CONTRATO DE SUBEMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
INCUMPRIMENTO
INSTITUTO DO ABUSO DO DIREITO
INDEMNIZAÇÃO
PREJUÍZO
Sumário


Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- É de qualificar como contrato de subempreitada o acordo de vontades em que uma das partes (empreiteira) adjudica à outra (subempreiteira) a confeção de determinadas peças de vestuário destinadas a uma cliente da primeira, obrigando-se a subempreiteira a executar essas peças em determinadas datas acordadas e mediante o recebimento de determinado preço.
2- O contrato de subempreitada, tal como o de empreitada, são modalidades do contrato de prestação de serviços, mas distinguem-se destes, porquanto, neles, o subempreiteiro e o empreiteiro obrigam-se perante, respetivamente, o empreiteiro e o dono da obra, a executar uma obra. Essa obra é executada sem o vínculo da subordinação do subempreiteiro e do empreiteiro, respetivamente, perante o empreiteiro e o dono da obra.
3- Tendo, nos contratos de subempreitada celebrados, o subempreiteiro assumido a obrigação de produzir as peças de vestuário que lhe foram encomendadas pelo empreiteiro e que se destinavam a um cliente deste, obrigando-se a entregar essas peças de vestuário ao empreiteiro em determinadas datas entre eles acordadas, seguindo determinado método produtivo, que passava por confecionar sucessivas amostras para serem apresentadas, para aprovação (ou não), pela cliente final do empreiteiro, em que apenas seria iniciada, pelo subempreiteiro, a produção das peças de vestuário encomendadas quando a última amostra (denominada “amostra de produção”) obtivesse a aprovação desse cliente final, mas não tendo sido acordado qualquer prazo para o subempreiteiro executar e apresentar, para aprovação, essas amostras, tendo o empreiteiro resolvido os contratos de subempreitada, invocando incumprimento definitivo desses contratos pelo subempreiteiro, alegando que este não tinha executado e apresentado nenhuma amostra para aprovação até àquela data, estando apurado que, à data da resolução desses contratos, ainda não tinham sido apresentadas pelo subempreiteiro as duas amostras finais do vestuário a produzir e que faltavam duas semanas para se atingir o prazo convencionado para entrega de cinco encomendas de vestuário, e um mês para a entrega da última encomenda, e não tendo o empreiteiro provado que, nesse período de tempo que faltava para se atingir a data convencionada para a entrega das encomendas, era impossível ao subempreiteiro executar as duas amostras em falta, obter a aprovação destas pelo cliente final do empreiteiro, e produzir as peças de vestuário, por forma a entregar ao empreiteiro as encomendas nas datas acordadas, é de concluir que, na data da resolução dos contratos de subempreitada, o subempreiteiro nem se encontrava constituído numa situação de mora.
4- O instituto do abuso do direito é um mecanismo que visa neutralizar o exercício de um direito pelo respetivo titular, quando este o exerça em termos clamorosamente ofensivos do sentimento de justiça dominante na sociedade, pelo que o instituto em causa neutraliza o exercício de direitos, e não confere direitos, não tendo, por isso, a virtualidade de conferir ao empreiteiro o direito a resolver os contratos de subempreitada, com fundamento em incumprimento definitivo das obrigações assumidas pelo subempreiteiro, quando, na data da resolução desses contratos, não se provou que o subempreiteiro estivesse sequer constituído em situação de mora.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO.

A. M., LDA., com sede na Rua …, freguesia de … Felgueiras, instaurou a presente ação declarativa com processo comum, contra X – CONFEÇÕES UNIPESSOAL, LDA, com sede na Rua … Vila Nova de Famalicão, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 23.210,53 (vinte e três mil, duzentos e dez euros e cinquenta e três cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e lucros cessantes sofridos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa comercial, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que no exercício da sua atividade comercial solicitou à Ré a produção de vários modelos de t-shirts e sweats, destinados à cliente final da Autora, a Y, S.A., tendo as partes convencionado quer o pagamento do preço, quer as especificações dos produtos, quer os prazos de entrega das diversas etapas dessa produção;
A Ré não cumpriu com tais prazos, o que motivou o cancelamento de tais encomendas pela sua cliente e, consequentemente, perante a Ré, causando-lhe danos patrimoniais que discrimina, cuja indemnização reclama;
Acresce que a Ré, sem nada que o fizesse prever, cancelou uma outra encomenda que a Autora lhe tinha feito, para um outro cliente, a W, o que também lhe provocou prejuízos, de que pretende ser indemnizada.
A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção e deduzindo reconvenção;
Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, sustentando que, todo o processo produtivo das encomendas a que alude a última foi, quase diariamente, acompanhado por esta, através de A. M., que sempre teve entrada livre na empresa da Ré e que acompanhou, presencialmente, todas as etapas de produção dessas encomendas, dirigindo-se, diretamente, aos diferentes setores produtivos, a fim de verificar o estado de cada uma das encomendas, desde a qualidade das malhas, a confeção de amostras, até à produção final de cada um dos artigos das encomendas;
Todos os procedimentos da Ré para produzir e proceder à entrega à Autora das encomendas, nos prazos acordados, encontrava-se a decorrer dentro da normalidade e o cancelamento dessas encomendas por parte da Autora, não se deveu a qualquer culpa ou negligência da Ré, mas antes a uma atitude unilateral da Autora, que sem que nada o fizesse prever, procedeu à anulação das encomendas em 29/10/2019, comunicando tal facto à Ré;
Excecionou alegando que, na data em que a Autora procedeu à anulação das encomendas, esta ainda não tinha entregue à Ré as etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho, as hang-tag (etiquetas em cartolina) e os próprios sacos de plástico para as peças, acessórios esses que eram essenciais à produção final das peças, para entrega de cada uma das encomendas;
Impugnou a facticidade alegada pela Autora relativamente à encomenda da cliente desta W, negando que tivesse cancelado essa encomenda;
Conclui que não existe qualquer incumprimento contratual da sua parte que confira à Autora o direito a obter a condenação daquela a pagar-lhe a indemnização que reclama, mas antes pelo contrário, foi a Autora quem incumpriu os contratos que com ela celebrou ao anular as encomendas em causa, sem que dispusesse de qualquer fundamento, causando-lhe danos patrimoniais cuja indemnização reclama.
Deduziu reconvenção pedindo a condenação da Autora/Reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 17.644,35 (dezassete mil seiscentos e quarenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento.
A Autora replicou, mantendo a versão dos factos alegada na petição inicial, impugnando parte da facticidade invocada pela Ré na contestação e na reconvenção, concluindo pela improcedência da reconvenção e pela procedência da ação e pedindo a condenação da Ré-reconvinte como litigante de má fé em multa e em indemnização, esta a ser fixada por recurso a critérios de razoabilidade.
Notificou-se a Ré para, querendo, em dez dias, se pronunciar sobre o pedido de condenação como litigante de má fé deduzido pela Autora.
Acatando esse convite, a Ré respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
Por despacho prolatado a 12/10/2020, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da presente ação em 40.854,88 euros, admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova, que não foram objeto de reclamação, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final.
Realizada audiência final, proferiu-se sentença em que se julgou a ação totalmente improcedente e totalmente procedente a reconvenção e absolveu-se as partes do pedido de condenação como litigantes de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

Face ao exposto:

» julga-se a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se a Ré “X – CONFEÇÕES UNIPESSOAL, LDA.” do pedido contra si formulado pela Autora “A. M., LDA.”;
» julga-se a reconvenção totalmente procedente e, consequentemente, condena-se a Autora/reconvinda “A. M., LDA.” a pagar à Ré/Reconvinte “X – CONFEÇÕES UNIPESSOAL, LDA.” a quantia de € 17.644,35 (dezassete mil seiscentos e quarenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, desde 21.11.2019 e até integral pagamento;
» Não se condena qualquer das partes como litigante de má-fé.
» Custas pela Autora (Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
» Valor da ação: já fixado em 12.10.2020”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora e reconvinda interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I- A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida e aqui recorrida, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento não foi analisada e articulada com a vasta prova documental junta aos autos.
II- Pois que, existem factos que constam da matéria de facto dada como provada e não deveriam ser considerados como provados, bem ainda como factos que constam da matéria de facto dada como não provada e que face à prova produzida ficaram provados, existindo claramente um erro na apreciação da matéria de facto.
III- Não se conformando, a Recorrente com a TOTAL procedência da reconvenção, na medida em que nenhuma prova foi feita para a procedência da mesma.
IV- Não foi realizada na sentença recorrida uma análise crítica de toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal.
V- O Tribunal ad quo considerou que nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento “se revelou absolutamente credível e imparcial (…)
VI- Não poderá a Recorrente concordar com tal entendimento, uma vez que as testemunhas D. P. e A. P. foram absolutamente essenciais para a descoberta da verdade, demonstrando claramente uma serenidade e tranquilidade, infelizmente não audíveis.
VII- Ao invés da testemunha P. C., que claramente se evidenciou por uma posição marcante de completa defesa e aguerridamente defensável pela posição que Ré veio trazer aos autos.
VIII- No que concerne ao depoimento de parte, o mesmo foi absolutamente essencial para demonstrar vários factos aos presentes autos.
IX- Assim, não poderá a Recorrente deixar de revelar profundo desacordo ao supra exposto, à exceção evidente no que reporta à testemunha P. C..
X- Entende a Recorrente que não deverá der sado como provado os factos constantes nos pontos 12) e 13) da matéria de facto dada como provada e a Alínea A) dos factos dados como não provados.
XI- A Recorrente não poderá concordar que o douto Tribunal ad quo considere provado que em 04 de junho de 2019, a Ré havia já entregue à Autora amostras.
XII- Parece-nos claramente que o Tribunal ad quo não vislumbrou associar todos factos, todos os dados apontados pela Autora, bem ainda como a prova documental e testemunhal ora indicada.
XIII- Pois que, apenas foi explicado em juízo que a Ré havia já realizado uma AMOSTRA DE COLEÇÃO e não uma amostra da encomenda realizada.
XIV- A testemunha A. P. explicou ao douto Tribunal ad quo, no seu depoimento que na encomenda da peça designada de J. Sweater, a Ré havia já realizado uma amostra de coleção.
XV- A amostra de coleção serve para a cliente avaliar o modelo e decidir se vai incluir na encomenda que poderá ou não fazer!
XVI- E neste caso, jamais poderá ser confundível a amostra de coleção com amostra, pois trata-se de elementos característicos e fundamentais para avaliar a situação em concreto e tomar a decisão correta!
XVII- Ora, visualizando o documento numero 22, cujo Tribunal ad quo transcreve algumas linhas, é possível verificar que o mesmo, no qual se revela ser um email com destinatário o funcionário da Ré Reconvinte, P. C., e remetido o email enviado também no mesmo dia pela testemunha A. P., o mesmo apenas se refere a uma amostra de coleção que seria efetuada, tanto mais que em sublinhado, no email de A. P. (04 de junho de 2019, 09:02) refere: “Avançar de imediato para as amostras de coleção pois se não chegarem ao cliente até feira, não são incluídas na compra!!!”
XVIII- Esta situação verificou-se simplesmente para a realização da amostra de coleção e não à encomenda final que está nos autos em apreço, conforme se verifica pelo supra exposto email e o depoimento, da testemunha A. P., D. P. e o legal representante da Autora.
XIX- Em articulação com o testemunho de P. C., que referiu que se não fizesse a amostra de coleção, as quais muitas vezes não eram cobradas, não teriam direito à encomenda final.
XX- Termos em que deverá ser dado como NÃO PROVADO o facto numero 12 e 13 dos factos provados e PROVADO que:
Em 04 de junho de 2019 ainda não haviam sido entregues as amostras à cliente final “Y”.
XXI- Bem ainda como, ser dado como provado o facto A dos factos não provados.
XXII- Também no que concerne ao ponto 48 dos factos dados como provados, o mesmo revela que aquando a anulação das encomendas, a Autora ainda não havia entregue à Ré as respetivas etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho, hang-tang (etiquetas em cartolina) e os próprios sacos de plástico para as peças, tendo sido dado como provada com base no depoimento da testemunha M. O..
XXIII- Mais uma vez, não pode a Recorrente concordar com tal dado adquirido nos termos em que os mesmos são explanados, pois a testemunha A. P. refere que as mesmas não eram necessárias!
XXIV-Do mesmo depoimento ainda se retira que as etiquetas só eram entregues quando estavam já ultrapassadas as fases necessárias para produção da amostra, o que no presente caso não sucedeu, pois todas as encomendas ainda estavam numa fase inicial!
XXV- Ao contrário a testemunha P. C., funcionário, com poderes de decisão da Ré, tentou ardilosamente referir no início do seu depoimento e em instâncias do mandatário da Ré que as etiquetas eram necessárias e que como estavam em falta não conseguiam iniciar a produção.
XXVI- Mas, após um longo depoimento, o mesmo confessa que as etiquetas eram necessárias somente para a produção e não para a amostra, conforme transcrição ora identificada.
XXVII- Sem prescindir, sempre se dirá que em nenhum dos depoimentos foi referido sacos de plástico, pelo que não entende a Recorrente como o Tribunal ad quo considera tal facto também provado!
XXVIII- Assim, dúvidas não restam que bem andou mal o Tribunal ad quo em considerar como provado o facto 48, pelo que deve ser considerado como NÃO PROVADO.
XXIX-Entendeu ainda o Tribunal ad declarar provado que a Autora tinha conhecimento que a anulação das encomendas provocaria prejuízos à Ré, conforme descreve no ponto 49 dos factos dados como provados, tendo para o efeito baseado na articulação com o ponto 34 da factualidade dada como provada.
XXX- Referindo ainda que, não obstante do supra exposto, quanto ao conhecimento concreto dos prejuízos causados à Ré a Autora não tem conhecimento!
XXXI-Ora, sabendo que a Ré NÃO cumpriu com as fases necessárias para o inicio da produção, o que ficou claramente demonstrado, não poderá a Autora ter conhecimento sequer de que causaria prejuízos!
XXXII- Pelo que, também entende a Recorrente que não deveria ser dado como provado o facto constante no ponto 49.
XXXIII- No ponto 50 e 51, o entendimento do Tribunal ad quo foi de que, por parte da Autora não havia sido efetuado qualquer diligência no sentido de sanar o problema da anulação das encomendas, e que com esse comportamento, a Ré perdeu a confiança na Autora para a realização da encomenda identificada no ponto 42 da matéria de facto dada como provada.
XXXIV- Um entendimento que a Recorrente não consegue compreender, uma vez que se tratava de clientes distintos e encomendas completamente dispares!
XXXV- Temos que a encomenda identificada no art. 5º da petição inicial foi cancelada por email pela Autora à Ré datada de 29-10-2021 e o cancelamento da encomenda identificada no art. 66º e 67º da petição inicial foi efetuado em 08-11-2021.
XXXVI- Tanto mais que em 31-10-2021, Autora e Ré trocaram um email, no qual a Autora transcrevia a reunião que haviam tido, na qual decidiram não misturar os assuntos!
XXXVII- O supra exposto foi confirmado na íntegra pelo depoimento do legal representante da Autora e a testemunha P. C..
XXXVIII- Pelo que não foi avaliada corretamente a prova testemunhal em articulação com a prova documental, pelo que os factos 50 e 51 dos factos dados como provados devem ser considerados não provados.
XXXIX- Reportou ainda o Tribunal ad quo considerar como provado o facto 52 e 53 e não provado o ponto Q), demonstrando que a anulação da encomenda da Autora à Ré referida no artigo 5º da petição inicial causou um prejuízo à Ré no montante de 17.644,35€, o qual a Recorrente não concorda e do qual deverá ser determinado como não provado.
XL- Pois que, a Ré agiu de má fé, quando no dia do cancelamento da encomenda, a cliente da Autora tentou verificar se a Ré havia já adquirido algum material e se sim quais, pois estarim na disposição de o adquirir, a Ré não respondeu!
XLI- E da análise documental verifica-se que a Ré responde a 04-11-2019, por email dizendo que ainda estaria a “fazer o apanhado das quantidades corretas”.
XLII- E apresenta em juízo uma fatura datada de 31-10-2019, com quantidades, quadros de estamparia e filmes alegadamente adquiridos para a encomenda referira em 5º da petição inicial.
XLIII- Para além do supra exposto, o Tribunal ad quo deveria ter articulado o documento junto em audiência de julgamento de 23-04-2021, com o depoimento da testemunha P. C., e desta feita dar como não provado os factos 52) e 53) da matéria de facto dada como provada e provado o ponto Q) da matéria de facto dada como não provada.
XLIV- No entendimento do Tribunal ad quo que, pelas regras da experiência comum, as malhas alegadamente adquiridas, quadros de estamparia e filmes para bordados não poderiam ser utilizados em qualquer outra encomenda, conforme se vislumbra nos pontos 57) e 58) da matéria de facto dada como provada e alínea P) da matéria de facto dada como não provada.
XLV- Ora, não poderia a Ré adquirir os produtos supra identificados, quando na verdade os mesmos não estavam em conformidade, conforme se vislumbrou pelos diversos emails trocados e pelo depoimento da testemunha A. P. e P. C..
XLVI- Ora, se adquiriu tais produtos foi por sua conta e risco!
XLVII- Nestes termos, não devem ser considerados como provados os factos dados como provados em 57 e 58 e em consequência ser dado como provado o ponto P) dos factos dados como não provados.
XLVIII- Mais considerou o tribunal ad quo não provado que em 29 de outubro de 2019 não era possível à Ré entregar até ao dia 15 de novembro de 2019 as peças encomendadas.
XLIX- Esta decisão teve como pedra basilar o facto de a testemunha P. C. ter referido que a Ré tinha capacidade para produzir 20 a 25 mil peças por semana.
L- Mas, o Tribunal ad quo não teve em consideração que para iniciar a produção o modelo tem de estar aprovado, e para estar aprovado tem de passar por todas as fases necessárias.
LI- Assim sendo, e sabendo as fases do procedimento dada como provado no ponto 25 da matéria de facto dada provada, bem ainda que a Ré apenas tinha entregue os Lab Dips, duvidas não existem de que era IMPOSSIVEL a Ré apresentar a produção das encomendas na data combinada,
LII- Mormente porque teria de cumprir todo o procedimento supra descrito, uma vez que se tratava de uma cliente final muito exigente.
LIII- Assim, apesar de a testemunha P. C. identificar a grande capacidade de produção, a mesma não se coaduna com a fase produtiva iniciar referida no ponto 25 da matéria de facto dada como provada.
LIV- Pelo que o ponto B) da matéria de facto dada como não provada, deverá ser considerada PROVADA.
LV- O Tribunal ad quo considerou não provado que a Autora tivesse sempre uma margem de lucro na ordem dos € 5.000 (cinco mil euros) por encomenda. (artigo 60.º da petição inicial) e que A “Y” iria colocar mais encomendas à Autora, e por via da presente situação o deixou de fazer, perdendo no mínimo duas coleções. (artigos 62.º e 63.º da petição inicial).
LVI- Um entendimento incompreensível, uma vez que, rebobinando a douta sentença apercebemo-nos que o Tribunal ad quo deu como provado os lucros da encomenda indicada no art. 5º da petição inicial, sendo os lucros os descritos nos pontos 35 a 40 da matéria de facto dada como provada e nesse âmbito, e recorrendo a cálculo matemático percebemo-nos que o lucro total nesta encomenda era de 4.155,55€.
LVII- E perante o testemunho de A. P. e o Legal representante da Autora desde logo retiramos que a cliente da Autora deixou de lhe entregar as encomendas que era costume realizar!
LVIII- Pelo que, deverá ser dado como provado e alterado o ponto C) e D) da matéria de facto dada como não provada.
LIX- Considerou-se, ainda nos presentes autos que não ficou provado que a Autora deixou de auferir a comissão referida no ponto 44) da matéria de facto dada como provada, bem ainda como não provado uma perda por falta de encomendas no valor de cerca de 3.000€ (três mil euros, conforme referido no art. 78º a 80º da petição inicial.
LX- Mais uma vez a Recorrida discorda veemente com tal entendimento, uma vez que, decorre das regras de experiência comum que o lucro que a Autora iria auferir nesta encomenda deixou de o auferir por culpa exclusiva e única da Ré, devendo tal facto ser considerado provado!
LXI- Tratou-se única e exclusivamente de um ato de clara má fé cancelar a encomenda que a Autora havia realizado, sem nada que o fizesse prever!
LXII- Pois, que como já se referiu o legal representante da Autora era cliente assíduo da Ré, tendo inclusive “free pass” na entrada das instalações, havendo uma confiança inabalável!
LXIII- Mais não se deveria ter considerado como não provado o ponto G) da matéria de facto dada como não provada, face ao supra exposto.
LXIV- Conclui-se que os contactos entre Autora e Ré eram diários de forma a que fossem cumpridos todos os prazos,
LXV- Mormente as fases indicadas e explicadas em toda audiência de julgamento (ponto 25 da matéria de facto dada como provada).
LXVI- E só após a realização do quinto passo e dada a respetiva aprovação pelo cliente final é que se poderia dar inicio à produção das peças em quantiada solicitada!
LXVII- Este era um ponto fulcral a ser analisado pelo tribunal ad quo, e que não foi relevante para a decisão nos autos.
LXVIII- A Ré sabia, deixou o tempo passar, deixando a Autora numa posição delicada e sem uma saída vitoriosa, teve de cancelar o que lhe haviam cancelado,
LXIX- E numa retaliação da Ré, com efeitos catastróficos prejudicou a Autora, cancelando a encomenda que havia realizado para a encomenda na Finlândia e colocando uma fatura para pagamento à mesma sabendo bem que esta nada lhe devia!
LXX- Nitidamente a Ré agiu de má fé, devendo a mesma ser condenada, para além do pagamento dos danos patrimoniais e lucros cessantes sofridos pela Autora em litigância de má fé.
LXXI- Verifica-se que da conjugação do disposto no Art. 798º, 801º, 804º, nº 1 e 816º, resulta que é admitida a utilização cumulativa dos meios específicos com o pedido de indemnização por perdas e danos (Maria Ângela Bento Soares e Moura Ramos, Documentação e Direito Comparado, 6º-163).
LXXII- No que concerne à impossibilidade cumprimento disposta no art. 801º, CCivil, nos termos do nº 1, o credor pode exigir a indemnização do prejuízo que lhe causou a falta de cumprimento do devedor.
LXXIII- No caso em apreço ficou demonstrado que era impossível à Ré cumprir o contrato estabelecido, mesmo que o tenha sido efetuado antes do término.
LXXIV- Importa referir que, tem ainda sido admitido que a resolução se possa estribar em situações de justa causa consistentes na quebra da relação de confiança entre as partes de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, com apelo ao princípio da boa fé, sem passar pela conversão da mora em incumprimento definitivo.
LXXV- Assim, deverá, a Recorrida ser condenada a liquidar os danos patrimoniais e lucros cessantes nos termos peticionados.
LXXVI- Mesmo que assim não se entenda, atender-se-á pela via do abuso do direito.
LXXVII- Uma vez que é admitido à aqui Recorrente o direito à indemnização e lucros cessantes, NÃO deverá ser admitido o pedido reconvencional.
LXXVIII- Pelo que, não se aplicará qualquer direito à Recorrida de ser ressarcida de alegados prejuízos.

TERMOS EM QUE deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a douta sentença proferida revogada e substituída por outra decisão que proceda com os pedidos efetuados e improcedência total da reconvenção apresentada pela Recorrida.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações de recurso nos moldes que se seguem:

1. A intenção da Recorrente em apresentar as suas alegações de recurso está dotada ao insucesso já que a douta sentença proferida tem de manter-se, necessariamente, pois consubstancia a solução que consagra a mais justa interpretação e aplicação a este caso sub judice das normas legais e princípios jurídicos competentes.
2. Desde logo, entende a Recorrida que a Recorrente não deu CUMPRIMENTO DO ÓNUS PREVISTO NO ARTIGO 640º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, o qual impõe que o Recorrente deva obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados assim como os concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
3. Limita-se a Recorrente a emitir opiniões sobre a convicção do tribunal ou sobre as declarações de uma ou outra testemunha, mas não concretiza (porque não os há) quais os documentos ou depoimentos que necessariamente teriam de conduzir a um diferente julgamento sobre os factos em discussão.
4. Antes menciona excertos de declarações de parte ou dos depoimentos das testemunhas, numa tentativa, bastante forçada, de adaptar uma pequena parte de cada depoimento à pretensão e sentido que deles pretendia retirar (mas sem que dos mesmos resulte claramente que a decisão proferida quanto à matéria de facto se impunha ser diferente).
5. Assim, o Recurso deve ser liminarmente rejeitado em virtude da Recorrente não cumprir os ónus que lhe são impostos em matéria de facto pelo n.º 1 al. a) e b.) do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
6. A Recorrente invoca ainda a DESCONSIDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA por parte da Recorrente, já que, parece ser sua intenção, nos termos em que apela, a realização de um novo julgamento (dos 16 factos dados como não provados, a Recorrente pretende que 9 deles venham a ser dados como provados).
7. As respostas à matéria de facto – e a prova produzida, ou não produzida – foram devidamente pesadas, considerando o acervo probatório trazido aos autos, pelo tribunal de Primeira Instância.
8. O regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre – o julgador poder aferir livremente as provas.
9. A convicção do tribunal que proferiu a decisão formou-se pela apreciação de todas as provas produzidas no processo (ou da falta das mesmas) que necessariamente conduzem à motivação expressa na sentença recorrida, e não àquela que a Recorrente busca desesperadamente.
10. Assim, não pode a Recorrida deixar de referir que a prova produzida em audiência de julgamento foi corretamente apreciada e, através da douta sentença proferida, foi dado a conhecer em que meios de prova assentou a convicção do tribunal relativamente a cada um dos factos (ou conjunto de factos) sendo que nenhuma censura merece tal motivação.
11. Pelo que, deverá improceder tudo quanto alegado pela Recorrente no que à impugnação da matéria de facto diz respeito.
12. Não obstante o acima descrito, e por dever de patrocínio, a Recorrida irá responder ao alegado pela Recorrente quanto à impugnação e modificabilidade da matéria de facto,
13. Nomeadamente, QUANTO À FACTUALIDADE PROVADA CONSTANTE NOS PONTOS 12) E 13) E A NÃO PROVADA SOB A ALINEA A), foi a matéria, controvertida, que veio a ser colocada nos temas de prova “Se, em 04/06/2019, ainda não haviam sido entregues pela as respetivas amostras à cliente final Y” que o julgador de 1.ª Instância decidiu, bem, dar como provado, fundamentando aquela decisão no próprio documento n.º 22 que foi junto pela própria Recorrente com a sua petição inicial,
14. Isto é, esta matéria debruça-se sobre a amostra que teria de ser realizada depois da entrega da ficha técnica, e antes da encomenda (e não sobre outras “amostras”).
15. Note-se que, até em contraponto ao por si alegado, a Recorrente acaba por admitir que “No caso em apreço, para além, da J. Sweater, também foi realizada amostra de coleção da R. Sweater.” (pág. 14 das Alegações).
16. Pelo que, não poderia ser outra a decisão por parte do Tribunal a quo, a qual se deve manter.
17. QUANTO À FACTUALIDADE PROVADA CONSTANTE NO PONTO 48, vem agora a Recorrente questionar a necessidade ou não daqueles materiais para a produção, ou a quem incumbia a entrega das etiquetas, ou ainda se as etiquetas haviam sido pedidas pela Ré Recorrida.
18. Salvo o devido respeito, torna-se opaco aferir aquelas circunstâncias, em fase de recurso, porque é matéria que, a ser relevante, teria de ser apreciada em momento prévio (sendo certo que resulta das regras de experiência comum que aqueles materiais seriam obviamente necessários para a fase de produção, que não era a Recorrida que teria de entregar as etiquetas, e que nem seria necessário ter de as pedir, porque esses materiais eram essenciais para entregar as peças completas).
19. Certo é que, as testemunhas D. P. e M. O. confirmaram que as que as várias etiquetas e os sacos de plástico para as peças não tinham sido entregues à Ré, ora Recorrida.
20. QUANTO À FACTUALIDADE PROVADA CONSTANTE NO PONTO 49, se qualquer cidadão médio conclui que a Ré, ora Recorrida, terá despendido mão-de-obra, matéria prima e outros recursos para produzir tal encomenda, ainda mais o legal representante da Autora ora Recorrente, com anos de experiência no setor têxtil, terá consciência de que a anulação de uma encomenda, de cerca de 6000 peças, desde julho de 2019 até final de outubro de 2019 (ou antes, se incluirmos as amostras realizadas em junho de 2019), causaria prejuízos substanciais a quem a estava a produzir.
21. O próprio A. M., legal representante da Autora, ora Recorrente, assim o admitiu.
22. Assim, decidiu bem o Tribunal a quo, pois, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, uma encomenda para um cliente específico (e que não poderia ser utilizada para outro cliente/marca), com aquela quantidade de peças, e que necessitou de meses de trabalho, obviamente que acarreta um prejuízo, caso a encomenda não venha a ser levantada.
23. QUANTO À FACTUALIDADE PROVADA CONSTANTE NOS PONTOS 50 e 51, a Recorrente parece ainda não ter percebido que a relação que esta detinha com a sua cliente Y era indiferente para a relação que a Recorrente detinha com a Recorrida.
24.Se a Y cancelou a encomenda que efetuou junto da Recorrente, esta deveria resolver tal situação (judicial ou extrajudicialmente) com aquela empresa, e não atuar como atuou (cancelando a encomenda que efetuou diretamente junto da Recorrida), de modo a não ter qualquer prejuízo com a situação, e a fazer com que tal prejuízo fosse unicamente suportado pela Recorrida.
25. Torna-se claro que a postura da Recorrente, que atua no mercado têxtil como intermediária, em não assumir parte das responsabilidades ou prejuízos, causados pela anulação da encomenda que efetuou diretamente junto da Recorrida, naturalmente que conduziria a que esta pudesse deixar de querer manter as relações contratuais com a Recorrente.
26. Mais uma vez, a Recorrente mistura situações que, em vez de contribuírem para um maior esclarecimento e uma consequente boa decisão da causa, apenas servirão para causar confusão e enviesamento da análise que a douta decisão proferida merece, pois, na impugnação desta factualidade, a Recorrente utilizou excertos das testemunhas D. P. e A. P. quando estas prestaram depoimento enquanto funcionárias da cliente da Autora “Y”, pelo que nenhum conhecimento têm quanto às relações contratuais entre Autora e Ré.
27.QUANTO À FACTUALIDADE PROVADACONSTANTE NOS PONTOS 52 e 53, E Q) DA FACTUALIDADE DADA COMO NÃO PROVADA, acompanhamos a douta sentença proferida, atendendo ao depoimento da testemunha P. C. conjugado com os documentos juntos pela Recorrida no requerimento junto aos autos em 26/10/2020, e de acordo com as regras da experiência comum.
28. Daquela documentação resultam faturas de materiais, guias de transporte, apontamentos e fotografias que demonstram cabalmente que a Recorrida despendeu dinheiro e tempo de produção para assegurar a encomenda que a Recorrente lhe tinha efetuado, tal como foi corroborado por aquela testemunha.
29.A data de emissão da fatura (31/10/2019) é apenas um dia útil antes da data do email mencionado pela Recorrente (04/11/2019),
30. Já quanto à factualidade constante do ponto 53, a mesma fundamenta-se no documento junto pela Ré com a contestação como documento 4, que se reporta à fatura emitida pela Ré em nome da Autora, e que foi emitida 02 dias após a Recorrente ter comunicado a anulação da encomenda sem motivo que o justificasse.
31. Pelo que deve decair, também nesta parte, a argumentação oferecida pela Recorrente.
32. QUANTO À FACTUALIDADE PROVADA CONSTANTE NOS PONTOS 57) e 58), E P) DA FACTUALIDADE DADA COMO NÃO PROVADA, é cristalina a decisão de 1.ª Instância.
33. De facto, à data da anulação da encomenda, naturalmente que as malhas, os quadros de estamparia e o filme para os bordados, tinham já sido aprovados pela Recorrente, conforme foi até confirmado pela testemunha M. O..
34. Tal como resulta da discussão da causa, e das regras da experiência comum, aquelas malhas, quadros e bordados, uma vez que seriam utilizados para uma determinada marca/cliente final, e de acordo com as fichas técnicas/especificações que esta forneceu, seria censurável que a Recorrida os pudesse utilizar para replicar as mesmas peças para um outro cliente (ao fazê-lo, cometeria um crime de contrafação).
35. Deve assim ser integralmente mantida a decisão relativa à matéria de facto nos termos que se encontram na douta sentença proferida.
36. QUANTO À FACTUALIDADE NÃO PROVADA CONSTANTE NO PONTO B), as testemunhas funcionárias da “Y” referiram que a Recorrente tinha uma excelente capacidade de produção e a testemunha P. C. referiu que a Recorrida tinha capacidade de produção entre 20-25 mil peças por semana.
37. Na tese da Recorrente, os 15 dias em falta não seriam suficientes para a Recorrida conseguir entregar a encomenda, mas a verdade é que a empresa Y, que também dispõe de produção própria, conseguiu iniciar a encomenda depois da anulação junto da Recorrida, e ainda assim conseguiu conclui-la e entregar ao cliente final.
38. Ora, só este facto é demonstrativo que não seria impossível à Recorrida também o conseguir (até porque já estava numa fase de produção avançada), pelo que, não se vislumbra como pode a pretensão da Recorrente proceder, no que tange a esta factualidade.
39. QUANTO À FACTUALIDADE NÃO PROVADA CONSTANTE NOS PONTOS C) e D), muito bem esteve o Tribunal a quo, porque, quanto ao Ponto C), nenhuma prova, documental ou testemunhal, foi produzida quanto às margens de lucro que a Recorrente obteria por encomenda (sendo manifestamente insuficiente as declarações de parte do legal representante da Recorrente, que é obviamente parte interessada na decisão).
40. Já quanto ao Ponto D), é indubitável que a Y deixou de efetuar encomendas à Autora não por causa imputável à Recorrida, mas por outros motivos, tal como confirmou a testemunha D. P..
41. Pelo que nenhum reparo merece a douta sentença proferida por aquele Tribunal, devendo ser julgada improcedente o recurso apresentado e confirmada a sentença recorrida.
42. QUANTO À FACTUALIDADE NÃO PROVADACONSTANTE NOS PONTOS E), F) e G), mais uma vez, a Autora não logrou provar o por si alegado.
43. E, ainda que a Recorrente tenha deixado de auferir a comissão da encomenda que lhe tinha sido contratada pela “Y”, ou a diminuição de encomendas por parte desta, tal não aconteceu por culpa da Recorrida, conforme resulta da douta sentença proferida.
44. Assim como não foi produzida prova quanto à perda de comissões por falta de encomendas da cliente “W”, ou quanto à perda desta como cliente.
45. A não aceitação por parte da Recorrida de mais encomendas provenientes da Recorrente encontra-se legitimada pela liberdade contratual, não decorrendo daí qualquer má fé como agora alegou a Recorrente.
46. Deve assim ser integralmente mantida a decisão relativa à matéria de facto nos termos que se encontram na douta Sentença proferida.
47. Já quanto à matéria de Direito, antes de mais, cumpre realçar que a matéria da admissibilidade do recurso em matéria de Direito está regulada pelo art. 639.º, n.º 2 do CPC
48.Ora, as alegações apresentadas, ou as suas conclusões, não indicaram que normas jurídicas terão sido violadas na douta sentença proferida, nem indicaram em que sentido é que as normas jurídicas invocadas na decisão de 1.ª Instância deveriam ter sido interpretadas, nem tão pouco foi invocado que normas jurídicas invocadas na decisão de 1.ª Instância foram erradamente aplicadas.
49. De onde se impõe a conclusão de que a aqui Recorrente não cumpriu os requisitos formais estabelecidos pelo art. 639.º n.º 2 do CPC para que o seu recurso em matéria de Direito pudesse sequer ser apreciado, quanto mais procedente.
50. Acresce que, as alegações de Recurso apresentadas não explicam como se conclui que a Recorrida agiu de má-fé, isto é que, atuação é merecedora de ser enquadrada nesse âmbito.
51. Também, quanto ao instituto de abuso do direito, que a Recorrente invoca, não foram apresentados os pressupostos que estarão preenchidos para que se pudesse concluir que a Recorrida com abuso do direito.
52. Deve, pois, improceder tudo quanto foi invocado pela Recorrente no que a esta matéria concerne.
53. E, ainda que V. Exas. não venham a decidir pela rejeição do recurso, sempre deve a sentença de 1.ª Instância ser confirmada, uma vez que, face à prova produzida, é a que melhor se coaduna com as normas jurídicas aplicáveis.
54. Em síntese, a Recorrente decidiu resolver o contrato que tinha estabelecido com a Recorrida, sem fundamento legal para tal.
55. Atendendo à capacidade de produção da Recorrida, e à antiguidade das relações entre esta e a Recorrente, não se vislumbram razões para, mais de 15 dias antes da data limite para entrega da encomenda, a Recorrente ter decidido anulá-la.
56. Conforme se veio a demonstrar nos autos, a Recorrente apenas a anulou porque a sua cliente final “Y” decidiu que aquela encomenda não seria efetuada por intermediários, mas sim através da sua própria produção (como foi expressamente afirmado pelas testemunhas funcionárias destas).
57. A Recorrida não violou gravemente as suas obrigações para que fosse legitimada a resolução contratual por parte da Recorrente.
58. Não pode agora a Recorrente invocar uma quebra na relação de confiança entre as partes, (de tal modo significativa que justificasse o cancelamento da encomenda) uma vez que, conforme resulta dos factos provados, as relações comerciais se mantiveram nos dias seguintes àquela anulação, tendo inclusive a Recorrente mantido uma outra encomenda que tinha efetuado junto da Recorrida.
59. Assim, decidiu bem a sentença ora em análise, ao declarar verificado que o incumprimento definitivo do contrato não pode ser imputável à Ré, ora Recorrida, sendo antes de atribuir à Autora, ora Recorrente, pelo que deliberadamente se colocou na situação de não poder reclamar daquela qualquer indemnização.
60. E, como a Recorrente se colocou, por culpa sua, em situação de incumprimento contratual, deverá indemnizar a Recorrida pelos prejuízos que essa mesma resolução lhe causou, os quais foram dados como provados, e consubstanciados no valor constante da fatura junta aos autos.
61. No mais, sufragamos toda a matéria dada como provada e não provada na douta sentença proferida, bem como a sua fundamentação quer de facto quer de Direito, e, por entendermos que a douta sentença proferida não merece qualquer censura ou reparo, deve ser julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve o Recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida em Primeira Instância, assim se fazendo inteira Justiça.

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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:
a- se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao julgar como provada a facticidade dos pontos 12º, 13º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 57º e 58º e ao julgar como não provada a das alíneas A, Q, P, B, C, D, E, F e G, e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada como provada e pela prova da julgada como não provada na sentença sob sindicância;
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto, suscita-se a questão prévia, a qual, de resto, foi levantada pela apelada nas suas contra-alegações, mas que, independentemente disso, é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, de se saber se a apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que se encontram enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC;
b- em caso de procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, ou independentemente dela, se ao julgar improcedente a ação e o pedido de condenação da apelada como litigante de má fé e, bem assim, ao julgar procedente o pedido reconvencional, a decisão de mérito constante da sentença recorrida padece de erro de direito e se, consequentemente, se impõe a sua revogação e substituição por outra que julgue a presente ação procedente e condene a Ré (apelada) no pedido, bem como em litigância de má fé e se julgue a reconvenção improcedente, absolvendo-se a apelante-reconvinda do pedido reconvencional;
No que tange à impugnação do julgamento da matéria de direito operada pela apelante suscita-se a questão prévia invocada pela apelada de se saber se a apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de direito prescritos no n.º 2 do art. 639º do CPC e, no caso negativo, se perante o incumprimento desses ónus, se impõe, tal como é propugnado pela apelada, a rejeição do recurso sobre a matéria de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:

1) A Autora é uma sociedade por quotas, que se dedica ao comércio e agente de comércio por grosso de calçado e têxteis, importação e exportação de calçado e têxteis e de prestação de serviços de controlo de qualidade nesta área, com intuito lucrativo. (artigo 1.º da petição inicial)
2) No âmbito da sua atividade profissional, a Autora solicitou à Ré a produção de vários modelos de T-Shirts e Sweats. (artigo 2.º da petição inicial)
3) Esse fornecimento era solicitado em nome da Autora, mas tinha como cliente final, a cliente da Autora, “Y, SA.”, com sede na Rua … Trofa. (artigo 3.º da petição inicial)
4) Antes de enviado o pedido final de encomenda, foram acordados previamente todos os preços. (artigo 4.º da petição inicial)
5) A encomenda consistia na produção de:
a. T-shirt Print K_BAND TEE SS20 (BAND TEE), num total de 1202 peças, nos tamanhos de S, M, L, XL e XXL, preço unitário de 3,50€;
b. Sudadera print delante K _ J. SWEATER, NUM TOTAL DE 803 peças, nos tamanhos de S, M, L, XL e XXL ao preço unitário de 7,40€;
c. T-shirt ECO K_LOVE TEE SS20, num total de 1202 peças, nos tamanhos de S, M, L, XL e XXL, ao preço unitário de 5,15€;
d. SWEAT FELPA REVES K _ R. SWEAT SS20, num total de 1002 peças, nos tamanhos de S, M, L, XL e XXL, ao preço unitário de 8,70€;
e. T-shirt Print 100%CO K_ROCKER TEE SS20, num total de 1202 peças, nos tamanhos de S, M, L, XL e XXL, ao preço unitário de 3,60€;
f. T-shirt ECO KIDS K_GO TEE KIDS, num total de 703 peças, nos tamanhos de 4, 6, 8, 10, 12 e 14, ao preço unitário de 3,60€. (artigo 5.º da petição inicial)
6) As encomendas referidas em 5) a. a e., tinham como prazo de entrega o dia 15 de novembro de 2019, e a encomenda referida em 5) f. tinha como prazo de entrega o dia 29 de novembro de 2019. (artigo 6.º da petição inicial)
7) As especificações do modelo da encomenda referida em 5) a. havia sido entregue aquando o pedido de preço. (artigo 7.º da petição inicial).
8) O preço unitário por peça foi acordado via email. (artigo 8.º da petição inicial)
9) Com a nota de encomenda é enviado um documento com as devidas especificações técnicas, normalmente designado de ficha técnica, necessário para a respetiva produção. (artigos 9.º e 10.º da petição inicial)
10) Relativamente à encomenda referida em 5) b. foi realizado em primeiro lugar uma amostra no tamanho M, que havia sido entregue aquando o pedido de análise de modelo. (artigos 11.º e 12.º da petição inicial)
11) A ficha técnica foi entregue em março de 2019, tendo-se seguido uma série de ajustes, para a finalização da respetiva amostra. (artigos 12.º e 13.º da petição inicial)
12) Em 04 de junho de 2019, já haviam sido entregues amostras pela Ré, tendo sido solicitadas novas amostras com as correções indicadas pela “Y”, nos seguintes termos: “J. Sweater
- Versão Cinza mescla está OK de qualidade e estampado
- Deixa de levar o triângulo me cruz abaixo do decote
- Versão Branca – X trocou a malha e em vez de ter feito na felpa americana normal, fez a amostra na felpa do modelo RULES … repetir na malha correta 3 amostras em conformidade (Sem costura do triângulo)
Avançar de imediato para as amostras de coleção pois se não chegarem ao ciente até 6.ª feira, não são incluídas na compra” (artigos 39.º e 40.º da contestação)
13) Essas novas amostras foram produzidas em conformidade com o solicitado e foram entregues pela Ré à Autora em 3 dias, ou seja, no dia 7 de junho de 2020. (artigo 41.º da contestação e artigo 36.º da réplica)
14) Após a realização e aprovação pela “Y” e pela Autora da amostra, foi realizada a respetiva encomenda, com o envio da ficha técnica, necessária para a respetiva produção. (artigo 15.º da petição inicial)
15) As especificações do modelo da encomenda referida em 5) c. havia sido entregue aquando o pedido de preço. (artigo 16.º da petição inicial).
16) O preço unitário por peça foi acordado via email no dia seguinte e a ficha técnica enviada em 29.07.2019 (artigos 17.º e 18.º da petição inicial)
17) O modelo referido em 5) d. foi alvo de pedido de realização de amostra, antes de realizada a respetiva encomenda. (artigo 19.º da petição inicial)
18) Em 15.07.2019 foi enviada a respetiva ficha técnica, bem como o respetivo pedido de preço. (artigo 20.º da petição inicial)
19) A respetiva nota de encomenda foi realizada em 29.07.2019. (artigo 21.º da petição inicial)
20) As especificações do modelo da encomenda referida em 5) e. havia sido entregue aquando o pedido de preço. (artigo 22.º da petição inicial).
21) O preço unitário havia sido confirmado via email e a ficha técnica havia sido entregue. (artigos 23.º e 24.º da petição inicial)
22) As especificações do modelo da encomenda referida em 5) f. havia sido entregue aquando o pedido de preço. (artigo 25.º da petição inicial).
23) A ficha técnica foi remetida à Ré via email em 09-09-2019. (artigo 26.º da petição inicial)
24) A Ré, logo após a entrega das encomendas deve iniciar a sua fase de produção. (artigo 27.º da petição inicial)
25) Após a entrega da encomenda, a Ré deveria realizar todas as etapas da respetiva produção: primeiro, Lab dips – realização dos ensaios das cores; segundo, Strike off – realização de ensaio dos estampados, os quais demoram cerca de 10 a 15 dias; terceiro, tingir malhas – processo que demora no mínimo cerca de 7 a 8 dias; quarto, realização de protótipo - enviado ao cliente para aprovação, o qual é avaliado em cerca de 6 a 7 dias; e quinto, realização de Size Set - apresentação de uma peça por medida, com todos os tamanhos solicitados, ao qual será sempre necessário cerca de 6 dias. (artigo 28.º da petição inicial)
26) Após a realização dos passos referidos em 25) e após a aprovação da cliente da Autora, a Ré estará pronta para a produção de toda a encomenda. (artigo 29.º da petição inicial)
27) Desde o dia 24 de setembro de 2019 que a Autora vinha a ser pressionada pela sua cliente Y para informar datas previstas para entrega das amostras. (artigo 30.º da petição inicial)
28) Em 25 de setembro de 2019 a Autora peticionou à Ré “um apanhado do estado das encomendas do cliente final K, quando chega a malha, quando fazem os size sets para enviar para aprovação. Mesmo porque têm muitos modelos novos dos quais não fizeram qualquer amostra ainda, e por isso o cliente ainda não viu qualquer peça desses modelos. Preciso de uma previsão das datas.” (artigo 31.º da petição inicial)
29) Em 9 de outubro de 2019, a Autora solicitou o preenchimento de “um quadro com todas as encomendas detalhadas, e os quadros de lab dips, strike offs, protos e size sets estão em branco para que preencha com a data estimada para ter pronto cada um dos itens”. (artigo 33.º da petição inicial)
30) Em 18 de outubro de 2019, a Ré respondeu, com a indicação de alguns dados concretos de prazos de entrega dos lab dips, dos strike offs, dos proto e dos size sets, nos termos da tabela constante do documento 46 junto com o requerimento de 15.01.2020. (artigos 35.º a 38.º da petição inicial)
31) Pelo menos em 23 de outubro de 2019, a Ré não tinha entregue as protos e os size sets referidos em 30). (artigos 39.º e 40.º da petição inicial)
32) Em 29 de outubro de 2019, a “Y” comunicou à Autora “a anulação de todas as encomendas colocadas na X – encomendas essas enviadas em 29/07/2019 – precisamente há 3 meses, com data de entrega para 15/11/2019, pelos seguintes motivos:
- Encomendas colocadas em 29/07/2019 e que até o dia de hoje não recebemos nenhuma amostra de confirmação, strike off, amostras retificadas, size-set ou pré-produção.
- Até ao dia de hoje, 29 de outubro, a 2 semanas para a data de entrega, não existe um único modelo aprovado ou que se possa avançar para produção.
- Temos recebido um tratamento inapropriado do processo produtivo, nomeadamente bloqueios sistemáticos de informação relativa às encomendas, incumprimento de prazos de envio de amostras, strike offs entre outros.
- Dado que neste momento é impossível respeitar datas de entregas e a fim de evitar que as mesmas ultrapassem o limite de atrasos aceites pelo cliente, não me deixam alternativa se não anular as seguintes encomendas: (…)
Pelo acima exposto, por favor considere este assunto fechado.” (artigos 41.º, 42.º e 49.º da petição inicial)
33) Em 29 de outubro de 2019, a Autora anulou as encomendas. (artigo 44.º da petição inicial)
34) Devido à perda de interesse por parte do seu cliente, a Autora também perdeu o interesse na concretização da encomenda efetuada. (artigos 50.º e 51.º da petição inicial)
35) Na encomenda referida em 5) a. a Autora auferia de lucro € 661,10. (artigo 56.º da petição inicial)
36) Na encomenda referida em 5) b. a Autora auferia de lucro € 1.043,90. (artigo 56.º da petição inicial)
37) Na encomenda referida em 5) c. a Autora auferia de lucro € 360,60. (artigo 56.º da petição inicial)
38) Na encomenda referida em 5) d. a Autora auferia de lucro € 851,70. (artigo 56.º da petição inicial)
39) Na encomenda referida em 5) e. a Autora auferia de lucro € 781,30. (artigo 56.º da petição inicial)
40) Na encomenda referida em 5) f. a Autora auferia de lucro € 456,95. (artigo 56.º da petição inicial)
41) A Autora colocou à Ré encomendas da cliente “Y”, cerca de dois anos seguidos. (artigo 59.º da petição inicial)
42) Em 26 de setembro de 2019, a Autora, havia solicitado preços para uma encomenda para o cliente da Autora, W, com sede na Finlândia e acordaram na realização da encomenda, no valor de € 5.274,90 (cinco mil, duzentos e setenta e quatro euros e noventa cêntimos). (artigos 66.º a 68.º da petição inicial)
43) Em 8 de novembro de 2019, a Ré comunicou à Autora que “sem que o problema com as encomendas da Y não fique resolvido não achamos conveniente produzir” a encomenda referida em 42). (artigo 70.º da petição inicial e artigo 50.º da contestação)
44) Na encomenda referida em 42), a Autora auferia uma comissão no montante de pelo menos 10%. (artigo 75.º da petição inicial)
45) No dia 28 de outubro de 2019, a “Y” comunicou à Ré que “o cliente não gostou do peso do jersey mescla. Acha-o demasiado leve e pergunta o que se poderá fazer para melhorar – era muito importante enviarmos a peça confecionada para vermos o que acha – mas além disso em paralelo, precisava que vissem o porque desta malha não chegar ao peso que este cliente sempre pede, para melhor poder justificar.” (artigo 17.º da contestação)
46) No dia 28 de outubro de 2019, a cliente da Autora “Y” solicitou à Ré uma correção da malha de produção, numa das encomendas (R. Sweat), referindo que “o cliente apesar de ter pedido para em produção retirarmos a carda da malha, conforme foram feitas as amostras de coleção – depois de ter recebido a malha de produção em a carda – decidiu voltar ao modelo original. Peço por isso que corrijam a malha para que esta possa ter a mesma carda da felpa das amostras de coleção. Nota: em relação as amostras de coleção – o cliente quer que o bordado passe a ter tom/Tom (linha mate sem brilho) e não quer costuras a talho vivo”. (artigos 17.º a 19.º e 21.º da contestação).
47) A Autora conhecia a capacidade da Ré para a produção das encomendas. (artigo 33.º da contestação)
48) À data em que a Autora procedeu à anulação das encomendas, a Autora ainda não havia entregue à Ré as respetivas etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho, as hang-tag (etiquetas em cartolina) e os próprios sacos de plástico para as peças. (artigo 34.º da contestação)
49) A Autora tinha conhecimento que a anulação das encomendas provocaria prejuízos à Ré. (artigo 51.º da contestação)
50) A Ré não vislumbrou, por parte da Autora, qualquer diligência no sentido de sanar o problema da anulação das encomendas que efetuou. (artigo 52.º da contestação)
51) A Ré, com o comportamento demonstrado pela Autora, perdeu a confiança nesta, bem como nas relações contratuais com a mesma. (artigo 53.º da contestação)
52) A anulação, por parte da Autora à Ré, das encomendas referidas em 5) causou à Ré um prejuízo consistente no dispêndio e investimentos por parte da Ré, em malhas para cada uma das encomendas, quadros de estamparia para as encomendas referidas em 5) a., b., c. e e. e filme para o bordado da encomenda referida em 5) d., no montante global de € 17.644,35 (artigos 59.º e 61.º da contestação)
53) A Ré emitiu a favor da Autora a fatura n.º FA 2019/381 datada de 31 de outubro de 2019, vencida em 21.11.2019, junta como documento n.º 4 com a contestação e remeteu-a à Autora em 06 de Novembro de 2019. (artigo 63.º da contestação)
54) Em 8 de novembro de 2019, a Autora comunicou à Ré a não aceitação da fatura referida em 53). (artigo 64.º da contestação)
55) Em 13 de novembro de 2019 a Ré, através da sua mandatária, informou a Autora que não aceita a devolução da fatura, concedendo a esta um prazo para pagamento da mesma, sob pena de ser forçada a intentar o competente processo judicial (artigo 65.º da contestação).
56) A Autora, por carta datada de 20 de novembro de 2019, reitera a sua posição de não pretender efetuar o pagamento do montante da fatura. (artigo 66.º da contestação)
57) A Autora sabe que quer aquelas malhas, quer os quadros de estamparia, quer o filme para os bordados, não podem ser utilizados para qualquer outra encomenda, de outro qualquer cliente. (artigo 68.º da contestação)
58) A Autora aprovou a qualidade das malhas, dos estampados e dos bordados por se encontrarem em conformidade com o pretendido por esta e pela cliente desta. (artigo 72.º da contestação)
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provada a seguinte facticidade:

“Mais nenhum facto logrou ser provado para além do que acima se fez constar, designadamente que:
A) Em 04 de junho de 2019 ainda não haviam sido entregues as amostras à cliente final “Y”. (artigo 14.º da petição inicial)
B) Em 29 de outubro de 2019 não era possível à Ré entregar até ao dia 15 de novembro de 2019, as 5421 peças encomendadas, e até ao dia 29 de novembro de 2019 as 703 peças encomendadas. (artigos 45.º a 47.º da petição inicial)
C) A Autora teve sempre uma margem de lucro na ordem dos € 5.000 (cinco mil euros) por encomenda. (artigo 60.º da petição inicial)
D) A “Y” iria colocar mais encomendas à Autora, e por via da presente situação o deixou de fazer, perdendo no mínimo duas coleções. (artigos 62.º e 63.º da petição inicial)
E) A Autora deixou de auferir a comissão referida em 44). (artigo 76.º da petição inicial)
F) Devido ao cancelamento da encomenda pela Ré, a Autora deixou de receber encomendas da cliente W, pelo menos de duas coleções, que corresponde a uma perda de cerca de € 3.000 (três mil euros) (artigos 78.º a 80.º da petição inicial)
G) A Autora perdeu as clientes Y e W, que mantinha há já alguns anos, demorando cerca de um a dois anos a conquistar novo mercado. (artigos 81.º e 82.º da petição inicial)
H) A Ré prontamente acedeu à correção em causa, mandando, de imediato, a malha para a cardação. (artigo 20.º da contestação)
I) O Lab Dips foi entregue pela Ré à Autora em 19/10/2019. (artigo 42.º da contestação)
J) O processo produtivo estava a decorrer dentro da normalidade para que as mesmas fossem entregues pela Ré à Autora nas datas acordadas. (artigo 22.º da contestação)
K) A Autora conhecia a capacidade da Ré para o cumprimento dos prazos de entrega. (artigo 33.º da contestação)
L) Os acessórios referidos em 48) eram essenciais à produção final das peças para entrega de cada uma das encomendas. (artigo 35.º da contestação)
M) A Autora tem conhecimento, porquanto acompanhou todas as etapas do processo de produção das encomendas que vieram a ser anuladas, que a Ré teve o prejuízo referido em 52). (artigo 67.º da contestação)
N) A Autora tinha perfeito conhecimento que a Ré já tinha tudo preparado para a produção das encomendas em causa, para cumprir os prazos de entrega acordados. (artigo 69.º da contestação)
O) Para a produção final, só faltavam mesmo os acessórios descritos em 48), que a Autora, ainda não havia entregue à Ré. (artigo 71.º da contestação)
P) Não havia aprovação das malhas, e do filme para bordado (artigos 56.º a 58.º da réplica)
Q) A emissão da fatura referida em 53) tratou-se de uma forma de retaliação pelo cancelamento da encomenda por parte da Autora (artigo 67.º da réplica)
*
B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

B.1- Questão prévia: cumprimento pela apelante dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.º 1 e 2, al. a) do CPC.

A apelante impugna o julgamento da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 12º, 13º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 57º e 58º e, bem assim, a julgada não provada nas alíneas A, Q, P, B, C, D, E, F e G, pretendendo que, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova daquela facticidade julgada provada pela 1ª Instância e pela prova da que esta julgou como não provada na sentença sob sindicância.
Acontece que a apelada sustenta que a apelante não deu cumprimento aos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que impugna, porquanto, “não indica os concretos meios de prova que impunham necessariamente decisão diferente”, limitando-se “a emitir opiniões sobre a convicção do tribunal ou sobre as declarações de uma ou outra testemunha, mas não concretiza (porque não os há) quais os documentos ou depoimentos que necessariamente teriam de conduzir a um diferente julgamento sobre os factos em discussão. Antes menciona excertos de declarações de parte ou dos depoimentos das testemunhas, numa tentativa, bastante forçada, de adaptar uma pequena parte de cada depoimento à pretensão e sentido que deles pretendia retirar (mas sem que dos mesmos resulte claramente que a decisão proferida quanto à matéria de facto se impunha ser diferente)”.
Ancorada no argumentário que se acaba de transcrever, pretende a apelada que se impõe, de imediato, rejeitar o presente recurso de apelação quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, por incumprimento dos ónus impugnatórios previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 640º do CPC, pelo que urge verificar se lhe assiste razão, até porque, a questão do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto por parte da recorrente é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, porquanto lhe está vedado entrar no conhecimento dessa impugnação sempre que ocorra por parte do recorrente incumprimento desses ónus impugnatórios.
Posto isto, na sequência das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o Tribunal da Relação realize um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada pelo recorrente, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição.
Nesse novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada, a Relação tem autonomia decisória, cumprindo-lhe formar a sua própria convicção, conforme decorre do disposto no art. 662º, n.º 2, als. a) -“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” -; b) – “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova” -; e c) – “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: anular a decisão proferida na 1ª Instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” (1).
Deste modo é que, perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal da Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a Relação aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeite a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, se encontrem subtraídos ao princípio da livre apreciação da prova, mas antes sujeitos a prova tarifada, em que o tribunal tem de julgar a matéria de facto de acordo com as regras de direito probatório material aplicáveis ao caso, sem qualquer margem de subjetivismo.
Quanto aos factos sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova cujo julgamento de facto venha impugnado pelo recorrente, o Tribunal da Relação está obrigado, assim, a realizar um novo julgamento, em que não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (2).
No entanto, porque não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”, e com vista a evitar a interposição de recursos de pendor genérico, aquele rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus enunciados no art. 640º do CPC, que cumpre ao recorrente observar, sob pena de ficar vedado à Relação entrar no conhecimento do julgamento da matéria de facto impugnada pelo recorrente.
É assim que o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que como tribunal de 2ª Instância que é, a Relação deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (3), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões quanto ao julgamento da matéria de facto que realizou, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando, perante a prova produzida, se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida em relação a essa concreta facticidade que impugna, bem como os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa da que foi julgada provada e não provada pelo tribunal a quo.
Dito por outras palavras, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente” (4).
Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo (5), e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá o recorrente de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e, bem assim, as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a sua impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto propugnado pelo recorrente.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento de uma parte da jurisprudência do STJ que, nas conclusões, o recorrente tem igualmente de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna (6).
Já quanto aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, estes, porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (7), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo uma corrente do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposta uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos já enunciados princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (8).
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo uma corrente do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (9).
Esta tem sido a posição seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ que, como referido, de acordo com uma corrente, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto impugnada, deve também constar das conclusões (10).
Acresce que a jurisprudência do STJ tem operado a distinção entre: a) ónus impugnatórios primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus impugnatórios secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do identificado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e ser denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (11).
Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (12).
Acresce precisar que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ultimamente, ao nível do STJ, a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo-se a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes motivações do recurso (13).
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, analisadas as alegações de recurso apresentadas pela apelante, somos em concluir que contrariamente ao entendimento propugnado pela apelada, aquela cumpriu, de modo suficiente, com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que impugna e que lhe são impostos pelo art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), na medida em que indica, nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que impugna (pontos 12º, 13º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 57º e 58º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância e, bem assim, nas alíneas A, Q, P, B, C, D, E, F e G da facticidade nela julgada como não provada), indica nas conclusões e, inclusivamente, na motivação de recurso, qual a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve recair sobre cada um desses pontos e alíneas que impugna (a facticidade impugnada julgada provada deve ser julgada como não provada e a julgada como não provada deve ser considerada provada), indica, na motivação do recurso e, indevidamente, nas conclusões (sem que desse facto decorra qualquer consequência jurídica para efeitos de admissão ou rejeição dessa impugnação, mas, quando muito, era fundamento para se convidar a apelante a sintetizar as conclusões de recurso, eliminando o vício da prolixidade de que enfermam, decorrente da circunstância de nelas ter inserido indevidamente os meios de prova que, na sua perspetiva, impõem o julgamento de facto diverso que propugna, quando esses meios de prova apenas deviam constar da motivação do recurso), os meios de prova que, a seu ver, impõem o julgamento de facto diverso que propugna, e faz uma análise minimamente crítica desses meios de prova (uma leitura distinta da realizada pela 1ª Instância quanto à prova pessoal produzida em audiência final e, bem assim, da prova documental junta aos autos em que funda a impugnação), de modo a demonstrar e justificar das razões que a levam a sufragar esse julgamento diverso que propugna, e quanto à prova gravada, indica o início e o termo dos excertos da prova pessoal em que funda a sua impugnação e, inclusivamente, procede à transcrição desses excertos.
Conforme dito, diversamente do entendimento da apelada, quanto aos meios de prova em que funda o seu recurso, a apelante faz uma análise mínima crítica destes, demonstrando as razões pelas quais estes, na sua perspetiva, não consentem o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, mas antes impõem o por ela propugnado.
No entanto, dir-se-á que, ainda que assim não fosse, contrariamente ao pretendido pela apelada, a ausência da análise crítica dos elementos de prova em que a apelante funda a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que impugna, nunca seria fundamento para a imediata rejeição do recurso quanto à matéria de facto por esta impugnada, posto que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (14).
Decorre do exposto que, porque a apelante cumpriu com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, impõe-se concluir pela improcedência da pretensão da apelada em ver rejeitada essa impugnação, por pretenso incumprimento desses ónus impugnatórios por parte da apelante, o que se decide.
E tendo a apelante cumprido com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, estamos em condições de entrar na sindicância que esta faz em relação ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância que impugna.
No entanto, antes de avançarmos para a apreciação da impugnação do julgamento de facto operada pela apelante, impõe-se esclarecer que para que o Tribunal da Relação possa alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não basta que a prova produzida consinta ou permita o julgamento de facto propugnado pela apelante, mas é imprescindível que o imponha.
Neste sentido lê-se no n.º 1 do art. 662º do CPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Esta imposição legal decorre da circunstância de estando em causa a apreciação do julgamento de facto em relação a facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, mantendo-se no atual CPC em vigor o mencionado princípio, mas também os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, nos casos em que os factos em julgamento se encontram submetidos ao princípio da livre apreciação da prova, tendo presente os enunciados princípios e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, sequer desconsiderar, em absoluto, os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Daí que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, a Relação conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (15).
Acresce que, conforme se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
Posto isto, resta entrar na concreta sindicância do julgamento da matéria de facto impugnado pela apelante.

B.1.1- Impugnação da matéria de facto dos pontos 12º e 13º da facticidade julgada provada e na alínea A) da julgada não provada.

Nos pontos 12º e 13º dos factos julgados provados na sentença sob sindicância, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“12) Em 04 de junho de 2019, já haviam sido entregues amostras pela Ré, tendo sido solicitadas novas amostras com as correções indicadas pela “Y”, nos seguintes termos: “J. Sweater
- Versão Cinza mescla está OK de qualidade e estampado
- Deixa de levar o triângulo me cruz abaixo do decote
- Versão Branca – X trocou a malha e em vez de ter feito na felpa americana normal, fez a amostra na felpa do modelo RULES … repetir na malha correta 3 amostras em conformidade (Sem costura do triângulo)
Avançar de imediato para as amostras de coleção pois se não chegarem ao ciente até 6.ª feira, não são incluídas na compra”.
13) Essas novas amostras foram produzidas em conformidade com o solicitado e foram entregues pela Ré à Autora em 3 dias, ou seja, no dia 7 de junho de 2020”.
E na alínea A) da facticidade nela julgada como não provada, considerou como não provado o seguinte:
A) Em 04 de junho de 2019 ainda não haviam sido entregues as amostras à cliente final “Y”.
A 1ª Instância fundamentou o julgamento de facto que assim realizou nos termos seguintes:
“A factualidade provada constante dos pontos 12) e 13) e a não provada sob a alínea A. resultou da análise dos documentos juntos pela Autora com a petição inicial sob o n.º 22, que se reportam à troca de correspondência eletrónica entre a “Y” e a Autora e entre a Autora e a Ré, de onde resulta que efetivamente, em 4 de junho de 2019, haviam já sido entregues amostras pela Ré, sendo que, algumas delas estavam corretas (a versão cinza mescla), precisando a “Y” que deixava de levar o triângulo em cruz abaixo do decote, sendo que, na versão branca, a Ré havia trocado a malha. Resulta, ainda, de tal correspondência, que as amostras tinham que chegar ao cliente até sexta-feira (dia 7 de junho, já que 4 de junho de 2019 foi terça-feira), ou seja, os três dias cumprido pela Ré (cfr. artigo 36.º da réplica – a Autora admite que as novas amostras foram entregues em 7 de junho de 2019, ou seja, em 3 dias)”.
A apelante imputa erro ao julgamento de facto assim realizado pela 1ª Instância, valendo-se dos depoimentos prestados pelas testemunhas M. O., D. P. e P. C. e, bem assim, das declarações de parte prestadas pelo seu legal representante, A. M., e do teor do documento n.º 22, que juntou em anexo à petição inicial, sustentando que conforme decorre desses depoimentos e documentos, uma coisa é a denominada “amostra de coleção” e outra, distinta, é a denominada “amostra ou amostra de produção”, que é a que se alude naqueles pontos 12º e 13º e na alínea A), realidades essas que o tribunal a quo confundiu; conforme referiu a testemunha A. P., a “amostra de coleção” é realizada para que a K avalie se irá efetuar a encomenda ou não, e é realizada em momento prévio à realização da própria encomenda para que o cliente final visualize o modelo projetado; essa amostra não é vinculativa, pois apenas é realizada com o intuito de a empresa compradora (K) saber se vai comprar ou não, ou seja, se vai fazer ou não a encomenda; o documento n.º 22 refere-se a uma amostra de coleção, conforme decorre do respetivo teor; também a testemunha D. P. confirmou que a amostra de coleção é prévia à encomenda que está em discussão nos autos; e o legal representante da Autora confirmou que as amostras de coleção foram realizadas até junho, o que corresponde com o ora visualizado naquele mail, isto é, no doc. n.º 22, e em concordância com o depoimento das demais testemunhas; a própria testemunha P. C. que, apesar de ter “tentando durante o seu depoimento alterar a verdade dos factos, acabou por admitir que se não fizesse a amostra de coleção, a cliente final podia não realizar encomenda de produção e nestes termos, muitas vezes não cobravam para conseguir ter direito à encomenda final”.
Conclui a apelante que, perante a identificada prova que identifica, o tribunal a quo não podia concluir pela prova da facticidade que julgou provada nos pontos 12º e 13º e pela não prova da que julgou como não provada na alínea A), mas antes impunha-se que tivesse concluído pela não prova da que julgou como provada e pela prova da que julgou como não provada.
Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que assaca ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto àqueles concretos pontos 12º e 13º e alínea A), respetivamente, dos factos julgados provados e não provados na sentença recorrida.
Antes de mais, dir-se-á que ouvimos toda a prova pessoal produzida em audiência final e procedemos à análise de toda a documentação junta aos autos e que não deixamos de estranhar que a apelante repute os depoimentos prestados pelas testemunhas M. O. e D. P. e, bem assim, as declarações de parte prestadas pelo seu legal representante, A. M., como serenos, isentos e credíveis e, ao invés, qualifique o depoimento prestado por P. C. como ausente dos enunciados epítetos, pretendendo que este, ao longo do seu depoimento, “tentou alterar a verdade dos factos”.
Com efeito, pondo de parte a eventual desatenção da apelante quanto ao teor daquilo que foi dito por cada uma dessas pessoas em sede de audiência final, apenas podemos concluir que a apelante aceitou acriticamente a versão dos factos apresentadas pelas testemunhas D. P. e A. P. e pelo seu legal representante, tendo-os com bons, não atentando naquilo que estes foram dizendo ao longo dos respetivos depoimentos e declarações de parte, e não confrontando essa versão dos factos por eles apresentada com a demais prova produzida, em especial, a documental (que é objetiva), nem sequer com as regras da lógica e da experiência comum, posto que, só assim se compreende que ancore a sua impugnação de facto naqueles depoimentos e declarações, em particular, no depoimento da testemunha A. P., que foi tudo menos isento, mas antes totalmente contraditório e contrário à prova documental que se encontra junta aos autos e, bem assim, às regras da lógica e da experiência comum e, inclusivamente, com aquilo que a própria apelante alega na petição inicial
Vejamos:
A testemunha A. P., que trabalhou para a Y, cliente da Autora (apelante), a quem adjudicou a confeção das peças de roupa a que se reportam as seis encomendas sobre que versam os presentes autos, a qual, por sua vez, as subempreitou na Ré, pretendeu que, na data em que aquela, a mando do diretor da Y (para, após afirmar que foi a mando do dono da Y, Senhor Manuel) anulou as encomendas, isto é, em 29/10/2019, através do mail junto aos autos a fls. 61, “não tinha nada”, isto é, a Ré (apelada) não tinha efetuado os “lab dips”, isto é, tingido um bocado de malha com que as peças de vestuário encomendadas seriam confecionadas, destinando-se esse pedaço de malha tingido a ser enviado à cliente da Y (a K), para esta aprovar ou não a malha e a cor; não tinha realizado o “strike off”, ou seja, uma vez aprovada a malha e a cor aplicada na malha pela cliente (K), havia que se fazer os estampados que as peças de vestuário a confecionar levariam, a fim desse bocado de malha já tingido que obtivera a prévia aprovação da cliente, agora com o estampado, ser enviado à Y para esta fazer chegar à sua cliente (a K) para ver se esta aprovava ou não esse estampado, sequer tinha efetuado o “size set”, isto é, uma vez aprovado pela cliente (a K), a malha tingida e os estampados, havia que se produzir a peça de vestuário final a produzir no âmbito daquelas encomendas, ou seja a “amostra de produção”, a fim desta ser enviada pela “Y”, para esta a fazer chegar à sua cliente (a K), para ver se esta aprovava ou não a produção dessa peça final, só então podendo a apelada avançar para a produção da encomenda.
Em suma, de acordo com a versão dos factos apresentada pela testemunha A. P., à data em que aquela, em representação da Y, anulou as seis encomendas junto da Autora, a qual, por sua vez, anulou essas seis encomendas que tinha subempreitado na Ré (apelada), esta última nada ainda tinha realizado, isto é, todas as fases de produção estavam por efetuar pela apelada e por aprovar pela cliente final – a K.
Em igual sentido se pronunciou o legal representante da apelante, A. M..
Por sua vez, a testemunha D. P., funcionária da Y, onde exerce as funções de controladora de qualidade e que, nesse âmbito, se deslocava às instalações da apelada para acompanhar o processo produtivo das encomendas que lhe foram subempreitadas pela apelante, a fim de controlar a qualidade, referiu que não se recorda o que aconteceu em relação a cada uma das encomendas, “mas recorda-se genericamente”, e relatou ter-se deslocado várias vezes às instalações da apelada, chegava lá, a apelada devia ter as amostras prontas, mas não tinha; diziam-lhe para ela vir à tarde, o que ela fazia, mas continuava a não haver amostras prontas para serem enviadas à cliente final, a K.
Em suma, embora não o tenha referido expressamente, também perpassa pelo depoimento da testemunha D. P. que, na data em que a Y anulou as encomendas, a apelada nada tinha feito, não tinha executado nenhuma das amostras, isto é, não tinha executado os lab dips, nem o strike off, nem o size set, estando todas essas amostras por executar por parte da apelada e por aprovar pela cliente final.
Mais perpassa que entre a Y e a apelante, por um lado, e a apelada, por outro, existia um “mau ambiente e relacionamento”, facto este que é também referido, quer pela testemunha A. P. quer pelo legal representante da apelada, A. M., imputando todos eles esses mau ambiente e mau relacionamento à falta de colaboração da apelada, que não executava as amostras e nada dizia.
Acontece que analisados os múltiplos e-mails que se encontram juntos aos autos, neles não se confirma a existência desse pretenso mau ambiente e mau relacionamento entre Y e apelante, por um lado, e apelada, por outro, mas antes pelo contrário, o que se retira é um bom relacionamento entre todas, de que são, aliás, exemplo, os mails de fls. 49 a 53, a que se reportam os factos provados nos pontos 45º a 46º da facticidade julgada provada na sentença recorrida (não impugnados), enviados na véspera da anulação das encomendas, em que se vê que a pedido da K, a apelada retirou a carda da malha (carda na malha essa que constava da encomenda feita à apelada), efetuou nova amostra da malha sem carda, que uma vez enviada à K, esta não gostou e pediu que se tornasse ao modelo inicial, isto é, malha com carda, o que tudo a apelada se mostrou disponível a efetuar, ou seja, o que os sucessivos mails juntos aos autos e anteriores à anulação das encomendas pela Y evidenciam é que esta subempreitou a encomenda que lhe tinha sido feito pela sua cliente, K, na apelante, a qual, por sua vez, subempreitou essas seis encomendas na apelada (Ré), fazendo acompanhar essas encomendas com a denominada ficha técnica e adjudicando-lhe esses seis encomendas e, a partir daí, a apelada sempre esteve disponível para efetuar as alterações pretendidas a essas peças que tinha de confecionar e que eram solicitadas pela K à Y, a qual, por sua vez, as fazia chegar à apelante, a qual, por sua vez, as fazia chegar à apelada (Ré), realizando as novas amostras para que fossem apresentadas pela Y à K, para que esta última verificasse se estavam ou não a seu contento e, em função disso, desse ou não o seu assentimento para se avançar para a fase seguinte.
Ou seja, contrariamente ao que parece ser o entendimento da apelante e resulta implícito dos depoimentos das testemunhas A. P. e D. P. e das declarações de parte do legal representante da apelante, A. M., não se está perante situações em que as amostras que tinham sido executadas pela apelada apresentavam qualquer erro, vício ou defeito imputável à apelada na execução do trabalho que lhe tinha sido encomendado e adjudicado, mas do que se trata, pelo menos, na maioria dos casos, é de situações em que tendo a apelada executado essas amostras de acordo com a ficha técnica que lhe tinha sido entregue pela apelante quando lhe fez essas encomendas e lhas adjudicou, a K, deparando-se com a amostra, decidiu introduzir alterações às peças a confecionar, alterações essas que conforme depoimentos unânimes de toda a prova pessoal produzida em audiência final, são normais acontecerem na área têxtil, mas que, conforme evidenciam aqueles mails e foi confirmado pelo depoimento da testemunha P. C., a apelada sempre se dispôs a efetuar, realizando novas amostras com as alterações pretendidas pela K.
Acresce que, contrariamente ao pretendido pelas testemunhas A. P. e D. P. e pelo legal representante da apelante, do teor desses mails não resulta o dito mau ambiente entre, por um lado, a Y e a apelante e, por outro, a apelada, mas antes pelo contrário, apesar dos queixumes de atrasos que em alguns desses mails a Y e a apelante fazem em relação à apelada quanto ao envio das amostras (desconsiderando, sem dúvida alguma, que se atrasos existiam da parte da apelada, que a principal causa no atraso do processo produtivo das encomendas eram imputáveis à própria K, que conforme evidenciam os identificados mails, ia sucessivamente introduzindo alterações às peças de vestuário a confecionar pela apelada, que ia, sucessivamente, aderindo aos pedidos destas, fazendo novas amostras com as alterações pretendidas pela K, a fim de serem enviadas à última para esta ver se estavam ou não a seu contento e, em função disso, dar - ou não - o seu Ok, avançando-se, em função dessa sua decisão, para a seguinte fase da amostra, até à aprovação da amostra de produção final), continuando a Y a fazer novas encomendas à apelante e estas a subempreitá-las na apelada, falando-se, aliás, num desses mails (fls. 33 verso) em “mal entendidos”, que a apelada prontamente se dispõe a ultrapassar.
Como dito, a enunciada postura da apelada aconteceu ainda na véspera da anulação das encomendas pela Y, levando, a que, por sua vez, a apelante tivesse anulado essas encomendas que subempreitou na apelada, não obstante, mais uma vez, a K ter decidido alterar a sua decisão – regressar ao projeto inicial, em que a malha seria cardada – e em que a apelada se dispôs a atender a esse pedido.
Os desentendimentos entre, por um lado, a Y e a apelante e, por outro, a apelada e a acusação de que esta nada tinha feito, isto é, que não tinha executado o lab dips, nem o strike off, nem sequer o size set, estando tudo por executar e por aprovar pela cliente final, a K, em função do teor daqueles mails, apenas surge essencialmente quando a Y anula as encomendas, em que esta acusa a apelada e invoca como fundamento dessa anulação os concretos factos que constam do ponto 32º da facticidade julgada provada na sentença.
Ora, como dito, essa versão dos factos não tem aderência com o teor dos mails antes trocados entre Y, apelante e apelada, os quais, reafirma-se, não corroboram o pretenso mau entendimento que alegadamente existia entre, por um lado, Y e apelante e, por outro, a apelada, mas antes o contrário.
De resto, o que se acaba de dizer mostra-se concordante com a facticidade que se encontra provada, nomeadamente, nos pontos 30º, 31º, 45º e 46º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, que não foram impugnados pela apelante e que, portanto, se encontram transitados em julgado.
Avançando: a propósito das contradições em que incorreu a testemunha A. P., para além do que acima já se apontou, cumpre referir que quando questionada sobre “se ligou ao P.”, isto é, se durante a relação de subempreitada estabelecida entre a apelante e a apelada até à anulação das encomendas aquela, na qualidade de interlocutora da Y, estabelecia contactos telefónicos com o interlocutor da apelada (a testemunha P. C.), para naturalmente falarem dos assuntos das encomendas, A. P. respondeu negativamente, esclarecendo depois que “não me recordo, se o fiz foi com autorização”, isto é, dos seus superiores hierárquicos da Y, acabando, de seguida por afirmar: “acho que liguei”.
No entanto, posteriormente, quando questionada sobre as razões que levaram a Y a anular as encomendas, eis que a testemunha A. P. afirma pronta e de forma perentória, que ligava ao senhor A. M. (legal representante da apelante) e que também ligava ao P. (interlocutor na apelada) “para lhe pedir que dissesse quando iam entregar as amostras” e que este (P. C.) só lhe dizia “não se preocupe, nós (apelada) fazemos”, facto este que afirmou repetidamente.
A. P. pretendeu, aliás, que ainda na manhã em que, em nome da Y anulou as encomendas, telefonou ao senhor A. M. e ao P., e que este último “só lhe dizia, não se preocupe, nós (apelada) fazemos”, o que a levou a pensar “não compreender que aquele afirmasse com aquela leveza, “nós fazemos””, concluindo que “ou ele está a gozar comigo ou não tem a noção”, o que a levou a ir ter com o “diretor da Y” (depois afirmou que a final foi ter com o dono da Y, o senhor Manuel), a quem contou o sucedido, que “lhe deu um raspanete, porque ela já devia ter cancelado as encomendas”, dizendo para que ela “cancelasse imediatamente as encomendas”, o que fez, de imediato, por mail.
Logo, é este o pretenso testemunho isento e credível que, na perspetiva da apelante, o tribunal deve entender como suporte da impugnação do julgamento de facto que opera, quando o testemunho de A. P. se mostra, de todo, contraditório, ao ponto de ora afirmar que não telefonava ao P., para depois afirmar que não se recorda se lhe telefonava ou não para, finalmente, afirmar perentoriamente que lhe telefonava, tendo-o, inclusivamente feito na manhã da anulação das seis encomendas e antes de as anular.
Depois, ora afirma que existia uma atitude de não colaboração da parte da apelada, que nada lhe dizia, e que existia um mau relacionamento entre Y e apelante, por um lado, e apelada, por outro, devido a essa pretensa não colaboração da parte da apelada, ora afirma que, nos telefonemas que dizia fazer ao P., incluindo, no que pretensamente lhe fez ainda na manhã da anulação das encomendas, este (o P.) só lhe dizia, “não se preocupe, nós fazemos”, pelo que urge questionar: afinal a apelada não lhe dizia nada e adotava uma posição de não colaboração, ou colaborava e mostrava-se disponível para atender aos pedidos da K, que a testemunha A. P. lhe transmitia?
De resto, os depoimentos de A. P. e D. P. e, bem assim, as declarações de parte do legal representante da apelante, como referido e aqui se reafirma, são contraditados pela prova objetiva, junta aos autos, que é a documental, conforme acima já se enunciou.
Acresce referir que a testemunha D. P. referiu que, normalmente, na indústria têxtil, o cliente pede ao possível fornecedor o lab dips, o trike off e o size set e, apenas uma vez aprovadas todas essas amostras, é que o cliente adjudica o trabalho ao fornecedor e este avança para a produção. Só que neste caso, segundo a testemunha D. P., “não foi assim”. A K é uma cliente “muito exigente” e exige que aquelas amostras lhe sejam enviadas para ela dar ou não o seu “Ok” e, no caso positivo, se avançar para a amostra seguinte, até se obter o “ok” da K em relação à última amostra, que é o “size set”, em que a amostra consiste na versão final da peça de vestuário a confecionar, referindo a testemunha D. P. que, apenas “quando o cliente dá o Ok (quanto ao “size set”), é que se avança para a produção e se faz a encomenda”.
Ouvido o depoimento da testemunha A. P. e do legal representante da apelante, A. M., apesar destes não terem afirmado expressamente que a adjudicação da encomenda ao produtor (neste caso, a celebração dos contratos de subempreitada entre apelante e apelada apenas ocorrer após a aprovação do “size set” pela K), é isto que igualmente se extrai da versão dos factos por eles relatada em audiência final.
E é esta tese que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, é igualmente defendida pela apelante nas suas alegações de recurso, em que nas conclusões XV e XVI escreve expressamente o seguinte: “A amostra de coleção serve para a cliente avaliar o modelo e decidir se vai incluir na encomenda que poderá ou não fazer! E neste caso, jamais poderá ser confundível a amostra de coleção com a amostra, pois trata-se de elementos característicos e fundamentais para avaliar a situação em concreto e tomar a decisão correta!”.
Acontece que não foi isto que a apelante alegou na petição inicial.
Na petição inicial, a apelante alegou ter adjudicado (subempreitando) as seis encomendas à apelada (Ré), obrigando-se esta a confecionar-lhe as peças de vestuário objeto dessas encomendas, até 15/11/2019, à exceção da última encomenda, que a apelada se obrigou a executar até 29/11/2019, com a obrigação de seguir na confeção a metodologia que alega no ponto 28º da p.i. (efetuando o lab dips, depois o strike off, de seguida o tingimento das malhas, após o protótipo e, finalmente, o size set, para aprovação dessas várias fases pela cliente da Y - a “K”), recebendo dela, como contrapartida o preço que acordaram, isto é, a apelante não alegou que a celebração dos contratos de subempreitada com a apelada atinentes àquelas seis encomendas só seria celebrado uma vez aprovado o “size set” pela K, tanto assim que a mesma não instaurou a presente ação com fundamento em responsabilidade pré-contratual da apelada, mas antes com fundamento na responsabilidade civil da apelada, decorrente desta ter incumprido as obrigações contratuais assumidas, não lhe apresentando nenhuma daquelas amostras a fim de serem aprovadas pela cliente final, a K, o que, na sua perspetiva, lhe conferiu (à apelante) o direito a resolver esses contratos com justa causa.
Em suma, nos autos impõe-se distinguir a relação contratual estabelecida entre a apelante (Autora) e a Ré (apelada), daquela que eventualmente foi estabelecida entre a apelante (Autora) e a Y e, bem assim, da estabelecida entre a Y e a K, relações contratuais essas de que não versam os presentes autos, mas apenas da estabelecida entre apelante e apelada.
Assim, se a K condicionou a celebração (ou não) do contrato de empreitada, mediante o qual adjudicaria à Y as seis encomendas de vestuário, apenas caso viesse a aprovar o size set (amostra de produção), ou se a Y condicionou a celebração (ou não) do contrato de subempreitada, mediante o qual adjudicaria aquelas seis encomendas à apelante, essa aprovação pela K da amostra de produção é matéria totalmente alheia ao objeto em discussão nos presentes autos.
Nos presentes autos, conforme resulta claramente da petição inicial, a apelante (Autora) alega que adjudicou a realização dessas seis encomendas à apelada (Ré), pelo que os contratos de subempreitada a que se reconduzem essas relações contratuais se constitui/formou/fechou, e funda o seu pedido indemnizatório no alegado incumprimento desses contratos de subempreitada por parte da Ré (apelada), incumprimento esse que lhe terá conferido o direito a resolvê-los com justa causa e a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos.
Logo, salvo o devido respeito, quem não compreendeu cabalmente o objeto do presente litígio não foi manifestamente o tribunal a quo, mas é a própria apelante, que não cuida em distinguir o objeto dos presentes autos das relações alegadamente pré-contratuais que estabeleceu com a Y e que esta estabeleceu com a K.
Note-se que, como bem diz a apelante, a testemunha P. C., no seu depoimento, reconheceu efetivamente que é em função da amostra de produção, isto é, o size set, que os potenciais clientes contratam ou não as empresas têxteis para lhe fazerem determinada encomenda, mas fê-lo num contexto totalmente distinto daquele a que se reporta a apelante.
Com efeito, o que P. C. disse (e é de resto), confirmado pela própria apelante em sede de petição inicial e se mostra conforme à facticidade provada e não impugnada nos pontos 1º a 11º e 14º a 26º da sentença recorrida (e, portanto, transitada em julgado), é que a apelante contratou a apelada, adjudicando-lhe as seis encomendas; que é normal na indústria têxtil a cliente introduzir alterações às encomendas adjudicadas e que, por isso, a apelada estava aberta e sempre efetuou todas as alterações que lhe foram solicitadas, ou seja, não condicionou a celebração dos contratos de subempreitada entre apelada e apelante à execução e aprovação pela K das várias amostras, até à execução da amostra final – amostra de produção ou size set –, de modo que a apelada só adjudicaria as seis encomendas caso a K aprovasse essa última amostra.
P. C. distinguiu efetivamente entre “amostras de coleção” e “amostras de produção”.
Questionado sobre a size set (amostra de confeção), o que P. C. afirmou é que a apelante “faz investimento” e cria amostras de coleção, para mostrar aos seus potenciais clientes para ver do seu interesse em lhe adjudicarem encomendas referentes a essas amostras (de coleção). Umas vezes, a apelada não tem sucesso, porquanto os potenciais clientes não lhe fazem encomendas, outras vezes, fazem-lhe encomendas de peças atinentes a essas amostras (passando estas “amostras de coleção” a “amostras de produção”), e outras vezes esses potenciais clientes pedem que a apelada introduza alterações à amostra de coleção que lhe é apresentada pela apelada, o que esta faz, elaborando nova amostra, com as alterações pretendidas pelo potencial cliente, para que este veja se está a seu contento e, em função disso, lhe faça (ou não) a encomenda.
Foi isto e unicamente isto que P. C. afirmou a propósito das “amostras de coleção” e das “amostras de produção”, sendo, aliás, a versão dos factos por ele apresentada perfeitamente consentânea com as regras da experiência comum.
Acontece que, conforme dito, não foi isto o que aconteceu nos autos, posto que a celebração dos contratos de subempreitada entre apelante e apelada não ficou condicionada à execução pela apelada do size set (amostra de produção) e à aprovação desta pela K, sendo em função dessa aprovação que seriam ou não adjudicadas as seis encomendas pela apelante à apelada e que, assim, seriam ou não celebrados entre elas os contratos de subempreitada sobre que versam os presentes autos, nem sequer é isso que, reafirma-se, é alegado pela própria apelante na petição inicial, em que esta não estriba o pedido indemnizatório no instituto da responsabilidade pré-contratual, mas sim, na contratual.
Colocado o objeto do presente litígio no ponto em que carece de ser posicionado, entremos na apreciação da impugnação da matéria de facto propriamente dita.
A este propósito diremos que na facticidade julgada provada nos pontos 12º e 13º da sentença recorrida, não é a 1ª Instância que confunde a “amostra de coleção” com a “amostra de produção”, isto é, o “size set”, mas quem faz essa confusão é a própria apelante que pretende daí extrair consequências jurídicas, olvidando aquilo que alegou na petição inicial.
Nos pontos 12º e 13º deu-se como provado que “em 04 de julho de 2019, já haviam sido entregues amostras pela Ré”, mas não se qualifica que amostras eram essas, nomeadamente, não se diz que essas amostras consubstanciam o designado lab dips, ou o strike off, ou o size set.
Quem conclui que quando se dá como provado, no ponto 12º, que “em 04 de junho de 2019 já haviam sido entregues amostras pela Ré”, se está a considerar como provado que essas “amostras” entregues são as “amostras de produção” ( o“size set”) é, pois, a própria apelante, mas sem que essa conclusão tenha qualquer correspondência com o teor da facticidade julgada provada no próprio ponto 12º e, bem assim, com aquela que se encontra julgada provada no ponto 31º, em que se julga como provado que “pelo menos, em 23 de outubro de 2019, a Ré não tinha entregue as protos e os size sets referidos em 30º”.
A encomenda que está em causa nestes pontos 12º e 13º e, bem assim, na alínea A) da facticidade julgada não provada na sentença recorrida, refere-se à encomenda que a apelante identifica no ponto 5º, b) da petição inicial (arts. 11º a 15º da p.i.).
No ponto 14º da p.i., apesar da apelante alegar que, “Em 04-06-2019 ainda não havia sido entregue as respetivas amostras à cliente final Y, conforme Doc. 22, que se junta e que se dá por integralmente reproduzido”, no ponto 15º desse mesmo articulado, é a própria apelante que alega que “Logo após a realização da respetiva amostra, tendo a mesma sido aprovada pela Y e pela Autora, fora realizada a respetiva encomenda, com o envio da devida ficha técnica, necessária para a respetiva produção, conforme Doc. 23, que se junta e que se dá por integralmente reproduzido”.
Ora, como bem diz a 1ª Instância, no doc. 22, junto aos autos a fls. 37 verso, resulta que a apelante aprovou a amostra cinza mescla, não o fazendo em relação às restantes amostras aí referidas, tal como deu provado no ponto 12º, e quanto às restantes amostras (as não aprovadas) acabou por as aprovar, tal como foi alegado pela própria apelante no art. 15º da petição inicial e se encontra julgado provado no ponto 13º da facticidade provada na sentença.
Reafirma-se, estas “amostras” não são a “amostra de produção”, isto é, o “size sets”, posto que conforme se deu como provado no ponto 31º na sentença, nele a 1ª Instância deu como provado que “Pelo menos em 31 de outubro de 2019, a Ré não tinha entregue os protos e os size referido em 30º”.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, que nenhuma crítica nos merece a facticidade julgada provada nos pontos 12º e 13º e a julgada não provada na alínea A), pelo que, na improcedência deste fundamento de recurso, mantêm-se as mesmas inalteradas.

B.1.2- Impugnação da matéria de facto do ponto 48º da facticidade julgada provada.

A apelante impugna o ponto 48º da facticidade julgada provada, em que a 1ª Instância julgou como provado que “Á data em que a Autora procedeu à anulação das encomendas, a Autora ainda não havia entregue à Ré as respetivas etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho, os hang-tang (etiquetas em cartolina) e os próprios sacos de plástico para as peças”, invocando o depoimento da testemunha A. P., sustentando que esta refere “que as mesmas não eram necessárias, só mesmo para produção” e, bem assim, sustentando que, a própria testemunha P. C., “confessa que as etiquetas são necessárias apenas e somente para a produção e não para a amostra”; acresce que essa testemunha nunca referiu a sacos de plástico para as peças, mas antecipe-se, desde já, sem evidente razão.
Na verdade, a facticidade ora em análise foi alegada pela apelada (Ré) no ponto 34º da contestação, a título de exceção, enquanto facto impeditivo da resolução dos contratos de subempreitada operada pela apelante.
Nesse ponto 34º, após ter alegado que “a Autora conhecia perfeitamente a capacidade da Ré para a produção das encomendas e para o cumprimento dos prazos de entrega que, em nenhum momento, foram postos em causa por parte desta”, a apelante sustenta “Tanto mais que até à data em que a Autora procedeu à anulação das encomendas em causa, esta ainda não havia entregue à Ré as respetivas etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho, as hang-tag (etiquetas em cartolina) e os próprios sacos de plástico para as peças”, estando-se, portanto, claramente perante matéria de exceção.
E tratando-se de matéria de exceção, tendo havido reconvenção, cumpria à apelante impugnar esta concreta facticidade, sob pena de a mesma se ter como provada, por admissão da apelante (arts. 584º, 587º, n.º 1 e 574º, n.º 2 do CPC).
Logo, não tendo a apelante, na réplica, impugnado esta concreta facticidade, independentemente da prova que sobre ela recaiu em audiência final, a mesma tem-se por provada, por admissão, sob pena de se incorrer na violação das enunciadas regras de direito probatório material dos arts. 584º, 587º, n.º 1 e 574º, n.º 2 do CPC.
Acresce dizer que, ainda que assim não fosse (como é), é certo que a testemunha A. P. confirmou que, à data da anulação das encomendas, a Autora ainda não tinha entregue à Ré as respetivas etiquetas de marca, as etiquetas de tamanho e as hang-tang, pretendendo que estas não eram necessárias para produzir a amostra de produção, mas a testemunha P. C., para além de confirmar a não entrega daqueles elementos, também referiu que a apelante também não tinha entregue à apelada os sacos de plástico, referindo expressamente que sem as etiquetas “não podiam tirar os size sets”, isto porque estas tinham de ser cosidas na gola da peça de vestuário (“amostra de produção”).
Ora, dir-se-á que, para além do depoimento da testemunha A. P. padecer das insuficiências probatórias acima já enunciadas, é apodítico que constituindo o “size set” a amostra final, isto é, a amostra de produção, ou seja, a amostra da peça de vestuário, tal como a encomenda vai ser executada, tendo as etiquetas da marca de ser cosidas na gola da peça de roupa a confecionar, essas etiquetas eram necessárias para se produzir o denominado “size set” (amostra de produção).
Destarte, não fora as enunciadas regras de direito probatório material que perante a não impugnação da matéria em referência (de exceção) por parte da apelante na réplica, impõe que se conclua pela prova da facticidade julgada provada no ponto 48º, sempre, perante a prova produzida, se impunha concluir pela prova desta concreta facticidade.
Improcede este fundamento de recurso.

B.1.3- Impugnação da matéria de facto do ponto 49º da facticidade julgada provada.

A apelante impugna a facticidade do ponto 49º, em que a 1ª Instância deu como provado que “A Autora tinha conhecimento que a anulação das encomendas provocaria prejuízos à Ré”, sustentando que, o entendimento do tribunal a quose baseou na articulação com o ponto 34º da factualidade dada como provada, referindo ainda que, não obstante do supra exposto, quanto ao conhecimento concreto dos prejuízos causados à Ré à Autora não tem conhecimento”, concluindo que, “sabendo que a Ré não cumpriu com as fases necessárias para o início da produção, o que ficou claramente demonstrado, não poderá a Autora ter conhecimento sequer de que causaria prejuízos”.
Neste conspecto, dir-se-á que, independentemente da questão jurídica, isto é, se assiste à apelada o direito ou não a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos em consequência da anulação das encomendas por parte da apelante, com fundamento em justa causa (questão essa a tratar em sede de direito), o que está aqui exclusivamente em causa é saber se quando anulou as encomendas, a apelante tinha ou não conhecimento que a anulação dessas encomendas provocaria prejuízos à apelada (isto é, uma questão de facto – não de direito).
Ora, a este propósito diremos que a apelante tinha forçosamente de ter conhecimento de que anulação das seis encomendas, isto é, a resolução dos contratos de subempreitada que celebrou com a apelada, com fundamento em justa causa, provocava necessariamente prejuízos à apelada, posto que, tendo adjudicado as seis encomendas à apelada, com um prazo final para estas a executar, quando, na data da resolução desses contratos, faltava pouco mais do que duas semanas para o términus final do prazo convencionado para a entrega das cinco encomendas, e um mês e um dia para o términus final do prazo acordado para a entrega da sexta encomenda, em que, inclusivamente, tinham sido realizadas amostras pela apelada de cores e malha para a aprovação pela …, a apelante não podia desconhecer, sequer desconhecia, que a apelada tinha forçosamente de ter já comprado o fio e os demais produtos necessários para a produção da malha necessária à execução das peças de vestuário encomendadas e cujas encomendas anulou.
Termos, em que sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede este fundamento de recurso.

B.1.3- Impugnação da matéria de facto dos pontos 50º e 51º da facticidade julgada provada.

Continua a apelante, impugnando a facticidade julgada provada nos pontos 50º e 51º, alegando que “conforme resulta dos autos, estão em análise encomendas distintas, para clientes finais distintos e mercados completamente diferentes. Assim, a encomenda para a cliente final K fora cancelada pela Y, cliente intermédia em 29/10/2919, bem como a Autora, por força desta anulação também foi obrigada a abular perante a aqui Ré também na mesma data”, enquanto a encomenda anulada pela apelada se destinava a um cliente da apelante, de nacionalidade finlandesa, e o teor do doc. 62, de 31/10/2019, demonstra que a própria apelada considerou que esta última encomenda nada tem a ver com as da Y e que aquela iria seguir o seu percurso normal de produção, mas “inesperadamente alterou inadvertidamente a decisão de continuar a encomenda e em 31/10/2019 anulou essa encomenda”, concluindo que, é “completamente descrível que a Ré tenha perdido a confiança passados 10 dias após a anulação da encomenda identificada no art. 5º da petição inicial, tanta assim o é, que a Ré, volvidos dois dias da anulação da encomenda para a cliente final K havia demonstrado que continuava a confiar na Autora, pelo que a anulação da encomenda para o cliente final de Finlândia foi um ato de má fé para com a Autora, numa espécie de ajuste de contas, tanto mais que a Autora sempre proporcionou à Ré toda a informação necessária para a elaboração das encomendas, como explicou o representante da Autora (passa de seguida a transcrever os excertos das declarações de parte prestadas por A. M. e, bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas D. P. e A. P.).

Nos enunciados pontos 50º e 51º, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
50) A Ré não vislumbrou, por parte da Autora, qualquer diligência no sentido de sanar o problema da anulação das encomendas que efetuou.
51) A Ré, com o comportamento demonstrado pela Autora, perdeu a confiança nesta, bem como nas relações contratuais com a mesma”.

E fundamentou este julgamento positivo nos seguintes termos:
Sobre a factualidade constante dos pontos 50) e 51, atendeu-se ao documento pela Autora como documento 60, designadamente à correspondência eletrónica enviada pela testemunha P. C. (Ré) à Autora em 08 de novembro de 2019, pelas 15:29, de onde resulta que, num primeiro momento a Autora e a Ré tinham acordado em não misturar as encomendas para a cliente “Y” com as encomendas para a cliente da Finlândia, a Ré tomou a decisão de não produzir esta última encomenda, realidade que também foi confirmada pela própria testemunha P. C.”.
Conforme acima se enunciou, procedemos à audição integral de toda a prova pessoal produzida em audiência final e à análise de toda a prova documental junta aos autos.
Os depoimentos das testemunhas D. P. e A. P. e, bem assim, as declarações de parte do gerente da apelante, A. M., apresentam as insuficiências probatórias supra já enunciadas, desconsiderando, em absoluto, a disponibilidade que a apelada veio sempre a manifestar em introduzir as alterações às amostras que a K pretendia, e elaborando as novas amostras que esta pretendia, a fim desta as aprovar (ou não), como se os alegados atrasos na aprovação dessas amostras fossem imputáveis, única e exclusivamente, à apelada, e alegando uma falta de colaboração da última e um pretenso mau relacionamento que manifestamente não existia.
De resto, a apelante anulou as encomendas, invocando incumprimento dos contratos de subempreitada por banda da apelada, que lhe conferiria o direito a resolver esses contratos com fundamento em justa causa, desconsiderando, em absoluto, todo o trabalho e toda a colaboração da última, as alterações sucessivas introduzidas pela K às amostras das peças de vestuário a executar (objeto das encomendas) e todas as despesas já efetuadas pela apelada na aquisição de fio e demais material para executar aquelas encomendas e horas de trabalho já despendidas, numa altura em que nem sequer o prazo final acordado para a entrega das encomendas se mostrava decorrido.
A testemunha P. C. refere que, apesar dessa atitude da apelante para com a apelada, a última prontificou-se a executar a encomenda para a cliente da apelante da Finlândia, até porque se tratava de assuntos distintos e a apelada tinha sempre a esperança que a decisão da anulação das encomendas relativas à Y fosse revertida, e daí o mail de fls. 98 verso; acontece que, na sequência dos contactos que a apelada manteve com a apelante, ao verificar que esta se mantinha sempre do lado da Y, imputando as culpas pela anulação das encomendas, única e exclusivamente, à apelada, esta última perdeu totalmente a confiança que detinha na apelante (senhor A. M.), e daí que lhe tivesse enviado o mail de fls. 100 verso, recusando-se a executar a encomenda para o cliente da apelante da Finlândia, enquanto “o problema com as encomendas da Y não fique resolvido”.
Diremos que esta versão dos factos, além de se mostrar conforme com as regras da experiência comum face ao que supra já se explanou, é corroborada pelo teor dos mails de fls. 98 verso a 102, pelo que a prova produzida não impõe que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 50º e 51º, mas antes pelo contrário, impõe que se conclua pela prova dessa concreta facticidade.
Resulta do exposto, improceder este fundamento de recurso, pelo que se mantém inalterada a facticidade dos pontos 50º e 51º dos factos provados na sentença.

B.1.4- Impugnação da matéria de facto dos pontos 52º e 53º da facticidade julgada provada e na alínea Q da julgada não provada.

A apelante impugna a facticidade julgada provada nos pontos 52º e 53º na sentença recorrida e a nela julgada como não provada na alínea Q, acusando que, a 1ª Instância não teve em consideração o documento junto pela mesma aquando do testemunho de P. C. na sessão de julgamento; que atento o teor desse mail, a apelada desconhecia quais os concretos prejuízos que sofreu em consequência da anulação das encomendas, pelo que nunca podia ter emitida a fatura de 31/10/2019, concluindo que essa fatura foi emitida de má fé pela apelada, como forma de retaliação; que a testemunha P. C. não soube explicar o desfasamento entre a data daquele mail e a data de emissão daquela fatura (procedendo à transcrição dos excertos do depoimento deste, que alegadamente confirmará o que alega), além de que, de acordo com o depoimento da testemunha A. P. (cujos excertos transcreve), a apelada apenas devia ter adquirido a malha e os quadros de estamparia que alegadamente comprou após a aprovação do strik off.
Neste conspecto, diremos que, conforme bem refere a 1ª Instância, os valores faturados pela apelada à apelante e a que se reporta a fatura junta aos autos a fls. 114, respeita unicamente ao preço do fio, quadro de estamparia e demais artigos que a apelada teve de adquirir, e adquiriu, para a execução das seis encomendas que a apelante lhe fez e que veio a anular, resolvendo os contratos de subempreitada celebrados, invocando justa causa imputável à apelada, isto é, trata-se apenas de custos suportados pela apelada na aquisição desse material, não estando aí contemplado qualquer lucro que a apelada teria obtido com a execução dessas seis encomendas.
O teor dessa fatura, incluindo materiais, quantidades e preço do material adquirido pela apelada, mostra-se conforme ao teor das faturas e guias de transporte de fls. 136 verso a 141 verso e 142 verso a 144, emitidas pelos fornecedores desses materiais à apelada e, bem assim, com o teor dos documentos de fls. 136 e 134, bem como com as fotografias de fls. 144 verso a 153 verso, onde se encontram retratadas a malha produzida pela apelada para executar aquelas seis encomendas e, inclusivamente (fls. 151 a 153), os modelos que a apelante executou para aprovação pela K, com vista a executar essas seis encomendas.
Estes elementos de prova objetivos (porque prova documental), concatenados com o depoimento prestado pela testemunha P. C., que explicou aqueles documentos e os valores faturados, impõem que se conclua pela prova da facticidade dos pontos 52º e 53º e pela não prova da alínea Q.
Refere a apelante que de acordo com o depoimento da testemunha A. P., a apelada apenas tinha de comprar o material faturado à apelante após ter visto as amostras de produção aprovadas, mas sem arrimo possível.
Na verdade, conforme acima se demonstrou, para além do depoimento da testemunha A. P. padecer das insuficiências probatórias supra enunciadas (cheio de contradições), dir-se-á que, no caso, a apelante contratou com a apelada a execução das seis encomendas, em prazos que acordaram para a entrega destas, e entregando-lhe a ficha técnica das peças de vestuário a produzir, não estando, pois, a contratação ou não da apelada pela apelante condicionada à aprovação pela K da amostra de produção.
Por conseguinte, para que fosse viável à apelada cumprir com as suas obrigações contratuais que assumiu perante a apelante (não perante a Y e/ou a K), que tinham prazo certo quanto à data da entrega das peças de vestuário encomendadas, aquela teve forçosamente de adquirir, como adquiriu, a malha, a tinta e os demais bens necessários para produzir a malha, com que ia executar as peças de vestuário que lhe foram encomendadas pela apelante e cujas encomendas esta veio a anular.
De resto, aquando da contratação da apelada, a apelante facultou a ficha técnica das seis encomendas que lhe adjudicou, pelo que a apelada ficou na posse dos elementos necessários para adquirir todo o material necessário à execução das encomendas.
Diz a apelante que a 1ª Instância desconsiderou o mail junto aos autos a fls. 164 e que a testemunha P. C. não soube explicar o desfasamento entre a data destes mails – 04/11/2019 – e a data de emissão da fatura de fls. 114 – 31/10/2019 –, mas sem razão.
Com efeito, a testemunha P. C. foi perentória em afirmar ter sido ele quem fez o levantamento dos custos do material adquirido pela apelada para a execução das seis encomendas, tendo sido ele quem elaborou os documentos manuscritos juntos aos autos a fls. 136 e 142.
Ora, naturalmente que esses documentos foram depois enviados para a contabilidade da apelada, a fim de se proceder à soma dos valores e à emissão da fatura.
Logo, do teor do mail de fls. 164, designadamente, da circunstância de nele a testemunha P. C., em 04/11/2019, responder ao legal representante da apelante “envio até ao final da manhã, estamos a fazer o apanhado das quantidades corretas”, não resulta minimamente beliscada a bondade do depoimento prestado por P. C. em audiência final, posto que aquele, aquando do envio desse mail, desconhecia, tal como referiu, se a contabilidade da empresa apelada já tinha ou não feito os cálculos e emitido a fatura, com o valor dos materiais adquiridos pela apelada para executar as seis encomendas para a apelante e que esta anulou.
Termos em que improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada nos pontos 52º e 53º e a julgada não provada na alínea Q.

B.1.5- Impugnação da matéria de facto dos pontos 57º e 58º da facticidade julgada provada e da alínea P da julgada não provada.

A apelante impugna a facticidade julgada provada nos pontos 57º e 58º, sustentando que, “para além dos diversos emails trocados ainda temos a prova testemunhal que veemente referiu que as malhas, estampados e bordados não haviam sido aprovados, ora a qualidades das mesmas também não o haviam sido”.
Em abono desta sua tese, a apelante transcreve parte do depoimento da testemunha A. P. e, bem assim do depoimento da testemunha P. C., pretendendo que este “deixou escapar que, durante o processo pode haver alterações”, e conclui, “se pode haver alterações, poderia já a Ré ter comprado o material indicado na fatura supra identificada, sem saber se a cliente iria realizar alterações?”, concluindo negativamente.
Por último, refere que os produtos faturados nunca lhe foram entregues, nem mesmo sequer devidamente acondicionados.
Perante este argumentário, conclui a apelante que se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 57º e 58º e pela prova da julgada não provada na alínea P), mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, mais uma vez, sem razão.
Quanto ao depoimento da testemunha A. P. já nos pronunciámos supra, no sentido de que este não merece credibilidade, porquanto, além de contraditório, mostra-se contrário aos factos que foram alegados pela própria apelante na petição inicial e, bem assim, com o teor da prova documental junta aos autos, tudo conforme supra já se demonstrou.
Depois, a apelante cai num sério equívoco a propósito do sentido interpretativo a dar ao depoimento da testemunha P. C..
O que esta testemunha referiu é que a apelante encomendou à apelada a execução das seis encomendas, enviando-lhe as fichas técnicas do vestuário a executar, acordando ambas as partes nas quantidades, qualidades das peças que a apelada tinha de executar e nos preços que a apelante lhe tinha de pagar e, bem assim, na data da entrega dessas encomendas pela apelada, versão dos factos essa que, como acima se demonstrou, coincide com a versão dos factos apresentada pela própria apelante na petição inicial.
Mais disse que a K é efetivamente uma cliente muito exigente e que já não era a primeira vez que a apelada executava encomendas para aquela empresa, a pedido da apelante, pelo que a apelada tinha perfeito conhecimento (pelo menos, é isto que se extrai do depoimento de P. C.) que a K exigia as diversas amostras do processo produtivo, isto é, lab dips, strike off e size set, para verificar se essas amostras estavam ou não a seu contento, afirmando ser normal, na indústria têxtil, haver alterações pedidas pela cliente às encomendas e que, nessa medida, a apelada sempre esteve disponível para fazer as amostras e executou essas amostras, com as alterações pretendidas pela K, o que, diga-se, é uma realidade, demonstrada, nomeadamente, pelo mail enviada no dia anterior à anulação das seis encomendas, em que se vê que estando previsto, nas encomendas adjudicadas à apelada, que a malha das peças de vestuário a confecionar seria cardada, feita a amostra da malha cardada tingida pela apelada, a K decidiu de que malha não seria cardada; feita pela apelante a nova amostra com a malha não cardada, deparando-se com essa amostra, entendeu a K regressar ao projeto inicial – a malha seria cardada.
Mas isto não significa que a apelada tenha executado todas as amostras, incluindo a “amostra de produção” (size set), até porque é o próprio P. C. que reconheceu que o “size set” não chegou a ser totalmente executado pela apelada, por falta de envio da etiqueta da marca.
Aliás, no ponto 31º da facticidade julgada provada, relembra-se, a 1ª Instância, deu como provado (e esta concreta facticidade não foi impugnada por quem quer que seja, pelo que se encontra transitada em julgado), que, “pelo menos em 23 de outubro de 2019, a Ré não tinha entregue as portos e os site sets referidos em 30º”.
No entanto, para o que aqui interessa, conforme flui do que se vem dizendo, as alterações às amostras não decorrem, exclusivamente, de quaisquer vícios ou defeitos imputáveis à apelada na respetiva execução, mas sim, e preponderantemente, das opções da K, que depois de adjudicadas pela apelante as seis encomendas à apelada e celebrado assim, entre elas, os contratos de subempreitada, decidiu introduzir alterações às encomendas.
Essas alterações são alterações de pormenor – ao nível da cor, se a malha seria ou não cardada, etc. –, não interferindo com a necessidade da apelada ter de comprar o fio e os demais produtos necessários à produção da malha para executar as peças de vestuário que lhe foram encomendadas pela apelante, para o que já dispunha dos elementos necessários – a ficha técnica atinentes às seis encomendas que a apelante lhe entregou quando lhe adjudicou as seis encomendas e que esta tinha de prontamente adquirir, porquanto, de contrário, naturalmente que não conseguiria cumprir com os prazos de entrega das encomendas a que se vinculou, independentemente daquelas alterações de pormenor.
Insiste a apelante, na senda daquela que é a versão dos factos que foi apresentada pelas testemunhas A. P. e D. P. e pelo seu gerente, de que, à data da anulação das encomendas, a apelante não tinha executado nenhuma amostra e que nenhuma estava aprovada pela K, isto é, não havia lap dips, strike off e size set aprovados, versão dos factos essa que não tem qualquer correspondência com a realidade, conforme supra já se demonstrou.
Aliás, P. C. confirmou que os lap dips e os estampados e bordados foram aprovados e a sua versão dos factos para os size set não estarem totalmente executados – falta das etiquetas – tem foros de veracidade, perante o teor das fotografias de fls. 151 a 153, que retratam, pelo menos, parte desses size sets (amostras de produção) produzidos.
De resto, no ponto 30º da facticidade julgada provada pela 1ª Instância, que a apelante não impugnou e que, portanto, se encontra transitada em julgado, foi dado como provado que, “pelo menos em 23 de outubro de 2019, a Ré não tinha entregue as protos e os size sets referidos em 30”.
Quanto à questão suscitada pela apelante de que os materiais não lhe foram entregues pela apelada e não estarão devidamente acondicionados, sobre essa matéria não versam os presentes autos, porquanto, trata-se de matéria de exceção (impeditivo do pedido reconvencional).
Ora, a apelante não alegou essa facticidade essencial ao direito indemnizatório exercido nos autos pela apelada em sede reconvencional, pelo que o tribunal não a pode julgar provada, sob pena de incorrer em violação do disposto no art. 5º, n.º 1 do CPC e em consequente postergação dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Termos em que improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada prova nos pontos 57º e 58º e a não provada na alínea P.

B.1.4- Impugnação da matéria de facto da alínea B dos factos julgados não provados.
A 1ª Instância julgou como não provado que “B- Em 29 de outubro de 2019 (data da anulação das seis encomendas) não era possível à Ré entregar até ao dia 15 de novembro de 2019, as 5421 peças encomendadas, e até ao dia 29 de novembro de 2019 as 703 peças encomendadas”.
A apelante impugna este julgamento negativo acusando a 1ª Instância de ter desconsiderado o depoimento da testemunha A. P., que referiu prontamente ser impossível cumprir os prazos, pois que há todo um processo de produção até à amostra final e só aí é que se pode iniciar propriamente a produção, e quando P. C. referiu ser possível à apelada produzir 20 a 25 mil peças por semana.
Mais argumenta que o tribunal não pode esquecer que, antes de iniciar a produção do número total de peças, tem que haver todo o processo descrito no ponto 25º dos factos provados.
A apelante transcreve excertos do depoimento prestado pela testemunha A. P. e, bem assim, pelo seu gerente, A. M., mas curiosamente não transcreve o excerto do depoimento da testemunha P. C., que pretensamente ilustrará aquela sua afirmação.
Note-se que dizemos “curiosamente”, porquanto, conforme já afirmámos supra e deixamos aqui reafirmado, ouvimos toda a prova pessoal produzida em audiência final e não nos apercebemos que em momento algum a testemunha P. C. tivesse feito aquela afirmação de que a apelada apenas teria capacidade para produzir entre 20 a 25 mil peças por semana, antes pelo contrário, P. C. afirmou que, na data da anulação das encomendas, faltando cerca de três semanas (são na verdade, pouco mais de duas semanas) para o termo do prazo acordado para a entrega das primeiras cinco encomendas, e um mês para a entrega da última, era possível à apelada cumprir com aquelas encomendas.
Note-se, aliás, que, apesar de todas as suas contradições, a testemunha A. P. referiu que telefonava ao P. (a testemunha P. C.) e que esta dizia “não se preocupe, nós fazemos”, ao ponto daquela pensar que “ou estava a gozar com ela ou não tinha a noção” das coisas, já que, na perspetiva dela, o mesmo afirmando o gerente da apelante, A. M., não era possível à apelante cumprir a data da entrega das encomendas contratadas.
A propósito do depoimento da testemunha A. P. e das declarações de parte de A. M. diremos que o juízo que emitem dessa impossibilidade é meramente especulativo, na medida em que faltando pouco mais de duas semanas para o termo do prazo acordado entre apelante e apelada para a entrega pela apelada das cinco primeiras encomendas, e um mês para o termo do prazo para a entrega da sexta e última encomenda, naturalmente que nada, mas absolutamente nada, permite aos mesmos, em termos objetivos, concluir que a apelada não iria cumprir com esses prazos.
Note-se, aliás, que não nos estamos a esquecer que o processo produtivo dessas encomendas tinha de passar pelas fases a que se alude no ponto 25º dos factos apurados, mas, salvo o devido respeito, quem se está a esquecer de algo de fundamental é a própria apelante, que desconsidera, quiçá desvaloriza, que pelo menos, parte substancial dos atrasos verificados ao nível desse processo produtivo é de imputar à K, que introduziu, por diversas vezes, alterações às encomendas.
Conforme referiram as testemunhas D. P. e A. P., as encomendas foram executadas pela própria Y e, apesar de testemunha A. P. referir que essas encomendas foram entregues pela Y à K cerca de 3 semanas após o prazo contratado entre elas para o efeito, a K aceitou esse atraso e recebeu o produto (facto este, aliás, corroborado pelo teor do doc. de fls. 113 verso), naturalmente porque certamente não desconhecia que os atrasos verificados na entrega lhe eram, pelo menos, em grande medida imputáveis.
Resulta do que se vem dizendo, improceder este fundamento de recurso.

B.1.4- Impugnação da matéria de facto das alíneas C e D da facticidade julgada provada.

Continua a apelante, impugnando o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, quanto às alíneas C) e D), em que esta deu como não provado que:
“C) A Autora teve sempre uma margem de lucro na ordem dos € 5.000 (cinco mil euros) por encomenda.
D) A “Y” iria colocar mais encomendas à Autora, e por via da presente situação o deixou de fazer, perdendo no mínimo duas coleções”.
Para tanto invoca os depoimentos prestados pelas testemunhas A. P. e P. C. e as declarações de parte do seu gerente, A. M., mas sem qualquer fundamento fáctico possível.
Quanto ao lucro, como bem refere a apelante, as testemunhas A. P. e P. C., mas também a testemunha D. P., afirmaram desconhecer qual o lucro da apelante.
Restam as declarações de parte do gerente da apelante, A. M..
Enuncie-se que mesmo para aqueles que não degradam, à partida, as declarações de parte sem valor confessório e benéficas a quem as presta, e que, portanto, rejeitam a tese do caráter supletivo das declarações de parte sem valor confessório e favoráveis à tese do próprio declarante, sustentando que estas têm essencialmente uma natureza supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, uma juízo de prova daqueles factos e, bem assim, a tese do princípio de prova, de acordo com a qual as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final dos factos favoráveis ao declarante, sendo apenas coadjuvantes da prova desses factos desde que em conjugação com outros meios de prova que os corroborem, e adotam a tese da autossuficiência ou do valor autónomo das declarações de parte, de acordo com a qual as declarações de parte, sem valor confessório e que antes são favoráveis à tese do próprio declarante, ficam sujeitas ao princípio geral de livre apreciação da prova (16), entendem que, na valorização dessas declarações de parte, o tribunal tem de adotar cautelas acrescidas, não podendo ignorar que se está perante declarações que são interessadas.
Ora, para além das enunciadas cautelas que se tem de forçosamente de adotar quanto às declarações de parte prestadas por A. M. quanto aos pretensos lucros que a apelante retiraria, convém relembrar à apelante que A. M. mostrou desconhecer qual o concreto lucro que a apelante retiraria dessas encomendas, falando em 5.000/6.000,00 euros, explicando que o “lucro dependia dos modelos” e que variavam entre 8% a 10%, em função do tipo de encomendas.
Dito por outras palavras, mesmo que se pusesse de parte os cuidados que têm de ser adotados em sede de valoração das declarações de parte sem valor confessório e que são favoráveis ao próprio declarante (sendo certo que, no caso, não existia qualquer razão para aligeirar a exigência probatória na valoração dessas declarações de parte, porquanto, contrariamente ao pretendido pela apelante, não é certo que apenas essas declarações do seu gerente podiam fazer prova desse pretenso lucro, posto que existiam manifestamente outros meios de prova a que aquela se podia ter socorrido para fazer a prova dessa concreta facticidade, nomeadamente, prova documental), A. M. demonstrou não ter certeza sobre a quanto ascenderia esse lucro, limitando-se a fazer uma estimativa, que posiciona entre 8 a 10% e entre 5.000 a 6.000,00 euros, pelo que bem andou a 1ª Instância em concluir pela não prova da facticidade da alínea C.
Passando à facticidade da alínea D), relembra-se à apelante que questionada a testemunha D. P. se foi devido ao comportamento da apelada que a Y deixou de fazer encomendas à apelante, esta respondeu “mais ou menos”, explicitando que “foi a partir desta situação, que foram (a Y) diminuindo as encomendas.
Questionada, posteriormente, após as instâncias dos ilustres mandatários das partes, pela Meritíssima Senhora Juiz do tribunal a quo sobre o que queria dizer com o tal “mais ou menos”, a testemunha D. P. referiu querer significar que “foi por causa desta situação, mas, entretanto, veio a pandemia”.
Note-se que, conforme referiu esta testemunha D. P., mas também A. P., anuladas as seis encomendas foi a Y quem as executou, pelo que face a tudo o quanto supra se disse (bom relacionamento que existia entre, por um lado, a Y e a apelante e, por outro, a apelada, a disponibilidade por esta demonstrada em efetuar as alterações pretendidas pela K, a circunstância de faltarem, à data da anulação das encomendas, ainda pouco mais de duas semanas para o termo do prazo acordado para a entrega pela apelada das cinco primeiras encomendas, e um mês para o termo do prazo acordado para a entrega pela apelada da última encomenda; de ter sido a Y quem executou estas encomendas, entregando-as à K três semanas depois do prazo acordado com a última, sem qualquer problema suscitado pela K, que não ignorava que os atrasos verificados lhe eram, pelo menos, em grande medida, imputáveis, devido às sucessivas alterações que introduziu às peças de vestuário a produzir), suscita-se a fundada dúvida sobre se a decisão de anular as seis encomendas não se deve a uma diminuição de trabalho com que a Y se tenha deparado para dar aos seus próprios trabalhadores.
Termos em que sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada não provada nas alíneas C e D da sentença recorrida.

B.1.5- Impugnação da matéria de facto das alíneas E, F e G da facticidade julgada provada.

Finalmente, a apelante impugna a facticidade julgada não provada pela 1ª Instância, nas alíneas E, F e G, em que esta conclui pela não prova do seguinte:
“E) A Autora deixou de auferir a comissão referida em 44).
F) Devido ao cancelamento da encomenda pela Ré, a Autora deixou de receber encomendas da cliente W, pelo menos de duas coleções, que corresponde a uma perda de cerca de € 3.000 (três mil euros).
G) A Autora perdeu as clientes Y e W, que mantinha há já alguns anos, demorando cerca de um a dois anos a conquistar novo mercado”.

Advoga a apelante decorrer “das regras da experiência comum que o lucro que a Autora iria auferir nesta encomenda deixou de auferir por culpa exclusiva e única da Ré”, que “num ato de clara de má fé cancelou a encomenda que a Autora havia realizado, sem que nada o fizesse prever”, e conclui que, face aos excertos da declarações de parte prestadas por A. M. (que transcreve), se impõe concluir pela prova da facticidade das alíneas E) e F) dos factos julgados não provado pela 1ª Instância.
Quanto à facticidade da alínea G) dos factos julgados não provados, sustenta a apelante que, perante a facticidade constante dos pontos I e H, se impõe concluir pela prova dessa facticidade.
Antecipe-se, desde já, não assistir qualquer razão à apelante nas críticas que assaca a este julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Com efeito, quanto à alegada perda pela apelante da cliente Y, já nos pronunciámos acima, no sentido da não prova que a circunstância desta cliente ter deixado de efetuar encomendas à apelante tenha nexo com a pretensa conduta da aqui apelada.
Quanto ao lucro que a apelante alegadamente deixou de receber em consequência da apelada ter anulado a encomenda do cliente da Finlândia e daquela ter alegadamente perdido esse cliente finlandês, em consequência dessa conduta da apelada, dir-se-á que a única prova que foi produzida nos autos a propósito desta concreta facticidade foram as declarações de parte prestadas pelo legal representante da própria apelante, A. M., em relação às quais valem as considerações e as cautelas acima já enunciadas.
Note-se que a apelante dispunha de múltiplos outros meios de prova para demonstrar em como não chegou a produzir essa encomenda para o cliente finlandês, em consequência da apelada ter anulado unilateralmente a mesma, ficando, assim, privada do lucro que obteria não fora aquela anulação da encomenda deste cliente pela apelada e, bem assim, para provar que, por via desse comportamento da apelada, esse cliente finlandês deixou de lhe efetuar encomendas à apelante, nomeadamente, o depoimento desse cliente finlandês, outra prova testemunhal e/ou documental que atestassem a facticidade em análise.
Acontece que apesar de lhe ser acessível o recurso a essa prova, a apelante não a arrolou, sequer juntou aos autos qualquer prova documental destinada a fazer prova da facticidade em análise, ficando-se pelas declarações de parte do seu legal representante, pelo que bem andou a 1ª Instância em concluir pela não prova desta concreta facticidade.
Resulta do exposto, improceder este fundamento de recurso, pela que se mantêm inalteradas as alíneas E, F e G da facticidade julgada não provada na sentença recorrida.
Aqui chegados, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, que assim se mantém inalterado.
Resta apreciar os erros de direito que a apelante assaca à decisão de mérito proferida na sentença, que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo a apelada desse pedido e, bem assim, do pedido de condenação como litigante de má fé, e que julgou totalmente procedente o pedido reconvencional.

B.2- Do direito.

B.2.1- Questão prévia – incumprimento pela apelante dos ónus impugnatórios do julgamento sobre a matéria de direito previstos no art. 639º, n.º 2 do CPC.

Sustenta a apelada que, a apelante, nas motivações de recurso e nas conclusões, não cumpre com os ónus de impugnação do julgamento da matéria de direito previstos no n.º 2 do art. 639º, posto que, não indica que normas jurídicas terão sido violadas na sentença recorrida, nem indica em que sentido as normas jurídicas nela aplicadas deveriam ter sido interpretadas, nem tão pouco invoca que as normas jurídicas invocadas e aplicadas nessa sentença foram erradamente aplicadas, concluindo, impor-se a consequente rejeição do recurso quanto à matéria de direito.
Que dizer?
Lê-se no art. 639º do CPC que: “1- O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2- Versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3- Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
Decorre deste dispositivo legal que, tal como se impõe ao recorrente, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, em que este tem de cumprir com os ónus impugnatórios fixados no art. 640º, n.º s 1 e 2, al. a) do CPC, também, em sede de impugnação do julgamento da matéria de direito, este tem de cumprir com determinados ónus impugnatórios, que se encontram enunciados no art. 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Assim, versando o recurso sobre matéria de direito, o recorrente tem o ónus de enunciar na motivação e de sintetizar nas conclusões os seguintes aspetos: identificar as questões suscitadas e relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo tribunal a quo, indicar as normas jurídicas violadas, sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar e, perante eventual erro na determinação das normas aplicáveis, indicar as que deveriam ter sido aplicadas (17).
Note-se, porém, que contrariamente ao que acontece no recurso sobre a matéria de facto, em que a lei não prevê despacho de convite ao aperfeiçoamento, pelo que o não cumprimento pelo recorrente dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), sem prejuízo do que acima se deixou dito, determina a imediata rejeição desse recurso, já em sede de impugnação do julgamento da matéria de direito, contrariamente ao pretendido pela apelado, o incumprimento pelo apelante dos ónus impugnatórios previstos no art. 639º, n.º 1 e 2, não determina a imediata rejeição do recurso sobre a matéria de direito, mas antes impõe ao relator que profira despacho de convite ao aperfeiçoamento, convidando o recorrente a suprir as falhas da sua alegação, e só no caso deste não aderir a esse convite, no prazo de cinco dias, determina a rejeição do recurso da matéria de direito impugnada, na parte afetada (n.º 3 do art. 639º).
Posto isto, lidas as alegações de recurso da apelante, verifica-se que esta, independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto, assaca erro de direito à decisão de mérito constante da sentença recorrida, na parte em que julga totalmente improcedente a ação e totalmente procedente a reconvenção, sustentando que, nela, a 1ª Instância, incorreu em violação do disposto nos arts. 798º, 801º, 804º, n.º 1 e 816º do CC, advogando que estes dispositivos legais admitem que a resolução do contrato se “possa estribar em situações de justa causa consistentes na quebra da relação de confiança entre as partes, de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, com apelo ao princípio da boa fé, sem passar pela conversão da mora em incumprimento definitivo”.
Entende a apelante que, perante a facticidade julgada provada pela 1ª Instância na sentença recorrida, lhe assiste o direito a resolver os contratos que celebrou com a apelada, com justa causa, e em abono dessa sua tese, invoca considerações doutrinárias e, bem assim, o acórdão do STJ de 26/02/2004.
A partir dessa sua tese jurídica, a apelante imputa erro de direito à decisão de mérito explanada na sentença recorrida quando julga improcedente a ação e procedente a reconvenção, sustentando impor-se julgar procedente a ação e improcedente a reconvenção.
Mais sustenta a apelante que, a igual solução jurídica se chega, pelos arts. 762º, n.º 2 e 334º do CC, isto é, pelo instituto da boa fé, o qual, como se sabe, é de conhecimento oficioso do tribunal.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que, independentemente da bondade da tese jurídica sufragada pela apelante, contrariamente ao pretendido pela apelada, esta cumpriu, de forma suficiente, com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de direito previstos no art. 639º, nºs 1 e 2 do CPC.
Em todo o caso, ainda que assim não fosse, como é, sempre se impõe referir que o incumprimento desses ónus por parte da apelante, nunca constituiria fundamento legal para se rejeitar o recurso apresentado pela apelante quanto à matéria de direito, mas antes era fundamento para se convidar esta a suprir as insuficiências desse recurso (n.º 3 do art. 639º).
Resulta do exposto, que com a ressalva que se passará de seguida a enunciar, improcede a questão prévia suscitada pela apelada.

B.2.3 – Litigância de má fé – prejudicado.
Na sentença sob recurso, a 1ª Instância julgou improcedente o pedido de condenação da apelada como litigante de má fé.
A apelante pede que se revogue essa decisão, mas não imputa que nela, a 1ª Instância, tenha incorrido em qualquer erro na determinação da norma jurídica eleita para apreciar esse pedido, na interpretação dessa norma jurídica ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada, de onde resulta que o erro de direito que a apelante assaca à decisão de mérito que absolveu a apelada do pedido de condenação como litigante de má fé, estava dependente exclusivamente do prévio sucesso da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e operado pela apelante.
Acontece que não tendo a apelante logrado obter sucesso na impugnação do julgamento da matéria de facto que impugnou, fica impreterivelmente prejudicado o conhecimento do Direito quanto à decisão de mérito que absolveu a apelada do pedido de condenação como litigante de má fé, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2 ex vi art. 663º, n.º 2 do CPC.

B.2.3- Erros de direito quanto à decisão de mérito que julgou improcedente a ação e procedente o pedido reconvencional.
A apelante instaurou a presente ação pretendendo ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu em consequência da resolução, com justa causa, dos seis contratos que celebrou com a apelada, alegando que esta incumpriu esses contratos ao não lhe enviar nenhuma das amostras a que contratualmente se encontrava vinculada, a fim destas serem aprovadas pela sua cliente final (a K), com o que lhe conferiu o direito a resolver esses contratos, com justa causa e, bem assim, a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos em consequência dessa resolução, o que não mereceu a adesão da 1ª Instância.
Entendeu o tribunal a quo que, atenta a facticidade apurada nos autos, não existia fundamento legal para a apelante ter resolvido os identificados contratos, invocando justa causa imputável à apelante, porquanto esta, à data dessa resolução, encontrava-se incursa em simples mora e a apelante não cuidou em converter essa mora em incumprimento definitivo, mediante a interpelação admonitória, sequer se encontra comprovado nos autos a perda do interesse da apelante no cumprimento desses contratos, quando apreciada em termos objetivos, e antes condenou a apelante a satisfazer a indemnização reclamada pela apelada, em sede de pedido reconvencional, pelos prejuízos que sofreu em consequência da resolução ilícita daqueles contratos por parte da apelante, entendimentos esses com os quais não se conforma a apelante, imputando erro de direito ao assim decidido.
A apelante também pretende ser indemnizada pelos prejuízos sofridos em consequência do incumprimento definitivo do contrato que celebrou com a apelada, mediante o qual esta se obrigou a executar para aquela uma encomenda destinada a um seu cliente finlandês, pretensão essa que, igualmente foi desatendida pela 1ª Instância, com fundamento de que, apesar de estar comprovado nos autos o incumprimento definitivo desse contrato por parte da apelada, a apelante não fez prova dos prejuízos que alega ter sofrido em consequência desse incumprimento definitivo do mencionado contrato, com o que também não se conforma a apelante.
Note-se que, na sentença recorrida, não se qualificam os contratos celebrados entre apelante e apelados e em cujo incumprimento as mesmas fundam as suas pretensões indemnizatórias, pelo que urge operar essa qualificação jurídica.
Assim procedendo, dir-se-á que, atenta a facticidade apurada nos pontos 1º a 26º, os contratos celebrados entre apelante e apelada, mediante o qual a primeira adjudicou à segunda as seis encomendas para a produção de vários modelos de t-shirts e sweats, destinadas à cliente daquela, a Y, obrigando-se a apelada a entregar as cinco primeiras encomendas no dia 15/11/2019, e a sexta e última, no dia 29/11/2019, mediante a obrigação da apelante de lhe pagar o preço que acordaram como contrapartida da confeção dessas peças de vestuário, consubstanciam indiscutivelmente contratos de subempreitada, o mesmo se afirmando quanto ao contrato em que a apelada se obrigou perante a apelante a executar as peças de vestuário, destinadas ao cliente desta, de nacionalidade finlandesa.
Na verdade, o art. 1213º do CC, define subempreitada como o “contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”.
O contrato de subempreitada, assim como o contrato de empreitada, são modalidades do contrato de prestação de serviços (art. 1155º), pelo que têm de característico a circunstância de neles uma das partes se obrigar a proporcionar à outra parte certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual (art. 1154º).
No entanto, o requisito essencial do contrato de subempreitada e de empreitada e que, portanto, os distingue e individualiza dos demais contratos de prestações de serviço, traduz-se na circunstância de neles o empreiteiro ou o subempreiteiro se obrigar a proporcionar à outra parte (dono da obra ou empreiteiro, respetivamente) o resultado do seu trabalho intelectual ou manual, e desse resultado se traduzir na “realização duma obra”.
Dito por outras palavras, o que individualiza a empreitada e a subempreitada, enquanto contratos típicos das outras modalidades de contratos de prestação de serviços, é a finalidade/resultado desse contrato, o caráter particular do serviço que ali é prestado, que consiste numa obra (18).
Por “obra” entende-se um resultado material final de criação, a construção ou o melhoramento de uma coisa, estando, portanto, englobado no conceito de obra “não só a construção ou criação, como a reparação ou a demolição de uma coisa”, mas exige-se sempre que se esta se traduza “num resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no art. 1207º” (19).
O outro requisito essencial para que haja empreitada ou subempreitada é que o empreiteiro (na empreitada) e o subempreiteiro (na subempreitada) se obriguem a realizar a obra sem vínculo de subordinação perante, respetivamente, o dono da obra e o empreiteiro, ao contrário do que se verifica no contrato de trabalho.
Finalmente outro dos requisitos do contrato de empreitada e do de subempreitada é a retribuição devida, respetivamente, pelo dono da obra ou pelo empreiteiro, a que a lei dá o nome de preço, e que tem de ser fixado em dinheiro.
Resulta do que se vem dizendo que, os contratos de empreitada e de subempreitada são contratos típicos, onerosos e bilaterais, na medida em que deles emergem para ambas as partes contratantes obrigações sinalagmáticas ou recíprocas, que se traduzem, de um lado, na obrigação do empreiteiro e do subempreiteiro de proporcionarem, respetivamente, ao dono da obra e ao empreiteiro uma obra, e do outro lado, a obrigação destes últimos de pagarem o preço acordado como contrapartida do cumprimento dessa obrigação.
O contrato de subempreitada é um contrato derivado, na medida em que pressupõe um contrato prévio, isto é, o contrato de empreitada, nos termos do qual o empreiteiro se vincula a realizar, perante o dono da obra, uma obra, e daí que a subempreitada seja um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente (o contrato de empreitada), e se compreenda que se diga que a subempreitada é uma empreitada de «segunda mão», que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um «empreiteiro do empreiteiro» (20).
No entanto, apesar da subempreitada ser um contrato subordinado, esta não se confunde com a cessão da posição contratual do empreiteiro, porquanto nesta o empreiteiro originário desaparece da relação contratual, desligando-se do contrato, ficando como partes do negócio apenas o dono da obra e o cessionário, que substitui o empreiteiro.
Na verdade, os contratos de empreitada e de subempreitada não se fundem num único contrato, mas mantém-se individualizados e distintos, gerando-se, com a celebração do contrato de subempreitada, ao lado da relação contratual, que emerge do contrato de empreitada, que intercede entre empreiteiro e dono da obra, uma outra relação contratual (de subempreitada) entre empreiteiro e subempreiteiro, em que não existe nenhum vínculo contratual direto entre dono da obra e subempreiteiro.
Note-se, porém, que embora os contratos de empreitada e de subempreitada se mantenham distintos e individualizados entre si, ambos prosseguem a mesma finalidade, isto é, “apesar de serem contratos distintos, visam ambos a realização do interesse do dono da obra”, em que a subempreitada “enquadra-se no projeto geral, e é de toda a conveniência que esteja com ele harmonizada, de forma a que a sua realização não inutilize o resultado a obter por meio deste. (…). Os contratos de empreitada e de subempreitada estão funcionalizados um em relação ao outro, pois foram celebrados para a prossecução de uma finalidade comum” (21).
Apesar deste vínculo funcional que se verifica entre empreitada e subempreitada, importa precisar que, tratando-se de contratos distintos, e que, por isso, são geradores de relações contratuais distintas, em que inclusivamente o subempreiteiro cumpre a obrigação a que se vinculou sem vínculo de subordinação jurídica, este tem, sob vários aspetos, uma posição autónoma dentro da relação contratual em que interfere, pelo que, pelos atos ilícitos que pratique, responde ele e apenas ele, tal como só ele responde pelo cumprimento das obrigações que contraia com terceiro, na execução da subempreitada (22).
Por último, dir-se-á que sendo o contrato de subempreitada um contrato de tipo idêntico ao da empreitada, aquele fica sujeito ao mesmo regime jurídico aplicável ao contrato de empreitada, exceto no que tange às disposições legais que, por sua natureza, não podem ser aplicáveis à subempreitada, o que significa que, à subempreitada aplicam-se as normas especiais dos arts. 1207º e ss. do CC, exceto aquelas que, por natureza, não lhe possam ser aplicadas e, bem assim, as gerais relativas ao cumprimento e ao incumprimento das obrigações, que com as primeiras se não revelem incompatíveis (23).
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso dos autos, tendo a apelante solicitado à apelada a produção de vários modelos de t-shirts e sweats, as quais se destinavam à cliente final da primeira, a saber, a Y, efetuando-lhe seis encomendas desse tipo de vestuário, e tendo a apelada assumido perante aquela a obrigação de executar essas peças de vestuário e a entregá-las, quanto às primeiras cinco encomendas, no dia 15/11/2019, e quanto à última encomenda, no dia 29/11/2019, mediante o preço unitário de peça de vestuário a produzir que se encontra discriminado no ponto 5º, é indiscutível que os contratos em referência consubstanciam contratos de subempreitada, em que a apelante assume a posição de “empreiteira” e a apelada a de “subempreiteira”, na medida em que mediante a celebração desses acordos de vontade a última obrigou-se a executar uma “obra” para a apelante, obra essa que consiste mais concretamente na fabricação/produção das mencionadas peças de vestuário, mediante a obrigação da apelante (empreiteira) de lhe pagar o preço acordado como contrapartida da execução dessas peças de vestuário (24).
Nos termos dos contratos de subempreitada celebrados, a apelada obrigou-se, na execução daquela obra (fabrico das t-shirts e sweats) a seguir o processo produtivo que se encontra descrito no ponto 25º da facticidade apurada.
Acontece que, em 23/10/2019, a apelada ainda não tinha entregue à apelante as protos e os size sets das peças de vestuário a produzir (cfr. ponto 31 da facticidade apurada), isto é, não tinha ainda efetuado as duas amostras finais das t-shirts e das sweats a produzir, destinadas a serem aprovadas pela cliente final da apelante – a Y -, e sem cuja aprovação a apelada não podia dar início à produção dessas peças de vestuário, pelo que a apelante, em 29/10/2019, resolveu os contratos de subempreitada celebrados, invocando justa causa, com os fundamentos que se encontram discriminados no ponto 32º da facticidade apurada, a saber: a circunstância de “até ao dia de hoje não recebemos nenhuma amostra de confirmação, strike off, amostras retificadas, size set ou pré-produção; até ao dia de hoje, 29 de outubro, não existe um único modelo aprovado ou que se possa avançar para a produção; temos recebido um tratamento inapropriado do processo produtivo, nomeadamente bloqueio sistemática de informações relativo às encomendas, incumprimento de prazos de envio de amostras, strike offs, entre outros, dado que, neste momento, é impossível respeitar datas de entregas e a fim se evitar que as mesmas ultrapassem o limite de atrasos aceites pelo cliente, não me deixam outra alternativa se não anular as seguintes encomendas: (…)”.
Como é sabido, a resolução do contrato é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato (25).
O direito à resolução tanto pode resultar da lei, como de convenção das partes (art. 432º, n.º 1), o que significa que, ou as partes convencionam no próprio contrato as causas que lhes conferem o direito a resolver o contrato, ou apenas podem recorrer ao direito de resolução nos casos expressamente previstos na lei.
A resolução é, portanto, um poder vinculado, em que aos contratantes apenas assiste o direito a recorrer a essa modalidade de destruição unilateral da relação contratual quando se encontrem preenchidos os requisitos que acordaram, no contrato, para esse efeito (em caso de resolução fundada em convenção das partes) ou quando se encontrem preenchidos os requisitos previstos na lei para o nascimento do direito do credor à resolução do contrato (resolução fundada na lei).
Por outro lado, é à parte que resolve o contrato que incumbe o ónus da alegação e da prova da facticidade essencial, constitutiva do direito à resolução, a que se arrogou titular e que exerceu (arts. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 1 do CC), ou seja, no caso, à apelante.
No caso dos autos, não tendo nos contratos de subempreitada apelante e apelada estabelecido qualquer cláusula resolutiva dos identificados contratos de subempreitada, a apelante exerceu o direito à resolução dos mesmos com fundamento no n.º 2 do art. 801º do CC.
É absolutamente pacífico que o direito do credor a resolver o contrato, a que alude o n.º 2 do art. 801º, apenas surge com o denominado incumprimento definitivo, que não o simples atraso ou mora do devedor no cumprimento (26), a propósito do que, aliás, não ocorre qualquer dissenso entre apelante e apelada, tendo sido este o entendimento que igualmente foi seguido pela 1ª Instância na sentença sob sindicância.
Acontece que, nessa sentença, entendeu o tribunal a quo que, não tendo a apelada entregue, à data da resolução dos contratos pela apelante, em 29/10/2019, as amostras do vestuário a fabricar denominadas “porto” e “size set”, ocorria uma situação de simples mora da parte daquela, a qual não conferia à apelante o direito a resolver os mencionados contratos de subempreitada, entendimento esse com o qual dissente a apelante, sustentando que, por apelo aos princípios da boa fé e ao instituto do abuso do direito, o enunciado comportamento inadimplente da apelada consubstancia efetivo incumprimento definitivo dos contratos celebrados, mas, antecipe-se desde já, sem manifesto arrimo jurídico.
Na verdade, contrariamente ao entendimento sufragado pela 1ª Instância, perscrutada a facticidade apurada, na perspetiva desta Relação, a circunstância de a apelada não ter ainda executado aquelas duas amostras, na data em que a apelante resolveu os identificados contratos, em 29/10/2019, nem sequer permite concluir que esta se encontrasse numa situação de mora.
Com efeito, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 804º do CC, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe é imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada em tempo devido.
Acontece que, apesar da apelada se ter obrigado a executar as peças de vestuários que lhe foram encomendadas e adjudicadas pela apelante, seguindo o processo produtivo que se encontra discriminado no ponto 25º da petição inicial, isto é, fazendo as diversas amostras aí previstas para que as mesmas fossem apresentadas pela apelante à sua cliente final (Y), que as aprovaria ou não, e de apenas poder iniciar o processo produtivo das peças de vestuário encomendadas, uma vez executadas e aprovadas todas essas amostras pela dita cliente final, até à aprovação da denominada “amostra de confeção” (cfr. pontos 25º e 26º da facticidade apurada), o certo é que nos contratos de subempreitada celebrados, as partes não convencionaram qualquer prazo para a apelada executar e apresentar as mencionadas amostras para aprovação pela cliente final da apelante.
O único prazo a que a apelada se vinculou perante a apelante foi o de entregar as peças de vestuário que se obrigou a executar para aquela, relativas às cinco primeiras encomendas, no dia 15/11/2019, e as peças de vestuário, relativas à última encomenda, no dia 29/11/2019 (cfr. ponto 6º da facticidade apurada).
Ora, faltando à data da resolução dos contratos de subempreitada por parte da apelante, invocando justa causa, fundado em incumprimento contratual definitivo que imputa à apelada, duas semanas e pouco para o termo do prazo acordado para que a apelada lhe entregasse as cinco primeiras encomendas de vestuário, e um mês para o termo do prazo acordado para a entrega das peças de vestuário relativas à última encomenda, e não tendo a apelante feito prova que, dentro desse prazo, era impossível à apelada produzir e obter a aprovação das amostras que então se encontravam em falta e produzir as peças de vestuários de modo a entregá-las à apelante dentro do prazo para tanto acordado, não se pode concluir que, na data da resolução dos identificados contratos de subempreitada, a apelada se encontrasse em mora.
De resto, cumprindo ao subempreiteiro, assim como ao empreiteiro, executar a obra a que se vinculou perante, respetivamente, o empreiteiro e o dono da obra, com autonomia, isto é, sem se encontrar submetido ao vínculo da subordinação perante os últimos, era à apelada que cumpria organizar, como bem entendesse, o seu serviço, por forma a executar o processo produtivo das encomendas a que se vinculou perante a apelante (empreiteira), nomeadamente, diligenciando para que as amostras fossem por si executadas e apresentadas para aprovação da cliente final da obra (a Y), e fossem por esta tempestivamente aprovadas, de modo a poder executar as encomendas de forma a poder entregá-las à apelante nas datas para tanto acordadas, sem que à apelada, enquanto empreiteira, assistisse o direito a interferir nesse processo produtivo e sem que ocorresse incumprimento contratual, isto é, mora, enquanto esse prazo acordado para a entrega das peças de vestuário não se mostrasse decorrido e, consequentemente, a apelada entrasse em inadimplência.
Sustenta a apelante que assim não é, apelando ao disposto no n.º 2 do art. 762º do CC, nos termos do qual, tanto no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, mas sem razão, uma vez que aquela nem sequer provou que, em 29/10/2019, data em que resolveu os contratos de subempreitada celebrados com a apelada, invocando justa causa, não fosse possível à última proceder à entrega das encomendas nas datas para tanto acordadas (cfr. alínea B da facticidade não apurada), pelo que, de nada lhe vale apelar ao instituto da boa fé.
De resto, se atuação da má fé existe é da parte da própria apelante, que não levou em devida consideração que foram solicitadas alterações pela sua cliente final às peças de vestuário a produzir, levando a execução de novas amostras por parte da apelada (cfr. pontos 45º e 46º da facticidade apurada), o que naturalmente gerou atrasos no processo produtivo das peças de vestuário encomendadas.
Em abono da sua tese, invoca a apelante o acórdão do STJ de 26/02/2004, Proc. 03B4157, cujo teor, salvo o devido respeito por entendimento contrário, em nada contraria o que acabamos de dizer.
Com efeito, nesse acórdão escreve-se precisamente que “o direito do credor de resolver o contrato, a que alude o n.º 1 do art. 801º, apenas surge com o denominado incumprimento definitivo, que não com o simples atraso ou mora do devedor. A tónica da distinção incide na possibilidade ou impossibilidade, vista à luz do interesse do credor, de cumprir. Assim, podemos considerar que existe simples retardamento ou mora quando a prestação, ainda possível no contexto da obrigação, não foi feita no tempo devido; em contrapartida, verifica-se a impossibilidade de cumprimento ou incumprimento definitivo quando a prestação, não tendo sido efetuada, já não é possível no contexto da obrigação”. De seguida, nesse aresto, sustenta-se, o que se subscreve e aplaude, que existem situações concretas “em que o mero retardamento da prestação, porque inviabiliza o contexto da obrigação assumida, tornando-a impossível porque sem interesse para o credor, se traduz, desde logo, em incumprimento definitivo”, e conclui-se que, esse será o caso das “obrigações derivadas de contratos de execução continuada celebrados intuitus personae ou que pressupõem uma relação de confiança e de colaboração estreita, ou pressupõem certas qualidades de honorabilidade, confidencialidade, etc., que são fundamentais para a consecução da finalidade contratual pelos quais se constitui uma relação de confiança recíproca e de colaboração, em que muito contam as qualidades pessoais dos contratantes e porventura até as suas relações sociais e a sua solidez financeira. É que destes contratos surge uma obrigação de conteúdo mais amplo: uma abstenção de qualquer comportamento que faça desaparecer aquela relação de confiança, um dever genérico de correção, lealdade e de boa fé, dado o caráter de meio indispensável à consecução do fim do contrato, a que podemos conferir o valor de uma obrigação principal. Nestes contratos (tal como especial de prestação de serviços de prestações profissionais como os do médico, advogado ou do que acompanha e trata de pessoa doente e incapacitada de se locomover) todo o comportamento que afete gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução”.
Destarte, conforme decorre do teor deste aresto, nele sustenta-se aquela que é a posição doutrinal e jurisprudencial pacífica e que é a que por nós também é sufragada, de que o direito à resolução do contrato, que é conferido pelo art. 801º do CC, ao credor, pressupõe uma situação de incumprimento definitivo do contrato pelo devedor, não se bastando com uma situação de simples retardamento ou mora do devedor no cumprimento.
Nesse acórdão discute-se situações em que a simples mora, faz incorrer o devedor inadimplente, de imediato, em incumprimento definitivo do contrato, conferindo ao credor o direito a resolver, de imediato, o contrato celebrado, com justa causa.
Acontece que as situações em que, nesse acórdão, se defende a solução de que a mora deve equivaler a incumprimento definitivo do contrato, referem-se a contratos de prestação de serviço em que as prestações incumpridas têm uma natureza eminentemente pessoal e de conteúdo permanente, como é o caso dos contratos celebrados com um médico ou o advogado ou com pessoas contratadas para tratar de pessoas doentes, acamadas ou que, fruto da idade, não possam prover às suas necessidades.
Trata-se pois de relações contratuais de caráter muito específico, que pressupõem uma relação forte de pessoalidade e de confiança entre os contraentes, que nada têm a ver com o contrato de empreitada ou de subempreitada ou com o objeto destes, até porque, embora nestes tipos contratuais se dê relevo ao caráter intuito personae, admite-se que a obra possa ser realizado por terceiro, contanto que o dono da obra (ou, no caso de subempreiteiro, o empreiteiro) dê o seu assentimento tácito ou expresso a que assim seja (27).
Em defesa da sua tese invoca ainda a apelante o instituto do abuso do direito, mas mais uma vez, sem qualquer arrimo jurídico possível, conforme se passa a demonstrar.
Com efeito, o instituto do abuso de direito encontra-se previsto no art. 334º do CC e visa obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que confere um direito subjetivo a uma determinada pessoa, na normalidade das situações, seria ajustado, mas na concreta relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, o exercício do direito em causa, pelo modo como é exercitado, se revela injusto e fere o sentimento de justiça dominante na sociedade.
O abuso de direito configura, assim, uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o legislador visa obtemperar a injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social e dar remédio à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício do direito por lei conferido a uma determinada pessoa, numa particular situação em que esta o exerce.
No abuso de direito não está em causa a violação de um direito de outrem, sequer a ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas o exercício anormal de um direito por parte do seu titular, por o exercitar em termos reprovados pela ordem jurídica, na medida em que, embora o exerça respeitando a estrutura formal do direito em causa, atentas as particularidades do caso concreto, viola a afetação substancial, funcional ou teleológica do mesmo.
É assim que o art. 334º do CC estabelece em termos amplos que “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Decorre expressamente desta norma que os titulares de um direito encontram-se condicionados, no respetivo exercício, aos limites decorrentes da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito que lhes é reconhecido pela ordem jurídica, de modo que, quando esses limites sejam ultrapassados, não sejam observados, ainda que o exercício do direito seja formal e aparentemente legítimo, não o é material e substancialmente, impondo-se a neutralização desse exercício, declarando-o ilícito, com as consequências de todo e qualquer ato ilegítimo, máxime, em sede indemnizatória.
Um dos limites impostos ao titular do direito é a boa-fé.
Atuar de boa fé é fundamentalmente a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade dos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos.
Trata-se de uma cláusula geral de direito privado que cabe às partes observar tanto na conclusão do contrato, como nos seus preliminares, na formação deste (art. 227º do CC), assim como na respetiva execução (art.762º do CC).
A boa-fé configura, assim, um conceito indeterminado que cabe ao intérprete preencher casuisticamente, de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto e as convicções historicamente dominantes em cada momento histórico.
Agir de boa-fé, conforme é entendimento dominante, significa atuar com diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
Por sua vez, os bons costumes são as regras morais e de conduta social, generalizadamente reconhecidas, em dado momento, numa determinada sociedade histórica.
Trata-se do conjunto de regras de comportamento social, familiar e deontológico que, não estando codificadas, são consensuais, pelo menos, nos casos limite, numa determinada sociedade e num dado momento histórico e que, por isso, são acolhidas pelo direito.
O fim social ou económico do direito tem a ver com a configuração real do direito, a apurar através de interpretação. Existem direitos acentuadamente subordinados à prossecução de determinado fim ou fins, como acontece, por exemplo, quanto aos respeitantes ao exercício das responsabilidades parentais. Já noutros, reconhece-se uma maior liberdade de atuação ou decisão ao titular desse direito, como é o caso dos direitos potestativos, direito de propriedade, etc.
Por conseguinte, se um direito é atribuído com um determinado fim, já não existirá direito quando o titular deste desrespeitar a norma constitutiva do direito em causa, isto é, o fim para que a norma o atribui e reconhece a um determinado sujeito.
Note-se, contudo, que reconhecendo a ordem jurídica um determinado direito a um dado sujeito, não é qualquer exercício anormal deste pelo seu titular que acarreta um exercício abusivo do direito em causa e que impõe a neutralização desse exercício por apelo ao instituto do abuso do direito.
Na verdade, para que seja consentida essa neutralização torna-se imprescindível que o abuso seja “manifesto”, isto é, que o direito seja exercitado pelo seu titular em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Conforme decorre do que se vem dizendo, o instituto do abuso de direito pressupõe que um determinado sujeito seja efetivamente titular de um direito, mas o exerça de forma abusiva e visa neutralizar o respetivo exercício.
Ou seja, o instituto do abuso de direito não confere direitos, mas neutraliza, em determinadas circunstâncias específicas, o exercício do direito pelo seu efetivo titular.
Ora, à data da resolução dos contratos de subempreitada pela apelante, invocando justa causa, por incumprimento contratual que imputa à apelada, não se encontrando esta última, à data dessa resolução, nem sequer constituída em mora e, por via disso, não estando conferido à apelante o direito a resolver os contratos de subempreitada celebrados (para o que, reafirma-se, não bastaria a simples mora da apelada, mas exigia-se que esta estivesse em incumprimento definitivo desses contratos), naturalmente que, contrariamente ao que parece ser o entendimento da apelante, o instituto do abuso de direito não tem a virtualidade de lhe conceder o direito à resolução daqueles contratos, com fundamento em justa causa, mas, pelo contrário, caso esse direito lhe assistisse (o que não é o caso), podia ser fundamento para o neutralizar, levando a que se considerasse que, atentas as particularidades do caso em que esta exerceu o direito à resolução, o exercício desse direito à resolução seria ilícito.
Destarte, tendo a apelante resolvido os contratos de subempreitada que celebrou com a apelada, atinentes às referidas seis encomendas, quando esse direito de resolução não lhe assistia, porquanto nem sequer se encontra demonstrado nos autos que a apelada se encontrasse constituída em mora, tal como decidido pela 1ª Instância, essa resolução é ilícita, fazendo incorrer a apelante em incumprimento contratual definitivo perante a apelada (arts. 406º, n.º 1 e 798º do CC) e na consequente obrigação de a indemnizar pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes que esse incumprimento definitivo dos contratos de subempreitada lhe acarretaram.
Deste modo, tal como decidido, não só à apelante não assiste o direito a ser indemnizada pelos pretensos prejuízos que alegadamente sofreu em consequência da pretensa resolução dos contratos de subempreitada celebrados, com justa causa, como sobre si impende a obrigação de indemnizar a apelada pelos prejuízos que lhe causou em consequência da resolução ilícita desses contratos, ou seja, a pagar-lhe a quantia global de 17.644,35 euros, que a apelada suportou na aquisição de malhas e de outro material para poder executar as encomendas que ilicitamente foram anuladas pela apelante (cfr. alíneas 52º a 53º da facticidade apurada), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 21/11/2019 até integral pagamento.
Note-se que ao reclamar essa indemnização correspondente aos danos emergentes que sofreu em consequência da resolução ilícita dos contratos de subempreitada celebrados por parte da apelante, a apelada não atua em qualquer abuso de direito, porquanto esse direito lhe assiste efetivamente, a apelante resolveu os contratos quando a apelada nem sequer se encontrava constituída em mora, e quando se verifica que no dia 28/10/2019, ou seja, na véspera da resolução dos contratos pela apelante, invocando justa causa, a cliente desta, a Y, solicitou à apelada que esta fizesse uma nova alteração à amostra que a última executara a seu pedido, e onde já tinha introduzido alterações ao projeto inicial (cfr. pontos 45º e 46º da facticidade apurada), o que é bem demonstrativo da boa fé e da colaboração da apelada para com a apelante e a cliente final desta, a qual, contudo, desvalorizando, ou quiçá, olvidando essas sucessivas alterações que iam sendo introduzidas às peças de vestuário encomendadas, decidiu resolver os contratos de subempreitada celebrados, quando a apelada nem sequer se encontrava em mora.
Resta apreciar o contrato de subempreitada celebrado entre a apelante e a apelada, em que esta se obrigou a executar uma encomenda para um cliente finlandês da apelante.
A apelada recusou-se a executar essa encomenda, sem que o problema da Y ficasse resolvido (cfr. pontos 42º e 44º da facticidade apurada).
Os contratos de subempreitadas celebrados entre apelante e apelada relativos às seis encomendas destinadas à Y, são totalmente autónomos e distintos do contrato de subempreitada celebrado entre ambas relativo à encomenda para o cliente finlandês da primeira, pelo que a circunstância da apelante ter resolvido ilicitamente aqueles primeiros contratos não conferia à apelada o direito a recusar-se a cumprir este último contrato.
Ao agir da forma descrita, a apelada manifestou o propósito expresso, claro e perentório de que não iria cumprir o contrato de subempreitada referente à encomenda para o cliente finlandês da apelante.
Ao assim proceder, a apelada incorreu em incumprimento definitivo do mencionado contrato de subempreitada, constituindo-se na obrigação de indemnizar a apelante pelos danos emergentes e lucros cessantes que esta sofreu em consequência desse incumprimento definitivo do identificado contrato (arts. 406º, n.º 1 e 798º do CC.).
Acontece que não tendo a apelante feito prova em como em consequência desse incumprimento definitivo do contrato de subempreitada por parte da apelada tivesse sofridos os prejuízos que dela reclama, como era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), tal como bem decidiu a 1ª Instância, impõe-se concluir pela improcedência desse pedido.
Aqui chegados, resulta do exposto que, embora com fundamentos não totalmente coincidentes com os sufragados pela 1ª Instância, ao concluir pela total improcedência da ação e pela total procedência da reconvenção, a decisão de mérito constante da sentença recorrida não padece de nenhum dos erros de direito que a apelante lhe assaca, pelo que improcede este fundamento de recurso.
Em suma, em face do que se vem dizendo, impõe-se concluir pela total improcedência da presente apelação e confirmar a decisão de mérito constante da sentença recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 03 de fevereiro de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias (relator)
Rosália Cunha (1ª Adjunta)
Lígia Venade (2ª Adjunta)



1. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI, a que se referem todos os arestos infra, sem menção em contrário.
2. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1.
3. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797.
5. António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228.
6. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8.
7. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
8. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, em que se lê que este “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1.
9. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
10. Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1.
11. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 797 e 798, nota 6.
12. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1.
13. Neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último ainda inédito.
14. Ac. STJ de 19/12/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1.
15. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
16. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 552.
17. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 794.
18. Ac. STJ. de 05/03/2013, Proc. 575/10, Sumários, 2013, pág. 174; de 18/02/2014, Proc. 22971/10, Sumários, 2014, pág. 133.
19. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 788.
20. Pedro Romano Martinez, “Contrato de Empreitada”, Almedina, 1994, pág. 115.
21. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 116.
22. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 805.
23. Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 124 e 125; Ac. STJ de 06/03/2007, CJ/STJ, 2007, t. 1º, 84.
24. Ac. RG. 13/11/2002, SI, n.º 295, pág. 168, em que se lê: “Configura um contrato de empreitada o acordo celebrado entre as partes, segundo o qual a ré fabricaria para a autora determinado tipo de calçado que esta destinava a transacionar no estrangeiro, ou seja, em que a obrigação da ré era a de realizar uma obra para a autora, agindo com total independência, embora com o intuito de transferir o produto acabado para a esfera jurídica da demandante”.
25. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, pág. 275. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª d., Almedina, pág. 1298, em que define resolução do contrato como “uma forma de extinção dos contratos por vontade unilateral e vinculada (a um fundamento legal ou convencional) de um dos contraentes, sendo, em princípio, os seus efeitos retroativos, isto é, tudo se passando como se o contrato resolvido tivesse sido declarado nulo ou anulado”.
26. Galvão Telles, “Obrigações”, 3ª ed., pág. 412; Antunes Varela, ROA, 1985, 1º, pág. 191; Batista Machado, RLJ, 118, pág. 281, nota 16; Ac. STJ. de 26/02/2004, Proc. 03B4157.
27. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 804.