TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CULTIVO DE CANÁBIS
Sumário

O cultivo de canábis sem a devida autorização é proibido.
O atraso na resposta da DGAV, ou os «entraves» colocados por tal entidade à concessão da autorização solicitada, não legitimam que se avance com o cultivo, caso em que se cometerá o crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21.º, § 1.º da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal.

Texto Integral


Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.
Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo Local Criminal de (…) com o n.º 15/21.5GAMRA, foi o arguido TAP, nascido em 23.05.1976, filho de (…), natural da freguesia de (…), divorciado, agricultor e residente em (…), ouvido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coação de:
- Obrigação de apresentações periódicas no posto de polícia, territorialmente competente na sua área de residência, três vezes por semana, mais concretamente, às segundas, quartas e sextas-feiras (artigo 198.º, n.º1 do C.P.P.);
- Obrigação de entregar quaisquer sementes e plantas de canábis que ainda não tenham sido apreendidas junto do posto de polícia, territorialmente competente na sua área de residência (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.);
- Proibição de plantação de quaisquer sementes de canábis e de tratamento de plantas de canábis, independentemente do teor de THC (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.), nos termos dos artigos 191.º a 196.º, 198.º, n.º1 e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal, por existirem indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p no artigo 21, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal e por existir necessidade de acautelar os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“1. O arguido é agricultor, licenciado em Agronomia e desde 2015 que explora a produção de plantas aromáticas e medicinais, inspiradas na Agricultura Biodinâmica de Rudolf Steiner.
2. No pretérito dia 09.09.2021, sem que nada o fizesse prever, o arguido foi surpreendido com um mandado de busca não domiciliária na (…), tendo ali sido detido e presente a juiz no dia seguinte, ou seja 10.09.2021.
3. Contudo, não foram explicados ao arguido os factos que vinham indiciados nem a prova que fundamentasse a sua decisão.
4. Acontece que, a atuação do arguido não consubstancia na prática de qualquer crime.
5. Porquanto, as plantas encontradas na herdade do arguido pertencem ao Catálogo Europeu de Sementes Certificadas.
6. E, as plantas semeadas haviam sido autorizadas em 2018/2019.
7. Enquanto as sementes ainda embaladas estavam a aguardar autorização desde fevereiro de 2021.
8. Na medida em que a DGAV tem vindo a criar entraves no acesso ao cultivo desta planta desde 2020 (ano em que afirmava ser incompetente porque a legislação não lhe atribuía competência).
9. O que era claramente falso, conforme explicado supra.
10. E posteriormente, desde 2021 a DGAV tem vindo a criar questões e requisitos que extravasam os impostos pela portaria 83/2021.
11. Ou seja, o arguido não praticou o crime que lhe vem imputado, em primeiro lugar porque apenas semeou as sementes autorizadas.
12. E, em segundo lugar, porque não constitui crime possuir sementes que fazem parte do Catálogo Europeu de Sementes Certificadas.
13. Principalmente, se as mesmas se encontrarem embaladas e não forem cultivadas sem autorização!
14. Tal como explicado pelo arguido aos agentes da GNR, os bens apreendidos nos presentes autos destinavam-se à plantação de outras plantas, nomeadamente ao Açafrão.
15. O arguido necessita dos bens apreendidos para poder continuar a sua atividade profissional.
16. O arguido vai ser obrigado a adquirir mais balanças de precisão para o açafrão, o que implica um custo de 350€/cada.
17. Foi determinada a aplicação de uma medida de coação de apresentação periódica, três vezes por semana, mais concretamente, às segundas, quartas e sextas-feiras (artigo 198.º, n.º 1 do CPP).
18. Acontece que, o posto de polícia territorialmente competente na sua área de residência fica a uma distância de 30 km do local de residência do arguido, cerca de 1h de distância.
19. O que obriga o arguido a suspender a sua atividade económica a meio do dia e se deslocar 180km/semana, o que significa 6h de viagem, para cumprimento da medida de coação aplicada.
20. Ou seja, além do prejuízo de interromper o seu trabalho, o arguido ainda tem de assumir uma despesa extra com a gasolina, no valor aproximado de 30€/semana, o que corresponde a 120€/mês.
21. Tal medida é excessiva e desproporcional, devendo ser aplicada uma medida de coação menos gravosa, na medida em que não estão cumpridos os requisitos previstos no art.º 204.º do CPP.
22. O arguido sempre se manteve disponível para cooperar com a investigação do processo-crime, demonstrou que as plantas que semeou tinham autorização para cultivo e que cumpriam os limites legais de THC (-0.2% de THV e 0 CBD).
23. Além de que, demonstrou que tem tentado obter sistematicamente autorizações por parte da DGAV para cultivo das plantas, mas a mesma insiste em criar “requisitos surpresa” e ilegais para dilatar no tempo a sua decisão.
24. O arguido é reputado por tudo e por todos como uma pessoa de bem.
25. Pelo que, apenas deveria ser aplicada a medida de coação de Termo de Identidade e Residência.”
Termina pedindo a revogação das medidas de coação que lhe foram aplicadas, mantendo-se apenas o TIR ou, subsidiariamente, a redução da medida de obrigação de apresentações periódicas para apresentações apenas uma vez por semana.

*
O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. Veio o recorrente invocar que a medida de coação aplicada é excessiva e desproporcional, tendo em conta que o arguido tem de suspender a sua atividade económica e o posto territorial mais próximo situa-se a 30 km.
2. Ora, em primeiro lugar, deve-se referir que o recorrente não invocou qualquer norma violada com o despacho proferido.
3. Em segundo lugar, apesar de o recorrente referir que toda a plantação foi realizada com sementes que pertencem ao Catálogo Europeu de Sementes Certificadas, a verdade é que o arguido recorreu por diversas vezes à DGAV para realizar a plantação, motivo pelo qual, entende o Ministério Público, salvo o devido respeito por opinião contrária, que tal comportamento é incongruente com a versão apresentada.
4. Mais se diga que o próprio arguido assumiu que tinha plantas escondidas, com THC superior ao da restante plantação, pelo que se denota que o mesmo tinha conhecimento da prática do ilícito, ao invés do que refere no recurso apresentado.
5. Acresce que, o arguido não aduz argumentos que afastem os perigos que ficaram evidenciados no despacho recorrido e, por sua vez, fundamentaram a aplicação das medidas de coação.
6. Crê o Ministério Público que se encontram evidenciados os perigos de continuação da atividade criminosa e perturbação da tranquilidade pública, tal como refere o despacho proferido pelo Tribunal a quo.
7. Ademais, desconhece-se se o arguido detém mais sementes ou produto estupefaciente que não tenha sido apreendido.
8. Mais resulta que o arguido se encontra inserido num meio pequeno onde é de conhecimento geral o ocorrido, pelo que se deve ter em consideração que a atividade desenvolvida pelo arguido, bem assim como todas as questões a elas associadas, conduzem a um sentimento de insegurança e de alarme social.
9. Em suma, crê-se que nenhuma censura se pode dirigir à decisão recorrida, uma vez que a mesma nos parece adequada, proporcional e justa ao caso concreto tendo em consideração a forte indiciação dos factos e os perigos verificados no caso concreto, devendo improceder o recurso apresentado.
Face ao supra exposto e pelos fundamentos invocados, entende-se que deve ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.”
*
O Exm.º Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.
*
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.
No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:
- Determinar se estão verificados os pressupostos de aplicação das medidas de coação impostas ao recorrente.
- Determinar se a medida de coação de apresentações periódicas no posto de polícia territorialmente competente, na área de residência do arguido, três vezes por semana se revela excessiva e desproporcional.
*
II.II - O despacho recorrido.
Realizado o interrogatório e cumpridos os formalismos legais foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:
«DESPACHO
Valida-se a detenção do Arguido, por ter sido efetuada em flagrante delito, com respeito pelo disposto nos artigos 255.º, n.º1, alínea a) e 256.º, n.º1, ambos do C.P.P. e por ter sido respeitado o prazo 48 horas para apresentação do detido a juiz para primeiro interrogatório judicial e aplicação de medida de coação, previsto no artigo 28.º, n.º1 da C.R.P. e artigo 254.º, n.º1, alínea a) do C.P.P.
*
As apreensões constantes dos autos encontram-se validadas por autoridade judiciária com competência para o efeito e no prazo de 72 horas previsto para o efeito no artigo 178.º, n.º 6.
*
Compulsados os autos verifica-se que os mesmos indiciam a prática pelo arguido dos seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 18 de agosto de 2021, na Herdade (…), o arguido TAP, adquiriu e cultivou uma área de 0,76 hectares de terreno com canábis.
2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 18 de agosto de 2021, o arguido TAP, procedeu ao cultivo da referida plantação, com implementação de um sistema de rega gota-a-gota, a tutores, em ferro ou cana, procedendo à adubação do solo e à implementação de proteções metálicas em rede ovelheira em algumas das plantas.
3. A referida plantação foi realizada num local ermo e isolado, cujo o acesso é realizado através de caminhos rurais, de terra batida.
4. Em data e com frequência não concretamente apurada, o arguido TAP, procedia ao tratamento das plantas, à colheita das plantas, tritura e secagem das mesmas, embalando-as ou acondicionando-as posteriormente, em sacos ou frascos, em que colocava etiquetagem com a designação de lotes, datas e outras inscrições, confecionando ainda com as mesma óleos, azeites e fragâncias.
5. No dia 9 de Setembro de 2021, pelas 07 horas e 15 minutos, na Herdade (…), o arguidoTAP, encontrava-se a cuidar da referida plantação, tendo na Herdade a plantação dividida em 4 sectores:
6. O primeiro sector, encontrava-se dividido em quatro (4) linhas, paralelas entre si e na perpendicular ao armazém, em patamar inferior, com o seguinte número de pés de canábis.
- primeira linha “B1” – 39 pés;
- segunda linha “B2” – 38 pés;
- terceira linha “B3” – 40 pés;
- quarta linha “B4” – 40 pés,
Perfazendo um total deste setor de 157 pés de canábis.
7. Neste primeiro sector as raízes não se encontravam ainda no solo, mas no interior de sacos térmicos de cor branca e apresentando um tamanho regular entre todas.
8. O segundo sector, encontrava-se no declive do terreno, dividido em oito (8) linhas, com o seguinte número de pés de canábis:
- primeira linha “C1” – 58 pés;
- segunda linha “C2” – 86 pés;
- terceira linha “C3” – 77 pés;
- quarta linha “C4” – 71 pés;
- quinta linha “C5” – 80 pés;
- sexta linha “C6” – 59 pés;
- sétima linha “C7” – 73 pés;
- oitava linha “C8” – 40 pés,
Perfazendo um total deste setor de 544 pés de canábis.
9. O terceiro sector, dividido em quatro (4) linhas, a sudoeste do 3.º, abaixo de edificações em ruínas, com o seguinte número de pés de pés de canábis:
- primeira linha “D1” – 46 pés;
- segunda linha “D2” – 47 pés;
- terceira linha “D3” – 49 pés
- quarta linha “D4” – 45 pés,
Perfazendo um total deste setor de 187 pés de planta canábis.
10. Junto à linha de água, encontravam-se cinco (5) plantas de canábis, camufladas
pela vegetação.
11. Assim, encontravam-se cultivadas um total de 893 pés de plantas de canábis.
12. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 5.º, o arguido detinha na Herdade (…) no terreno onde se encontrava a plantação:
- 2500 metros de mangueira de rega gota a gota;
- 348 proteções de plantas feitas em rede orvalheira;
- 893 tutores das plantas em ferro e cana.
13. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido detinha na Herdade (…) junto ao armazém agrícola:
- Uma grade de discos de marca Joper, modelo 14/20;
- Um escarificador de marca JAR, modelo VTR.º
14. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido detinha na Herdade (…) dentro do armazém agrícola - laboratório, estufa, residência e nas imediações os seguintes objectos:
- 1 Telemóvel de marca HUAWEI P20, modelo EML- L29;
- 1 livro de registo de culturas;
- 6 litros de fertilizante BIONOVA;
- 1 litro de fertilizante BIORHIZOTONIC;
- 5 sacos com 750 g de BIONAVAMICROLIFE;
- 1 recipiente com 10 litros de fertilizante Terraflores;
- 1 recipiente com 2 litros de fertilizante Terraflores;
- 1 recipiente com fertilizante para enraizamento RCMAGIC;
- 2 frascos com 50 ml cada de fertilizante Clonex;
- 1 máquina destroçadora de cannabis, de marca RADICAL F2;
- 1 desumidificador de marca YL2000AM (B);
- 1 documento referente à aquisição de fertilizantes em nome de (TUC);
- 7 rolos de sacos de plástico;
- 2 frascos de fertilizante PLAGRON, um com 100 ml e outro com 50 ml;
- 1 portátil de marca HP, modelo RT287L3DE;
- 1 disco externo de marca CEGAT;
- 1 cartão de memória com 32 g de marca PNY;
- 1 disco externo de marca GSTOR NAIVE;
- 1 Disco externo, de marca Lacie, com n.º de serie 12789055286251KL;
- 1 PC portátil, de marca HP, com n.º de serie 0001146-531-531-5356-195;
- 1 documentos informativos referentes ao cultivo de cannabis;
- 7 tesouras de poda, de marca Lee Kleen;
- 1 tablet de marca a HP, com n.º de serie 81401;
- 1 balança de precisão de marca Kern, modelo EBM-200;
- 3 recipientes de fertilizante BIONOVA, um deles com 20 L, outro de 5 litros e três
de um litro;
- 1 balança de precisão de marca BAXTRAN;1 máquina de embalar a vácuo, de marca SILVER CREST;
- 1 folha com tabela de preços;
- 1 moinho elétrico com resíduo de cannabis;
- 1 rolo de película aderente;
- 14 litros de fertilizante Bionova PK 13-14;
- 1 saca de sementes de Cannabis Sativa de 25 quilos com n.º de serie DE 168-2700793;
- 1 frasco de vidro contendo 15 gramas de sementes de cannabis;
- 1 frasco de vidro com 127g de sementes de cannabis com inscrição 2018;
- 1 frasco de vidro com 300g de sementes de cannabis com inscrição 2018;
- 1 saco com 130,00 g de sementes cannabis;
- 1 frasco em vidro de 95 g de sementes cannabis e inscrição KOMPOLTY2019;
- 1 frasco de vidro com 110g de sementes de cannabis com inscrição KOMPOLTY2019;
- 10 g de folhas cannabis;
- 1 frasco em vidro contendo azeite cannabis 2830 gramas e com inscrição 2018;
- 24 frascos de óleo de cannabis (17 de 100 ml e 7 de 30 ml);
- 20 g de folhas de cannabis;
- 25 g de folhas de cannabis;
- 1 frasco de vidro com 15g de sementes de cannabis sumidades floridas com a inscrição (XXXX);
- 1 saco de plástico com vestígios de cannabis;
- 85 g de folhas cannabis;
- 1020,00g de folhas cannabis;
- 1 saco com 2285g de folhas cannabis;
- 1 saco com 130,00g de folhas cannabis;
- 1 saca com 25 kg de sementes de cannabis Sativa com o n.º (XXXX);
- 1 saca com sementes cannabis Sativa com o n.º (XXXX);
- 1 saco com 5 g de folhas Cannabis;
- 1 saco com 30 g de folhas Cannabis;
- 1 frasco de vidro com 60 g de óleo de cannabis;
- 25355,00 g de folhas Cannabis distribuída por vários sacos plásticos;
- 645,00g de raízes de cannabis;
- 1 saco com 2540,00g de folhas cannabis;
- 25 plantas juvenis cannabis;
- 25 plantas cannabis, com 50 centímetros de altura;
- 1 planta cannabis em estado adulto;
- 1 frasco de vidro com 100g de sementes de cannabis;
- 1 recipiente em plástico contendo 2,335g de sementes de cannabis;
- 1 recipiente em plástico contendo 2535g de sementes de cannabis;
- 35,00 g de sementes cannabis, divididas em sacos etiquetados;
- 5,00 g de sementes cannabis;
- 10,00 g de folhas cannabis;
- Trator agrícola com a matrícula DDDDDD, com 1539 HR;
- 4 notas de 50 € (cinquenta euros);
- 59 notas de 20€ (vinte euros).
15. Os objectos descritos eram utilizados para a manutenção da plantação, bem assim como para secagem, tritura, embalamento/acondicionamento, pesagem e tratamento das plantas.
16. O arguido tinha na sua posse 1.380€ (mil trezentos e oitenta euros) resultante da venda das suas culturas, inclusive de Canábis.
17. O arguido tinha consciência que a planta que cultivava era Canábis bem sabendo que não lhe era permitido cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, deter, comprar, transportar, receber, consumir, vender ou ceder sem autorização emitida pela entidade competente.
18. Ainda assim optou por agir nos moldes descritos.
19. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Resulta ainda dos autos que:
20. O Arguido tem 45 anos de idade.
21. Dedica-se à agricultura desde 2015, dedicando-se, entre outras, e desde dada não concretamente apurada, ao cultivo, produção de Canábis.
22. O Arguido iniciou a exploração agrícola na herdade em conjunto com GOT, sua ex-companheira.
23. GOT tem acompanhado o processo de cultivo de canábis.
24. O Arguido decidiu cultivar canábis para fins industriais, pretendendo produzir óleos vegetais e derivados.
25. O Arguido solicitou autorização à DGAV para cultivar e plantar Canábis.
26. Tal pedido foi indeferido porquanto o Arguido cultivou as plantas antes de obter a autorização da entidade competente.
27. No ano em curso estimava que a maioria dos seus rendimentos adviessem da produção de canábis e da sua utilização em produtos industriais.
28. O Arguido encontra-se a frequentar o 2ª ano do curso de agronomia no instituto politécnico de Beja.
29. Tem vindo a ser convidado para dar palestras sobre a produção de cânhamo em Portugal.
30. Em 1ª interrogatório adotou uma postura colaborante.
31. Reside na herdade onde se encontrava localizada a plantação.
32. Não tem familiares em Serpa.
33. Encontra-se averbada ao certificado de registo criminal do Arguido uma condenação pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes.
*
Os factos dados como indiciados resultam dos seguintes meios de prova;
- Declarações do Arguido;
- Auto de notícia de fls. 4 a 5;
- Relatório de serviço de fls. 6;
- Relato de diligência externa de fls. 7;
- Folha de suporte de fls. 8 a 12;
- Relatório intercalar de fls. 19;
- Auto de busca e apreensão de fls. 28;
- Auto de apreensão de fls. 29 a 30;
- Teste rápido de fls. 31;
- Auto de pesagem de fls. 37;
- Relatório fotográfico de fls. 33 a 37;
- Auto de apreensão de fls. 44;
- Auto de apreensão de veículo de fls. 45;
- Nota discriminativa do dinheiro apreendido de fls. 46;
- Teste rápido de fls. 47 a 50;
- Auto de pesagem de fls. 51 a 53;
- Relatórios fotográficos de fls. 54 a 85;
- Croquis de fls. 86, 89;
- Legendas de fls. 87, 90;
- Folhas de suporte fotográfico de fls. 91 a 99;
- Informações da DGAV de fls. 100 a 108;
- CRC de fls. 113;
- Consulta à base de dados da segurança social de fls. 115 e 116.
Mais concretamente:
O Arguido admitiu a grande maioria dos factos que vinham indicados pelo Ministério Público, reconhecendo o cultivo de canábis, explicando que pretendia utilizar as plantas para fins industriais – mormente, produção de óleos vegetais, óleos essenciais e outros derivados para utilização em produtos cosméticos - e que estava consciente de que precisava de autorização da DGAV para poder plantar e vender as sementes de canábis.
Mais esclareceu que solicitou autorização à DGAV, mas que acabou por arriscar plantar antes de obter essa autorização.
As declarações do Arguido foram prestadas de forma calma e, na sua grande maioria, mereceram o acolhimento dos autos, desde logo, por estarem em consonância com outros elementos dos autos, como seja, a troca de emails entre a DGAV e o Arguido (juntas aos autos a fls. 100 e 104), que confirmam, por um lado, que o Arguido pediu, efetivamente, autorização para proceder à plantação de canábis, embora o pedido não tenha sido deferido, e, por outro lado, que a narrativa apresentada àquela entidade se identifica, na sua maioria, com o que defendeu perante o Tribunal, sendo certo que foi oferecida numa época anterior à pendência destes autos.
Há ainda a considerar folha de preços dos óleos vegetais produzidos na sua herdade (junta aos autos a fls. 98), que dá arrimo à narrativa de que a plantação em causa não se destinada a introduzir no mercado dos consumidores de droga, mas antes para produção industrial.
Neste conspecto, cumpre apenas salientar que a única parte das declarações do Arguido que não lograram convencer o Tribunal respeitam ao alegado desconhecimento da ilicitude da sua conduta, porquanto, no seu entender, o cânhamo, por não ter THC, não é qualificável como produto estupefaciente. Nesta sede importa frisar que estamos perante um Arguido que está a tirar um curso de agronomia, não se afigurando credível que não saiba «cânhamo» é, igualmente, canábis, e que em Portugal o cultivo de canábis, independentemente do grau de THC, só é lícito mediante a obtenção de uma autorização, temporalmente válida, que certifique os níveis de THC contidos pela planta.
De resto, sempre se refira que o Arguido acabou por reconhecer que, perante a ausência de resposta da DGAV optou por arriscar, bem sabendo que agia contra as indicações legais.
Por estes motivos, não restaram dúvidas ao Tribunal que o Arguido sabia que agia ilegalmente ao cultivar canábis (ainda que da espécie «cânhamo).
Refira-se, ainda, que a convicção deste Tribunal não saiu prejudicada pelo valor monetário encontrado no local. É certo que estamos perante um valor expressivo, porém, não podemos olvidar que era composto, sobretudo, por notas de €20,00 (vinte euros), as quais são utilizadas frequentemente no quotidiano, podendo ter resultado da aquisição de vários produtos agrícolas da cultura do Arguido, por terceiros.
De igual modo, os restantes objetos encontrados na herdade, e em regra associados ao tráfico de estupefacientes, como seja, as balanças de precisão, não permitem, per se, sustentar qualquer conclusão adicional, uma vez que o Arguido apresentou uma justificação perfeitamente plausível (plantação para produção de óleos e derivados) e que se afigura verosímil face aos restantes elementos probatórios.
Aqui chegados cumpre referir que além do reconhecimento efetuado pelo Arguido, a detenção de produto estupefaciente, e o valor monetário encontrado na herdade do Arguido resulta do relatório fotográfico junto aos autos, dos autos de apreensão das diligências ocorridas no dia de ontem, dos vários testes rápidos realizados às várias sementes e plantas encontradas na herdade.
No que tange às condições pessoais e sociais o Tribunal tomou em consideração as declarações do Arguido, uma vez que se trata de matéria pessoal e não se vislumbra motivos para que tenha faltado à verdade.
Já os antecedentes criminais decorreram do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
*
O acervo probatório constante dos Autos permite formular um juízo acerca da verificação da conduta criminal que não se reconduz a um mero juízo de indiciariedade, extrapolando a fronteira da «mera imputação».
De facto dos elementos probatórios constantes dos Autos resulta, por ora (sem prejuízo da demais prova que venha a ser produzida nas fases subsequentes do processo sem pretender antecipar qualquer juízo condenatório, que não nos ocupa), com elevado grau de segurança, a prática pelo Arguido dos factos que lhe são imputados.
*
No caso vertente não se vislumbram causas de extinção do procedimento criminal, nem de isenção de responsabilidade pelo que, face à factualidade apurada, resultam dos autos FORTES INDICIOS da prática pelo Arguido de:
- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I – C anexa aquele diploma legal e artigos 14.º e 26.º do Código Penal.
*
Perante a indiciação da prática pelo arguido dos crimes supra referidos cumpre, neste momento, ponderar a aplicação ao mesmo de uma medida de coação mais gravosa do que o T.I.R. já prestado.
As medidas de coação são meios processuais penais que implicam, em maior ou menor medida, a restrição de direitos, liberdades e garantias de que o arguido é titular e que, como tal, gozam da tutela constitucional prevista no artigo 18.º da C.R.P. Esta tutela constitucional implica, desde logo, que tais direitos apenas possam ser restringidos nos casos constitucionalmente previstos, para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos, como seja a realização da ação penal (cfr. art. 18.º, n.º2 CRP), devendo tais restrições limitar-se ao necessário – numa lógica de imprescindibilidade e aptidão funcional - para salvaguardar o fim legitimador da intrusão, impondo-se ainda que a restrição se contenha na opção que, sendo apta para a prossecução fim, se apresenta como sendo a menos onerosa para o sujeito que a suportar.
Concretizando este quadro constitucional, o C.P.P. cuidou de condicionar a aplicação de medidas de coação à observância de apertados requisitos legais, tanto gerais (transversais a qualquer medida de coação) como especiais (específicos de cada medida de coação).
Assim, na esteira do disposto no artigo 18.º, n.º 2 in fine da C.R.P, encontra-se consagrado nos artigos 191.º, n.º1, primeira parte e 193.º, n.º1, primeira parte do C.P.P, o principio da necessidade como pressuposto geral da aplicação de qualquer medida de coação, que se traduz na exigência de que as medidas de coação só podem ser aplicadas se, em concreto, no momento da respetiva aplicação, se verificar, pelo menos, uma das exigências cautelares previstas no artigo 204.º do Código de Processo Penal, a saber: (i)fuga ou perigo de fuga, (ii) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e (iii) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade públicas. Por conseguinte, nenhuma medida de coação poderá ser aplicada se, no caso concreto, não se sentir nenhuma das necessidades cautelares mencionadas.
Além do princípio da necessidade, o legislador consagrou ainda o princípio da legalidade das medidas de coação, que se encontra previsto no artigo 191.º do C.P.P., e que concretiza o comando constitucional ínsito no artigo 18.º, n.º 2 e 3 da C.R.P., de modo que o julgador apenas pode aplicar as medidas de coação expressamente previstas na lei, estando vedada a aplicação de qualquer medida que extravase o catálogo legal previsto nos artigos 196.º a 202.º do C.P.P.
Por último, encontra-se ainda o julgador adstrito ao disposto no artigo 193.º do C.P.P. que impõe que a escolha da medida de coação a aplicar em concreto seja precedida de um juízo de prognose norteado pelos princípios da adequação, proporcionalidade e exigibilidade por forma a que a medida de coação concretamente aplicada seja apta a realizar as exigências cautelares do processo, proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, e que de entre as medidas de coação que se afiguram adequadas à satisfação das exigências cautelares do caso, configure a opção que se apresenta menos restrita dos direitos do arguido.
Tendo em consideração supra exposto, vejamos, então, o caso sub judice.
In casu considerando que o Arguido tem conhecimentos vastos na área da agriculta e subsiste com base nos rendimentos que extrai dessa atividade, é manifesto que pode voltar a sentir-se tentado a aumentar os seus proventos por via do cultivo de novas plantas de canábis. Acresce referir que o Arguido reconheceu que a sua ex companheira está a par do processo de produção de canábis, desconhecendo-se terá acesso a mais plantas e sementes que não tenham sido apreendidas.
Em face do que antecede, é manifesta a presença, nos presentes autos, do perigo de continuação da atividade criminosa, a que alude o artigo 204.º, alínea b) do C.P.P.
Porém, as exigências cautelares que se fazem sentir no caso em apreço não se quedam por aqui. Efetivamente, é consabido, que a plantação de canábis gera sempre um sentimento de insegurança junto das populações, conhecidos que são os efeitos que o consumo de droga, em regra, produz no aumento da criminalidade. Nesta medida é inegável que, no caso concreto também se verifica o perigo de perturbação da tranquilidade pública, previsto no artigo 204.º, alínea b) in fine do CP.P.
Pelo exposto, considera-se que as exigências cautelares impõem inequivocamente a necessidade de aplicar ao Arguido uma medida de coação mais gravosa do que o Termo de Identidade e Residência.
Porém e ao contrário do promovido pelo Ministério Público estamos em crer que, por ora, e ante os elementos probatórios constantes dos autos, a prisão preventiva se afigura excessiva.
Saliente-se que não se apurou que o produto estupefaciente plantado fosse destinado a ser introduzido no mercado para saciar os vícios de consumidores de droga. Pelo contrário, o Tribunal criou a convicção de que o Arguido pretendia iniciar uma produção industrial de cânhamo, e criar produtos em conformidade com as Normas regulamentares Europeias, tendo, inclusivamente, encetado diligências junto da DGAV para obter a devida autorização.
É certo que se precipitou e que não logrou obter a sua autorização. Sem prejuízo, não podemos deixar de enfatizar as diferenças existentes entre os dois cenários.
Mais se refira que o Arguido tem 45 anos, conta apenas com uma condenação – embora por consumo de estupefacientes – e mostrou uma postura colaborante com o Tribunal.
Por conseguinte, tendo em consideração os elementos probatórios constantes dos autos, e atendendo à gravidade dos crimes imputados ao Arguido, e uma vez que em concreto se evidenciam os mencionados perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem pública, entende este Tribunal que as medidas adequadas e suficientes para responder às preditas exigências cautelares e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido são:
• Apresentações periódicas no posto de polícia, territorialmente competente na sua área de residência, três vezes por semana, mais concretamente, às segundas, quartas e sextas feiras (artigo 198.º, n.º1 do C.P.P.);
• Obrigação de entregar quaisquer sementes e plantas de canábis que ainda não tenham sido apreendidas junto do posto de policia, territorialmente competente na sua área de residência (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.);
• Proibição de plantação de quaisquer sementes de canábis e de tratamento/processamento de plantas de canábis, independentemente do teor de THC (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.);
*
Atento tudo o exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 196.º, 198.º, n.º1 do CP.P. e artigo, 204.º, alínea c) do C.P.P., determino que, além do Termo de Identidade e Residência já prestado, o arguido, aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coação:
• Apresentações periódicas no posto de polícia, territorialmente competente na sua área de residência, três vezes por semana, mais concretamente, às segundas, quartas e sextas feiras (artigo 198.º, n.º1 do C.P.P.);
• Obrigação de entregar quaisquer sementes e plantas de canábis que ainda não tenham sido apreendidas junto do posto de policia, territorialmente competente na sua área de residência (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.);
• Proibição de plantação de quaisquer sementes de canábis e de tratamento de plantas de canábis, independentemente do teor de THC (artigo 200.º, n.º1, alínea e) do C.P.P.). (…)»
***
II.III - Apreciação do mérito do recurso.
Retiramos da leitura global da motivação de recurso, com reflexo nas conclusões da mesma extraídas que o recorrente questiona:
A) A regularidade do auto de primeiro interrogatório judicial, alegando que não lhe foram explicados os factos que lhe vinham imputados nem a prova nos quais se sustentava tal imputação;
B) A existência de indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p no artigo 21, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal, que lhe foi imputado;
C) A existência dos receios mencionados no despacho recorrido, necessários à aplicação das medidas de coação que lhe foram impostas;
D) O caráter excessivo e desproporcional da aplicação da medida de coação de obrigação de apresentações periódicas prevista no artigo 198º do CPP três vezes por semana.
Todas as questões suscitadas pelo recorrente e que acabámos de enunciar, emergem como corolários da questão central que constitui o objeto do recurso, qual seja a da verificação da existência dos pressupostos legais de aplicação das medidas de coação que lhe foram impostas.
Analisemos então se lhe assiste razão.
*
Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais:
- O direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1), estatuindo que tal direito apenas poderá ser restringido na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, nº 2);
- O princípio da presunção de inocência dos arguidos (artigos 32.º, nº 2.º e 27.º, nº 1.º).
As medidas de coação impostas aos arguidos em processo penal constituem, necessariamente, uma restrição à liberdade pessoal de quem a elas é sujeito, sendo que têm como finalidade assegurar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu bom andamento, quer no que concerne à execução das decisões condenatórias.
Precisamente porque a aplicação das medidas de coação implica uma restrição de direitos fundamentais, a mesma deverá revestir-se das devidas cautelas, fazendo a lei, nos artigos 191º e seguintes do CPP, uma definição rigorosa e clara dos respetivos pressupostos e estatuindo que na aplicação de tais medidas deverão observar-se os princípios da legalidade ou tipicidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
*
A) Da regularidade do auto de primeiro interrogatório judicial.
Afirma o arguido no seu recurso que “No dia do primeiro interrogatório judicial, foi nomeado um defensor oficioso, que por sua vez substabeleceu numa colega, que representou o arguido.
Acontece que, não foram explicados ao arguido os factos que vinham indiciados nem a prova que fundamentasse a sua decisão, apenas tendo obtido neste momento cópia dos factos indiciados.
No dia 20.09.2021, através da mandatária constituída nos autos, o arguido pediu a confiança do processo, nos termos do disposto no art.º 89.º, n.º 4 do CPP.
(…)
Contudo, no dia 29.09.2021, a mandatária constituída foi notificada do despacho de indeferimento de confiança dos autos no consultório da mandatária, porquanto os autos se encontravam cobertos por segredo de justiça.
Face a esta atuação, e com o devido respeito por entendimento divergente, cremos que a decisão que determinou como medida de coação a apresentação periódica de 3 vezes por semana, é excessiva e padece de erro decisório, a mesma encontra-se ferida de nulidade.”
Ressalvado o devido respeito, não compreendemos, de todo, tal arguição de nulidade. De facto, basta atentarmos no auto de primeiro interrogatório judicial (auto cuja veracidade o arguido não questiona) – no qual podemos ler que “Em cumprimento das al. b), c), d) e e), do n.º 4, do art.º 141.º (“ex-vi” art.º 144.º, n.º 1) do C.P. Penal, a Mm.ª Juiz informou o arguido do seguinte:
1 - De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;
2 - Motivos da detenção;
3 - Factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, das circunstâncias de tempo, lugar e modo:
FACTOS INDICIADOS: (…)
Terminada a leitura, pelo arguido foi dito pretender prestar declarações.
Durante as suas declarações, pela Defensora Oficiosa do arguido foi requerida a junção aos autos de um documento.
Dada a palavra à Magistrada do Ministério Público foi dito nada ter a opor.
Face ao exposto, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
"Admite-se a junção aos autos do documento apresentado, o qual vai por mim rubricado.
As suas declarações foram gravadas entre as 15:43:53 e as 16:33:47 horas.” – para concluirmos que, ao contrário do alegado pelo arguido, ao mesmo foram comunicados todos os factos que lhe vinham imputados, bem como todas as provas que sustentaram tal imputação, tendo, de seguida, aquele prestado as suas declarações e apresentado um documento que foi integrado nos autos.
No que diz respeito ao requerimento de confiança do processo, o despacho de indeferimento que sobre o mesmo recaiu foi proferido com respeito pelo regime processual estabelecido pelo artigo 89º, nº 4 do CPP, atendendo à circunstância de os autos se encontrarem sujeitos a segredo de justiça.
Nesta conformidade, mais não haverá do que concluir que o auto de primeiro interrogatório judicial, no qual foram aplicadas ao arguido as medidas de coação agora questionadas, é absolutamente válido e regular, tendo no mesmo, bem como em todo o processado subsequente, sido respeitadas todas as garantias de defesa do recorrente, improcedendo, pois, a nulidade invocada.
*
B) Da existência de indícios da prática do crime imputado ao arguido.
Entende o recorrente que os autos não revelam a existência de indícios da prática do crime que lhe foi imputado.
Sempre sem prejuízo do preenchimento das “condições gerais de aplicação”, que encontram a sua previsão no artigo 192º do CPP, a aplicação de qualquer medida de coação pressupõe, desde logo, a verificação de um juízo de indiciação da prática de crime, fumus comissi delicti, e visa exclusivamente satisfazer exigências cautelares estritamente processuais, que resultem da verificação, em concreto, de algum dos perigos previstos nas alíneas do artigo 204.º do CPP. Neste exato sentido cf. Ac. TRÉvora, de 11.10.2016, proferido no proc. 141/16.2GFELV-A.E1 e relatado pela Desembargadora Ana Brito, disponível em www.dgsi.pt.
Só poderá, pois, proceder-se à aplicação de qualquer medida de coação, diferente do Termo de Identidade e Residência quando, em concreto, se verifique pelo menos um dos perigos previstos no artigo 204.º do CPP, a saber:
«a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.»
Tal como nos ensina Paulo Pinto de Albuquerque “A CRP e a lei distinguem vários graus de convicção no processo penal”, exigindo-se a convicção inerente ao juízo de “imputação” de crimes – que necessariamente nos remete para a definição legal prevista na alínea f) do artigo 1º do CPP – para aplicação da medida de coação de obrigação de apresentações periódicas prevista no artigo 198º do CPP e exigindo-se a convicção relativa à existência de “indícios fortes” para aplicação da medida de coação de proibição e imposição de condutas prevista no artigo 200º do CPP Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, pp. 346 (anotação 4 ao artigo 127º), Universidade Católica Editora, 2018.
Tendo por referência a estatuição legal relativa aos «indícios suficientes», estabelecendo-se no artigo 283.º, nº 2.º do CPP que os mesmos se verificarão “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”, o conceito de «fortes indícios» da prática de certo tipo de ilícitos, como requisito da aplicação da medida de coação de imposição de condutas prevista no artigo 200º do CPP, terá que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena. Com toda a clareza, escreve Paulo Pinto de Albuquerque que “indícios fortes são as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória» Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit, pp. 347 (anotação 8 ao artigo 127º),
Haverá, assim, indícios fortes da prática de uma infração criminal quando se encontra sólida e inequivocamente indiciada a existência do ilícito e quando, concomitantemente, ocorrem suspeitas sérias da sua imputação ao arguido.
Na situação em análise, ao arguido vem imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p no artigo 21º, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal.
Recordamos que, nos termos de tal norma penal, o crime de o crime de tráfico de estupefacientes se encontra previsto e punido da seguinte forma:
“Artigo 21.º
Tráfico e outras atividades ilícitas
1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização.”
4 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos.
Compulsados os autos, máxime o elenco dos factos imputados ao arguido, constatamos que os mesmos demonstram efetivamente a indiciação da prática pelo arguido de tal ilícito penal.
A prática de tal ilícito pelo arguido evidencia-se claramente ou indicia-se através da conjugação dos diversos meios de prova que se encontram explicitados no despacho recorrido, a saber: as declarações do Arguido; o auto de notícia de fls. 4 a 5; o Relatório de serviço de fls. 6; o Relato de diligência externa de fls. 7; a Folha de suporte de fls. 8 a 12; o Relatório intercalar de fls. 19; o Auto de busca e apreensão de fls. 28; o Auto de apreensão de fls. 29 a 30; o Teste rápido de fls. 31; o Auto de pesagem de fls. 37; o Relatório fotográfico de fls. 33 a 37; o Auto de apreensão de fls. 44; o Auto de apreensão de veículo de fls. 45; a Nota discriminativa do dinheiro apreendido de fls. 46; o Teste rápido de fls. 47 a 50; o Auto de pesagem de fls. 51 a 53; os Relatórios fotográficos de fls. 54 a 85; os Croquis de fls. 86, 89; as Legendas de fls. 87, 90; as Folhas de suporte fotográfico de fls. 91 a 99; as Informações da DGAV de fls. 100 a 108. De facto, conforme expressamente se consignou na decisão sindicada “(…) O arguido admitiu a grande maioria dos factos que vinham indicados pelo Ministério Público, reconhecendo o cultivo de canábis, explicando que pretendia utilizar as plantas para fins industriais – mormente, produção de óleos vegetais, óleos essenciais e outros derivados para utilização em produtos cosméticos - e que estava consciente de que precisava de autorização da DGAV para poder plantar e vender as sementes de canábis.
Mais esclareceu que solicitou autorização à DGAV, mas que acabou por arriscar plantar antes de obter essa autorização.(…)”
Os indícios probatórios contidos nos autos confirmam, pois, os termos quer da fixação factológica, quer da qualificação jurídica realizadas no despacho recorrido.
Na sequência da promoção do Ministério Público, a Mm.ª Juíza de Instrução – numa análise completa, rigorosa e muito judiciosa dos factos indiciados e dos meios de prova que os sustentam – considerou que o recorrente, em face do quadro factológico indiciariamente apurado, se constituiu como autor do identificado crime.
No recurso que agora se aprecia, o recorrente – sem questionar a factualidade objetiva constante da narração dos acontecimentos e sem pôr em causa a convicção atinente à existência de indícios da verificação de tais factos – considera não estar indiciada a prática do ilícito que lhe está imputado, ou seja, questiona que os factos indiciados permitam imputar-lhe o crime que sustentou a aplicação das medidas de coação de proibição e imposição de condutas e de obrigação de apresentações periódicas.
Mas não tem razão.
Com efeito, a análise do acervo factual constante da decisão impugnada, permite-nos constatar que o arguido procedia ao cultivo de canábis, procedendo à manutenção da plantação, e, bem assim, à secagem, tritura, embalamento/acondicionamento, pesagem e tratamento das plantas, o que fazia sem a devida autorização da entidade competente, a DGAV. Mais se apurou que o arguido tinha consciência que a planta que cultivava era Canábis, bem sabendo que não lhe era permitido cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, deter, comprar, transportar, receber, consumir, vender ou ceder sem autorização emitida pela entidade competente, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Não releva, a nosso ver, a argumentação expendida pelo recorrente com vista a justificar o seu comportamento e muito menos as justificações apresentadas têm a virtualidade de tornar tais comportamentos criminalmente não puníveis. De facto, é consabido que o cultivo de canábis é proibido sem a devida autorização, sendo que o atraso na resposta da DGAV ou os “entraves” colocados por tal entidade, a que alude o arguido no recurso, de forma alguma poderiam legitimar que aquele, desrespeitando as imposições legais, tivesse avançado com o cultivo sem esperar pela resposta ao seu pedido de autorização. O próprio arguido admitiu, aliás, que estava consciente de que precisava de autorização da DGAV para poder plantar e vender as sementes de canábis e que “acabou por arriscar plantar” antes de obter a autorização.
No que diz respeito à consciência da ilicitude da sua conduta, subscrevemos integralmente o juízo constante da decisão recorrida, no sentido de que “(…) a única parte das declarações do Arguido que não lograram convencer o Tribunal respeitam ao alegado desconhecimento da ilicitude da sua conduta, porquanto, no seu entender, o cânhamo, por não ter THC, não é qualificável como produto estupefaciente. Nesta sede importa frisar que estamos perante um Arguido que está a tirar um curso de agronomia, não se afigurando credível que não saiba «cânhamo» é, igualmente, canábis, e que em Portugal o cultivo de canábis, independentemente do grau de THC, só é licito mediante a obtenção de uma autorização, temporalmente válida, que certifique os níveis de THC contidos pela planta. De resto, sempre se refira que o Arguido acabou por reconhecer que, perante a ausência de resposta da DGAV optou por arriscar, bem sabendo que agia contra as indicações legais. Por estes motivos, não restaram dúvidas ao Tribunal que o Arguido sabia que agia ilegalmente ao cultivar canábis (ainda que da espécie «cânhamo). (…)”
Nenhuma dúvida subsiste, pois, a nosso ver, de que os elementos constantes dos autos permitem considerar fortemente indiciado e imputado ao arguido o crime de tráfico de estupefacientes p. e p no artigo 21, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal, crime que o tribunal recorrido teve em consideração para fundamentar a decisão de sujeitar o recorrente às medidas de coação de proibição e imposição de condutas e de obrigação de apresentações periódicas.
*
C) Da existência dos receios mencionados no despacho recorrido, necessários à aplicação da medida de coação de obrigação de apresentações periódicas prevista no artigo 198º do CPP.
Considerou o tribunal “a quo” haver perigo concreto de continuação da atividade criminosa (face aos conhecimentos e investimentos do mesmo na área do cultivo de plantas de canábis, atividade que constitui a sua fonte de rendimentos) e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (face ao alarme social e à intranquilidade inerentes à prática do crime em causa).
Assentemos em que os aludidos perigos deverão encontra-se concretizados e revestir-se de uma dimensão razoável, sob pena de se desvirtuarem as razões subjacentes à sua previsão legal, o que levaria a que pudessem ser invocados em todos os casos, sem respeito pelos princípios constitucionais a que atrás nos reportámos.
O perigo de continuação da atividade criminosa tem em vista o juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza do que se indicia no processo em que se faz a avaliação de tal perigo. Em tal juízo de prognose deverão valorizar-se a natureza e as circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e avaliar-se a probabilidade da sua conexão com a atividade futura do arguido.
No caso em apreço, parece-nos evidente e intenso o perigo de continuação da atividade criminosa por parte do arguido, levando em consideração que “in casu” o mesmo subsiste com base nos rendimentos que extrai da atividade de cultivo de plantas, entre as quais se inclui a canábis e possui vastos conhecimentos nessa área, pelo que se verifica o sério risco de o mesmo vir a sentir-se tentado a voltar a realizar o cultivo de plantas de canábis, o que conduziria certamente a um incremento dos seus proventos, sendo certo que se desconhece se o arguido terá acesso a mais plantas e sementes que não tenham sido apreendidas.
Face ao exposto, é manifesta a presença, nos presentes autos, do perigo de continuação da atividade criminosa, a que alude o artigo 204.º, alínea b) do C.P.P.
Relativamente ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, considerando que o consumo de droga se encontra, em regra, associado a um aumento da criminalidade, é consabido que a plantação de canábis gera sempre um sentimento de insegurança junto das população, pelo que nos parece evidente que, no caso em análise, também se verifica o perigo de perturbação da tranquilidade pública, previsto no artigo 204.º, alínea b) in fine do CP.P.

D) Do caráter excessivo e desproporcional da aplicação da medida de coação de obrigação de apresentações periódicas três vezes por semana.
Afirma o arguido que a medida de obrigação de apresentações periódicas três vezes por semana no posto policial da área da sua residência se revela excessiva e desproporcional relativamente à sua situação, porquanto “(…) o posto de polícia territorialmente competente na sua área de residência fica a uma distância de 30 km do local de residência do arguido, cerca de 1h de distância. (…) O que obriga o arguido a suspender a sua atividade económica a meio do dia e se deslocar 180km/semana, o que significa 6h de viagem, para cumprimento da medida de coação aplicada. (…) Ou seja, além do prejuízo de interromper o seu trabalho, o arguido ainda tem de assumir uma despesa extra com a gasolina, no valor aproximado de 30€/semana, o que corresponde a 120€/mês.(…)”.
Cremos que quanto a este fundamento do recurso lhe assiste razão.
De facto, como bem assinala a própria decisão recorrida,“não se apurou que o produto estupefaciente plantado fosse destinado a ser introduzido no mercado para saciar os vícios de consumidores de droga. Pelo contrário, o Tribunal criou a convicção de que o Arguido pretendia iniciar uma produção industrial de cânhamo, e criar produtos em conformidade com as Normas regulamentares Europeias, tendo, inclusivamente, encetado diligências junto da DGAV para obter a devida autorização. É certo que se precipitou e que não logrou obter a sua autorização. Sem prejuízo, não podemos deixar de enfatizar as diferenças existentes entre os dois cenários.”
Resulta evidente dos elementos constantes dos autos que a situação em análise não assume os contornos de gravidade inerentes àqueloutra que se consubstanciasse na plantação de canábis com o propósito de introdução de tal estupefaciente na sociedade para saciar os vícios dos consumidores de droga. Ainda que ilícitos e penalmente relevantes para efeitos de integração do crime imputado ao arguido, é imperioso ter presente, no juízo cautelar próprio da decisão de aplicação das medidas de coação, que os factos aqui em apreciação visavam realizar uma produção industrial de cânhamo, com o cultivo e a criação de produtos em conformidade com as Normas Regulamentares Europeias. Sublinha-se, ademais, que o arguido encetou diligências junto da DGAV com vista a obter a autorização necessária para realizar tal produção – o que se encontra provado documentalmente nos autos – sendo certo que o caráter ilícito dos seus comportamentos resulta da circunstância de o mesmo não ter esperado pela resposta da referida entidade, tendo iniciado o cultivo das substâncias estupefacientes sem a devida autorização.
Ora tal circunstancialismo, que necessariamente diminui a ilicitude das condutas em apreciação – associado à postura colaborante que o arguido manifestou no primeiro interrogatório judicial a que foi sujeito – se é certo que não tem a virtualidade de eliminar os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade pública, atentas as razões acima expostas, contribui, sem dúvida para atenuar tais perigos, de forma a que, a nosso ver, não se revele necessário aplicar-lhe a medida de coação de obrigação de apresentações periódicas com a periodicidade de três vezes por semana.
Pelas razões expostas, e levando ainda em conta que se não encontra presente o perigo de fuga do arguido – perigo que, a verificar-se, poderia justificar um aumento do número das apresentações semanais, por forma a controlar mais intensamente a presença daquele no local da sua residência – estamos convictos que as exigências cautelares que nos caso se fazem sentir ficarão devidamente acauteladas com a redução do número de apresentações do arguido de três para uma vez por semana, nos termos pelo mesmo propugnados, o que se determinará.
***
Nesta conformidade, concluímos que os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade pública, não apenas justificam a aplicação das medidas de coação de proibição e imposição de condutas e de obrigação de apresentações periódicas – por estas se mostrarem proporcionais à gravidade do crime imputado ao arguido e às sanções que previsivelmente poderão vir a ser aplicadas – como as razões que as fundamentam tornam claramente insuficiente e inadequada qualquer outra medidas de coação menos gravosa, designadamente o Termo de Identidade e Residência, em virtude de a mesma não se revelar suficiente para impedir que o arguido volte a prevaricar.
Em suma, nos termos que se deixaram expostos, consideramos que a decisão recorrida respeitou os critérios definidos na Constituição e na lei, mostrando-se as medidas de coação de proibição e imposição de condutas e de obrigação de apresentações periódicas – esta última reduzida a uma apresentação semanal – conformes aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, pelo que o recurso procederá apenas parcialmente, concretamente no que tange à redução da periodicidade das apresentações.

III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso e, consequentemente, em:
- Alterar a decisão recorrida, determinando que as apresentações periódicas do arguido, nas instalações do órgão de polícia criminal territorialmente competente na sua área de residência, nos termos do artigo 198.º, n.º1 do C.P.P., se verifiquem uma vez por semana, concretamente, às segundas-feiras.
- Manter quanto ao mais a decisão recorrida.
Sem custas.
(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 08 de fevereiro de 2022
Maria Clara Figueiredo
Maria Margarida Bacelar