I - O arguido vem, através de um recurso extraordinário de revisão, formular um pedido de revogação do despacho judicial proferido em 1.ª instância que não admitiu o recurso por si interposto da sentença aí proferida para o tribunal da Relação de Évora, por ter sido considerado tal recurso extemporâneo, tendo esta decisão de não admissão do recurso sido posteriormente confirmada pelo tribunal da Relação, em sede de reclamação.
II – O arguido fundamenta a interposição de recurso de revisão com base na descoberta de novos factos que, em seu entender, determinam a revogação da decisão de não admissão do recurso, pugnando pela sua substituição por uma outra decisão que determine a admissão do recurso e a sua remessa ao tribunal da Relação de Évora para a devida apreciação
III – A argumentação apresentada pelo arguido para a admissão do recurso de revisão não poderá ser atendida face à inexistência de um qualquer facto e/ou meio de prova novo que justifique a sua admissibilidade com o fundamento legal enunciado no citado art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, uma vez que vem impugnar novamente o despacho judicial proferido em 1.ª instância de não admissão do recurso por si interposto da sentença condenatória, por motivo de extemporaneidade, despacho que foi confirmado em sede de reclamação.
IV –O arguido tinha Mandatário/Defensor constituído, que o representou no julgamento em 1ª Instância, e que se mantinha para os eventuais actos processuais subsequentes enquanto não fosse substituído, designadamente a interposição de recurso, tendo-lhe sido fornecida a sua morada, o seu número de telefone, o seu número de fax, e o seu endereço de email, para que este a pudesse contactar, no sentido de recorrer da sentença condenatória, não cumprindo no âmbito do presente recurso de revisão proceder à reavaliação da extemporaneidade ou não extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido em 1.ª instância, como se de uma nova reclamação se tratasse.
V – O arguido pretenderá apenas, através da interposição do recurso de revisão, obter uma alteração da decisão proferida em 1.ª instância, e confirmada em sede de reclamação pelo tribunal da Relação de Évora, em termos próprios de um recurso ordinário, inexistindo fundamento legal para a sua admissibilidade, por incumprimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.
5ª Secção
Recurso Extraordinário de Revisão
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Acordam em Conferência, na 5ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça l
I – Relatório
1. O arguido AA foi julgado em Proc. Comum, com intervenção do Tribunal Singular, no Proc. nº 87/14...., do Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., da Comarca ..., tendo sido condenado, por sentença proferida em 10/03/2017, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. p. pelo art. 365°, n° 1, do Cod. Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária € 5,00 (cinco euros), num total de € 600,00 (seiscentos euros).
2. O arguido AA foi notificado pessoalmente desta sentença em 25/07/2019[1] – cfr. notificação efectuada pela ...ª Esquadra, da Divisão da PSP ..., do Comando Metropolitano ....
3. O arguido AA, em 14/07/2019, veio manifestar no Proc. nº 87/14…. o propósito de recorrer, mas que desconhecia a identidade do seu actual defensor oficioso e que ficaria a aguardar tal informação da parte do tribunal, tendo sido posteriormente notificado [2], por via postal simples com prova de depósito, que tinha o prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para recorrer da sentença, devendo, para o efeito, contactar com o seu mandatário/defensor, a Dra. BB, na morada sita na Rua ..., com o telefone: ...10, o fax: ...33, e o endereço de email: ...., constando ainda desta notificação que a mesma se considerava efectuada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário, indicada no sobrescrito, depósito que veio a efectuar-se em 29/10/2019, considerando-se assim o mesmo notificado em 04/11/2019[3].
4. A Dra. BB veio dar conhecimento no Proc. nº 87/14…. que tinha apresentado um requerimento de pedido escusa de patrocínio pela Ordem dos Advogados, relativamente ao arguido AA, em 29/10/2019, – cfr. peça processual entregue por via electrónica, em 29/10/2019, às 17H39.
5. O arguido AA foi notificado por via postal simples com prova de depósito[4], nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64º, n° 3, do Cod. Penal (redacção dada pela Lei n° 59/98, de 25/8), que lhe tinha sido nomeado defensor oficioso/patrono, a Dra. CC, com morada na Rua ..., com o telefone nº ...33:59, constando ainda desta notificação que a mesma se considerava efectuada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário, constante do respectivo sobrescrito.
6. O arguido AA interpôs recurso da sentença condenatória para o Tribunal da Relação ..., em 16/12/2019, tendo este recurso sido rejeitado, por despacho judicial proferido em 20/01/2020, por ter sido considerado extemporâneo, uma vez que o transito em julgado da sentença tinha ocorrido em 03/12/2019[5].
7. O arguido AA reclamou desta decisão de não admissão do recurso para o Tribunal da Relação ..., que indeferiu esta reclamação e manteve o despacho reclamado, decidindo pela continuação da rejeição do recurso, por ter sido interposto fora de tempo.
8. O arguido AA interpôs recurso extraordinário de revisão, com fundamento no art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal, tendo formulado um pedido de revogação da sentença condenatória, e um pedido de revogação da decisão que não admitiu o recurso interposto em 16/12/2018[6] pugnando pela sua substituição por uma decisão que determine a admissão do recurso, e a sua remessa ao Tribunal da Relação ..., para a devida apreciação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
a. Nos presentes autos não foi admitido o Recurso interposto por se julgar o mesmo extemporâneo;
b. Quando é certo que se encontra devidamente documentado nos autos que o Arguido toma conhecimento da identidade do seu Defensor em 04/11/2019 mas, seguidamente, em 18/11/2019 é notificado da sua substituição por nova Defensora;
c. O que implica um verdadeiro vazio de representação para efeitos de defesa do Arguido;
d. Sendo certo que o mesmo interpõe recurso 30 dias depois de ter uma Defensora com quem reúne e lhe assegura o direito;
e. Não podendo o art. 66º, nº 4 do CPP ser interpretado de forma literal (existência de Defensor) mas efectiva (existência de profissional do foro a quem procurar);
f. Essa questão vem o Arguido sustentando ao longo de vários recursos e reclamações, baseando-se em jurisprudência abundante mas sempre sem sucesso;
g. Recentemente, teve o Arguido conhecimento do teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Évora de 11 de Maio de 2021 versando especificamente sobre tal matéria;
h. Sendo tal documento desconhecido do Arguido aquando das várias intervenções neste processo (inclusive último recurso de revisão);
i. Certos que a decisão que ali se profere e com sustentação em Acórdãos do Tribunal Constitucional, já outrora citados, a ser atendido e analisado neste processo, determina decisão diversa quanto à admissão do recurso;
j. Cabendo relembrar a passagem do Sumário que decide que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado” é inconstitucional por violação do artº 20º, nºs 1 e 4, da C.R.P.
k. Realidade que este Tribunal não pode ignorar, provendo-se pela revisão de tal decisão de não admissão do recurso interposto em 16/12/2019 (…)”.
9. O Ministério Público em 1ª Instância apresentou resposta ao recurso de revisão entendendo que o pedido é infundado e que o recorrente utilizou este recurso excepcional para tentar suprir eventuais deficiências da sua defesa a si imputáveis.
10. O recurso foi admitido, com despacho de remessa a este Supremo Tribunal de Justiça, para apreciação, tendo o Sr. Juiz, junto do Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., da Comarca ..., prestado informação quanto ao mérito do pedido, nos termos do art. 454º do Cod. Proc. Penal, nos seguintes termos (transcrição):
“(…) Sendo certo que nos termos do disposto no artigo 449.º do Código de Processo Penal se prevê a admissibilidade de recurso de revisão de sentença transitada em julgado, nos casos previstos nas alíneas do n.º 1 desse artigo, e mesmo considerando que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo “à sentença é equiparado o despacho que tiver posto fim ao processo”, analisado todo o requerimento de recurso conclui-se que o arguido vem, afinal e mais uma vez, colocar em causa, não a sentença condenatória proferida nos presentes autos, mas antes o despacho que não admitiu o recurso da mesma apresentado, extemporaneamente, pelo arguido.
Ora, assim se constata que o arguido não vem, afinal, apresentar recurso de revisão de sentença transitada em julgado (ou despacho que tenha posto fim ao processo), por se terem descoberto “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que fora apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – como se prevê na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º do Código de Processo Penal, invocado pelo arguido no introito do seu requerimento.
Antes pretende, o arguido, mais uma vez e após a decisão desfavorável da reclamação apresentada, pôr em causa o despacho proferido nos autos nos termos do qual não foi admitido o recurso apresentado extemporaneamente pelo arguido.
Somos, pois, da opinião que não se mostram sequer verificados os requisitos de admissibilidade do recurso de revisão previstos no artigo 449.º do Código de Processo Penal, sendo tal recurso legalmente inadmissível, motivo pelo qual deve o mesmo rejeitado (…)”[7].
11. O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 455°, n° 1, do Cod. Proc. Penal, manifestou-se no sentido de não ser autorizada a revisão, por não se verificar o fundamento legal invocado por referência ao art. 449°, n° 1, al. d), do Cod. Proc. Penal nos seguintes termos(transcrição):[8]
“(…) No caso vertente, e na linha do entendimento expresso pela Mm.ª Juiz titular do processo e pelo Ministério Público na 1.ª Instância, na “informação” e na “resposta” acabadas de transcrever, afigura-se que a pretensão do recorrente é manifestamente improcedente por não ser passível de revisão a decisão a que se dirige este recurso extraordinário.
Com efeito, sendo susceptíveis de revisão todas as sentenças, singulares ou colegiais, condenatórias ou absolutórias, também o são os despachos que põem fim ao processo (cfr. artigo 454º, n.º 2, do C.P.P.), como é o caso do despacho de não pronúncia, do que aplica uma amnistia, etc., ou seja, aqueles que conheçam do mérito ou fundo da causa.
Como se sumaria no acórdão de 02.04.2014 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 159/07.6PBCTB-A.S1, da 3ª Secção (Relator: Conselheiro Oliveira Mendes), inwww.dgsi.pt/ (…)
III- Segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual, em regra, conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ouencerramento do processo. (…)
No mesmo sentido, o acórdão de 19.12.2019, igualmente do S.T.J. (processo n.º 66/13.3PTSTR-A.S1, da 5ª Secção, Relator: Conselheiro Francisco Caetano), com a mesma origem de consulta: (…)
II- Despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídicoprocessual por razões substantivas ou adjectivas; é o que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito; é o que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (art. 338. do CPP) ou a decisão sumária do relator. (…)
Ora, é manifesto que a decisão visada pelo recurso em presença não é nem sentença, nem corporiza despacho que tenha posto fim ao processo.
E, para finalizar, sempre se dirá que a alegação apresentada pelo recorrente não permite ter por preenchidos qualquer dos requisitos a que se refere o artigo 449.º do C.P.P., mormente o da alínea d) que vem invocado, pelo que também por aqui nunca poderia ser atendida a sua pretensão.
Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que deve ser negada, por legalmente inadmissível, a revisão pedida por AA”
12. O arguido AA foi notificado para querendo exercer o contraditório, e nada disse.
13. O arguido AA tem legitimidade para requerer a revisão (art. 450º, nº 1, al. c) do Cod. Proc. Penal), e este tribunal é o competente (arts. 11º, nº 4, al. d), e 454º, ambos do Cod. Proc. Penal), pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso
14. Colhidos os vistos e após conferência cumpre decidir.
II - Fundamentação
Do regime jurídico do recurso de revisão.
O art. 29º, nº 6, da Constituição da República, consagra o direito dos cidadãos “à revisão da sentença”, estando as condições a que a Constituição explicitamente alude vertidas no art. 449º, nº 1, do Cod. Proc. Penal
Os casos de revisão de sentença e os seus fundamentos estão expressa e taxativamente previstos no citado art. 449º do Cod. Proc. Penal.
Dispõe o art. 449º do Cod. Proc. Penal que:
"1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça” (…).
“3. A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos.
4. Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito. Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas da Lei nº 48/2007, de 29/08”[9].
Breve alusão à doutrina, e à jurisprudência do Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional sobre a natureza extraordinária do recurso de revisão.
“(…) O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme (…)”[10].
O art. 29º, nº 6, da Constituição da República, consagra o direito “à revisão da sentença”, contudo “(…) este normativo constitucional atribuiu um direito geral de revisão de sentenças em circunstâncias bem definidas, não uma porta escancarada a toda e qualquer revisão, em quaisquer situações. A CRP não deixa, aliás, quaisquer dúvidas: porquanto sublinha que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe, muito concretamente: “nas condições que a lei prescrever” (…)”, estando vertidas no citado art. 449º, nº 1, do Cod. Proc. Penal as condições a que a Constituição explicitamente aludel[11]
O Ac. do Tribunal Constitucional nº 376/2000[12] refere que: “(…) no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (…)”.
O normativo constitucional do art. 29º, nº 6, da Constituição da República “(…) atribuiu um direito geral de revisão de sentenças em circunstâncias bem definidas, não uma porta escancarada a toda e qualquer revisão, em quaisquer situações. A CRP não deixa, aliás, quaisquer dúvidas: porquanto sublinha que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe, muito concretamente: “nas condições que a lei prescrever” (…)”, explicitamente vertidas no art. 449º, nº 1, do Cod. Proc. Penal[13]
E, como se sustenta no Ac. STJ de 26/09/2018[14], “(…) do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários (…)”.
Apreciação
O arguido AA vem, através de um recurso extraordinário de revisão, formular um pedido de revogação do despacho judicial proferido em 20/01/2020, no Proc. nº 87/14…., pelo Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., da Comarca ..., que não admitiu o recurso por si interposto em 16/12/2019 da sentença aí proferida para o Tribunal da Relação ..., por ter sido considerado tal recurso extemporâneo, uma vez que o transito em julgado desta sentença ocorreu em 03/12/2019, tendo esta decisão de não admissão do recurso sido posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação, em sede de reclamação.
O arguido AA alega que tomou conhecimento da identidade do seu Defensor em 04/11/2019, que foi notificado em 18/11/2019 da substituição deste Defensor por uma nova Defensora, situação que consubstancia “(…) um verdadeiro vazio de representação para efeitos de defesa do Arguido (…)”, tendo interposto recurso da sentença condenatória no prazo de 30 dias depois de ter uma Defensora com quem reuniu, e que lhe assegurou esse seu direito.
O arguido AA alega não poder interpretar-se o art. 66º, nº 4, do Cod. Proc. Penal, de uma forma literal (existência de Defensor), mas sim de uma forma efectiva (existência de profissional do foro a quem procurar), tendo o Acórdão do Tribunal da Relação do Évora, de 11/05/2021 versado especificamente esta matéria, e apontado pela solução que ora pugna, no sentido da admissão do recurso, com sustentação em Acórdãos do Tribunal Constitucional.
E, em face da decisão deste Ac. TRE, o arguido AA interpôs o recurso extraordinário de revisão, com fundamento no art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal, ou seja, fundamentando-o com base na descoberta de novos factos que, em seu entender, determinam a revogação da decisão que não admitiu o recurso por si interposto em 16/12/2018, e a sua substituição por uma outra decisão que determine a admissão do recurso e a sua remessa ao Tribunal da Relação ... para a devida apreciação.
Ora, para que o recurso extraordinário de revisão possa prosseguir, tal como resulta da lei, e da interpretação que lhe vem sendo dada, no que respeita ao fundamento legal enunciado no art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal, exige-se, por um lado, que haja novos factos e/ou novos meios de prova, pressupondo-se que os mesmos foram conhecidos depois da prolação da sentença condenatória, e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.
Desta forma, os factos e/ou os meios de prova têm de ser novos, no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido aquando do seu julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, de uma real e efectiva impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. Por outro lado, a dúvida sobre a justiça da condenação terá de ser séria e consistente [15]
Dos fundamentos invocados e da consequente inadmissibilidade do recurso
Como já se disse, o arguido AA interpôs o recurso extraordinário de revisão, com fundamento no art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal, ou seja, fundamentando-o na descoberta de novos factos que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
Contudo, após uma análise da argumentação desenvolvida pelo arguido AA no recurso de revisão por si interposto, entende-se que a sua pretensão não poderá ser atendida, face à natureza e à operância prática do recurso extraordinário de revisão e à visão consolidada por este Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à verificação do fundamento legal por si enunciado do art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal.
Desde logo, sublinhe-se, a inexistência de um qualquer facto e/ou meio de prova novo, no sentido da admissibilidade legal do recurso extraordinário de revisão, com o fundamento legal enunciado no citado art. 449º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Penal.
Com efeito, e tal como bem refere o Sr. Juiz da 1ª Instância na informação que prestou, e também o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer “(…) analisado todo o requerimento de recurso conclui-se que o arguido vem, afinal e mais uma vez, colocar em causa, não a sentença condenatória proferida nos presentes autos, mas antes o despacho que não admitiu o recurso da mesma apresentado, extemporaneamente, pelo arguido (…)”.
Na verdade, o arguido AA não vem apresentar um recurso de revisão de uma sentença transitada em julgado, ou de um despacho que tenha posto fim ao processo fundamentando-o no art. 449º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal, vem isso sim, impugnar novamente o despacho judicial proferido em 1ª Instância, de não admissão do recurso por si interposto da sentença condenatória, por motivo de extemporaneidade, e que foi confirmado pelo Tribunal da Relação ..., em sede de reclamação.
Assim, e como bem refere o Sr. Juiz em 1ª Instância, o arguido AA, pretende “(…) mais uma vez e após a decisão desfavorável da reclamação apresentada, pôr em causa o despacho proferido nos autos nos termos do qual não foi admitido o recurso apresentado extemporaneamente (…)”.
Não cumprindo proceder agora à reavaliação da extemporaneidade ou não extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido AA, como se de uma nova reclamação se tratasse, o que cabe fora do âmbito do presente recurso, sempre se dirá que, o Ac. do TRE de 11/05/2021[16], por si invocado para sustentar a procedência do presente recurso extraordinário de revisão ao referir que o mesmo versa especificamente sobre a mesma matéria, e aponta para uma solução no sentido da admissão do recurso por si interposto da sentença condenatória proferida no Proc. nº 87/14…., com sustentação em Acórdãos do Tribunal Constitucional, não só versa sobre matéria completamente distinta, como também é distinta a dinâmica processual aí verificada.
Com efeito, no Ac. do TRE de 11/05/2021, está-se perante uma situação de primeira nomeação de patrono, para a constituição de assistente, e para a consequente dedução de acusação particular por factos susceptíveis de consubstanciar, em abstracto, a prática de um crime de injúria, sendo que aí foi decidido, e consta do respectivo sumário que: (transcrição)
“A notificação ao requerente da nomeação de patrono, a ser feita por carta, deve sê-lo por carta registada.
Não tendo sido assim feita no caso dos autos, não pode a notificação produzir efeitos, sendo como se não tivesse existido.
Entendendo que só com essa notificação (ou com a do patrono nomeado, conforme a última que ocorrer, mas se tudo correr normalmente a notificação do patrono é feita informaticamente de imediato) é que se reinicia o prazo anteriormente interrompido, há que considerar que em 12/10/2020 a recorrente estava em prazo para requerer a constituição como assistente. Aliás, prazo esse que ainda perdura, face à invalidade da notificação efectuada.
É o que resulta do entendimento de que “a interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado” é inconstitucional por violação do artº 20º, nºs 1 e 4, da C.R.P.”
Ora, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 461/2016[17], citado no Ac. TRE de 11/05/2021, decidiu julgar “(…) inconstitucional a interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”
No caso, o arguido AA tinha Mandatário/Defensor constituído, que o representou no Proc. nº 87/14…. (a Dra. BB), tendo-lhe sido fornecida a sua morada, o seu número de telefone, o seu número de fax, e o seu endereço de email, para que este a pudesse contactar, no sentido de recorrer da sentença condenatória proferida naquele processo, sendo que esta notificação presume-se regularmente efectuada, por via postal simples com prova de depósito, enviada para a sua morada conhecida[18], presunção que decorre do disposto no artº 113º, nº 1, al. c), e nº 3, do Cod. Proc. Penal.
Desta forma, e face ao disposto no art. 66º, nº 4, do Cod. Proc. Penal, o Mandatário /Defensor nomeado ao arguido AA no Proc. nº 87/14…. (a Dra. BB) mantinha-se para os eventuais actos processuais subsequentes, designadamente a interposição de recurso, enquanto não fosse substituído.
Assim, o asseguramento da defesa do arguido AA determinava que o mandatário/defensor nomeado (a Dra. BB) se mantivesse enquanto não fosse substituído, praticando os actos que se revelassem necessários ao exercício efectivo da sua defesa.
Daí que se considere que a decisão judicial proferida em 1ª Instância, e confirmada em sede de reclamação pelo Tribunal da Relação ..., que considerou extemporâneo o recurso interposto pelo arguido, por considerar que a sentença condenatória transitou em 03/12/2019, não violou o art. 20º, nº 1, e nº 4, da Constituição da República.
Neste sentido, invocamos o Ac. TC nº 221/20, de 17/04/2020[19], que decidiu :” a) Não julgar inconstitucional os artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e artigo 66.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que o prazo para interpor recurso de acórdão condenatório depositado na secretaria se conta desde a data do depósito, não se interrompendo na pendência de pedido de dispensa do defensor junto da Ordem dos Advogados devidamente comunicada aos autos (…)[20].
Invocamos, igualmente, o Ac. STJ de 26/01/2017[21], que decidiu que o defensor nomeado para um acto, enquanto não seja substituído, mantém-se sempre para actos subsequentes do processo, nos termos do art. 66º, nº 4, do Cod. Proc. Penal.
Assim, não havia que se verificar uma situação de paralisia do prazo em curso para a interposição do recurso uma vez que o arguido AA tinha mandatário/defensor constituído, (a Dra. BB), foram-lhe fornecidos todos os seus elementos de contacto, tendo-a contactado, e terá sido na sequência desse mesmo contacto que esta veio dar conhecimento no Proc. nº 87/14…., em 29/10/2019, que tinha apresentado um requerimento de pedido escusa de patrocínio pela Ordem dos advogados, o que não impedia que a mesma se mantivesse a representá-lo para eventuais actos subsequentes, o que incluía, como já se disse, a interposição de recurso da sentença condenatória.
De tudo o que ficou dito considera-se que o arguido AA pretenderá apenas, através da interposição do presente recurso de revisão, obter uma alteração da decisão proferida em 1ª Instância, e confirmada em sede de reclamação pelo Tribunal da Relação ..., em termos próprios de um recurso ordinário, inexistindo fundamento legal para a sua admissibilidade.
Temos assim que o recurso de revisão não pode lograr provimento.
Cabe tributação (arts. 513° n° 1, do Cod. Proc. Penal, art. 8°, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais),
III - Decisão
Pelo exposto, acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
Negar o pedido de revisão – art. 456.º do Cod. Proc. Penal;
Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Janeiro de 2022
(Processado em computador, revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do Cod. Proc. Penal)
Adelaide Sequeira (Relatora)
Maria do Carmo Silva Dias
António Clemente Lima
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[1] Constando, designadamente desta notificação, que tinha” o prazo de 30 dias, a contar da presente notificação, para exercer o direito de recurso da referida sentença, devendo para o efeito contactar com o seu mandatário/defensor”.
[2] Cfr. Referência: …, Data: 23/10/2019
[3] Refira-se que 03/11/2019 é um domingo
[4] Referência: …, Data: 05/11/2019
[5] Cfr. certidão emitida em 13/10/2021, pela Sra. Escrivã de Direito, DD, do Juízo Local Criminal … - Juiz …
[6] Existe aqui um lapso por parte do arguido uma vez que interpôs o recurso em 16/12/2019.
[7] Cfr. despacho judicial de 10/10/2021, Referência citius ….
[8] Transcrição na parte que interessa.
[9] Cfr. Pereira Madeira, CPP Comentado, Almedina 3ª Edição, pag. 1436.
[10] Cfr. Ac. STJ de 15/09/2021, in Proc. nº 699/20.1GAVNF-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. o Ac. STJ de 20/05/2020, in Proc. nº 906/13.7GAVNF-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Consultável em DRE II série, de 13/12/2000.
[13] Cfr. o Ac. STJ de 20/05/2020, in Proc. nº 906/13.7GAVNF-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. o citado Ac. STJ de 15/09/2021.
[15] Cfr. entre outros, o Ac. STJ de 30/06/2021, in Proc. nº 212/12.4TELSB-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.,, com menção do Ac. STJ de 20/01/2010, in Proc. nº 1536/03.7TAGMR-A.S, do Ac. STJ de 14/03/2013, in Proc. nº 693/09.3JABRG-A.S1, do Ac. STJ de 22/11/2017, in Proc. nº 9238/13.0TDPRT-B.S1, e do Ac. STJ de 08/06/2016, in Proc. 132/13.5GBPBL-A.S1, e ainda o Ac. STJ de Ac. STJ, de 24/02/2021s
[16] Proferido no Proc. nº 451/20.4PALGS.E1 e acessível em www.dgsi.pt.
[17] Publicado no DR. II série de 13/10/2016
[18] A Rua …, na …, morada onde o mesmo foi pessoalmente notificado da sentença condenatória, por elemento da …ª Esquadra, da Divisão da PSP …, do Comando Metropolitano ….
[19] Proc. nº 116/2020, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, acessível em www.dgsi.pt.
[20] Cfr. também o Ac. TC nº 159/2004, de 17/03/2004, in DR II Série, de 23/04/2004
[21] In Proc. nº 1966/12.3TASXL-A, desta 5ª Secção Criminal