INJUNÇÃO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
COMPENSAÇÃO
CADUCIDADE
Sumário


I. A exceção de não cumprimento do contrato (art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação, enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua prestação e aplica-se quer em relação às prestações iniciais, quer no caso de cumprimento defeituoso dos contratos.
II. O conhecimento da exceção de não cumprimento deve na economia da sentença preceder o conhecimento sobre a excepção de caducidade, sendo independente deste.
III. A eventual caducidade dos direitos do comprador não tem, à partida reflexo sobre a exceptio, cujo exercício não está legalmente subordinado a qualquer prazo de caducidade.

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

C. S., S.A., com sede no Lugar …, Braga, apresentou requerimento de injunção contra
X, Lda., com sede na Travessa …, Barcelos.

Peticionando que esta fosse notificada no sentido de lhe pagar a quantia de € 10.500,84, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizando aqueles no montante de € 2.455,40, bem como a quantia de € 40,00 a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida.
A fundamentar a sua pretensão, a autora, alegou, em síntese, que no exercício das suas actividades industriais forneceu à ré, a solicitação desta, diversos carregamentos de betão, cujos preços não foram integralmente pagos por aquela, nem nas datas de vencimento constantes das respectivas facturas, nem posteriormente.

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A ré deduziu oposição, alegando, em suma: que o betão fornecido pela autora no dia 22.11.2016, a que respeitam cinco das facturas indicadas no requerimento de injunção, não possuía a qualidade contratada, tendo sido encomendado betão da categoria C 25/30 e fornecido betão da categoria C 21; que, após a sua cliente, dona da obra onde o betão foi aplicado, ter reclamado perante si dessa desconformidade, ela, ré, a denunciou também à autora, tendo esta sempre recusado reunir e resolver o problema; que tendo chegado a acordo com a sua cliente no sentido de assumir o custo da reparação dos defeitos apresentados na laje de betão, decorrentes da má qualidade do betão fornecido - custo esse que ascende a € 16.925,00 - cancelou o pagamento das facturas aqui reclamadas pela autora, invocando a excepção de não cumprimento do contrato e ainda a compensação daquela quantia com a peticionada pela demandante.
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A autora exerceu o contraditório, reafirmando que o betão fornecido à ré correspondia à categoria e às qualidades contratadas, acrescentado ainda que, mesmo que algum defeito ou desconformidade existisse no fornecimento realizado no dia 22.11.2016, o direito da ré invocar aqueles supostos defeitos já teria caducado.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

a) Condenar ré a pagar à autora a quantia de € 12.956,24 (doze mil novecentos e cinquenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis, resultantes do disposto no artigo 102º, nº 5 do Código Comercial e Portaria nº 277/2013, de 26 de Agosto, contados desde a data propositura da acção - dia 23.01.2020 – e sobre o capital de € 10.500,84 (dez mil e quinhentos euros e oitenta e quatro cêntimos), até efectivo e integral pagamento;
b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de indemnização dos custos suportados com a cobrança da dívida;
c) Condenar a ré, porque vencida, no pagamento das custas do processo, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Inconformada, a R. X, LDA, interpôs recurso, terminando as suas alegações, com as seguintes
CONCLUSÕES ( transcrição)

1.º - A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou totalmente procedente a acção e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €12.956,24 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis, bem como ao pagamento da quantia de €40,00 a título de indemnização dos custos suportados com a cobrança da dívida.

2.º - De acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, era necessário apreciar criticamente a mesma, à luz das regras da experiência comum, pelo que entendemos que há matéria de facto dada como não provada que merece a designação de factos provados, o que conduzirá a uma decisão nos autos diferente da que foi proferida.

3.º - Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento tem necessariamente que se concluir que as facturas em causa nos autos correspondem ao betão de qualidade inferior à contratada, encontrando-se desconforme e não cumprindo aquilo a sua finalidade.

4.º - Ora, há um cumprimento defeituoso da prestação efetuada pela autora, conforme resulta como provado, que o betão não corresponde ao que foi contratado, e como se irá demonstrar, o cumprimento defeituoso corresponde às facturas em causa nos autos.

5.º - Pelo que, não se concebe que a Autora cumpra defeituosamente o contrato e que a Ré seja condenada a pagar o preço, ficando com todo o prejuízo causado pela Autora.

6.º - Com o devido respeito, não foi feita prova segura pela autora, de que cumpriu integralmente a prestação que estava obrigada, nem tão pouco que tenha sequer tentado a sua reparação.

7.º - E, conforme resulta dos autos a Ré e aqui Recorrente reclamou atempadamente dos defeitos apresentados, peticionando a sua rápida resolução, uma vez que mantinha relações comerciais.

8.º - Razão pela qual, para decidir como se decidiu nos presentes autos, houve flagrante violação do princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador e regras gerais sobre a prova, previstos no artigo 341º e 342º do C.C., pelo que existe contradição insanável da fundamentação, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e pelos fundamentos a seguir expostos.

9.º - Uma vez que, o presente recurso versará sobre matéria de facto, é de todo conveniente transcrever os factos provados e não provados em sede de douta sentença, pelo que, com interesse para a discussão da decisão, resultaram provados e não provados os seguintes factos.

10.º - Salvo melhor opinião, é nosso entendimento que o tribunal valorou e apreciou de forma incorrecta a prova, nomeadamente, o depoimento de parte do autor e os depoimentos das seguintes testemunhas: N. C., A. P. e J. B., cujos depoimentos se encontram gravados no sistema informático habilus, referente ao processo n.º 5364/20.7YIPRT, que correu termos pela secção cível – J1 do Juízo Local Cível de Braga.

11.º - Dos depoimentos cuja a valorização não foi totalmente correcta, resulta claramente que as facturas peticionadas pela Autora correspondem ao betão desconforme, apresentando defeitos que não satisfaz o fim a que se destina.

12.º - Bem como, prova claramente que a Ré teve que assumir todos os custos de reparação para com a sua Cliente, tendo ainda peticionado e aguardado que a Autora resolvesse o problema.

13.º - Ora, é nestes pontos que começa a discordância dos recorrentes quanto à apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, toda a prova que o tribunal valorou e fez constar dos factos dados como não provados foram apreciados de forma incorrecta, devendo ser apreciada do modo que se passará a descrever e, em consequência, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.

14.º - De facto, a produção da prova em julgamento visa oferecer ao tribunal as condições necessárias para que este forme a sua convicção sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença.

15.º - Ora, não pode a aqui Recorrente ser condenada ao pagamento da totalidade do preço, cumprindo a sua prestação quando a outra parte não cumpriu a prestação a que estava obrigada, tendo-a cumprido defeituosamente causando prejuízos elevados à Ré aqui Recorrente.

16.º - Resulta claramente da prova junto aos autos, nomeadamente, depoimento prestados bem como da carta junto a fls. 7 v. dos autos que foi devidamente reclamado junto da Autora o cumprimento defeituoso do contrato.

17.º-A“exceptio non adimpleti contractus” constitui uma exceção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais.

18.º - E, a condenação da Ré/Recorrente causa um desequilíbrio contratual com a Ré/Recorrente a ter que cumprir a totalidade da prestação sem que a Autora/Recorrida cumpra a mesma.

19.º - Pode fixar-se, com recurso à equidade, a medida da redução do preço se não for possível definir o grau/dimensão de cumprimento por parte da Autora face ao que tinha sido acordado [na medida em que o valor pela prestação de serviços foi acordado “em bloco”, isto é, sem discriminação por cada tarefa ou função autonomamente considerada e correspondente valor relativo], ademais se desconhecendo a essencialidade do que foi e não foi prestado.

20.º - Assim, ao abrigo do art. 566º nº3, do C.Civil, em sede de equidade, esse reajustamento será operado com uma redução do valor global previsto no «contrato», na base duma percentagem/proporção, no confronto com o valor já liquidado pela 1ª Ré.

21.º - Pelo que, deveria o douto tribunal com recurso à equidade e no cumprimento do princípio da adequação formal ter ajustado um cumprimento equitativo da prestação.

22.º - Conforme já salientado supra, é nosso entendimento que nos presentes autos o tribunal recorrido violou as normas dos ónus da prova atinentes à prova produzida – testemunhal e documental - em sede de audiência e julgamento.

23.º - Por força do preceituado no código processo civil, entende o recorrente que os pontos de facto a seguir indicados foram incorrectamente julgados, havendo violação do princípio de liberdade do julgamento:
- Pontos a) e b) dos factos não provados, devem ser considerados como provados, de acordo com o disposto no artigo 640º n.º 1 al. a) do CPC:

24.º - Ora, toda a prova vai no sentido de que as facturas em causa corresponde ao betão dado como provado defeituoso, pelo que não se concebe que não tenha sido dado como provado a correspondência entre o betão e as facturas.

25.º - Bem como, não se compreende que o douto tribunal tenha dado como provado o envio da missiva pela cliente da Ré/Recorrente à mesma, e depois não tenha dado como provado que a mesma tenha suportado os custos da reparação dos defeitos apresentados na laje de betão resultante da má qualidade do betão fornecido pela Autora.

26.º - Ora, em depoimento prestado pela testemunha, J. F., gravado no sistema Habilus, dia 22/06/2021, com início às 10:26:28 e fim às 11:15:33, a testemunha confirma que a desconformidade do betão foi devidamente reclamada:
T – As queixas... segundo, nós falamos que o betão não estava a dar a classe... necessária para aquele, para o que a gente estava a vender.

27.º - De facto, conclui-se com toda a clareza que em depoimento, bastante nervoso, receoso e não imparcial que, não se lembra de algumas situações, recorda-se de outras mas tem conhecimento que o betão foi logo reclamado, havendo inclusive uma reunião por causa da qualidade do betão.

28.º - Com o devido respeito, não se concebe que o douto tribunal não tenha dado como provado que as facturas em causa correspondem aos defeitos reclamados no betão da laje, quando, as próprias testemunhas da Autora confirmam as reclamações, a existência de uma reunião e ainda, a não resolução por parte da Autora das desconformidades reclamadas, tendo de imediato intentado Injunção para cobrança de dívida, enquanto a Ré ainda aguardava uma resolução.

29.º - Pelo que resulta claro que a desconformidade causou prejuízos e foi devidamente reclamada no depoimento da testemunha N. C., técnica de orçamentação na Ré, gravado no sistema Habilus, dia 22/06/2021, com início às 11:28:39 e fim às 11:46:10 conforme se extrai os seguintes excertos:
M.R. – C 25/30, esse betão, penso eu que será da sua área, tinha que ser esse betão por alguma razão?
T. – Era o especificado no caderno de encargos, no projeto e no orçamento, foi esse que ficou acordado, é esse que está contratado e é esse que nós teremos que aplicar.
M.R. – Muito bem, é esse também nas faturas que temos aqui.
(...)
M.R. – Pronto, muito bem. Olhe, a cliente fez a reclamação e qual foi o vosso, aliás, a cliente fez esta reclamação porquê, isto é habitual, ou melhor, não é a reclamação, a reclamação claro que é habitual, mas é normal numa casa particular as pessoas terem este controle sobre os materiais?
T. – Tendo uma engenheira por parte do dono da obra, é normal haver este controle.
M.R. – É normal haver este controle.
T. – Exatamente.
M.R. – Muito bem …
- 6:00 min.
M.R. – Vocês receberam a reclamação da cliente e qual foi o procedimento que fizeram?
T. – Inicialmente, tentamos telefonicamente, à posteriori enviamos uma carta, uma vez que não estávamos a obter respostas, não havia respostas, e tentamos também marcar diversas reuniões, mas sem chegar a conclusão nenhuma.
(...)
M.R. – Outras coisas. Olhe, então deixe-me saber se me sabe responder às perguntas. Nessa reunião em algum momento houve dúvidas se o betão que deu origem, que deu origem a estes provetes, pertencia à C. S. ou não?
T. – Nunca houve dúvidas.
M.R. – Nunca houve dúvidas, mas porquê?
T. – Porque a Engenheira A. P. faz questão de fotografar os camiões, porque o betão é todo, foi todo fornecido da C. S..
M.R. – Para aquela obra o betão foi…
T. – Para aquela obra.
M.R. - …ou só daquela laje?
T. – Não daquela obra toda.
M.R. – Portanto, não houve ali outro fornecedor de betão, digamos assim.
T. – Não houve outro fornecedor de betão, foi todo C. S..
(...)
T. – Nós reduzimos algum valor, no valor total da obra, também para tentar compensar um bocado a cliente, porque nós sabemos que isto um dia mais tarde.
J. – O único problema da obra foi esse, ou seja, não houve outros problemas, relativamente, por causa disto quanto é que reduziram ao valor?
T. - € 10.000,00. J. - € 10.000,00.
T. – Porque nós sabemos que poderá realmente causar…
J. – A laje não foi partida, por causa, vamos ver uma coisa, nós temos aqui um orçamento de € 16.000,00, que foi noutra empresa.”

30.º - Ora, não há qualquer dúvida, nem pode existir, que as facturas em causa nos autos corresponde ao betão colocado na laje que não está conforme com a qualidade contratada, correspondendo à resistência de compressão da classe C21.

31.º - Pelo que, é claro que a Ré e aqui Recorrente reclamou atempadamente solicitou por diversas vezes uma resolução do problema. Repare, que a Ré/Recorrente teve que assumir os custos, designadamente, uma redução do preço ao cliente. Ainda, é do conhecimento geral que a má qualidade do betão originará fissuras, infiltrações, humidades que acarretaram custos para a Ré.

32.º Tal é comprovado, pela testemunha A. P., engenheira civil que acompanhou a obra, tendo sido contratada pela cliente da Recorrente, que num depoimento imparcial e sem qualquer interesse, gravado no sistema Habilus, dia 22/06/2021, com início às 11:47:24 e fim às 12:20:06, se extrai alguns excertos:
Guia temporal: 01:46

MR- Sra. Testemunha, bom dia. Então, concretamente, o que é que aconteceu quanto à qualidade deste betão?
T- Foi feito o agendamento da betonagem, a betonagem decorreu normalmente. Foram colhidos provetes, para aferir a qualidade do betão. Se aquilo que estava previsto em projeto se era, efetivamente, o material que estava a ser colocado em obra. A betonagem correu normalmente naquele dia e quando chegaram os relatórios do … com as resistências características dos provetes respetivos aquela laje, verificou-se que a resistência era muito inferior aquilo que estava previsto em projeto.
Tempo: 00:02:37
MR- No caderno de encargos?
T- Sim, sim. Aquilo que estava em projeto e que tinha sido contratado com o empreiteiro fornecer.
MR- Qual foi o betão, que no caderno de encargos, e que foi contratado até porque pelas faturas nos temos ali o betão que foi adquirido à C. S.. Qual foi o betão que constava do caderno de encargos?
T- Era o C25/30.”

33.º - Do depoimento transcrito resulta com toda a clareza que o betão aplicado na obra não era conforme o contratado, tendo inclusive a testemunha verificado as facturas no momento que o betão entra em obra.

34.º - Pelo que, o douto tribunal só poderia ter dado como provado que as facturas B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2940 e B16/2941 corresponde ao betão desconforme e sujeitos a análise pelo que apresentava uma resistência de compressão de 21,6 e de 21,3, inferior à contratada C25/30.

35.º - Ora, o depoimento transcrito é totalmente imparcial, sem qualquer interesse na causa, no qual relata de forma consistência como se processa a descarga do betão, bem como a recolha das amostras para análise.

26.º - De facto, é esclarecedor que no momento de entrada em obra do betão o motorista entrega guias/facturas no qual consta o betão que irá ser aplicado, tendo a testemunha em causa nos autos registado tudo, inclusiva com registo fotográficos dos camiões conseguindo fazer uma correlação entre o betão e as facturas em causa.

27.º - Pelo que dúvidas não restam das desconformidades do betão relativamente ao contratado, que foram devidamente esclarecidas perante o douto tribunal. Inclusive, foi feita prova de que o betão em causa corresponde às faturas peticionadas, bem como o prejuízo que isso acarretou para a Ré/Recorrente que teve que assumir perante a sua cliente.

28.º - Porquanto, não se demonstra equitativo a condenação da Ré e aqui Recorrente no pagamento da totalidade do preço fixado nas facturas uma vez que a Autora não cumpriu com a prestação que estava obrigada (entrega do betão contratado C25/30), tendo ainda causado um prejuízo à Ré/Recorrente pelo facto de que diminuição da qualidade do betão causa rachadelas, fissuras, infiltrações e humidades, que a mesma teve que ressarcir a sua cliente.

29.º - Como é do conhecimento geral, as desconformidades do betão correspondem ao cumprimento defeituoso do contrato tem como consequência a redução do preço da obra ou a diminuição da sua aptidão para o fim a que se destina.

30.º - Não é equitativo, havendo mesmo um abuso de direito, quando a Autora/Recorrida tem conhecimento da desconformidade, reúne para averiguar a mesma desconformidade que resulta de uma perícia e peticiona o valor total das facturas que não corresponde ao contratado. Bem sabe a Autora/Recorrida que a Ré e aqui Recorrente teve que suportar custos, chegar a acordo com a sua cliente perante as desconformidades apresentadas.

31.º - O cumprimento defeituoso constitui um tipo de não cumprimento das obrigações, e são-lhe aplicáveis as regras gerais da responsabilidade contratual; daí que, no contrato de empreitada, o recurso ao instituto da excepção do não cumprimento do contrato seja admissível em caso de prestação imperfeita ou defeituosa (exceptio non rite adimpleti contractus).

32.º - Porquanto, resulta dos autos que a Ré/Recorrente quando interpelada pela sua cliente das desconformidades do betão, de imediato interpelou a Autora/Recorrida peticionando uma rápida solução para o problema.

33.º - A aqui Ré e Recorrente sempre atuou de boa-fé, peticionando junto da Autora/Recorrida uma rápida resolução para o problema, seja através de reuniões ou telefonemas, perante as relações comerciais que poderiam ter no futuro.

34.º - Ora, só efetivamente se apercebe que nada irá ser feito pela Autora/Recorrida quando tem conhecimento da Injunção intentada em Junho de 2017, a qual só teve conhecimento quando houve um processo executivo.

35.º - Pelo que, tendo denunciado os defeitos à Autora/Recorrida permite que a Ré e recorrente exerça a exceptio non rite adimpleti contractus. Repare que após a denuncia a Ré e Recorrente aguardou e interpelou várias vezes a Autora/Recorrida para resolução do problema, tendo sido surpreendida mais tarde por uma execução no qual figurava como título executivo uma injunção à qual tinha sido aposta fórmula executória por não ter sido contestada (entretanto embargos julgados procedentes, dando origem a estes autos de processo).

36.º - Assim, num contrato de fornecimento, o reiterado fornecimento de produtos de qualidade inferior à prevista agrava o inadimplemento a ponto de, mesmo sendo pequeno o desvio qualitativo, poder fundamentar eventualmente um direito de resolução do contrato.

37.º - Houve definitivamente um cumprimento defeituoso da obrigação nos termos do art. 799.º do C.C.. Assim, acolhemo-nos, porém, à lição do saudoso e emérito civilista que foi o Prof. Antunes Varela, no seu douto Parecer, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), onde o mesmo escreveu que «há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art. 913,° do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se en-contra vinculado.
O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte.
E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito»

38.º - Pelo que, não estamos, summo rigore, perante defeitos do betão, mas antes perante a discrepância da mercadoria fornecida relativamente à que tinha sido encomendada pela Ré e aceite pela Autora (obrigação contratualmente assumida), que se traduziu na desconformidade do betão entregue relativamente àquele que tinha sido contratado pela Ré e aquele que correspondia ao caderno de encargos da obra.

39.º - Por outras palavras, o que na verdade aconteceu, foi que a Autora/Recorrida forneceu à Ré/Recorrente betão daquele que lhe haviam sido exigido por forçado contrato celebrado, o que se traduz na expressão latina «aliud pro alio».

40.º - Posto isto, estamos perante um cumprimento defeituoso do contrato, o betão não era conforme o contratado e peticionado pela Ré/Recorrente não se concebendo que seja imposto o pagamento da totalidade do preço (correspondente ao betão C25/30), quando o betão efectivamente aplicado corresponde a C21.

41.º - E, a Ré/Recorrente conseguiu provar que o betão aplicado corresponde às facturas em causa nos presentes autos, e que o mesmo padece da desconformidade, não correspondendo ao contratado, sendo de qualidade inferior. Bem como, conseguiu provar que tal desconformidade causou prejuízos em valor superior a€10.000,00 – dez mil euros.

42.º - Ainda, a Autora não logrou provar que o cumprimento defeituoso do contrato não proveio de culpa sua, como o n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil lhe impunha. Assim, o cumprimento defeituoso do contrato é imputável à autora/recorrida a título de culpa (presumida).

43.º - Tendo a Ré/Recorrente logrado provar que denunciou atempadamente o cumprimento defeituoso e desconforme do fornecimento do betão, que não corresponde à qualidade contratada. A Ré invocou em sua defesa na oposição, porque estão em causa direitos dela (decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato, por parte da autora) e porque a matéria em análise configura defesa por exceção perentória, que o tribunal só pode conhecer se tiver sido invocada pela parte interessada – cf. o n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, bem como o n.º 1 do artigo 5.º e o artigo 579.º, a contrario, do Código de Processo Civil.

44.º - Ora, no caso dos autos, a ré alegou e provou que a autora não reparou os defeitos (apesar de ter sido interpelada para esse efeito), nem tentou de modo algum resolver o problema existente na laje de betão, pelo que não se demonstra equitativo, sendo inclusive demasiado penoso para a Ré/Recorrente a sua condenação no pagamento da totalidade do betão quando de facto não está conforme ao contratado.

45.º - Impõe-se uma decisão diversa da recorrida. As provas citadas e reproduzidas, conjugadas com o depoimento das testemunhas supra analisado e transcrito, impõe a seguinte decisão:
- Alíneas a) e b) da matéria de facto não provada deve ser considerada como provada de acordo com o disposto no artigo 640.º n.º 1 al. a) do CPC.

46.º - E em consequência da alteração da matéria de facto, deve a douta decisão ser alterada, absolvendo a Ré do pedido formulado pela Autora.

47.º - Foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 516º, 607 º, do C.P.C., arts. 341º, 342º, 798.º 799, e 913.º e ss do C.C.

Termos em que, em conformidade com o supra exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada por outra que julgue a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolva a ré do pedido, tudo com as legais consequências devidas, fazendo V. Exas. a habitual
JUSTIÇA!
*
Não houve contra-alegações
*
O recurso foi admitido com o efeito e modo adequados.
*
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objecto do recurso

Face ao disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente.

Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente, as questões a decidir são:

1ª - Apurar da correção da fixação da matéria de facto, ou seja, apreciar a impugnação de tal decisão.
2ª- Saber se procedem as excepções de não cumprimento do contrato e a compensação de créditos invocadas pela R.

III. Fundamentação

De facto

Quanto à impugnação da matéria de facto, antes de mais cumpre verificar se a recorrente observou os requisitos de ordem formal necessários para que este Tribunal reaprecie a decisão da matéria de facto.

Tais requisitos constam do artº. 640º do C.P.Civil que preceitua:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Da norma transcrita resulta que a reapreciação da decisão da matéria de facto pelos tribunais da Relação está subordinada ao cumprimento de diversos ónus pelo recorrente, cuja explicitação tem vindo a ser feita pelos tribunais, nomeadamente pelo STJ que no acórdão de 21-03-3019, relatado por Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt, a este propósito, decidiu o seguinte:

“ Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”
*
Analisando as alegações de recurso, consideram-se cumpridos os requisitos formais apontados, pelo que passamos à apreciação das alterações pretendidas.

O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

Factos Provados

1. A autora dedica-se com carácter de regularidade e escopo lucrativo à extracção de areias, granitos e afins, transporte de materiais de construção civil e exploração de pedreiras, reparação e abertura de estradas, construção civil e obras públicas.
2. A ré exerce a actividade de construção civil.
3. No âmbito das respectivas actividades, a ré solicitou à autora o fornecimento de diversas cargas de betão, o que esta fez nas datas, quantidades e pelos preços constantes das seguintes facturas, que a autora emitiu e remeteu à ré:
a) Factura B16/2660, datada de 03.11.2016, no valor de € 658,67;
b) Factura B16/2707, datada de 07.11.2016, no valor de € 368,69;
c) Factura B16/2746, datada de 09.11.2016, no valor de € 368,69;
d) Factura B16/2930, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
e) Factura B16/2934, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
f) Factura B16/2935, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
g) Factura B16/2936, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
h) Factura B16/2940, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
i) Factura B16/2941, datada de 22.11.2016, no valor de € 365,93;
j) Factura B16/3020, datada de 25.11.2016, no valor de € 335,18;
k) Factura B16/3116, datada de 30.11.2016, no valor de € 536,28;
l) Factura B16/3125, datada de 02.12.2016, no valor de € 298,89;
m) Factura B16/3522, datada de 27.12.2016, no valor de € 387,45;
n) Factura B17/24, datada de 03.01.2017, no valor de € 731,85;
o) Factura B17/25, datada de 03.01.2017, no valor de € 512,30;
p) Factura B17/26, datada de 03.01.2017, no valor de € 658,57;
q) Factura B17/29, datada de 03.01.2017, no valor de € 731,85;
r) Factura B17/30, datada de 03.01.2017, no valor de € 512,30;
s) Factura B17/192, datada de 13.01.2017, no valor de € 506,76;
t) Factura B17/197, datada de 13.01.2017, no valor de € 163,59;
4. Por conta da factura B16/2660, datada de 03.11.2016, a ré pagou já à autora a quantia de € 295,51.
5. O betão encomendado para a obra da cliente da ré T. C., sita em ..., Barcelos, e que a ré encomendou à autora, era da qualidade C 25/30.
6. A pedido da cliente da ré T. C., foram recolhidas para ensaio duas amostras do betão fornecido pela autora no dia 22.11.2016, tendo o Laboratório Técnico de Geotecnia e Materiais de Construção, após análise, concluído que o betão dessas duas amostras apresentava uma resistência à compressão de 21,6 e de 21.3, inferior à contratada (C 25/30).
7. A cliente da ré reclamou junto da mesma dessa desconformidade, através de carta datada de 22.12.2016, tendo esta última, posteriormente, remetido à autora a carta cuja cópia está junta a fls. 7 vº dos autos, datada de 24.01.2017, de cujo teor constava, além do mais, o seguinte:
“Recebemos da nossa Cliente Senhora T. C. a reclamação relativa à má qualidade de betão aplicado na laje da obra sita no lote nº .. – loteamento sito no lugar ..., da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Barcelos, conforme carta anexa.
O betão que vossas excelências forneceram para a obra diz respeito às vossas facturas nº B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2936, B16/2940 e B16/2941, onde expressamente consta que o betão aplicado em obra tal como vos foi encomendado à C25/30.
Segundo relatório efectuado pela cliente e que anexamos o betão aplicado é C21 em total desconformidade com o que deveria ter sido aplicado em obra.
Em face ao exposto agradecemos que de imediato tomem as devidas providências relativamente a esta reclamação da cliente”
8. Como a cliente da ré queria ver o problema resolvido e cancelara o pagamento das facturas emitidas pela ré, esta última chegou a um acordo com aquela.
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Factos Não Provados.

Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:
a) A totalidade do betão fornecido pela ré a que dizem respeito as facturas nºs B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2936, B16/2940 e B16/2941 não estava conforme e não tinha a qualidade contratada, apresentando uma resistência à compressão da classe C 21.
b) A ré acordou com a sua cliente suportar todos os custos da reparação dos defeitos apresentados pela laje de betão, resultantes da má qualidade do betão fornecido pela autora, custos esses que ascenderam ao montante de € 16.925,00.
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A R. sustenta que os factos dados como não provados devem ser dados como provados, aduzindo que o Tribunal a quo valorou e apreciou a prova de forma incorreta, designadamente os depoimentos das testemunhas N. C., A. P. e J. B..
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados na audiência e à análise dos documentos juntos.

O Exmo Juiz fundamentou conjuntamente a sua convicção quanto aos factos provados sob o nº6 e aos factos não provados constantes da alínea a) da seguinte forma:
“ No que toca aos factos descritos no ponto 6., ficaram os mesmos provados, sem margem para quaisquer dúvidas, com base no depoimento da testemunha A. P. e no teor do “Relatório de Ensaio” elaborado pelo Laboratório de Geotecnia e Materiais de Construção, cuja cópia foi junta pela ré.
Essa testemunha, engenheira civil de profissão, esclareceu ter sido incumbida pela cliente da ré de fiscalizar a obra e a qualidade dos materiais, revelando, por isso, possuir razão de ciência directa sobre aquela materialidade. Além disso, prestou um depoimento claro, coerente e circunstanciado, e que se afigurou também isento, tanto mais que a testemunha não tinha (nem tem) relação com qualquer das partes em litígio nesta acção.
Afirmou essa testemunha, peremptoriamente, que as duas amostras colhidas por um colaborador do referido Laboratório com vista à realização do ensaio técnico o foram directamente de um dos camiões, aleatoriamente escolhido, que no dia 22.11.2016 transportaram betão para ser aplicado na laje de cobertura da moradia que estava a ser construída pela ré.
Confirmou também a testemunha A. P. que o ensaio realizado aos provetes recolhidos naquela data deu os resultados que constam do relatório a que se fez já alusão, junto a fls. 28 dos autos, esclarecendo ainda que o betão analisado tinha uma resistência à compressão inferior à contratada.
Estes meios de prova, testemunhal e documental, não deixaram quaisquer dívidas no espírito do julgador quanto à realidade dos factos descritos no ponto 6., como se disse. Mas não permitiram demonstrar mais do que isso, ou seja, como alegado pela ré na oposição, que o betão (a totalidade do betão) fornecido pela autora no dia 22.11.2016, a que se reportam as cinco facturas datadas desse mesmo dia – que corresponderão a cinco carregamentos -, não estava em conformidade com o contratado e era de qualidade inferior. Daí que se tenha considerado não provada a factualidade acima vertida na al. a). “
Na verdade, o depoimento da testemunha A. P., engenheira civil contratada pela dona da obra para fiscalizar a construção, foi decisivo nesta matéria porque esclareceu como foi feita a recolha do betão para análise. Foi ela que escolheu aleatoriamente um dos camiões que no dia 22.11.2016 transportaram betão para a lage de cobertura da obra e mandou encher os provetes, adiantando que fez o registo fotográfico de toda a documentação.
E tendo resultado dos vários depoimentos que a cada factura corresponde um carregamento, sendo 6 e não 5 como, por lapso, é referido na sentença, o que ficou demonstrado foi apenas que “ A totalidade do betão a que dizem respeito as facturas nºs B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2936, B16/2940 e B16/2941 corresponde a seis carregamentos fornecidos pela A. à R. no dia 22.11.2016 que se destinaram à laje de cobertura da obra e de um desses cargamentos foram retiradas duas amostras de betão para análise pela dona da obra conforme referido em 6., factos relevantes para a decisão da causa que entendemos devem ser levados aos factos provados.
Assim, deferindo parcialmente esta alteração elimina-se a alínea a) dos factos não provados, passando os factos que se vêm de enunciar a constar da factualidade provada.
No que concerne aos factos da alínea b), o Exmo Juiz escreveu: “ As testemunhas N. C. e A. P. afirmaram que a ré acabou por chegar a um acordo com a sua cliente T. C., de modo a ultrapassar o problema resultante da desconformidade do betão que teria sido fornecido pela autora para a laje de cobertura.
A testemunha A. P. disse, contudo, desconhecer quais foram os termos desse acordo. Já a testemunha N. C. – companheira do sócio-gerente da ré, não pode deixar de referir-se – disse que tal acordo passou por uma redução de € 10.000,00 no preço global convencionado para a empreitada de construção da moradia.
Assim, nenhuma prova se produziu - antes pelo contrário - que a ré se tenha vinculado a reparar as consequências resultantes do incumprimento ou cumprimento defeituoso que imputa à autora, muito menos que isso tivesse implicado o custo de € 16.925,00 indicado no orçamento junto pela ré a fls. 11 – orçamento esse que, como decorre da respectiva análise, compreendia trabalhos de demolição e de construção de uma nova laje de cobertura. O que, como ficou claro, não veio a acontecer, mantendo-se essa laje com o betão que a autora forneceu.
E daí que se tenha considerado não demonstrada a factualidade descrita na al. b), tendo-se provado apenas o que se fez constar do ponto 8. supra.”
A R. alegou que chegou a um acordo com a dona da obra mediante o qual se vinculou a suportar as custos da reparação dos defeitos, e veio reclamar o valor de € 16.925,00 a título indemnizatório, aduzindo que corresponde ao custo da demolição e reconstrução da laje onde foi aplicado o betão de classe inferior à contratada.
Porém, o que resultou dos vários depoimentos foi que a dona da obra, quando tomou conhecimento do resultado do ensaio, reclamou e suspendeu temporariamente os pagamentos à R., mas depois chegaram a acordo e a obra foi terminada, não tendo ocorrido a demolição, nem a reconstrução da laje. E dos depoimentos das testemunhas A. P. e J. B., engenheira civil consultado pela R. que visitou a obra, conclui-se que, tendo sido aplicado um betão de classe inferior à contratada, a durabilidade e resistência do mesmo à compressão é menor. E que no futuro pode vir a verificar-se alguma deformação na estrutura, dependendo da carga que for colocada sobre a laje, mas que não é possível fazer previsões a esse respeito.
Assim, face à prova produzida, é forçoso concluir que os factos constantes da al.b) não lograram qualquer sustentação factual.
Por último, assinala-se ainda que, de facto, a testemunha N. C., companheira do sócio gerente da R. disse na audiência que o acordo com a dona da obra passou por um desconto de € 10.000,00 no preço da empreitada. Porém, tal afirmação genérica, desacompanhada de qualquer outro meio probatório, não é suficiente para dar como tal facto, por isso, concordamos com o teor do nº 8 dos factos provados, refutando-se o teor do nº41 das conclusões, onde a recorrente afirma que conseguiu provar que em virtude da desconformidade entre o betão contratado e fornecido sofreu prejuízos de €10.000,00.
Pelo exposto, mantém-se a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido, com exceção da alteração supra referida.
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Fundamentação de direito

Considerando o quadro factual fixado, analisemos as questões suscitadas pela recorrente.
A recorrente começa por discordar da improcedência da exceção de não cumprimento do contrato, sustentando que tal exceção se aplica no âmbito do cumprimento defeituoso do contrato, que ficou demostrado.
Por sua vez, na sentença recorrida, reconhecendo-se que no dia 22.11.2016 foi fornecido um carregamento de betão pela A. à R. que submetido a análise revelou uma qualidade inferior à contratada acabou por julgar improcedente a exceção de não cumprimento do contrato por entender a R. deixou caducar os direitos que lhe assistiam, à eliminação do defeito ou desconformidade ou à entrega de nova coisa.

Comecemos por verificar os requisitos da exceção de não cumprimento do contrato prevista no art.428º, nº1 do C.Civil da seguinte forma:

1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

Assim, a excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da respectiva contraprestação.

A invocação procedente da excepção de não cumprimento do contrato, depende da verificação de vários pressupostos –cfr. para além de Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Anotação ao art.º 428º do CC, Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1995, pág. 329, seguiremos de perto José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português – Conceito e Fundamento, Almedina, 1995 .

O primeiro deles é o negócio jurídico ser um contrato bilateral ou sinalagmático, que é caracterizado pela relação de correspectividade e interdependência das obrigações das partes. Existe entre elas um nexo ou sinalagma, significando que a obrigação de cada uma das partes constitui a razão de ser da outra, cada uma das obrigações é contrapartida da outra, uma não nasce sem a outra e nenhum dos devedores tem de cumprir sem que o outro cumpra igualmente.

No caso concreto da compra e venda, o vendedor obriga-se a entregar a coisa e o comprador a pagar o preço acordado.

Esse nexo de correspectividade pode reportar-se ao momento da celebração do contrato – o que a doutrina costuma designar por sinalagma genético – em que a correspectividade das obrigações dos contraentes implica que a obrigação (ou obrigações) de um contraente só surge se surgir o outro; e pode reportar-se à vida do contrato, se a questão da reciprocidade das prestações se manifesta e releva num desses momentos, designadamente quanto à simultaneidade do cumprimento (a execução por uma das partes está condicionada à execução pela outra) – o que a doutrina costuma designar por sinalagma funcional.

Em virtude desse sinalagma funcional, uma das partes pode não cumprir a sua prestação enquanto a outra não cumprir a prestação correspondente – é a excepção de não cumprimento.
Desde que as obrigações das partes são interdependentes, o não cumprimento de uma faz desaparecer a contrapartida – causa e razão de ser da outra – o que legitima a exceptio, meio de conservação do equilíbrio sinalagmático.
O segundo dos pressupostos é não haver prazos diferentes de cumprimento das obrigações.
Se uma das obrigações tem termo certo e outra é pura, a relação de interdependência ou correspectividade entre as obrigações continua a existir. Só que está afastado o dever de execução simultânea e logicamente fica afastada a excepção de não cumprimento: o contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar não pode valer-se dela, devendo cumprir embora a outra parte ainda não o tenha feito. No entanto, em consideração que a partir do momento em que ambas as obrigações estejam vencidas, em que ambas as obrigações sejam exigíveis, ficam condicionadas de novo pelo sinalagma enquanto exigência de simultaneidade na execução dessas obrigações.
A excepção de inadimplência consiste na recusa de um dos contraentes de executar [suspender] a sua prestação quando o outro contraente a reclama sem, por seu turno, ter ele próprio executado a respectiva contraprestação ou, tendo-a realizado de forma defeituosa estar obrigado a uma prestação substitutiva - deficiente – e este é o terceiro pressuposto.
Na verdade, a excepção de não cumprimento do contrato também é invocável quando ocorra um cumprimento parcial da obrigação ou um cumprimento defeituoso – no sentido do exposto, em tese geral, José João Abrantes, ob. cit. pág. 92 a 118, que, depois da análise da doutrina estrangeira e nacionais e da jurisprudência nacional, conclui que a exceptio pode ser invocada desde que proporcional à gravidade da inexecução, dizendo ( pág. 110-111):
“ Se não é justo ficar a parte que recebe um cumprimento parcial ou defeituoso impedida de alegar a excepção, também não o é responder a uma falta insignificante do ponto de vista da economia contratual com a recusa total da sua prestação. Sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento caracterizador essencial da relação contratual em causa, a suspensão da prestação deve ser considerada legítima” na quantidade necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas à regra do cumprimento simultâneo.
A parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso. O princípio da boa-fé impõe (…) que o exercício do nosso meio de defesa respeite a finalidade em vista da qual a lei o concedeu. (…) tal finalidade é a de possibilitar a total execução da relação contratual, pelo que o devedor não poderá alegar a exceptio, a não ser que com isso vise efectivamente essa execução e somente na medida em que a recusa da sua prestação possa de facto facilitá-lo. O princípio exige, assim, que incumprimento da obrigação da outra parte revista determinada gravidade e opõe-se a que o devedor se aproveite desse incumprimento, das dificuldades momentâneas da contraparte para deixar ele próprio de executar a sua obrigação.
Daqui decorre que à inexecução parcial ou à execução defeituosa de uma das partes de um contrato bilateral só poderá normalmente ser oposta uma recusa de prestar também em termos meramente parciais. Se o primeiro dos contraentes oferecer uma prestação parcial ou defeituosa, a contraparte pode opor-se e recusar a sua contraprestação até que aquela seja oferecida por inteiro ou até que sejam eliminados os defeitos ou substituída a prestação. (…) Relativamente à execução defeituosa, a recusa da contraparte poderá igualmente ser justificada apenas em parte ( se por exemplo o defeito ou vício da prestação tiver escassa importância ).“.
Também os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, I vol. pág. 406 e segs ensinam: “A exceptio tanto vale para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa-fé consagrado nos artigos 227.° e 762.° n.º 2”- vide ainda este respeito, na RLJ, Ano 119.°, págs. 137 e segs., e Acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 1984, com anotação de Almeida Costa)
*
Vistos os princípios gerais do funcionamento desta excepção, analisemos a situação em apreço.
Dos factos provados resulta que, no dia 26.11.2016, a A. forneceu à R. o betão a que dizem respeito as facturas nºs B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2936, B16/2940 e B16/2941 que corresponde a seis carregamentos que se destinaram à laje de cobertura da obra que a última estava a executar e de um desses carregamentos foram retiradas pela dona da obra duas amostras de betão que submetidas a análise revelaram uma resistência à compressão de 21.6 e de 21.3, inferior à contratada ( 25/30)
Ora, uma laje, como resulta das regras de experiência comum, deve ser uniforme, ou seja, não pode ter um grau de resistência num ponto e outro grau de resistência em outro ponto.
Portanto, a falta de qualidade verificada em, pelo menos, um carregamento reflete-se na resistência da totalidade da laje e pode vir a comprometer a estabilidade da obra.
Destarte, tendo ficado provado que uma das cargas de betão fornecido apresentava características inferiores às contratadas, estamos manifestamente perante um cumprimento defeituoso. E este cumprimento defeituoso não é, como eventualmente se podia pensar, apenas da carga em que o mesmo se verificou, mas de toda a prestação, atingindo, portanto, todas as cargas daquele dia.
Com efeito, tendo sido contratadas seis cargas de betão com determinada resistência para um único fim e sendo esse fim homogéneo e não divisível, pois está em causa o enchimento de uma laje de cobertura e não é pensável que a laje tenha um grau de resistência num ponto e outro grau de resistência em outro ponto, estamos perante uma única prestação, em que todas as cargas de betão devem de ter iguais características, ou seja, também elas têm de ser homogéneas; se uma delas não tem as características contratadas é toda a prestação que fica em causa.
Por conseguinte, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, a questão não passava pela necessidade da Ré provar que a totalidade do betão fornecido pela autora naquela data estava desconforme e não tinha a qualidade contratada, apresentando uma resistência à compressão expectável na classe C 21.
Se a prestação é única e deve ser homogénea, basta que uma parte não tenha as características contratadas (não havendo qualquer facto que permita afirmar que a sua importância é escassa ou irrelevante, antes pelo contrário, quando está em causa uma obra de construção civil, sujeita a estritas regras de segurança estrutural) para que fique em causa toda a prestação e haja cumprimento defeituoso.
Sendo assim e porque quem tinha de cumprir em primeiro lugar era a A., fornecendo betão da qualidade contratada, a Ré pode opor a excepção de não cumprimento.

Mas sendo assim e tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, a excepção só pode ser oposta relativamente às cargas de 20/11/2016 e, assim, às facturas:

d) Factura B16/2930, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
e) Factura B16/2934, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
f) Factura B16/2935, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
g) Factura B16/2936, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
h) Factura B16/2940, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
i) Factura B16/2941, datada de 22.11.2016, no valor de € 365,93.

Avançando, não se desconhece a opinião de João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina 3ª Edição, onde afirma:
“A possibilidade de dedução desta excepção de não cumprimento mantém-se, enquanto não forem ressarcidos todos os danos que determinem uma responsabilidade contratual do empreiteiro, resultantes da existência de defeitos na obra; mas se esses já tiverem caducado, nos termos do art.º 1224º do CC, o dono da obra deixa de poder excepcionar o cumprimento defeituoso do empreiteiro para suspender o cumprimento da sua obrigação de pagar o preço”
A referida posição é seguida na jurisprudência – Ac. da RL de 22/9/2005, processo 5104/2005-6, no qual se refere:
“Ora, se não pode exigir de empreiteiro, qualquer dos referidos direitos, também não lhe pode opor a excepção de incumprimento, que a ser admitida, consubstanciaria a inutilização do regime legal de caducidade (art. 1224º e 1225º CC).”
A mesma tese é seguida nos Acs Relação do Porto de 26/02/2015, proc. nº 2036/13.2TBVFR – onde se afirma que a excepção do não cumprimento apenas pode ser validamente exercida se o comprador ainda tiver o direito à reparação ou substituição da coisa, ou à redução do preço - e de 09/05/2019, proc. nº 9188/18.3YIPRT – que segue o anterior -, quando afirmam que a excepção de não cumprimento apenas pode ser validamente exercida se o comprador, ao invocá-la, pretender o cumprimento do contrato, a sua integral ou correcta execução, e se ainda tiver direito a exercitar essa pretensão, pedindo a eliminação do defeito, a substituição da coisa, ou redução do preço. Não já quando deixou caducar esses direitos.
Mas não se acompanha tal posição.
Nada na lei permite ligar uma coisa à outra: a exceptio é independente daqueles direitos, vale por si e não está sujeita a caducidade.
Estar-se-ia a obrigar o credor a agir em juízo quando não foi ele que infringiu o contrato, beneficiando-se o infractor.
Estar-se-ia a criar uma caducidade da exceptio, quando a lei não a prevê.
A invocação da exceptio, enquanto pura excepção dilatória de direito material, não está sujeita a qualquer prazo de caducidade.
Desde que o credor tenha denunciado o defeito, com excepção do direito de resolução que é incompatível com a excepção, e o devedor da prestação correcta nada tenha feito, aquele pode invocar a todo o tempo a exceptio, sem que lhe possa ser oposta, enviesadamente, a excepção de caducidade.
Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 21-02-2018, relatado por Luís Cravo, proc. 131004/16.4YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde a propósito de um contrato de empreitada, mas cuja argumentação é transponível para o contrato de compra e venda se decidiu :
O conhecimento da exceptio (“exceção de não cumprimento do contrato”) deve, na economia da sentença, preceder o conhecimento sobre a exceção de caducidade, sendo até independente deste.
Por assim ser, a eventual caducidade dos direitos edilícios do dono da obra, não tem, à partida, qualquer reflexo sobre a exceptio e os efeitos desta: tê-lo-ia se a Ré (dona da obra) tivesse deduzido pedido de eliminação dos defeitos, designadamente por via reconvencional, o que não foi o caso, pois que a aqui Ré/recorrente (“excipiente”) tem uma posição puramente defensiva, isto é, a invocação da exceptio, só por si, não implica qualquer reclamação do seu crédito (direito à eliminação dos vícios/defeitos) ou, pelo menos, qualquer intenção de o exercer.”
Destarte, soçobra o argumento da sentença recorrida de que a R. não pode invocar a exceção de não cumprimento do contrato em virtude de ter deixado caducar os direitos que lhe assistiam, à eliminação do defeito ou desconformidade, à entrega de coisa nova, etc.
Coloca-se ainda a questão de saber se com a denúncia o credor deve manifestar a opção pelo exercício dos direitos de eliminação do defeito ou emergentes do cumprimento defeituoso.
Pedro Romano Martinez, in O cumprimento defeituoso, 1ª edição, pág. 328, pronuncia-se afirmativamente. Em sentido contrário, Rui Sá Gomes, in Breves notas sobre o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, in Ab vno omnes – 75 anos da Coimbra Editora, pág. 621-622, nota 74.
Considerando o modo de funcionamento da exceptio - o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra; o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo – há que concluir que o credor deve manifestar a opção por um dos direitos conducentes à realização da contraprestação.
No que concerne a este aspeto está provado – ponto 7. – que a cliente da ré reclamou junto da mesma dessa desconformidade, através de carta datada de 22.12.2016, tendo esta última, posteriormente, remetido à autora a carta cuja cópia está junta a fls. 7 vº dos autos, datada de 24.01.2017, de cujo teor constava, além do mais, o seguinte:
“Recebemos da nossa Cliente Senhora T. C. a reclamação relativa à má qualidade de betão aplicado na laje da obra sita no lote nº .. – loteamento sito no lugar ..., da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Barcelos, conforme carta anexa.
O betão que vossas excelências forneceram para a obra diz respeito às vossas facturas nº B16/2930, B16/2934, B16/2935, B16/2936, B16/2940 e B16/2941, onde expressamente consta que o betão aplicado em obra tal como vos foi encomendado à C25/30.
Segundo relatório efectuado pela cliente e que anexamos o betão aplicado é C21 em total desconformidade com o que deveria ter sido aplicado em obra.
Em face ao exposto agradecemos que de imediato tomem as devidas providências relativamente a esta reclamação da cliente.”
Com esta carta a R. denunciou a falta de qualidade contratada do betão fornecido no dia 22.11.2016 e exigiu que a A. “ tomasse as providências necessárias” declaração esta que, embora tenha uma larga amplitude, inclui inequivocamente a substituição da prestação, e a A. nada fez.
Refere-se também na sentença, citando-se o Ac. da Relação de Guimarães de 20/02/2014, proc. nº 3730/11.0TBVCT-F, disponível em do em www.dgsi.pt, que a exceção de não cumprimento do contrato pressupõe que ainda seja possível a prestação do contraente ao qual é oposta a exceptio.
Aceitando-se que em princípio assim seja, entende-se que a impossibilidade só releva se resultar de facto imputável ao credor.
Não é admissível a impossibilidade por facto imputável ao incumpridor porque desse modo era beneficiado o contraente incumpridor.
A este propósito, veja-se Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, p.796 a 798, onde refere que a eventual impossibilidade de cumprimento é um facto extintivo do direito alegado pelo credor, pelo que o ónus de alegação e prova dessa impossibilidade recai sobre o devedor.

No caso em apreço, a A. não alegou, nem provou qualquer impossibilidade imputável à aqui R. de substituir a prestação.

Neste conspecto, com o devido respeito por diferente posição, entendemos que a exceção de não cumprimento do contrato deve proceder parcialmente em relação às facturas datadas de 20/11/2016, a saber:

d) Factura B16/2930, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
e) Factura B16/2934, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
f) Factura B16/2935, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
g) Factura B16/2936, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
h) Factura B16/2940, datada de 22.11.2016, no valor de € 731,85;
i) Factura B16/2941, datada de 22.11.2016, no valor de € 365,93.

Que totalizam € 4.025,18.

Relativamente à compensação de créditos invocada pela R.,acompanhamos as doutas considerações da decisão recorrida, pois, não tendo a R. logrado fazer prova de que sofreu os prejuízos alegados, a mesma não pode deixar de improceder.

No que concerne aos demais fornecimentos a que se reportam as restantes facturas, tendo a R. pago apenas a quantia de € 295,51 relativa à factura de 3.11.2016( nº4 dos factos provados) não restam dúvidas de está obrigada a pagar a totalidade do preço em dívida € 4.872,25, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde das datas de vencimento, indicadas em cada uma das facturas, às taxas sucessivamente aplicáveis resultantes do disposto no art. 102º§5 do Código Comercial e Portaria 277/2013 de 26.8, até integral pagamento, bem como a quantia de € 40,00,a título de custos suportados com a cobrança, prevista no art.7º do D.L. 62/2003.
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IV- Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível desta Relação, julgando parcialmente procedente a presente apelação acordam em:

1º - Considerar procedente a exceção de não cumprimento do contrato em relação aos fornecimentos a que se reportam as facturas datadas de 22.11.2016, no valor total de € 4.025,18 (quatro mil e vinte cinco euros e dezoito euros) e, consequentemente, declarar suspenso o dever de pagamento da ré até à substituição da prestação por parte da autora.
2º- No mais mantém-se a sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar à A. o preço em dívida dos fornecimentos a que se reportam as restantes facturas, no valor total de € 4.872,25 (quatro mil oitocentos e setenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) com juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde das datas de vencimento indicadas em cada uma das facturas até integral pagamento, bem como a quantia de € 40,00 (quarenta euros) a título de indemnização dos custos suportados com a cobrança da dívida.
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Custas da ação e do recurso na proporção de 40% pela A. e 60% pela R.
Notifique
Guimarães, 3 de fevereiro de 2021

Relatora: Mª Eugénia Pedro
1º Adjunto: Pedro Maurício
2º Adjunto: José Carlos Duarte