IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DOAÇÃO DE IMÓVEL
PRAZO DE CADUCIDADE
ATO IMPEDITIVO
DAÇÃO EM PAGAMENTO
Sumário


1. Estando em causa a impugnação pauliana de uma doação de imóvel, o prazo de caducidade de 5 anos conta-se a partir do momento da celebração do negócio.
2. O ato impeditivo da caducidade é a propositura da ação, materializada com a entrada, na secretaria do tribunal judicial, da petição inicial. É com a propositura da ação em juízo que se materializa a intenção do credor de atacar a eficácia do negócio no que a si diz respeito.
3. A dação em pagamento, não contemplando expressamente a satisfação integral do crédito, consubstanciou uma novação da dívida.
4. Consubstanciando a doação um ato gratuito, a impugnação procede, ainda que as partes tenham agido de boa-fé, sendo inequívoco o empobrecimento dos doadores face à inexistência de outros bens suscetíveis de satisfazer o crédito do aqui recorrido.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório:

Banco …, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Quinta …, Edifício …, instaurou a presente ação de impugnação pauliana, sob a forma comum, com pedido de citação urgente, contra D. R., divorciada, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ……., residente na Rua …, Braga, M. O., casado, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º …….., residente na Rua …, em …, Braga, B. M., solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ………, residente na Rua …, em ..., Braga, e L. C., casada, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ……, residente na Rua …, em …, Braga, peticionando se declare ineficaz em relação ao autor a doação feita pelos 1ª e 2º réus ao 3º e 4ª réus, bem como o direito de usufruto e, bem assim, declarar-se o direito do autor praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizado por lei e de executar o bem imóvel no património do 3º e 4ª réus no que for necessário para satisfazer o seu crédito. Mais requereu a citação urgente dos réus.

Alega, em suma, que é titular de crédito sobre os 1ª ré desde 13/03/2009, sendo que o aludido crédito, na sequência de contrato de datio pro solvendo, foi o veículo a cuja compra se destinou o mútuo na origem do seu crédito vendido, possibilitando abater à dívida a quantia de € 6.415,50, pelo que permaneceu em dívida o valor de € 2.400,44, que a 1ª ré deveria liquidar em 67 prestações, mensais, sucessivas e iguais de € 52,53, sendo que aquela não pagou a prestação vencida em 05/11/2014 nem as subsequentes, razão pela qual o contrato foi resolvido em 26/05/2015, posto o que deu entrada requerimento de injunção contra a primeira ré, que apresentou oposição, vindo, contudo, a confessar a dívida na audiência de discussão e julgamento, pelo que foi proferida sentença que a condenou a pagar ao autor a quantia de € 3.567,97, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Como a ré não pagasse a quantia a que alude a sentença condenatória ali proferida, o autor instaurou ação executiva, que corre termos sob o n.º 2968/17.9T8VNF, no âmbito da qual nada foi recuperado, estando em dívida, por referência a 25/08/2020, a quantia de € 6.870,63.
A verdade, porém, é que em 04/09/2015 a 1ª e 2º réus doaram aos filhos 3º e 4ª réus, por conta da quota disponível, o prédio urbano onde reside a autora, que avaliaram em 93.420,00, reservando para si o usufruto vitalício sobre o referido prédio, estando a doação e o usufruto devidamente registados.
Embora a primeira ré tenha sido notificada para o requerimento de injunção antes ainda da outorga da escritura de doação, a verdade é que o crédito do autor remonta a 13/03/2009, sendo, consequentemente, muito anterior ao ato de disposição patrimonial impugnado que, por ser gratuito, prescinde do dolo.
Mas, alega, ainda que assim não fosse a verdade é que a doação não teve outro fito que não o de impedir a satisfação dos créditos que os credores, de entre os quais o autor, detinham ou detêm sobre a 1ª ré.
Não houve qualquer intuito de doar o prédio por parte dos 1ª e 2 º réus, nem vontade de o adquirir por parte do 3º e 4ª réus, filhos dos primeiros, o que é tão mais claro se pensarmos que à data da outorga da escritura já a 1ª ré fora notificada para o procedimento de injunção, sabendo igualmente que não tinha outro património que não o imóvel doado.
Conclui que houve efetivamente conluio entre os outorgantes, salientando, até que o divórcio entre 1ª e 2º réus é de 26/05/2004 e que o 2º réu casou em 04/05/2009, pelo que nenhum outro sentido pode atribuir-se à doação com a dilação temporal em que ocorreu.
O imóvel doado, que constituía o único património da 1ª ré e que na doação foi avaliado em € 93.420,00, tem o valor patrimonial tributário de € 94.821,30, estando registadas duas hipotecas a favor da Caixa…, uma com o valor máximo assegurados de PTE.: 12.982.500$00 e outra com o valor de € 36.046,08, pelo que o bem – e assumindo-se que os créditos garantidos vêm sendo pagos – seria suficiente para satisfazer o crédito do autor.
Peticiona por isso a procedência da presente ação.
Devidamente notificados, vieram os quatro réus apresentar contestação conjunta, no âmbito da qual invocam, desde logo, a exceção de caducidade do direito de instaurar a presente ação e, por outro lado, note-se, que sem questionar a existência dos créditos que o autor alega deter contra a 1ª ré, excecionam afirmando que o crédito anterior se extinguiu aquando da datio pro solvendo e que o crédito que subsiste só foi confessado em 03/01/2017, pelo que só nessa data terá emergido.
No mais refutam, veementemente, que tenham agido com dolo, afirmando que a outorga da escritura de doação não é mais do que o concretizar de um contrato promessa de partilha, promessa muito anterior à data em que a 1ª ré se constituiu devedora perante o autor.
Concluem, pois, pela insubsistência dos pressupostos de que dependeria a procedência da pretensão da autora mesmo que não estivesse, como entendem estar, caduco o seu direito.
Em resposta, veio o autor pugnar pela improcedência da exceção de caducidade.

Foi prolatado saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto acima, julgo a presente ação de impugnação pauliana procedente, por provada, e, em consequência, declaro ineficaz em relação ao autor a doação efetuada por D. R. e M. O. a B. M. e L. C., bem como o direito de usufruto, mais declarando assistir ao autor o direito de praticar os atos de conservação da garantia patrimonial legalmente admissíveis e de executar o Prédio Urbano sito na Rua …, n.º(s) .. e .., na freguesia de ..., no concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana com o art. … da freguesia de ... e ..., no património de B. M. e L. C., no que for necessário para satisfazer o seu crédito.
Custas a cargo dos réus (art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Valor da ação: € 6.870,63 (artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.

Inconformados com a decisão, os réus recorreram, formulando as seguintes conclusões:
Em síntese e na substância o presente Recurso tem como finalidade obter a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.
É, que, no rigor fáctico e jurídico a Meritíssima Juiz do Tribunal a Quo jamais poderia julgar totalmente procedente a ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.

Senão vejamos:

A ação de impugnação pauliana sub judice, padece de vícios que, ab initio, determinam, sem mais, a total improcedência da mesma.

Da caducidade do direito de ação de impugnação pauliana.

Dispõe o artº 618º do Cód. Civil que:

«O direito de impugnação pauliana caduca ao fim de cinco (5) anos, contados do ato impugnável».

O caso em apreço assenta que nem uma luva no espírito e na letra do preceito legal supratranscrito.
Objetivamente, o ato impugnado – doação – foi celebrado em 04/setembro/2015.
Nesta conformidade e à luz daquele preceito legal, o direito de impugnação pauliana caducou no dia 03 de setembro de 2020.
Sucede que, a Ré L. C., apenas foi citada relativamente à ação de impugnação pauliana no dia 11 de setembro de 2020.
Face ao exposto e atento o previsto no artº 618º do Cód. Civil, dúvidas não há nem pode haver que o direito de impugnação pauliana caducou, dado que a Ré foi citada para a respetiva ação decorridos mais de cinco (5) anos após de ter sido celebrado o ato impugnável – doação –.

Da ausência dos pressupostos legalmente exigidos para que opere o mecanismo jurídico da impugnação pauliana.

Pressupostos da impugnação pauliana:
a) Existência de um crédito.
b) Anterioridade do crédito relativamente ao ato impugnado.
c) Se o crédito for posterior, tendo sido o ato dolosamente praticado com o fim de
impedir a satisfação do direito do futuro credor.
Regressando ao caso em apreço, resulta claro que o crédito no qual o Autor se respalda para justificar a impugnação pauliana, pura e simplesmente, não existe.
De facto, resulta dos próprios autos que os contratos de crédito celebrados
entre a 1ª Ré e o Autor no passado dia 13/03/2009 e 13/09/2019, foram resolvidos e
extintas as respetivas dívidas.
Todavia, o Autor, bem sabendo que aquele crédito e respetivas dívidas se encontram extintas, à cautela, alega que, da resolução daqueles contratos de crédito e extinção das respetivas dívidas, «sobreviveu» nova dívida resultante de requerimento injuntivo a qual apenas se consolidou na esfera jurídica do Autor em 23 de janeiro de 2017.
A tese da «sobrevivência» das dívidas extintas revela-se juridicamente absurda, sendo, por isso, racional e legalmente inaceitável.
Face ao exposto, resulta claro dos próprios autos que o crédito no qual o Autor se estriba para justificar a ação de impugnação pauliana é posterior à data em que foi celebrado o ato impugnável – doação -.
Objetivamente o ato impugnável – doação – verificou-se em 04/setembro/2015 e o crédito do Autor no qual se respalda para justificar a ação de impugnação pauliana apenas se consolidou na esfera jurídica do mesmo em 23 de janeiro de 2017.
Nestas circunstâncias, dúvidas não há, nem pode haver que o crédito do Autor é posterior à data em que se verifica o ato impugnado – doação –.

Do ato – doação – não doloso.
A 1ª Ré e Segundo Réu, no passado ano de 2004, através de documento autêntico – divórcio por mútuo consentimento homologado pela Exmª Srª Conservadora da Conservatória do registo Civil da Maia, obrigaram-se a doar aos 3º e 4º Réus, o imóvel/prédio urbano objeto da impugnação pauliana.
Naquela data – 2004 – a 1ª Ré não conhecia o Autor e jamais equacionava a possibilidade de um dia – seis (6) anos mais tarde – celebrar um contrato de mútuo com aquele.
Nestas circunstâncias, jamais poderia ser equacionada a possibilidade de o ato – doação – ter sido dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
Objetivamente, no passado ano de 2004, quando a 1ª Ré e 2ª Réu se obrigaram perante os 3º e 4º Réus a outorgar escritura de doação a favor destes do prédio urbano objeto da mesma, o Autor não existia como credor.
No passado ano de 2015, quando foi formalizado aquele ato – doação – o Autor também não existia como credor, dado que o crédito que justifica a ação de impugnação pauliana apenas se consolidou na esfera jurídica daquele em 2017.
Neste quadro fático, não subsistem dúvidas sobre a ausência clara e inequívoca dos pressupostos lealmente exigidos para que opere o mecanismo jurídico da impugnação pauliana.
Toda esta matéria consta da P. I. e da contestação apresentada pelos Réus.
Tal matéria deveria ser apreciada em sede de audiência de discussão e julgamento conjugando a mesma com o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pelas partes.
Sucede que, a Meritíssima Juiz, entendeu que a prova carreada para os autos pelas partes permitia o conhecimento da exceção de caducidade então invocada assim como do mérito da causa e, nesse sentido proferiu saneador sentença nos termos do artº 595º, nº 1, alínea a) b) do Cód. Proc. Civil.
Todavia, mais uma vez com o devido respeito e, é muito, a Meritíssima Juiz, julgou erroneamente a matéria de facto carreada para os autos pelas partes.
Com efeito, só o julgamento erróneo daquela matéria de facto pode justificar o saneador sentença que declarou totalmente procedente a ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.
O julgamento escorreito da matéria de facto carreada para os autos pelas partes, conduziria a declaração de total improcedência da ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.
Em suma, são estes os fundamentos pelos quais os Recorrentes peticionam a revogação da decisão recorrida, sendo proferido acórdão que à luz da matéria de facto carreada para os autos pelas partes e através de julgamento escorreito da mesma, julgue totalmente improcedente a ação de impugnação pauliana sub judice.
Termos em que, revogando os Exmº Srs Drs Juízes Desembargadores a decisão recorrida e proferindo acórdão que julgue totalmente improcedente a ação de impugnação pauliana sub judice, prevalece a Justiça.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, o apuramento da existência dos pressupostos do instituto de impugnação pauliana e, a montante, da verificação da caducidade do direito de ação.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:

1) A 1.ª Ré e o 2.º Réu foram casados entre si entre 08/11/1980 e 26/04/2004. (cfr. documentos de fls. 19-21).
2) O 3.º Réu e a 4.ª Ré são filhos da 1.ª Ré e do 2.º Réu. (cfr. documentos de fls. 22-25).
3) Em 13/03/2009 o Autor, no âmbito da sua atividade bancária, celebrou com a 1.ª Ré o contrato de mútuo n.º 2024650, mediante o qual concedeu, a título de empréstimo, o montante de 10.350,00 € (dez mil, trezentos e cinquenta euros), destinando-se o mesmo à aquisição da viatura automóvel da marca Volkswagen, modelo Polo 1.4 TDI, com a matrícula DB. (cfr. documento de fls. 40-42).
4) Conforme resulta do sobredito contrato a quantia mutuada, bem como os juros e demais encargos contratualmente estabelecidos seriam pagos ao Autor em 120 prestações mensais e sucessivas, no valor de 142,12 € (cento e quarenta e dois euros e doze cêntimos) cada uma, vencendo-se a primeira no dia 05/04/2009 e a última no dia 05/03/2019, de acordo com o previsto nas Condições Particulares do contrato em apreço. (cfr. documento de fls. 40-42).
5) Mais se convencionou que em caso de mora no pagamento da quantia mutuada ou de quaisquer outros encargos, à taxa contratual de 9,99539% acresceria uma sobretaxa a título de cláusula penal. (cfr. documento de fls. 40-42).

Sucede que,

6) A 1.ª Ré começou a apresentar dificuldades no cumprimento do contrato pelo que, em 01/04/2013 celebrou com o Autor um Contrato de Datio Pro Solvendo. Através do referido contrato a 1.ª Ré entregou a viatura objeto do mútuo e melhor identificada supra, tendo, posteriormente, abatido o produto da venda ao valor em dívida. (cfr. documento de fls. 31-32).

7) No aludido documento denominado “Contrato Datio pro Solvendo” previam as partes:

“3ª
Se após a receção pelo BANCO do produto da venda, deduzido das comissões e despesas previstas na Cláusula Segunda, e consequente imputação do produto da venda aos valores, que se encontrarem em dívida, à data de imputação, que não sejam apenas mero capital mutuado, o(s) MUTUÁRIO(S) compromete(m)-se a regularizar de imediato o pagamento desses valores, até 15 (quinze) dias após a receção de interpelação, por carta registada enviadas para a morada do(s) MUTUÁRIO(S) acima descrita, feita pelo BANCO para o efeito.
4ª Se após a receção pelo BANCO do produto da venda, deduzido das comissões e despesas previstas na Cláusula Segunda, e consequente imputação do produto da venda aos valores, que se encontrarem em dívida, à data de imputação, e ainda após a regularização dos valores vencidos previstos na Cláusula Terceira, permanecerem em dívida valores, que sejam apenas referentes ao capital mutuado, o(s) MUTUÁRIO(S) compromete(m)-se reembolsar o aludido capital mutuado, de acordo com as condições e cláusulas convencionadas no aludido contrato de mútuo – entre as quais prazos de reembolso, juros remuneratórios, comissões e despesas – até integral e efetivo pagamento do mesmo.
- (cfr. documento de fls. 31-32).

8) Ora, após a venda da referida viatura foi possível abater 6.415,50€ (seis mil, quatrocentos e quinze euros e cinquenta cêntimos), tendo permanecido em dívida o montante de 2.400,44€ (dois mil e quatrocentos euros e quarenta e quatro cêntimos). (cfr. documento de fls. 32 v.-33).

9) Face à referida circunstância, em 13/09/2013, o Autor, através de carta registada, informou a 1.ª Ré da referida imputação de valores e do valor ainda em dívida, tendo solicitado o pagamento do mesmo em 67 prestações mensais e sucessivas no valor de 52,53€. (cfr. documento de fls. 32 v.-33).

Sucede que,
10) Não obstante as diligências levadas a cabo pelo Autor, designadamente a carta de interpelação enviada em 04/05/2015, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida como Doc.10, a 1.ª Ré não liquidou a prestação que se venceu em 05/11/2014, nem qualquer uma das que se venceram posteriormente. (cfr. documento de fls. 43-44).
11) Face ao exposto e nos termos dos art. 781.º e 432.º, do C.C., a falta de pagamento das prestações contratualizadas implicou o vencimento das prestações vincendas, tendo sido o contrato resolvido em 26/05/2015, através de carta registada. (cfr. documento de fls. 45).
12) Consequentemente, em 22/06/2015, o Autor deu entrada de requerimento de injunção contra a 1.ª Ré, tendo sido peticionada a quantia global de 3.567,97€ (três mil, quinhentos e sessenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida da taxa de justiça no valor de 76,50€ (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos). (cfr. documento de fls. 46 f.).
13) A 1.ª Ré foi notificada do procedimento de injunção em 18/07/2015, tendo o AR sido assinado pela própria. (cfr. documentos de fls. 46 v.-47).
14) A 1.ª Ré contestou a referida ação tendo a mesmo sido enviada para distribuição para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga, Juiz 2.
15) Em sede de audiência de discussão e julgamento a 1.ª Ré confessou o pedido, tendo sido proferida de imediato sentença a condenar a 1.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.567,97 (três mil quinhentos e sessenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento. (cfr. documento de fls. 48-49 f.).

16) Transitada em julgada a referida sentença, a 1.ª Ré não liquidou a quantia em que foi condenada pelo que, em 18/04/2017 o Autor executou a referida sentença. (cfr. documento de fls. 49 v.-54 f.).
17) Até ao momento e não obstante as diligências executivas levadas a cabo no âmbito do Proc. n.º 2968/17.9T8VNF, o Exequente não recuperou qualquer quantia pelo que, por referência à data de 25/08/2020, permanece em dívida a quantia de 6.870,63€ (seis mil, oitocentos e setenta euros e sessenta e três cêntimos), conforme conta provisória disponibilizada pela Sr.ª Agente de Execução. (cfr. documento de fls. 54 v.).
18) Ou seja, por referência a 25/08/2020, a 1.ª Ré é devedora ao Autor da quantia global de 6.870,63€ (seis mil, oitocentos e setenta euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.
19) Por escritura pública outorgada na Segunda Conservatória do Registo Predial de ..., em 04 de Setembro de 2015, a 1.ª Ré e o 2.º Réu doaram ao 3.º Réu e 4.ª Ré, seus filhos, por conta da quota disponível dos seus bens, o seguinte imóvel:

- Prédio Urbano sito na Rua …, n.º(s) .. e .., na freguesia de ..., no concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana com o art. … da freguesia de ... e ....
- cfr. documento de fls. 26-28.

20) No citado título de doação, as partes, aqui Réus, atribuíram ao imóvel supra identificado o valor de 93.420,00€ (noventa e três mil, quatrocentos e vinte euros) – Cfr. documento de fls. 26-28.
21) A aquisição do imóvel supra identificado encontra-se registada a favor do 3.º Réu e da 4.ª Ré na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... com a Ap.101 de 2015/09/04. (cfr. documento de fls. 29-30).
22) No mesmo ato, 1.ª Ré e 2.º Réu reservaram para si o usufruto vitalício sobre o referido prédio, por inteiro, até ao decesso do que falecer em último lugar. (cfr. documentos de fls. 26-28 e 29-30).

23) A reserva do usufruto vitalício a favor da 1.ª Ré e do 2.º Réu foi feita por reserva em doação, conforme se alcança da referida escritura e da certidão permanente do imóvel. (cfr. documentos de fls. 26-28 e 29-30).

24) O usufruto sobre o imóvel supra identificado foi igualmente registado na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... com a Ap.101 de 2015/09/04. (cfr. documento de fls. 29-30).
25) No âmbito da ação executiva que corre termos sob o n.º 2968/17.9T8VNF a 1.ª Ré foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 750.º, do CPC. Em 26/01/2020 a 1.ª Ré respondeu à sobredita notificação nos seguintes termos: “D. R., Executada nos autos à margem referenciados, vem através da sua patrona nomeada, na sequência da S/Ilustre notificação informar o seguinte:
1 - Não existem mais bens a indicar à penhora para além daqueles encontrados na pesquisa de V. Exa.;
2 – Os mesmos constituem Habitação Própria Permanente da Executada.” (cfr. documento de fls. 56 v.-57 f.)

26) Cumpre esclarecer que os bens encontrados na pesquisa efetuada na base de dados das Finanças, correspondem ao imóvel doado, não tendo sido identificado outro património à 1.ª Ré, ali Executada. (cfr. documento de fls. 57 v.-58).
27) O referido imóvel consta associado à 1.ª Ré, não porque é propriedade daquela, mas sim em virtude do direito de usufruto vitalício registado, conforme resulta da caderneta predial urbana (cfr. documento de fls.55-56 f.).
28) Recorde-se que em sede de escritura de doação as partes atribuíram ao imóvel em apreço o valor de 93.420,00€ (noventa e três mil, quatrocentos e vinte euros).
29) Acresce que, da caderneta predial urbana o conjunto das duas frações (que em termos de registo predial é apenas uma) tem o valor patrimonial global de 94.821,30€ (noventa e quatro mil, oitocentos e vinte e um euros e trinta cêntimos). (cfr. documento de fls. 55-56 f.).
30) Sobre o referido imóvel incidem duas hipotecas, a saber:
- Hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., registada com a AP. 14 de 1997/11/12, com o montante máximo assegurado de 12.982.500,00 Escudos;
- Hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., registada com a AP. 887 de 2009/03/17, com o montante máximo assegurado de 36.046,08€; (cfr. documento de fls. 29-30).

31) Decorre do exposto que a eventual penhora e venda judicial da metade indivisa do imóvel pertencente à 1.ª Ré seria suficiente para liquidar os montantes em dívida nos contratos relativos às hipotecas registadas (os quais já devem estar parcialmente pagos, considerando a inexistência de penhoras por parte da Caixa ... e o valor a que se alude em 36), bem como o crédito do aqui Autor.
32) O que é de todo impossível uma vez que a 1.ª Ré retirou o sobredito imóvel da sua esfera patrimonial.
33) Concluindo, o título de doação, melhor identificados supra, produziu ou agravou a impossibilidade fáctica do Autor obter a satisfação integral do seu crédito à custa do património do 1.ª Ré.
34) A presente ação, no âmbito da qual foi requerida e deferida a citação urgente, deu entrada em juízo em 27/08/2020.
35) Por ocasião do divórcio da 1ª e 2º réus, ambos outorgaram documento denominado “contrato promessa de partilha da casa de morada de família” nos termos do qual acordavam que a “casa de morada de família (…) ficará para a cônjuge mulher, até que qualquer de um dos ex-cônjuges tenha possibilidade de dar a quota parte devida a um deles.
Desde já também acordam que todas as despesas relativas à manutenção da casa de morada de família, serão suportadas em partes iguais pelos Requerentes.
Mais acordam que, posteriormente ao divórcio irão celebrar uma escritura de doação da casa de morada de família a ambos os filhos.”
36) Na mesma ocasião, 1ª e 2º réus declararam que o empréstimo bancário relativo à aquisição da casa de morada de família, no montante de € 124.699,74, tinha então o capital em dívida de € 31.353,57.
37) A promessa a que se alude em 35) nunca foi registada.
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B. Fundamentos de direito.

O recorrente começou por excecionar a caducidade do direito de ação de impugnação pauliana.
Porém, sem qualquer razão.
Nos termos do disposto no artº 618º, do Código Civil, o direito de impugnação caduca ao fim de 5 anos, contados a partir da data do ato impugnável (tratando-se de ato sujeito a registo, como a compra e venda de bem imóvel, o prazo começa a contar-se a partir da celebração do negócio e não do registo ulterior.
Maria de Fátima Ribeiro (1), explica que “Vaz Serra, 1958: 346 e ss, a propósito de norma análoga que, no Código de Seabra, fixava prazo de prescrição para as ações de impugnação pauliana, entende que este é um verdadeiro prazo de prescrição, com base no facto de ser a ação apenas um meio processual de o credor exercer contra o réu o crédito à restituição daquilo que, em consequência do ato impugnado, saiu do património do devedor – pelo que se trata, então, materialmente de um direito de crédito e este deve , nos termos gerais, sujeitar-se a prescrição, como qualquer crédito, e a própria disciplina da prescrição será, pelas razões indicadas pelo autor, a que melhor se adapta a este caso. Todavia, descrito na lei como prazo de caducidade, é assim que tem sido entendido pelos tribunais, vg, para considerarem a exceção subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, ou para aplicação das regras de interrupção da caducidade, em vez daquelas de interrupção da prescrição.
Quanto à própria extensão do prazo, Vaz Serra, 1958: 344 e ss., defende a necessidade de fixação de um prazo curto dentro do qual a ação pauliana deve ser exercida, dado que o ato impugnável com esta ação é um ato válido, que só por ter prejudicado os credores pode ser impugnado, em vista da reparação do prejuízo sofrido por eles. (…) Note-se que este prazo lato de caducidade não exclui que, entretanto, tenham prescrito as obrigações do devedor ou tenham sido adquiridas pelo terceiro, por usucapião, os bens alienados.
A este respeito acrescentaremos só que, qualificando expressamente a lei tal prazo como de caducidade, não temos dúvidas em qualificá-lo como tal, como aliás foi intenção do legislador (2).
Por outro lado, Menezes Cordeiro (3) ensina que “o ato impeditivo da caducidade é a propositura da ação, materializada com a entrada, na secretaria do tribunal judicial, da petição inicial.
Aliás, temos tal entendimento por pacífico, carecendo de razão os recorrentes quando qualificam como causa obstativa da caducidade apenas a citação.
É com a propositura da ação em juízo que se materializa a intenção do credor de atacar a eficácia do negócio no que a si diz respeito.
Assente o supra exposto, resulta provado nos autos que a doação ora objeto de impugnação ocorreu em 4 de setembro de 2015. É esta a data relevante, como refere Menezes Leitão (4) e não aquela em que o credor teve conhecimento do ato.
Resulta também dos autos que a presente ação entrou em juízo em 27 de agosto de 2020, razão pela qual, sendo o ato impeditivo da caducidade a propositura da ação, sempre se teria de considerar tempestiva a mesma. Mas ainda que assim não fosse, e é, como bem refere a sentença recorrida, “Mas a verdade é que o ano de 2020 – como o de 2021, aliás – pouco teve de normal. Na verdade, no primeiro trimestre de 2020 foi declarada pela OMS situação de pandemia por SARS-COV2 que, um pouco por todo o Mundo, levou a confinamentos prolongados e a uma completa estagnação económica e social, com reflexos também em termos legislativos.
Na verdade, a Lei 1-A/2020, de 19 de março, previa, no artigo 7º ”3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Esta norma entrou em vigor em 19/03/2020 (cfr. artigo 11º), considerando-se que produziu efeitos a partir de 13/03/2020 e vigorou até 15/05/2020.
O mesmo será dizer que o prazo de caducidade, que sempre seria impedida pela instauração da ação em 27/08/2020 (bastando a instauração, ou, dito de outro modo, prescindindo da citação dos réus), sequer terminaria em 04/09/2020, mas sim em 06/11/2020.
Assim e em suma, julga-se improcedente a exceção de caducidade invocada.
Ora, da conjugação do respetivo regime excecional (e sem embargo da (in)correção das datas) com o disposto no artº 328º, do Código Civil, resulta demonstrada a tempestividade da propositura da presente ação.
Improcede, assim, esta conclusão dos recorrentes.

Da alegada ausência dos pressupostos legalmente exigidos para que opere o mecanismo jurídico da impugnação pauliana.

Os recorrentes alegaram depois que inexiste qualquer crédito do autor que possa fundamentar a requerida impugnação pauliana, por força da resolução dos contratos em 13 de março e 13 de setembro de 2019, com a consequente extinção das dívidas.
Alegam ainda que o alegado crédito do autor é posterior ao ato que este pretende impugnar.
Os artigos 610º e 612º fixam os requisitos cumulativos para que um ato que não seja de natureza pessoal possa ser objeto de impugnação pauliana. São eles: ter o devedor praticado um ato, que não seja de natureza pessoal, que envolva diminuição da garantia patrimonial do crédito; desse ato ter resultado a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade; ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; se o ato for oneroso, terem o devedor e o terceiro agido de má-fé, ou seja, com a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor (se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé).
Quanto ao primeiro requisito, determina-se no artº 610º que tem de estar em causa a prática de atos, que não sejam de natureza pessoal, e que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito.
Estão sujeitos a impugnação pauliana todos os tipos de atos que consubstanciem uma manifestação de vontade com consequências jurídicas e pelos quais o devedor empobrece o seu património (como as renúncias a garantias ou a outros direitos).
Brandão Proença, 2017:518, exemplifica com doações puras ou com encargos, vendas, trocas, remissões, estipulações a favos de terceiro, constituição de garantias, assunção de dívidas, renúncia à invocação de prescrição, dações em cumprimento, cumprimento de obrigações naturais ou com benefício do prazo a seu favor. Parece até ser de admitir a impugnação de atos mesmo quando não tenha havido ação do devedor, quando a exigência dessa ação contrarie a equidade: Vaz Serra exemplifica com o caso das garantias judiciais, sempre que tenham sido obtidas com a ajuda do devedor que, “mancomunado com o credor, se tenha conduzido no processo de maneira a facilitar a realização daquele objetivo” (Vaz Serra, 1958:223 e ss). (…)
Não podem ser objeto de impugnação pauliana os atos de natureza estritamente pessoal do devedor – e tem-se entendido que as consequências legais destes atos, ainda que tenham, elas próprias, natureza patrimonial, também não o podem ser (Cura Mariano, 2008:109).
É discutida a possibilidade de impugnação de convenções que, embora tendo natureza pessoal, possam diminuir o património, como são os casos de estipulação de um direito a alimentos além da exigência e da medida legal, de partilhas resultantes de divórcio ou separação judicial (nos tribunais, a partilha tem sido objeto de impugnação pauliana, enquanto ato oneroso (…)
O ato deve envolver diminuição da garantia patrimonial do crédito (o que afasta a possibilidade de os credores de obrigações naturais recorrerem à impugnação pauliana – o património do devedor não garante o cumprimento dessas obrigações, (…) Merece especial referência neste âmbito a celebração, pelo devedor, de contrato-promessa. É entendimento pacífico que o contrato-promessa celebrado com eficácia real pode ser objeto de impugnação pauliana (Clara Sottomayor, 2010:541 e ss). Mas se o contrato-promessa for celebrado sem eficácia real e sem a tradição da coisa prometida alienar, só o contrato definitivo pode ser impugnado por este meio, por apenas este ser passível de causar prejuízos aos credores (AcRC 10.02.2015). (…)
No artigo 610º ainda se estabelece que do ato deve ter resultado para o credor a impossibilidade de satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade. Tem sido pacificamente aceite que não se exige, para o preenchimento deste requisito, a prova da insolvência ou do agravamento da insolvência do devedor, bastando a demonstração de uma impossibilidade de facto (real, efetiva) de satisfazer integralmente o seu crédito (…) A impugnação pauliana pressupõe ainda o nexo de causalidade entre o ato impugnado e o prejuízo do credor: o ato só pode ser impugnado se tiver como consequência (normal, típica, provável daquele) a situação de impossibilidade ou agravamento de satisfação do crédito. (…)
Se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé. Mas para a impugnação pauliana de ato oneroso ainda é requisito que o devedor e o terceiro tenham agido de má-fé (e a má-fé é definida, para este efeito, como “a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor”), como se determina no artigo 612º.
A lei exige que o ato a impugnar seja ulterior ao crédito: os credores só poderiam legitimamente esperar executar os bens que existiam no património do devedor (e outros que eventualmente mais tarde o venham a integrar) quando foi constituído o crédito; solução diferente constituiria uma ameaça à segurança do comércio jurídico (Almeida Costa, 2009:861).
Não é necessário que o crédito já se encontre vencido (ou que a sua existência tenha sido judicialmente reconhecida) para que o credor possa reagir contra os atos de impugnação da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao ato (…) (5).
Assentes os requisitos da impugnação pauliana, importa agora apurar da sua existência.
Como supra se referiu, os recorrentes alegaram depois que inexiste qualquer crédito do autor que possa fundamentar a requerida impugnação pauliana, por força da resolução dos contratos em 13 de março e 13 de setembro de 2019, com a consequente extinção das dívidas.
Alegam ainda que o alegado crédito do autor é posterior ao ato que este pretende impugnar.
O tribunal recorrido, a este respeito, teceu as seguintes considerações: “Na situação em apreço a situação é ainda mais evidente, pois que se tratou, tão só, de regularização parcial e da concessão de prazo para liquidação do remanescente, porque o houve – sendo que o contrato Datio por Solvendo previu as possibilidades da suficiência e da insuficiência do produto da venda do veículo entregue para a satisfação da dívida e verificou-se a insuficiência.
Como decorre expressamente dação em cumprimento junta como documento nº 8 com a petição inicial, mormente das cláusulas 3ª e 4ª, tal acordo não extinguiu a dívida, tendo-se o recorrente D. R. obrigado a liquidar o remanescente. E por força da carta registada junta como documento nº 9 da petição inicial, datada de 29 de agosto de 2013, foi o referido contratante notificado dos montantes em dívida. Daí que a alegação do recorrente, de que a data relevante será aquela em que foi instaurado o procedimento de injunção, carece de sentido. Não só a dívida existe como é anterior à doação.
Em suma, também quanto a este ponto o tribunal recorrido decidiu bem, improcedendo a pretensão dos recorrentes.

Do ato – doação – não doloso.

Os recorrentes alegaram depois que a doação foi consequência de uma promessa de partilha, subsequente ao divórcio dos doadores. Alegaram ainda que atenta a data de tal contrato, 6 anos anteriores à doação, nunca poderia ser equacionada como um ato doloso.
Desde logo, tratando-se de uma doação, ato gratuito, não é exigível o requisito da má-fé, como supra se expôs. Tanto bastaria para considerar improcedente a alegação dos recorrentes.
Mas, nem sequer temos dúvida em qualificar o ato dos recorrentes, pelo menos por parte dos doadores, como de má-fé, entendida esta como “a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor”. Ora, considerando a existência da dívida, não tendo outros bens (cfr. factos provados nº 25 e 26) como poderiam os doadores não ter tal consciência. Todavia, repete-se, tal facto é irrelevante, não sendo necessário o requisito da má-fé. A circunstância de haver um contrato promessa anterior não é oponível aos credores, remetendo-se para as considerações produzidas na sentença recorrida e supra neste acórdão sobre os requisitos da impugnação pauliana.
Tem, assim, de se considerar totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes – artº 527º, nº1, do CPC.
Notifique.
Guimarães, 3 de fevereiro de 2022.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Maria Eugénia Pedro.
2º Adjunto: Pedro Maurício.


1. Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, 2018, Universidade Católica Editora, páginas 731-732.
2. Romeu Martins Ribeiro Filho, “Impugnação Pauliana como Meio de Conservação de Garantia Patrimonial”, in Garantia das Obrigações, Publicação dos Trabalhos de Mestrado, coordenação de Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Almedina, 2007, pág. 485.
3. Tratado de Direito Civil, X, Almedina, 2015, pág. 385.
4. Garantia das Obrigações, Almedina, 2012, pág. 76.
5. Maria de Fátima Ribeiro, op. cit., págs. 694-699.