamente praticados.

Termina peticionando “a reapreciação de uma decisão transitada em julgado, tendo como trave-mestra a necessidade de reparar um erro judiciário, pois que” “através da repetição do julgamento, deverá ser obtida uma nova decisão judicial, resultante da inquirição das testemunhas: BB, CC e DD.

Asseverando que “a prova testemunhal ora indicada, de per si, é apta e idónea e coloca em causa a justiça da condenação” porquanto o conhecimento direto que têm sobre os factos que compõem o objeto dos autos é contributo inquestionável para a descoberta da verdade material.

 Afirma ainda que “não foi possível a identificação e indicação das testemunhas ora arroladas ao tempo da discussão e julgamento dos autos, por forma a que os seus depoimentos pudessem ser apreciados e valorados na decisão”.

Resulta do transcrito que o arguido, em substância, se insurge contra a valoração das provas a que procedeu o tribunal da condenação, tanto assim que acaba clamando pelo princípio in dubio pro reo.

Enfim, sem desconsiderar essa alegação, verifica-se que o vertente recurso extraordinário se pretende amparar na alegação do conhecimento superveniente, pelo próprio arguido, da identificação de outras provas pessoais.

Como oportunamente salienta a Procuradora da República na sua resposta, surpreende, desde logo, que o recorrente não tenha identificado minimamente as provas pessoais que indica. Os nomes, sem mais, não permitem identificar em juízo qualquer pessoa de forma a poder ser localizada e, se fosse o caso, convocada para comparecer.

Também como pertinentemente salientado na informação do Tribunal recorrido, o recorrente omitiu a indicação, sumária que fosse, do eventual conhecimento sobre os factos provados que as supostas testemunhas podem ter e de que modo, o seu depoimento, em audiência, poderia projetar-se com tanta relevância sobre a facticidade julgada provada no acórdão condenatório, que a decisão em matéria de facto teria de rescindir-se, por evidenciar a reclamada injustiça da condenação, não podendo, então, manter-se na ordem jurídica.

Conforme realçado, é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que, para se autorizar a “desconstituição” de uma decisão firme, não basta a existência de novos elementos de prova. Exige-se, sem fissuras, que sejam de tal densidade que se apresentem como fortemente suscetíveis de lançar dúvidas sérias e qualificadas sobre a justiça da condenação. Ou seja, que confrontadas essas novas provas com as provas que sustentam a condenação, se lhe sobrepõem tão manifestamente, que num juízo de prognose sobre a valoração, em novo julgamento, de umas e das outras, se possa perspetivar, fundamentadamente, como praticamente certa a absolvição do condenado.

Evidentemente, desconhecendo-se por não vir sequer alegado o que as novas testemunhas poderiam aportar, está arredada qualquer dúvida sobre a justiça da condenação do arguido

Conforme se sustentou no acórdão de 14.03.2013 deste Supremo Tribunal “a revisão de uma sentença transitada em julgado ao abrigo da al.º d) do n.º 1 so art. 449º do CPP pressupõe o apuramento seguro e incontestável (não apenas a recolha de indícios) de novos factos. Só a recolha de provas que ponham em causa a factualidade em que se baseou a condenação pode determinar a revisão, Só nesse caso se poderá dizer que há graves dúvidas sobre a justiça da condenação”[26].

Acresce que este Supremo Tribunal tem vindo a entender e decidir que, para efeito de revisão extraordinária de decisão penal transitada em julgado, as provas só se consideram novas se eram de todo desconhecidas do condenado, ao tempo do julgamento e condenação. Entendimento radicado no dever de lealdade processual do arguido em colaborar com o tribunal na sua própria defesa. O Estado de direito não pode aceitar e tolerar que o arguido, na sua estratégia de defesa, oculte ou deixe de requerer, aquando do julgamento, quaisquer provas que lhe pareçam favoráveis à sua defesa, para, guardando-as “na manga” vir mais tarde, sub-repticiamente, lançar o descrédito sobre a justiça e o intenso e cuidado labor do tribunal na busca da verdade material e da correção da decisão condenatória.

O vertente recurso não observa, pois, minimamente sequer, os requisitos exigidos para que pudesse autorizar-se a revisão.

Ao invés, como inexoravelmente demonstra o trecho transcrito da alegação de recurso, o que realmente questiona é a livre convicção do tribunal de julgamento, insurgindo-se que tenha, na sua expressão, conferido credibilidade às provas da acusação em detrimento da sua própria versão. Tão sintomaticamente assim é que sentindo-se desamparado, insiste em apelar ao in dubio pro reo.

Tanto basta para se evidenciar a manifesta falta de fundamento da pretensão rescindente.

Conclui-se assim, que no caso, não se demonstra a existência de meios de prova que sejam realmente novos, como também nem sequer o fundamento invocado pelo recorrente é de molde a poder configurar a situação tipificada no art.º 449º n.º 1 al.ª d) ou qualquer outra das catalogadas na mesma norma adjetiva.

Não se verificando os pressupostos exigidos pelo art. 449.º n.º 1 do CPP para poder ser admitida a revisão, designadamente com o fundamento previsto na alínea d) do mesmo normativo, expressamente invocado pelo arguido, carece, manifestamente, de fundamento bastante, o vertente recurso extraordinário de revisão. Não podendo admitir-se a peticionada rescisão da decisão condenatória revidenda.

C. DECISÃO:

Termos em que o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência da Secção Criminal, acorda em: ----

a)  Negar a revisão da condenação do recorrente nestes autos.

b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.

c) Em obediência ao disposto no art. 456º do CPP, condenar o recorrente a pagar 8 UCs.


*


Lisboa, 15 de dezembro de 2021


Nuno A. Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

António Pires da Graça (Juiz Conselheiro presidente da secção)

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[1] Nos termos do art. 449º do CPP, para efeitos de revisão “à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo”.
[2] Noções Elementares de Processo Civil, pag. 335.
[3] J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed., 2ª reimpressão. Coimbra, 3003, Edições Almedina, pag, 265.
[4] A Teoria do Concurso em Direito Criminal (reimpressão), Almedina, 1983, pág. 302.
[5] Direito Processual Penal, 1º vol. pag 44.
[6] Código de Processo Civil Anotado, 1984 (reedição), volume V, pág. 158.
[7] Eduardo Correia, ob citada, pag. 403.
[8] Curso de Processo Penal, III, edição da AAFDL, 1963, págs. 35.
[9] J. H. Santos Cabral, “A relação entre as decisões dos tribunais internacionais e as decisões dos tribunais supremos - efeito directo e reabertura do processo”, pag. 9 e pag. 17.
[10] Sentencia de 22/11/1996.
[11] DRE II série de 13/12/2000.
[12] J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º ed., pag. 497.
[13] Extraordinário é o que é fora do comum, raro, que sucede em circunstancias excecionais.
[14] M. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, 12ª ed., pag. 845.
[15] Curso de Processo Penal, III, pag. 388.
[16] Recursos em Processo Penal, p. 215
[17] Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 2003, tomo I, p. 231.
[18] em www.dgsi.pt
[19] proc. n.º 3/12.2GAVVC-B.S1, 3ª sec , www.dgsi.pt/jstj.
[20] Através do recurso de «revisão», também denominada “ação de revisão criminal”.
[21] No Ac. STJ de 25/05/2016, proc. 459/08.8POLSB-A.S1 (in www. dgsi.pt) decidiu-se: “O despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, que o recorrente pretende que seja revisto, não põe fim ao processo, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida, pelo que é insuscetível de revisão”.
[22] Na decisão da matéria de facto – por ex., o tribunal fixa um acontecimento que não existiu – ou na resolução da questão de direito – maxime:, errada subsunção jurídica dos factos provados, ou, em geral,  erro na aplicação do direito ao caso concreto.
[23] Por ex.: nulidades da sentença.
[24] Scientia Iuridica, tomo XIV, n.ºs 75/76, pag. 520/521.
[25] Proc. 798/12.3GCBNV-B.S1 in www.dgsi.pt
[26] Proc. 693/09.3JABRG-A,S1.