ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário


I – O art. 266º, nº 2, al. c), do CPC deve ser interpretado restritivamente por forma a que seja aplicável somente nas formas de processo que admitem reconvenção.
II – Nas formas de processo em que não é admissível reconvenção (como é o caso da presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos) deve ser permitido ao réu invocar a compensação como mera exceção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Elitcode - Instalações Elétricas, Unipessoal, Lda. apresentou requerimento de injunção contra Spec - Sociedade Portuguesa de Engenharia e Construção, Lda., solicitando a notificação da requerida no sentido de lhe ser paga a quantia de € 11.517,85 [€ 10.765,00 de capital, € 650,85 de juros e € 102,00 de taxa de justiça].
A requerida deduziu oposição alegando, no que aqui interessa, que a requerente, ao efetuar o acerto de contas consigo, aplicou-lhe uma sanção no montante de € 6.000,00 pelo atraso na conclusão da obra, atraso esse que se ficou a dever à requerente que abandonou a obra quando os trabalhos estavam prestes a findar, quantia que a requerida pretende compensar nos termos do artigo 847º do Código Civil, invocando ainda a exceção de não cumprimento do contrato.
Em 24.06.2021 foi proferida a seguinte decisão:
«Tendo em conta que a matéria ao abrigo da qual a Ré invoca a excepção de compensação é incindível da matéria subjacente à excepção de não cumprimento, salvo melhor entendimento, não cremos adequado rejeitar a possibilidade de admissão da mesma nestes autos por, na prática, se traduzir num expediente irrelevante – a requerida pode arguir a excepção de não cumprimento com base em defeitos de execução da obra e os custos de reparação/indemnização que dos mesmos advieram, mas não poderia obter nos mesmos autos em que tal matéria terá que ser julgada a decisão sobre o valor de tais danos – caso estes se provem, claro está.
No demais, a posição sobre o pedido de compensação ter sempre que ser apresentado por reconvenção e da sua não admissão da compensação em sede de AECOP não é jurisprudencialmente unânime[1], pelo que, admite-se liminarmente, a arguição de excepção de compensação nestes autos, nos termos do art.º6º do C.P.C.
Notifique.»
Inconformada, a autora apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Vem a recorrente deduzir o presente recurso de apelação do douto despacho do Mmo. Juiz a quo com a referência n.º 120541145, de 24/06/2021, que veio admitir a excepção de compensação requerida pela Ré nos presentes autos distribuídos como Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergente de contratos (DL 269/98).
2. A recorrida em 15.º a 17.º da sua oposição à injunção vem defender-se por excepção no sentido de lhe poder vir a ser reconhecido um direito de crédito sobre a recorrente com vista à compensação, ao abrigo do disposto no art. 847.º, do CC.
3. Entende a aqui recorrente que a excepção de compensação deduzida pela Ré não é admissível no âmbito de uma acção distribuída como AECOP- acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato (DL 269/98);
4. Á luz da atual lei processual civil e confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador, em consonância, também, com o entendimento doutrinariamente maioritário, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido;
5. Este entendimento é de adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9, (…)” – cfr. Ac. TRG, de 22/06/2017, (Ana Cristina Duarte), disponível em www.dgsi.pt.
6. Seguindo o procedimento de injunção os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos não é admissível reconvenção – cfr. Ac. TRE, de 23/04/2020 (Francisco Matos), disponível em www.dgsi.pt;
7. A jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00).
8. No que respeita às ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00) prevalece o entendimento de que não é viável a reconvenção. – Cfr. Ac. TRP, de 24/01/2018, (Carlos Querido), disponível em www.dgsi.pt;
9. O alegado crédito da Ré não foi deduzido em sede própria – em reconvenção, pelo que, não é admissível operar-se a compensação de créditos por via de excepção no âmbito de um procedimento de injunção que segue os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos
10. Entende a recorrente que deverá o douto despacho recorrido ser revogado, devendo nessa medida ser rejeitada por legalmente inadmissível a excepção de compensação deduzida pela recorrida em sede oposição à injunção sob os artigos 15.º a 17.º.
Termos em que V.Ex.as concedendo provimento ao presente recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações,
Farão inteira JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto dos recursos interpostos pelos réus delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir consiste em saber se deverá ser admitida a oposição na parte em que a ré/recorrida deduz a exceção da compensação de créditos.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
A factualidade relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.

O DIREITO
Os presentes autos têm origem em requerimento de injunção, emergente de transação comercial, em que a requerente peticiona o pagamento da quantia global de € 11.517,85. Como houve oposição, o requerimento foi apresentado à distribuição.
Nos termos do art. 17º, nº1, do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9, «[a]pós a distribuição a que se refere o nº1 do artigo anterior, segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº4 do artigo 1º e nos artigos 3º e 4º.» Nestes preceitos legais não está prevista expressamente a admissibilidade de reconvenção.
Considerando este quadro legal, existem três posições quanto à admissibilidade da reconvenção no âmbito do regime do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9.
Para uma primeira corrente jurisprudencial, que segue os ensinamentos de Salvador da Costa[2], a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, que se iniciou com requerimento de injunção, de valor inferior a metade da alçada do tribunal da Relação (€15 000,00), não admite reconvenção.
Entendem os defensores desta posição que com a redação da al. c) do nº 2 do art. 266º do CPC, o legislador pretendeu tomar posição clara na polémica jurisprudencial e doutrinária que se vinha verificando sobre o instrumento processual adequado para efeitos de invocação de contra crédito do réu, adotando a posição que entendia que tal invocação deveria ser sempre operada através de reconvenção, teria de se concluir pela sua inadmissibilidade na ação em causa[3].
Sendo assim, o réu estaria impedido de se defender invocando a compensação, uma vez que apenas em reconvenção poderia ser invocada a compensação.
Por nada ganharem as partes nem o ordenamento jurídico com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção[4], vêm sendo defendidas outras soluções.
Uma posição defende que nas ações em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coartada a possibilidade de utilizar tal relevante meio de defesa em que se consubstancia a compensação e assim deve o tratamento da compensação ser, nesses casos, o da exceção perentória, posição sustentada tanto doutrinal[5] como jurisprudencialmente[6].
Outra posição, defende que embora a compensação de créditos, face à redação do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, tenha sempre de ser operada por via da reconvenção, não admissível numa ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias, por razões de justiça material, não pode ser coartada ao requerido a possibilidade de, nessas ações, invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional[7].
No sentido da admissibilidade da reconvenção pronunciou-se o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[8] nos seguintes termos:
«Tendo presente que, no atual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.º, n.º 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.º CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.
Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objetar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas ações.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.º, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coartar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única ação tivesse de ser decidido em duas ações.
Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.»
Não pode, porém, considerar-se indiferente aos legítimos interesses da parte a impossibilidade de invocar a compensação - ainda que não fique precludida a possibilidade de invocar esse contra crédito noutra ação[9] (ou até em embargos de executado à execução interposta com base na sentença proferida na causa em que não foi invocada a compensação) e, assim, não se verificar o efeito do caso julgado, tem de reconhecer-se ser evidente o prejuízo que pode advir da impossibilidade de invocar a compensação, pois «embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte», pelo que não sendo a compensação admitida, terá a parte que pagar a quantia que porventura deva para depois exigir noutra ação o pagamento do seu crédito, se a contraparte então o puder pagar, sendo que se a «compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação»[10].
Por isso, escreveu-se no citado acórdão da Relação de Guimarães de 05.03.2020:
«(…) entendemos não ser suficiente (rectius, válido ou procedente) para negar ao demandado a possibilidade de invocar a compensação o argumento de que a sua invocação como excepção não é autorizada nas situações em que a reconvenção é inadmissível (por não verificação dos pressupostos de ordem processual). Solução que deve rejeitar-se (assim se impedindo que o processo civil usurpe o papel de actor principal em peça cuja palco está reservado para a actuação do direito substantivo) seja admitindo-se em tais situações a possibilidade de deduzir reconvenção, seja admitindo-se a invocação da compensação como excepção.
O direito adjectivo está funcionalmente ordenado a permitir a plena actuação do direito substantivo e não já a limitá-lo ou impedi-lo (17) – e por isso que, verdadeiramente, não existe dilema (válido) quanto a admitir ou não a invocação da compensação (matéria que respeita ao direito substantivo) mas tão só quanto ao meio processual de a fazer actuar (como excepção ou através de reconvenção).
Porque a prevalência é do direito subjectivo, o direito adjectivo tem de adaptar-se e moldar-se àquele e aos interesses substantivos em jogo (18).
Assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar os meios de defesa que entenda, mormente a compensação (em vista de obter a extinção do crédito do autor), a questão centra-se, pois, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal deve ser actuado – ou, doutra forma, em apreciar como devem interpretar-se e aplicar-se as regras processais de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses substantivos».
E após analisar criticamente os argumentos a favor da admissibilidade da reconvenção em vista de permitir ao réu invocar a compensação nas ações especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, escreveu-se no mesmo aresto:
«Considerar que este entendimento (ser a compensação uma forma de extinção das obrigações que, em tais situações, pode ser invocada por via de excepção) não tem apoio legal (pois que o regime da reconvenção delineado nas disposições comuns do CPC é aplicável a todos os processos) e, ainda, que traduziria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação presta-se, na nossa modesta opinião, às seguintes críticas:
- a questão a solucionar, adquirido e assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar a compensação, centra-se, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal invocação deve ser actuada nos casos em que se conclua que a reconvenção não é admissível, mormente por não estarem verificados os requisitos e pressupostos de ordem processual. Sendo o regime da reconvenção aplicável às acções especiais (designadamente às que seguem o regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09), não pode deixar de considerar-se que também é aplicável na parte em que institui requisitos de ordem processual para a sua admissibilidade – e por isso que o argumento da falta de apoio legal também pode ser usado contra quem, nas situações em análise, defende a admissibilidade da dedução da reconvenção, pois que estará a ‘forçar’ a sua admissibilidade (à luz do nº 3 do art. 266º do CPC), assim atendendo unicamente ao interesse do réu na arguição da compensação (e possibilitando-lhe até obter o valor em que o crédito invocado excede o peticionado) e desprezando o interesse do autor em que a sua pretensão siga a tramitação prescrita no regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09. Tudo se resume, pois, a uma questão de interpretação da lei processual – e de opção pela solução que, como acima se referiu, permita compatibilizar os interesses dignos de tutela a ponderar –, sendo certo que a alínea c) do nº 2 do art. 266 do CPC pode interpretar-se no sentido de que a compensação deve ser actuada por reconvenção (e só por essa forma pode ser actuada) desde que a dedução desta seja permitida pela lei (assim não fosse e a compensação teria sido erigida em modalidade legal de conexão substancial entre as duas causas – acção e reconvenção – que dispensava a verificação dos requisitos de ordem processual para a admissibilidade da reconvenção);
- a afirmação de que a invocação da compensação por via de excepção constituiria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação desconsidera, salvo o devido respeito, que o nosso regime processual prevê, no âmbito da acção declarativa, a dupla via de invocação da compensação (para lá de prever essa invocação ope exceptionis no âmbito do processo executivo).
(…).
Porque os interesses merecedores de tutela são o do autor em ver a sua pretensão apreciada em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e o do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já de obter o pagamento do valor em que o contra-crédito excede o do autor –, o tratamento da invocação da compensação como excepção peremptória permite a coexistência e compatibilização de ambos – a exigência da sua invocação através da via reconvencional redundaria numa alteração dos trâmites processais do processo especial para alcançar efeitos que a simples consideração da matéria alegada como excepção permite obter.
Concluímos, assim, que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.»
Impõe-se, pois, a nosso ver, uma interpretação restritiva do art. 266º, nº 2, al. c), do CPC por forma a que seja aplicável somente nas formas de processo que admitem reconvenção. Nas formas de processo em que não é admissível reconvenção (como é o caso da presente ação especial) deve ser permitido ao réu invocar a compensação como mera exceção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito[11].
Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, considerando, ademais, como bem se evidenciou na mesma, que seria inadequado rejeitar a possibilidade de admissão da compensação nestes autos «por, na prática, se traduzir num expediente irrelevante – a requerida pode arguir a excepção de não cumprimento com base em defeitos de execução da obra e os custos de reparação/indemnização que dos mesmos advieram, mas não poderia obter nos mesmos autos em que tal matéria terá que ser julgada a decisão sobre o valor de tais danos».
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencida no recurso, suportará a requerente/recorrente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

*
Évora, 10 de fevereiro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
__________________________________________________
[1] Citou-se, a propósito, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2018, proc.110141/17.3YIPRT.G1, e da Relação de Coimbra de 10.12.2019, proc. 78428/17.2YIPRT-A.C1, disponíveis em www.dgsi.pt, cujos sumários se transcrevem.
[2] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª edição atualizada e ampliada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 88
[3] Neste sentido, pronunciaram-se, inter alia, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.11.2015, proc. 138557/14.0YIPRT.L1-2; da Relação de Évora de 09.02.2017, proc. 89791/15.0YIPRT.E1; da Relação do Porto de 30.05.2017, proc. 28549/16.6YIPRT.P1; da Relação de Guimarães de 22.06.2017, proc. 69039/16.0YIPRT.G1; da Relação de Évora de 08.02.2018, proc. 96889/16.5YIPRT.E1, todos em www.dgsi.pt, assim como os demais que vierem a ser citados sem outra indicação.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, em comentário publicado em 19.06.2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) ao acórdão da Relação de Évora de 30.05.2019.
[5] Cfr. Gabriela Cunha Rodrigues, A acção declarativa comum, p. 54, intervenção proferida na Universidade Lusíada em 31.05.2013, disponível in http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1088/1/LD_11_4.pdf,
que refere: ‘Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos. Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida. E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação. Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa. É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção.’ Também, Rui Pinto, no artigo A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013, pág. 19, publicado em 24/05/2017 no blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), referindo que o importante será que «o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção peremptória».
[6] Cfr., inter alia, os acórdãos da Relação de Guimarães de 05.03.2020, proc. 104469/18 (que aqui seguimos de perto) e de 05.11.2020, proc. 9426/20; da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proc. 12373/17 e de 10.12.2019, proc. 78428/17; da Relação do Porto de 09.03.2020, proc. 21557/18.4YIPRT.P1.
[7] Cfr. acórdãos da Relação do Porto de 13.06.2018, proc. Proc. 26380/17.0YIPRT.P1, da Relação de Lisboa de Lisboa de 9.10.2018, proc. 102963/17.1YIPRT.L1 -7 e de 23.02.2021, proc. 72269/19.0YIPRT.L1-7, e da Relação do Porto de 08.11.2021, proc. 2408/20.6T8PRD-A.P1.
[8] In blogue do IPPC, post de 26.04.2017, sob o título “AECOPs e compensação”.
[9] Não invocando o réu a extinção por compensação do crédito do autor (e sendo, por isso, condenado a satisfazer o crédito do autor), o seu contra crédito também não foi apreciado na ação, pelo que nada impede que este contra crédito possa ser invocado numa outra ação – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A compensação em processo civil: uma proposta legislativa, artigo publicado em 17.03.2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com), p. 11.
[10] A impossibilidade de deduzir tal matéria não prejudicará o réu em termos de caso julgado ou de efeito de caso julgado já que a apreciação material do Tribunal não incidirá sobre ela, não se produzindo, tão-pouco, qualquer efeito preclusivo – cfr. acórdão do STJ de 06.06.2017, proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2.
[11] Cfr. Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/05/20190531-ARTIGO-JULGAR-A-compensação-nas-formas-de-processo-em-que-não-é-admissível-reconvenção-Manuel-E-B-Sampaio.pdf.