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RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
INADMISSIBILIDADE
Sumário
I – O artigo 688º, nº 1, do Código de Processo Civil, conforme resulta expressamente da sua letra, apenas prevê a possibilidade de interposição de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência quando está em causa a oposição entre acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (denominados acórdão recorrido e acórdão fundamento).
II – Nunca um acórdão de um Tribunal da Relação pode ser invocado como acórdão recorrido para efeitos de interposição de um recurso extraordinário para a uniformização de jurisprudência.
III - Para resolução da oposição entre acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação e entre estes e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça existem outros normativos legais que não passam pela interposição de um recurso extraordinário, isto é, de um recurso contra uma decisão já transitada em julgado (vide artigos 629º, nº 2, alínea d); 672º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil).
IV – Pelo que é inadmissível a interposição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência que tenha como acórdão recorrido um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ....
Texto Integral
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).
Apresentado o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ao relator dos presentes autos, foi então proferida decisão singular nos seguintes termos: “Veio NAVIGATOR FOREST PORTUGAL, S.A., instaurar a presente acção sob a forma de processo comum, contra ISAVESTE - Investimentos Imobiliários S.A. e AA, pedindo: (i) Que seja declarado que a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, em 3.05.2011, tendo por objeto a ..., não afeta a constituição e o exercício do direito de preferência da Navigator já anteriormente reconhecido por decisão judicial; (ii) O reconhecimento do direito de Propriedade da Navigator sobre a ...; (iii) Que seja ordenada a restituição da ... à Navigator; e (iv) Que seja ordenado o cancelamento do registo que resultou da Ap. ... de 2017/04/18 e de todos os demais registos que sejam incompatíveis com o peticionado em (ii) e (iii); ou, subsidiariamente, (v) Que seja reconhecida a qualidade de arrendatária da Navigator sobre a ..., ao abrigo dos instrumentos nominados “Contrato de Arrendamento Florestal”, datados de 12 de maio de 1998 e 15 de julho 2007, ambos subscritos por AA e Navigator. Considerando que os autos continham todos os elementos para a imediata prolação da decisão de mérito, foi proferida, em 1ª instância, sentença com o seguinte dispositivo: «o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente: A) Declara que a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, em 3.05.2011, tendo por objeto a ..., não afeta a constituição e o exercício do direito de preferência da Autora já anteriormente reconhecido por decisão judicial; B) Reconhece o Direito de Propriedade da Autora sobre a ... ; C) Determina a restituição à Autora da ...; D) Absolve os Réus do demais peticionado» Interposto recurso para o Tribunal da Relação ..., veio a ser proferido acórdão em 17 de Dezembro de 2020, que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Não foi interposto recurso de revista contra tal aresto que, nessa medida transitou em julgado. Veio agora o Réu interpor recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência, apresentando as seguintes conclusões: 1) I – Do decurso processual referente ao Acórdão recorrido: A sociedade ISAVESTE – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., em 03/05/2011 celebrou com AA, ora Recorrente, a escritura de compra e venda prédio misto denominado “...”, sito na freguesia..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana e rústica com os artigos ...-U, com a área matricial de 156,775ha e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o n.º ..., mais conhecido por ..., tendo tal escritura sido realizada no Cartório Notarial de ..., a cargo do Lic. BB, exarada de folhas 131 a folhas 132 verso, do Livro L – 150; 2) A referida aquisição por parte da ISAVESTE foi registada na Conservatória do Registo Predial de ..., pela Apresentação ..., de 04/05/2011, assim como foi efetuado no Serviço de Finanças de ... o averbamento do citado prédio misto, na matriz predial urbana (artigo ...67) e na matriz predial rústica (artigo ...11) em nome da ISAVESTE; 3) Porém, sobre o citado prédio incidiam dois contratos de arrendamento florestal, ambos celebrados por AA e pela sociedade então denominada por PORTUCEL FLORESTAL – Empresa de Desenvolvimento Agro-Florestal, S.A. (atualmente Navigator Forest Portugal, SA.,, ora recorrida. 4) A NAVIGATOR lançou mão do meio judicial para fosse reconhecido o seu direito de preferência, substituindo-se nesse negócio à ISAVESTE, requerendo a entrega do referido prédio livre e desocupado, através do Processo n.º 939/11..., que correu termos no Juiz ..., do Juízo de Grande Instância Cível ..., da extinta Comarca ..., tendo o Tribunal da Relação ..., em 07/10/2014, por Acórdão transitado em julgado, decidido de forma favorável à NAVIGATOR; 5) Sucede que à data da celebração da escritura de compra e venda do referido prédio misto entre AA e a ISAVESTE – ou seja, - 03/05/2011 – esta última desconhecia a existência dos referidos contratos de arrendamento florestal celebrados entre AA e NAVIGATOR; 6) A ISAVESTE alienara o prédio em causa com vista à sua revenda, pelo que a existência dos referidos contratos de arrendamento florestal, diminuíam, em muito, o valor do prédio adquirido, assim como dificultariam a sua revenda, na medida em que constituem um ónus que incide sobre o prédio, encontrando-se a empresa ISAVESTE, proprietária do prédio em causa, impedida de gozar, de modo pleno e exclusivo, os correspondentes direitos de uso e fruição, em virtude da existência dos referidos contratos de arrendamento, considerando os direitos e poderes que o arrendatário dispunha sobre uma área significativa do prédio e durante um período alargado de tempo, sendo certo que o preço que esteve na base do negócio correspondia ao prédio livre de quaisquer ónus ou encargos; 7) Preenchidos os requisitos legais da anulabilidade por erro e/ou dolo sobre o objeto do negócio, a empresa ISAVESTE requereu a anulação da escritura de compra e venda do prédio acima identificado, anulação que foi declarada por sentença proferida em 03/03/2016, no Processo n.º 578/15...., pelo ..., da Secção Cível e Criminal da Central ... – Comarca ..., e transitada em julgado a 18/04/2016, tendo sido, ainda, ordenado o cancelamento do registo de aquisição do mesmo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ...69 da freguesia..., efetuada pela Apresentação ... de 04/05/2011, bem como o cancelamento de todos os registos posteriores daquele dependentes; 8) A sentença proferida no Processo n.º 578/15...., para além de anular o referido contrato de compra e venda, declarou ainda nula a escritura de compra e venda celebrada em 03/11/2011, no Cartório Notarial de ..., a cargo do Lic. BB, determinou o cancelamento do registo da aquisição da propriedade sobre o prédio a favor da ISAVESTE, efetuado pela Ap. ... de 2011/05/04 e bem assim todos os registos posteriores que dele dependam, relembrando que o registo de aquisição do mesmo prédio por parte da NAVIGATOR, é feito posteriormente na sequência do registo de ação feito através da Ap. ..., de 2012/01/13; 9) A NAVIGATOR interpôs, ainda, contra ISAVESTE e AA um Recurso de Revisão da Sentença proferida no Processo n.º 578/15...., pedindo a sua anulação com base em ato simulado entre ambos os Réus nesse processo, o qual correu por apenso sob o Processo n.º 578/15...., recurso este que foi julgado improcedente por sentença proferida em 03/03/2016, no Processo n.º 578/15...., pelo ..., da Secção Cível e Criminal da Central ... – Comarca ..., e transitada em julgado a 18/04/2016, tendo sido, ainda, ordenado o cancelamento do registo de aquisição do mesmo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ...69 da freguesia..., efetuada pela Apresentação ... de 04/05/2011, bem como o cancelamento de todos os registos posteriores daquele dependentes; 10) A Autora/Recorrida NAVIGATOR instaurou a presente Ação de Processo Comum contra o Réu/Recorrente AA, alegando o que consta de fls., pedindo, entre outros pedidos, que a anulação do Contrato de Compra e venda celebrado entre AA e a ISAVESTE, em 03.05.2011, tendo por objeto a ..., não afetasse a constituição e o exercício do direito de preferência da NAVIGATOR. 11) O Recorrente AA contestou, alegando, o que supra se transcreveu, tendo sido proferida Sentençade fls., na qualse decidiu o que supra se transcreveu; 12) Inconformado, o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação ..., apresentando as Conclusões supra transcritas, tendo sido deliberado o Acórdão recorrido, conforme supra transcrito; 13) Não conformado, o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, apresentando as alegações supra transcritas; 14) O Exmo. Sr. Relator do Tribunal Constitucional, por Decisão Sumária de fls. n.º 288/2021, veio a decidir não tomar conhecimento do objeto do recurso para apreciação da inconstitucionalidade das normas sindicadas e, não conformado, o Recorrente apresentou Reclamação para a Conferência nos termos supra transcritos; 15) O Tribunal Constitucional, por Acórdão n.º 391/2021 de fls., veio indeferir a Reclamação, confirmando a Decisão Sumária, tendo já transitado em julgado e baixado o processo a título definitivo à 1.ª instância, pelo que o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Constitucional, transitou também em julgado o Acórdão ora recorrido; 16) Não podemos concordar com o Acórdão recorrido, acrescendo ao facto de tal decisão se encontrar em contradição com decisão anteriormente proferida pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e daí o presente Recurso, pois através de tal entendimento, o Venerando Tribunal recorrido concretizou uma interpretação que vai contra a nossa lei e Constituição; 17)O Recorrente tem conhecimento de vários Acórdãos proferidos, os quais, sobre a mesma questão fundamental de direito acima identificada, decidiram de forma inversa e oposta ao decidido na decisão aqui recorrida, nomeadamente os Acórdãos do STJ de 18/02/1949 e de 25/03/1949, sendo que qualquer um dos Acórdãos nomeados poderia servir de Acórdão fundamento ao presente recurso, pelo que, perante tal consolidação da jurisprudência quanto a esta matéria, não se compreende o decidido na decisão recorrida; 18)Na impossibilidade legal de se poder invocar os vários Acórdãos, nomeadamente os acima referidos, como Acórdão fundamento, sempre se opta por invocar somente: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de novembro de 1983, proferido no âmbito do Processo n.º 70 945, BMJ, 331.º-565, que se junta como doc. n.º 1; 19)II – Das Alegações: O Acórdão recorrido encontra-se em contradição com Acórdão fundamento, transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e daí o presente Recurso; 20)Identificação da mesma questão fundamental de direito em causa: A questão sub judice prende-se com o facto de se deve reconhecer ou não a oponibilidade relativamente à NAVIGATOR da Sentença transitada em julgado, emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15...., na qual se decidiu pela anulação do contrato de compra e venda celebrado por AA e ISAVESTE; 21)No Acórdão recorrido, tal como supra transcrito, sufragando-se integralmente a fundamentação apresentada pela 1.ª instância, entendeu-se que “em face do disposto no artigo 291.º do CC, tendo em conta que o registo da aquisição da ... pela Navigator na sequência da procedência da acção de preferência (averbamento à Ap. ... de 2011/05/04, pela Ap. ... de 2016/01/27) é anterior ao registo da acção de anulação do contrato de compra e venda (Ap. ... de 2016/04/27), e ainda que esta ação foi proposta e registada mais de três anos volvidos sobre a conclusão do negócio (em 03.05.2011), os direitos da Navigator sobre a ... jamais poderiam seriam afectados, ou no dizer do Apelante, destruídos pela procedência da acção de anulação”, defendendo que “a procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pelo preferente no contrato celebrado, com efeito retroactivo, tudo se passando, em princípio, como se o contrato tivesse sido celebrado ab initio entre o alienante e o preferente”, perdendo o contrato celebrado entre AA e ISAVESTE “a sua eficácia translativa normal, mas em virtude da existência de um direito de opção, a posição jurídica do adquirente fica sujeita, por força da lei, a uma condição (conditio juris) resolutiva (…): ele perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfantemente exercida”; 22)O Tribunal recorrido entendeu, ainda, que “sendo a acção de preferência uma acção constitutiva destinada a obter um efeito jurídico novo26, em face do disposto no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, a respectiva procedência implica a substituição do adquirente pelo preferente na titularidade do direito sobre o imóvel, decorrente do reconhecimento do incumprimento pelo obrigado à preferência da obrigação de dar conhecimento ao preferente dos elementos essenciais da alienação, ou mesmo, da alienação propriamente dita. Portanto, o caso julgado material formado pela procedência da acção anterior abrange o fundamento respeitante à verificação de um acto ilícito do sujeito passivo obrigado à preferência. Mas abrange ainda um dos elementos essenciais do contrato:opreçodevidoparaefeitosdodepósito a realizar pelo preferente na acção, do qual depende, aliás, a respectiva procedência. Assim, não há dúvidas de que tudo se passa como se a ora Apelada, manifestamente terceiro de boa fé, já que então desconhecia qualquer vício do negócio que só posteriormente foi invocado pela adquirente, precisamente com o fundamento de que o celebrou desconhecendo que existia um contrato de arrendamento, tivesse adquirido directamente do vendedor, inadimplente quanto à preferente, o prédio objecto do litígio, na data da conclusão do negócio entre aquele e a compradora Isaveste, ou seja, em 03.05.2011, pagando o preço devido. 23)Portanto, sendo a Autora terceiro de boa fé, verificando-se a aquisição do prédio por via da acção constitutiva de preferência, que constitui um negócio oneroso, e que foi registada antes do registo da acção de anulação, proposta mais de três anos volvidos sobre a conclusão do negócio, dúvidas não podem subsistir da inoponibilidade da anulação do contrato de compra e venda à adquirente, ora Apelada, nos termos previstos no artigo 291.º do CC”; 24)Concluiu o Acórdão recorrido que “Exercido odireito potestativo de preferência, a coisa a ele sujeita passou a ser objecto de dois contratos de compra e venda incompatíveis: o que foi celebrado entre os primitivos vendedor e comprador e o que resultou do exercício, pelo preferente, do seu direito de opção, tudo se passando juridicamente, após a substituição e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente.”; 25)O Acórdão recorrido encontra-se em oposição com Acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado supra identificado. 26)O que se discute no Acórdão fundamento: discute-se a (in)existência do objeto da preferência que os preferentes pretendiam exercer sobre um determinado prédio, carência que se concretizaria no facto de ter sido anulada, por sentença transitada em julgado, a alienação do prédio na qual intervieram o aí comprador e o aí vendedor, porque os preferentes invocaram não terem sido partes na ação de anulação, invocando o vendedor, em contrapartida, que, a admitir-se a inoponibilidade da Sentença emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda, estar-se-ia a admitir a venda de bem alheio por força da anulação da alienação; 27)No caso do Acórdão fundamento, tal como sucede no presente caso, a 1.ª e 2.ª instâncias entenderam que a alienação do prédio não é afetada pela anulação, entendendo ser ineficaz a ação de anulação relativamente ao direito de preferência invocado pelos preferentes; 28)Contudo, o STJ, no Acórdão fundamento ora junto, veio entender o seguinte: “… A argumentação das instâncias é inaceitável pelas razões que abaixo se aduzem. Sem embargo de não terem sido partes na acção, os recorridos não deixam de ser juridicamente interessados pela decisãoproferida e para isso concorre o serem titulares de interesses conexos ou dependentes daqueles que o caso julgado veio a definir. Embora a regra seja a da protecção inter-partes do caso julgado material (art. 671 do CPC) tem a jurisprudência e a doutrina admitido o desvio que o critério atrásreferido traduzrelativamente a essa regra (ac. de 18/2/49 e de 25/3/49, in BMJ 11/169 e 12/278 e Prof. A. dos Reis, in CPC anot. Vol. V, 161). Mas é no plano do direito substantivo que se encontra a base segura dos efeitos quanto a terceiros da decisão revestida da autoridade de caso julgado. Com efeito, a anulação do negócio jurídico (e não apenas a sua nulidade), por força das disposições aplicáveis (art. 220 e 289, 1 do CC) opera, como escreveu o eminente civilista, Manuel Andrade, em face de terceiros e não só em face das contrapartes em razão de operar in rem e não apenas in personam (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol 2, pag. 425). Que a decisão transitada em julgado, que declara a anulação da alienação, é oponível a terceiros se insere também do art. 291, 1 do CC, na sua interpretação a contrario, quando dispõe que a anulação da alienação não prejudica o exercício, sob certas condições, dos direitos dos terceiros de boa fé sobre bens imóveis. (…) Cincando toda a argumentação das instâncias é óbvio que em razão da anulação da alienação do prédio, desaparece o objecto sobre o qual pode incidir o direito de preferência inculcado pelos recorridos. (…) Pelo exposto, têm-se por fundadas as conclusões das alegações dos recorrentes, concede-se a revista e provê-se o agravo e absolvem-se os mesmos dos pedidos…”; 29)O Acórdão ora recorrido se encontra em frontal oposição com o Acórdão fundamento que anteriormente foi proferido pelo STJ, já transitado em julgado, sendo certo que tal oposição sucedeu no domínio da mesma legislação (artigos 291.º, n.º 1, 289.º, n.º 1, 284.º, n.º 4 e 220.º, todos do CC), sobre a mesma questão fundamental de direito (a supra já referida), e que é inexistente jurisprudência uniformizada do STJ que sustente a posição perfilhada no Acórdão recorrido, e daí o presente Recurso; 30)A questão sub judice prende-se com o facto de se deve reconhecer ou não a oponibilidade da sentença transitada em julgado, emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15...., na qual se decidiu pela anulação do contrato de compra e venda celebrado por AA e ISAVESTE e ainda a inerente interpretação dos artigos 291.º, n.º 1, 289.º, n.º 1, 284.º, n.º 4, todos do CC, sendo que, através de tal entendimento, o Venerando Tribunal recorrido concretizou uma interpretação que vai contra a nossa lei e a nossa Constituição; 31)Confrontando o Acórdão recorrido com o Acórdão que serve fundamento ao presente recurso, referentes à questão fundamental de direito supra identificada, verificamos que, sobre a mesma matéria, se encontram em oposição direta quanto à interpretação dos artigos 291.º, n.º 1, 289.º, n.º 1, 284.º, n.º 4 2 220.º, todos do CC; 32)O Recorrente defende a ideia vertida no Acórdão fundamento ora junto, sendo firme e séria a sua convicção de que a posição correta e mais consentânea com a Lei é a do aqui Acórdão fundamento, pois a sentença proferida no processo n.º 578/15...., para além de anular o referido contrato de compra e venda, declarou ainda nula a escritura de compra e venda celebrada em 03/11/2011, no Cartório Notarial de ..., a cargo do Lic. BB, determinou o cancelamento do registo da aquisição da propriedade sobre o prédio a favor da Isaveste, efetuado pela Ap. ... de 2011/05/04 e bem assim todos os registos posteriores que dele dependam, sendo certo que, o registo de aquisição do mesmo prédio por parte da NAVIGATOR foi feito posteriormente na sequência do registo de ação feito através da Ap. ... de 2012/01/13, pelo que o registo de aquisição por parte da NAVIGATOR não poderia subsistir; 33)Pela NAVIGATOR foi requerida a retificação do registo da Decisão Judicial lavrado ao abrigo da Ap. ... de 2019/04/18, por alegada nulidade nos termos do artigo 16º, alínea b), do CRPredial, ou, subsidiariamente, por alegada inexatidão nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do CRPredial, contudo, o Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial de ..., decidiu, em 17-07-2019, que o registo objeto do pedido de rectificação não enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 16º, alínea b), nem tão pouco de inexatidão nos termos do artigo 18º, ambos do Código do Registo Predial, tendo sido o pedido de retificação indeferido nos termos supra transcritos, argumentação e decisão com a qual o Recorrente concede inteiramente; 34)Face à anulação do contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a ISAVESTE, mediante escritura de 03-11-2011, pela referida sentença, o exercício do direito de preferência por parte da NAVIGATOR ficou necessariamente prejudicado, tendo deixado de existir, pois o exercício do direito de preferência reconhecido à NAVIGATOR na compra do mesmo prédio no Processo n.º 939/11..., é consequência direta e depende necessariamente do contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a ISAVESTE, não havendo dúvidas que o Recorrente é o seu atual proprietário e legítimo possuidor, em virtude da anulação do contrato de compra e venda do mesmo prédio celebrado entre o Réu e a ISAVESTE, por sentença proferida em 03/03/2016, no processo n.º 578/15...., pelo J2 da Secção Cível e Criminal da Central ...Secção Cível e Criminal da Central ... – Comarca ..., e transitada em julgado a 18/04/2016; 35)O artigo 291.º, n.º 1 do CC, na sua interpretação a contrario, devidamente aplicado ao caso concreto, desencadeia a oponibilidade de terceiros (NAVIGATOR) relativamente à decisão transitada em julgado que declarou a anulação da alienação (compra e venda entre o Recorrente e a ISAVESTE), desde logo porque dispõe que a anulação da alienação não prejudica o exercício, sob certas condições, dos direitos dos terceiros de boa fé sobre bens imóveis; 36)É imperativa a aplicação do artigo 289.º, n.º 1 do CC que estabelece a verificação dos efeitos retroativos oriunda da declaração de anulação do Contrato de Compra e venda, consagrando o princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido; 37) A ação de preferência pressupõe necessariamente a substituição do preferente num real ato de disposição/alienação válido, ato, esse, que, anulado, não se pode considerar que sucedeu, tendo em conta os efeitos retroativos que a lei tão claramente prevê, sendo certo que a retroatividade atinge terceiros nos termos dispostos no artigo 288.º, 4, do Código Civil; 38)A declaração de nulidade ou a invocação da anulabilidade é, sem qualquer margem para dúvida, retroativa: destroem-se todos os efeitos produzidos e restitui-se aquilo que foi prestado, geralmente, ao mesmo tempo, logo, pressupondo a ação de preferência a existência de um contrato no âmbito do qual ocorreu a substituição do preferente, inexistindo esse contrato, inexistirá preferência. Determinando a lei a destruição do contrato, determina obrigatoriamente a destruição do direito de preferência; 39)Vertendo para o caso sub judice, com objetividade, e numa perspetiva puramente lógica, a lei e a Constituição exigem a seguinte leitura: a eficácia retroativa declara no ordenamento jurídico que o negócio inicial nunca chegou a existir, pelo que, não tendo existido negócio, logicamente que também não pôde ter existido um qualquer direito de preferência, nem se poderá falar de um “terceiro”, pois para a ordem jurídica não houve nenhum “primeiro” ou “segundo”; 40)O direito do preferente só surge na sua esfera jurídica com a realização da escritura pública de compra e venda entre o obrigado à preferência e o comprador, e não com o nascimento da vontade do obrigado à preferência, o qual é impossível de determinar momento em que sucede, a forma como deve ser manifestado no mundo físico/exterior, etc., tanto mais que o direito de preferência é um direito real de aquisição que opera retroagindo os seus efeitos ao momento da alienação. Aí se encontra o limite temporal no qual emerge o nascimento do direito de preferência: na alienação; 41)Não tendo havido nenhuma alienação (pois a mesma foi objeto de anulação por via judicial), só por uma criatividade perturbante e subversiva é que se poderia considerar que, não tendo ocorrido a alienação, permaneceria intacto o direito de preferência – tal leitura da lei só poderia ser contra legem e contra a Constituição, mas, de facto, foi a operada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, sendo de relevar que não é por acaso que o direito de preferência só pode ser exercido após a celebração do negócio jurídico, quando o alienante do bem não coloca o preferente em condições de o exercer, tendo antes de recorrer à respetiva ação judicial para esse efeito; 42)O artigo 1410.º do CC é muito claro ao prescrever os pressupostos para a propositura da ação de preferência: é necessária a celebração de uma venda (ou dação em cumprimento) e o prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e o artigo 1091.º do CC estabelece, ainda, que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda (ou dação em cumprimento) do local arrendado há mais de dois anos, pelo que não há dúvidas que a premissa maior que sustentou a intenção do legislador para o exercício do direito de preferência foi a alienação do bem, através da referência dupla em ambos os requisitos (venda e alienação); 43)A sentença de procedência proferida no âmbito do Processo de Anulação de Compra e Venda n.º 578/15.... provocou a modificação subjetiva do direito de propriedade, por efeito de substituição do preferente (ora Recorrida/Autora) pelo vendedor (ora Recorrente/Réu); 44)O contrato de compra e venda em causa, que foi anulado, foi o resultado do encontro de duas vontades que se formaram de uma forma conjunta, acertada, dependentes uma da outra, com uma formação de tal forma conexa, que uma não poderia ter surgido sem a outra, e sendo necessariamente o contrato a concentração de dois atos jurídicos unilaterais — a proposta e a aceitação — que, reunidos num consenso, constituem um negócio jurídico, não se poderá destacar simplesmente a vontade do obrigado à preferência da vontade do comprador, tanto mais que o que deu origem ao surgimento do direito de preferência não foram as realidades psicológicas em si (ou seja, as suas vontades intelectuais – cujo o seu início é impossível de determinar), mas sim o contrato que se formalizou, mas que depois veio a ser anulado, para não subverter a intenção do legislador; 45)A significação jurídica que o entendimento postulado pelo Acórdão recorrido atribui à vontade do vendedor proprietário tem por base uma equívoca premissa: que o direito de preferência nasce de uma mera vontade do provável alienante vender o bem, vontade, essa, localizada num plano subjetivo e meramente psicológico, que nem sequer é possível determinar o momento da sua consolidação (quando deixa de pensar na possibilidade de venda como algo que poderia um dia vir a acontecer para passar a ser algo que efetivamente ganha uma concreta forma), contudo, tal leitura não é legal, nem constitucional, e está longe de promover os valores do nosso sistema de direito, como a segurança jurídica; 46)O direito de preferência só pode ter o seu nascimento no momento da celebração de um determinado negócio jurídico, e nunca antes, pois até aí não passa de uma mera ficção jurídica, sendo certo que o que a Sentença proferida no Processo n.º 578/15.... veio fazer não foi anular uma mera ficção jurídica, mas um concreto negócio jurídico, sem o qual não poderá nunca subsistir o direito de preferência; 47)Obviamente que os direitos legais de preferência implicam uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade (artigo 62.º CRP), contudo, entender como o tribunal recorrido entendeu é violar de forma desproporcionada aquela liberdade e aquele direito, nos termos já expostos e sem qualquer fundamento legal – já se invocou que tal não foi, claramente, a vontade do legislador; 48)Não se pode perder a visão integral do nosso sistema jurídico, para melhor compreender a real vontade do legislador, de forma a não se cair em subterfúgios racionais de lógica limitada (pois não promove uma visão integral do sistema) e até pervertida. É imperativo a interpretação das normas em causa também a partir de uma visão unitária e integral do nosso ordenamento jurídico, o que não sucedeu; 49)Estamos perante o confronto, por um lado de direitos fundamentais previstos na CRP, como o direito de propriedade (artigo 62.º da CRP), o princípio geral da liberdade contratual e o princípio da autonomia privada, e, por outro lado, de um direito meramente legal (o direito de preferência), dependente da observação rigorosa de vários requisitos, e enquadrado do regime geral do contrato de arrendamento; 50)O direito de preferência, nomeadamente a preferência legal do arrendatário, constituí uma limitação ao princípio geral da liberdade contratual e, por esse motivo, a interpretação das normas de preferência deve evitar um alargamento da sua aplicação, sob pena de constituir uma interpretação ilegal, e até inconstitucional – o que sucede no presente caso; 51)O entendimento (injustificado) patente no Acórdão recorrido não se encontra previsto nem na letra, nem no espírito da Constituição e da lei, não sendo uma solução aceitável, pois a interpretação realizada pugna por um protecionismo ilegal, injustificado e desproporcionado a favor do arrendatário que a nossa lei fundamental (CRP) não consagra, constituindo uma violação do princípio da autonomia privada, da liberdade contratual e do exercício do direito de propriedade que a Lei e a Constituição lhe confere; 52)Pelo facto de a NAVIGATOR ter apresentado contra o Recorrente e a ISAVESTE o Recurso de Revisão da sentença proferida no referido processo 578/15...., sanou a falta de intervenção neste processo, cumprindo-se assim o que se encontra estipulado no artigo 34º, n.º 4 do Código do Registo Predial, único obstáculo colocado aquando da Ap. ..., de 2016/04/27, do registo daquela Decisão Judicial, que resultou na qualificação do mesmo como provisório por dúvidas, devendo considerar-se que ambas as decisões, a proferida na Ação de Processo Comum n.º 578/15.... e a proferida no Recurso de Revisão n.º 578/15...., já transitaram em julgado, sendo certo que a decisão proferida no Recurso de Revisão contende e tem a ver diretamente com a sentença proferida na Ação de Processo Comum, já que o objeto daquela era a anulação da mesma sentença, o que não foi conseguido pela NAVIGATOR; 53)Ambas as decisões referidas estão numa relação de complementaridade e dependência, exigindo-se que fosse transcrita no registo a decisão que foi objeto do Recurso de Revisão, e não simplesmente a que resultou do recurso de revisão, já que tal seria incompreensível, tal como foi e bem transcrita no registo, pelo que, por ter sido confirmada no Recurso de Revisão na qual foi parte a Autora, esta sanou a falta da sua intervenção na Ação de Processo Comum n.º 578/15....; 54)A NAVIGATOR nunca foi proprietária nem exerceu sobre o prédio quaisquer atos de posse, em virtude da anulação do contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a ISAVESTE, e que afetou consequentemente a validade do exercício do direito de preferência por parte da NAVIGATOR na aquisição do mesmo, apesar de reconhecido judicialmente; 55)O entendimento adotado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal na Ação de Processo Comum n.º 578/15.... e que anulou o contrato de compra e venda em causa e declarou nula a mesma escritura de compra e venda, fê-lo expressamente com os efeitos legais decorrentes do disposto no artigo 289.º do Código Civil e é esse o entendimento que resulta da lei, designadamente do referido artigo 289.º do Código Civil, que se refere aos efeitos da declaração de nulidade e da anulação: “1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”, ou seja, tudo acontece como se o contrato de compra e venda não tivesse existido; 56)Se a NAVIGATOR, preferente na aquisição do prédio vendido pelo Recorrente à ISAVESTE, ocupa a posição desta no mesmo contrato de compra e venda, e este é anulado, natural e necessariamente que o direito de preferência deixa consequentemente de existir e de poder ser exercido, por não haver compra e venda; 57)Pelo simples facto de o contrato de compra e venda da ..., celebrado entre o Recorrente à ISAVESTE ter sido anulado, tal anulação prejudicou necessariamente o exercício do direito de preferência por parte da NAVIGATOR na sua aquisição, pelo que a NAVIGATOR não é a proprietária do imóvel, mas o Recorrente AA; 58)A anulação em resultado do processo iniciado pela ISAVESTE contra o Recorrente afetou necessariamente os direitos da NAVIGATOR sobre a ..., “adquiridos” através do exercício do “direito de preferência”, não se encontrando ilidida a presunção da titularidade do direito de propriedade da ... a favor do Réu AA, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, pois o registo feito através da Ap. ... de 2019/04/18, foi feito em conformidade com os títulos apresentados, pelo que o registo não é nulo, nem sofre de qualquer vício, quer por insuficiência do título, quer por violação do princípio do trato sucessivo; 59)Tal como resulta patente no Acórdão fundamento, deverá considerar-se a inexistência do objeto da preferência que a NAVIGATOR pretende exercer, carência que se concretiza no facto de ter sido anulada, por sentença transitada em julgado, a alienação do prédio em que ISAVESTE e AA intervieram como compradora e vendedor, respetivamente; 60)A admitir-se a inoponibilidade da Sentença emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15.... e da Sentença emitida no Processo de Revisão de Sentença n.º 578/15...., estar-se-á a admitir a venda de bem alheio por força da anulação da alienação; 61)A argumentação sustentada no Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, é desacertada, desde logo, pelo facto de ser indubitável que, em razão da anulação da alienação do prédio em causa, desaparece o objeto sobre o qual pode incidir o direito de preferência inculcado pela recorrida NAVIGATOR; 62)Tal como patente no Acórdão fundamento, há que considerar dois planos que nos indicam a solução mais conforme ao Direito: o plano processual e o substantivo, sendo que no plano processual, concede-se que a NAVIGATOR poderá não ter sido parte na ação de anulação, contudo, não deixa de ser juridicamente interessada pela decisão proferida nessa mesma ação e para isso concorre o ser titular de interesses conexos ou dependentes daqueles que o caso julgado da ação de anulação veio a definir; 63)Embora a regra seja a da protecção inter-partes do caso julgado material (artigo 671.ºdoCPC), a jurisprudência e a doutrina têm admitido o desvio que o critério atrás referido traduz relativamente a essa regra; 64)No plano substantivo, eis a base segura onde nos sustentamos, tal como fundamentado no Acórdão fundamento, para afirmara oponibilidade dos efeitos da Sentença emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15.... e da Sentença emitida no Processo de Revisão de Sentença n.º 578/15.... quanto a terceiros (ou seja, quanto à NAVIGATOR) da decisão revestida com autoridade de caso julgado (ou seja, a decisão da ação de anulação): a anulação do negócio jurídico (e não apenas a sua nulidade), por força das disposições aplicáveis, ou seja, os artigos 220.º e 289.º, n.º 1 do CC, opera em face de terceiros e não só em face das contrapartes em razão de operar in rem e não apenas in personam; 65)Também a partir do artigo 291.º, n.º 1 do CC, na sua interpretação a contrario, conclui-se pela oponibilidade da Sentença emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15.... e da Sentença emitida no Processo de Revisão de Sentença n.º 578/15...., ambas transitadas em julgado, sendo que a primeira declarou a anulação da alienação, pois esta mesma norma dispõe que a anulação da alienação não prejudica o exercício, sob certas condições, dos direitos dos terceiros de boa-fé sobre bens imóveis; 66)Não cremos que a interpretação realizada pelo Tribunal recorrido relativamente à questão fundamental de direito respeitante à inoponibilidade em causa, tenha sido a correta, sendo que entendemos contrariamente ao mesmo, nos termos constantes no Acórdão que serve como fundamento, nos termos sustentados pela doutrina acima mencionada, e por todos os motivos que acima devidamente se encontram, já, explanados, pelo que as interpretações contidas no Acórdão ora alvo de recurso não poderão subsistir; 67)Aplicando o bom entendimento vertido no Acórdão fundamento, deverá concluir-se do seguinte modo: a NAVIGATOR não deixa de ser juridicamente interessada pela decisão de anulação do contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a ISAVESTE, e para isso concorre o facto de ser titular de interesses conexos ou dependentes daqueles que o caso julgado veio definir, acrescendo o facto de que, em razão da anulação da alienação do prédio em causa, desaparece o objeto sobre o qual pode incidir o direito de preferência inculcado pela NAVIGATOR, visto que a anulação do negócio jurídico (e não apenas a sua nulidade), por força dos artigos 220.º e 289.º, n.º 1 do CC, opera como em face de terceiros e não só em face das contrapartes em razão de operar in rem e não apenas in personam; 68)Outra posição não poderá ser fixada em sede de fixação de jurisprudência, senão a que venha entender o que o Recorrente aqui defende, em concordância com o Acórdão fundamento, relativamente à matéria em causa, sob pena de se violar as normas legais e os princípios constitucionais mencionados, o que se requer; 69)Face à contradição dos Acórdãos em causa e, tendo em conta a eloquente e fundada argumentação vertida no Acórdão fundamento quanto à questão fundamental de direito relativa à oponibilidade da Sentença emitida no âmbito do Processo de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15.... e da Sentença emitida no Processo de Revisão de Sentença n.º 578/15...., ambas transitadas em julgado, face ao direito meramente legal de preferência da Recorrida; 70)Por tudo o exposto, merece censura o Acórdão aqui recorrido, devendo, em face do exposto, decidir-se pelo provimento do presente recurso nos termos requeridos, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes. Contra-alegou a A. pugnando pela inadmissibilidade do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência. Vejamos: Só por manifesto lapso ou inadvertida falta de atenção se poderá compreender a interposição do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, genericamente previsto nos artigos 688º a 695º do Código de Processo Civil. Resulta expressamente da previsão do artigo 688º, nº 1, do Código de Processo Civil que este recurso extraordinário, pressupondo o trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 627º do Código de Processo Civil), tem por objecto a oposição de julgados entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (o acórdão recorrido e o denominado acórdão-fundamento). Logo, o acórdão recorrido terá, sempre e necessariamente, que ter sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não existe assim o menor cabimento, nem faria sentido algum, entender que tal oposição de julgados, fundamentadora deste recurso extraordinário, se pudesse estabelecer entre um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e um acórdão do Tribunal da Relação. Seria simplesmente absurdo, do ponto de vista jurídico, e totalmente desconforme com as regras elementares do nosso sistema de recursos cíveis. Assim, havendo o acórdão recorrido, já transitado em julgado, sido proferido, como se assinalou, pelo Tribunal da Relação ..., não assiste ao recorrente a possibilidade de socorrer-se do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência com vista a tentar alterar a decisão final e definitiva que o desfavoreceu. Daí a sua óbvia e totalmente indiscutível inadmissibilidade”.
Notificado nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, o recorrente manifestou-se inequivocamente no sentido de que o seu recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência é admissível, não concordando com a posição assumida pelo relator.
Argumentou essencialmente:
1º O Despacho supra identificado assenta a sua fundamentação no facto de que o recurso para fixação de jurisprudência não é aplicável a acórdãos das Relações, mas apenas a acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando-se no n.º 1, do artigo 688.º do NCPC, que “as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.
2º O artigo 688.º do NCPC, corresponde ao anterior artigo 763.º do ACPC, cuja redação foi mantida integralmente, sucedendo, porém, que tal disposição legal – o artigo 763.º do ACPC – estava integrada num sistema jurídico bastante diferente, daquele que agora se encontra em vigor, no nosso ordenamento jurídico, pois que a regra era, à data, a do recurso das decisões proferidas pelos Tribunas da Relação, para esse Supremo Tribuna de Justiça, e atualmente, a regra é a da dupla conforme, o que impede, na maioria dos casos, o recurso da decisão pelo Tribunal da Relação, para esse STJ.
Ou seja, segundo o entendimento espelhado no Despacho que ora se responde, a médio prazo, o n.º 1 do artigo 688.º do NCPC será, também ele, aplicado apenas com carácter residual, porquanto é bem conhecido o facto de que as decisões preladas por esse Supremo Tribunal de Justiça, são cada vez mais raras, por inadmissibilidade legal.
Se analisarmos o relevante contexto e elemento histórico do artigo 688.º do NCPC, designadamente o seu n.º 1, é sabido que a intenção do legislador não foi, ou poderia ter sido, a de coartar um direito, mas contrariamente, o de permitir, face a decisões antagónicas sobre a mesma questão jurídica, um último recurso, uma última via, para reposição da justiçado seu caso concreto, ou pelo menos, a justiça uniforme, para todos os cidadãos, designadamente pela garantia da segurança jurídica, pilar do Estado de Direito Democrático.
Com efeito, esvaziar o sentido que o legislador atribuiu à previsão do n.º 1, do artigo 688º do NCPC (no âmbito do seu enquadramento jurídico anterior – artigo 763.º), e reduzir a aplicação deste artigo, sem o recurso às regras da interpretação contidas no artigo 9.º do Código Civil, implica necessariamente a violação dos artigos 12.º, 13.º, nº, 1 e 20.º da CRP, e consequentemente, a violação da decisão proferida por esse SupremoTribunaldeJustiça,dosartigos204.º e205º.,igualmentedaCRP,violações, essas, as quais, desde já e aqui, se invoca.
6º De facto, o artigo 688.º, n.º 1 do NCPC deve ser interpretado, no atual enquadramento jurídico, no sentido de que tal recurso é admissível por contradição entre acórdãos proferidos no âmbito da mesma legislação e questão fundamental de direito, bastando, para isso, a contradição entre dois acórdãos proferidos por um qualquer Tribunal superior, desde que transitado em julgado, sob pena, de ocorrer, com uma evidência manifesta, a impossibilidade e o esvaziamento do sentido da norma.
7º Se após 01.09.2013, for introduzida no ordenamento jurídico português, uma legislação, que ofereça diversas interpretações jurídicas, mas que não permita, senão numa situação concreta, o recurso para esse Supremo Tribunal de Justiça, facilmente concluímos pelo manifesto esvaziamento do sentido e alcance do n.º 1, do artigo 688.º do NCPC, que visa, antes de mais, o respeito pela igualdade entre todos os cidadãos na relação que estabelecem com a legislação em vigor no país – princípios constantes nos artigos 12.º e 13.º da CRP.
8º Termos em que requer seja admitida a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 688.º do NCPC, o que, desde já e aqui, se requer com todas as consequências legais daí resultantes.
9º O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... e do qual o Recorrente interpôs recurso de uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, contraria de forma flagrante aquilo que tem sido a jurisprudência, nos termos expostos no corpo das suas respetivas alegações.
10º Ora, uma interpretação restritiva do artigo 688.º do NCPC, implicará de forma necessária, não só uma limitação inadmissível do direito de recurso, mas também colocará em crise, de forma irremediável, a unidade, segurança e paz jurídica que se impõem nas decisões dos tribunais superiores;
11º A interpretação do artigo 688.º do NCPC, no sentido de vedar o recurso de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelas Relações que se encontrem em contradição com outros acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola de forma clara a Constituição da República Portuguesa, designadamente, o direito ao recurso e acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), não olvidando que o nosso ordenamento jurídico deve primar pela unidade e coerência jurídica.
12º Acresce que, conforme resulta da legislação em vigor, os tribunais têm como função específica a aplicação da lei (geral e abstrata) aos casos particulares e concretos, mas a verdade é que é sabido que no exercício da função judicial, ao abrigo da liberdade que assiste ao julgador, podem surgir resultados indesejáveis, nomeadamente, atribuindo à mesma norma jurídica sentidos diferentes.
13º Se de um lado aLei Fundamental impõe a realização daideia deque a leié efetivamente igual para todo, o princípio da igualdade não poderá ser comprimido em nome da liberdade de interpretação jurisdicional.
14º Com efeito, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei não pode ser uma mera quimera, ilusão ou mito, sendo certo que em casos concretos, rigorosamente iguais, a verdade é que originam soluções jurídicas antagónicas ou divergentes, o que não se pode conceder por via de uma qualquer interpretação não garantística da lei.
Ao cidadão interessa, sobretudo, a atuação concreta da lei e não a sua função/formulação abstrata, ainda que esta possa vir declarada formalmente na forma de letra da lei, matando o espírito que lhe está subjacente, o qual deverá sempre prevalecer.
16º É, pois, necessário, conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos, devendo reconhecer-se a necessidade e conveniência de tomar providências de forma a assegurar a uniformidade da jurisprudência, dessa forma surgindo a figura do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, consagrado hoje no nosso NCPC, nos seus artigos 688.º e seguintes.
17º Ora, limitar-se a possibilidade de interposição recurso extraordinário de fixação de jurisprudência aos acórdãos proferidos apenas pelo Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-á inevitavelmente a comprimir de tal forma este mecanismo de equilíbrio, que se acaba por esvaziá-lo.
18º A interpretação subjacente ao Despacho a que ora se responde sacrifica, pois, de forma injustificada, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, em nome do princípio da liberdade jurisdicional, o que não se pode conceder.
19º Senão, vejamos o espetáculo desolador que tal interpretação irá desencadear: em vez de jurisprudência uniforme, teremos jurisprudência variável, flutuante e incerta, a qual incentivará ainda mais a tendência individualista dos nossos magistrados, ao abrigo da excessiva afeição pela liberdade de interpretação, ou seja, um mesmo cidadão poderá ser confrontado com um acórdão da Relação que contrarie a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
19º Contudo, esse mesmo cidadão verá que o STJ o qual tem como função primordial estabelecer a interpretação e aplicação da Lei, mas não terá forma de lhe garantir a igualdade de aplicação da sua interpretação junto das Relações, situação que é facilmente ilustrada nos presentes autos e na jurisprudência do STJ indicada.
21º Assim, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, o Venerando Tribunal, ao interpretar no seu Despacho o artigo 688.º do NCPC da forma como o fez, viola claramente, e de forma irremediável, o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a Lei, consagrado no artigo 13.º da CRP, o que não se pode conceder, nos termos supra expostos.
22º Pelo que o Recorrente mantém todo o alegado nas suas Alegações, devendo, consequentemente, o recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência interposto ser admitido em virtude das razões apresentadas supra, seguindo-se os ulteriores termos legais, pois só assim se fará JUSTIÇA e garantirá a plenitude da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.
Apreciando:
Não assiste razão ao recorrente, como é óbvio.
O artigo 688º do Código de Processo Civil, conforme resulta expressamente da sua letra, apenas prevê a possibilidade de interposição de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência quando está em causa a oposição entre acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (denominados acórdão recorrido e acórdão fundamento).
Nunca, no regime actual, um acórdão de um Tribunal da Relação pode ser invocado como acórdão recorrido para efeitos de interposição de um recurso extraordinário para a uniformização de jurisprudência.
É o que resulta insofismavelmente da letra e do espírito da lei, em matéria de recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência.
Para resolução da oposição entre acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação, e entre estes e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, existem outros normativos legais que não passam pela interposição de um recurso extraordinário, isto é, de um recurso contra uma decisão já transitada em julgado (vide artigos 629º, nº 2, alínea d); 672º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil).
Não querer entender e compreender esta razão, básica e elementar, para a inadmissibilidade do recurso extraordinário interposto é ignorar, pura e simplesmente, a configuração do sistema de recursos civis actualmente em vigor, preferindo apelar para a aplicação avulsa de um outro que não existe no panorama legislativo português, e que (assim imaginado) talvez fosse porventura mais favorável à pretensão concreta do recorrente.
Não se compreende, em conformidade com o que ficou exposto, onde possa residir a invocada inconstitucionalidade desta interpretação por ofensa ao princípio da igualdade genericamente consagrado no artigo 13º da Constituição, ou de qualquer outro, mormente os constantes do artigo 12º e 20º do mesmo diploma legal, cujo sentido não se alcança manifestamente.
Assim sendo, o presente recurso extraordinário não é admissível nos precisos termos e com os exactos fundamentos constantes do despacho reclamado, para os quais se remete.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (... Secção) em considerar findo o recurso, por não legalmente admissível, o que obsta ao seu conhecimento (artigo 652º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2021.
Luís Espírito Santo. (Relator)
Ana Paula Boularot.
Pinto de Almeida.
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.