DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
DECLARATÁRIO
EFICÁCIA
NOTIFICAÇÃO
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
DECLARANTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE DILIGÊNCIA
SEDE SOCIAL
Sumário


I. A declaração negocial com um destinatário (receptícia ou recepienda) ganha eficácia(-vinculatividade) se chegar à sua esfera de disponibilidade material ou de acção ou se chegar ao seu conhecimento, verificando-se logo na primeira circunstância que ocorrer com prioridade cronológica, uma vez que, chegada ao “local” de poder do declaratário-destinatário (caixa do correio postal, caixa de um dispositivo automático de recepção de chamadas telefónicas ou fax, caixa digital do correio electrónico) ou entregue a pessoa com competência para a recepção (representantes, trabalhadores, auxiliares, etc.), é irrelevante que não a venha a conhecer efectivamente, assim como é irrelevante que não chegue ao seu poder se a conheceu efectivamente em momento anterior (art. 224º, 1, 1ª parte, CCiv.).

II. A chegada à esfera de disponibilidade material ou de acção integra a cognoscibilidade (possibilidade ou susceptibilidade de conhecimento) da declaração pelo destinatário, independentemente do conhecimento efectivo, esfera essa aferida de acordo com as circunstâncias normais que envolvem o destinatário e correndo contra si os riscos que, de forma previsível e antecipada, impossibilitam (sibi imputet) que a cognoscibilidade se converta em conhecimento efectivo, desde que essa esfera esteja sob o controlo do destinatário.

III. Ao declarante incumbe o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário (antecipadamente conhecido e/ou acordado) e, se for o caso, o conhecimento efectivo; incumbe ao declaratário-destinatário a contra-prova da falta de concretização da expedição (isto é, a recepção) no destino ou, se for o caso, do conhecimento efectivo (ou ainda a impossibilidade de conhecimento nos termos do art. 224º, 3, CCiv.).
IV. De acordo com o art. 224º, 2, do CCiv., a declaração negocial receptícia é ainda eficaz se a recepção na sua esfera de disponibilidade – ou recepção tardia – foi obstada por culpa exclusiva (acção ou por omissão) do declaratário-destinatário («só por culpa», diz a lei), em referência (seja para a não recepção definitiva como seja para a recepção tardia) ao momento e ao lugar em que deveria ter sido recebida não fosse o comportamento culposo, equivalendo esse momento e esse lugar ao momento e ao lugar de uma consumação efectiva da entrega («oportunamente recebida», diz a lei).

V. A «culpa do destinatário» prevista no art. 224º, 2, do CCiv. traduz um juízo de censura subjectiva para a falta de diligência devida, isto é, aquela que, de entre os cenários existentes em concreto após a expedição adequada da declaração, o levariam a actuar de maneira diferente – como se exigiria a um “bom pai de família”: art. 487º, 2, CCiv. – e não o fez, merecendo que não possa opor-se à eficácia da declaração a si dirigida e não consumada por causa (dolosa ou negligente) que apenas a si é imputável no contexto das circunstâncias relevantes.

VI. Nas situações de legítima expectativa de recepção efectiva e tempestiva das declarações expedidas, incumbe, em caso de não recepção ou recepção tardia,  a quem pretende lograr o efeito impeditivo da eficácia (em rigor, do direito incorporado na declaração que se invoca eficaz e vinculativa) – isto é, ao declaratário-destinatário – o ónus de alegação e prova da falta de culpa ou, pelo menos, de falta de culpa exclusiva, ou seja, a demonstração de que a não recepção ou a recepção tardia se deveu, disjuntiva ou copulativamente, exclusivamente ou em concurso com a sua conduta, a facto culposo do declarante emissor ou de terceiro (nomeadamente factos respeitantes à tramitação da expedição postal) e/ou a factos tradutores de “caso fortuito” ou de “força maior” (nos termos do art. 342º, 2, CCiv.), sob pena de se considerar que houve recepção efectiva no momento e lugar da entrega frustrada ou não consumada (em rigor, bastando nessas situações a prova da expedição correcta rumo ao destinatário a cargo do declarante).

VII. Nas demais situações não qualificadas pela referida expectativa, cabe ao declarante o ónus da prova da culpa exclusiva pelo não oportuno recebimento da declaração expedida, tendo em vista a demonstração da factualidade necessária à eficácia decretada pelo art. 224º, 2, do CCiv. (art. 342º, 1, CCiv.) e consequente vinculação ao direito incorporado no conteúdo dessa mesma declaração.

VIII. Não sendo feita a prova, pelo destinatário de uma declaração de resolução contratual por incumprimento, da inexistência de culpa exclusiva pelo não recebimento da carta remetida para o domicílio correspondente à sede da sociedade destinatária, constante do contrato, há falta da diligência devida e aplicação correspondente do art. 224º, 2, do CCiv. para efeitos de eficácia da declaração resolutiva do contrato. 

Texto Integral


Processo n.º 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1

Revista Excepcional: Tribunal recorrido – Relação ..., ... Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. A sociedade por quotas «Tubarão Sociedade Hoteleira e Turística, Lda.» foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado.

No apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos, o Administrador da Insolvência (AI) apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos (art. 129º do CIRE).

A lista foi objecto de impugnação pela insolvente relativamente aos créditos reconhecidos ao credor «Banco Santander Totta, S.A.», com fundamento na indevida qualificação e incorreção dos respetivos créditos. Este credor, por sua vez, impugnou os créditos reconhecidos aos credores «JTP2 – Construção e Prestação de Serviços, Lda.» e Manuel Rui Azinhais Nabeiro, Lda., com fundamento na sua indevida inclusão.
O AI respondeu às impugnações, dando razão à insolvente, por um lado, e, de outra banda, pugnando pela improcedência da impugnação deduzida pela «Banco Santander Totta, S.A.».
As credoras «Banco Santander Totta, S.A.» e «Manuel Rui Azinhais Nabeiro, Lda.» responderam às impugnações deduzidas quanto aos respectivos créditos, defendendo a respetiva improcedência.

2. Verificados os créditos incluídos na lista e não impugnados, foi realizada tentativa de conciliação, na qual foi logrado acordo quanto aos créditos de «JTP2 – Construção e Prestação de Serviços, Lda.» e «Manuel Rui Azinhais Nabeiro, Lda.», frustrando-se, contudo, o mesmo quanto ao crédito da Banco Santander Totta, S.A.».

3. O Juiz ... do Juízo de Comércio ... (Tribunal Judicial da Comarca ...) proferiu sentença de verificação e de graduação de créditos, com o seguinte dispositivo:

“(…) julgo verificados os créditos dos credores JTP2 Construção e Prestação de Serviços, Lda. e Manuel Rui Azinhais Nabeiro, Lda. pelos valores constantes da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência e julgo reconhecidos os créditos do credor Banco Santander Totta, S.A. pelo valor global de 106.939,37 (cento e seis mil novecentos e trinta e nove euros e trinta e sete cêntimos).

Qualifico o crédito detido pelo credor Banco Santander Totta, S.A. emergente de contrato de mútuo, no valor global de 25.791,11 (vinte e sete mil setecentos e noventa e um euros e onze cêntimos), como crédito comum sujeito a condição resolutiva.

Procedo à graduação dos créditos reconhecidos sobre os bens que integram a massa insolvente nos seguintes termos:

1.º) Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento aos créditos da Fazenda Nacional por IUC e por IRC nos valores de 65,28 (sessenta e cinco euros e vinte oito cêntimos) e 1.739,56 (mil setecentos e trinta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), respetivamente, e respetivos juros;

2.º) Em segundo lugar, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reconhecidos, com exceção dos juros dos créditos comuns, que serão pagos em último lugar.”

4. Inconformados, interpuseram recurso de apelação a insolvente e, subordinadamente, a credora «Banco Santander Totta, S.A.».

Foram identificadas as seguintes questões para decisão:
           
“Recurso da insolvente Tubarão, Lda:
A. Se a resolução do contrato de locação financeira em apreço nos autos, não operou por a carta enviada pelo Santander Totta nunca ter chegado ao conhecimento da insolvente, sem culpa sua, pelo que estamos perante um negócio em curso, a submeter ao disposto no artigo 102.º do CIRE.

Recurso subordinado do Santander Totta:
B. Se o crédito do Santander Totta, resultante do contrato de mútuo, deve ser reconhecido como crédito não dependente de qualquer condição;
e
C. Se o crédito reconhecido ao Santander Totta, decorrente do descoberto na conta D.O., ascende à quantia total de 25.322,77 €, (e não à de 23.775,24 €, que lhe foi reconhecida na decisão recorrida) à qual devem acrescer juros vencidos e vincendos, desde a data de declaração de insolvência até efectivo e integral pagamento.”

O Tribunal da Relação ... (TR...) proferiu acórdão em que julgou

“improcedente o recurso de apelação, interposto pela insolvente”

e

“procedente o recurso de apelação interposto pelo Santander Totta, em função do que se revoga a decisão recorrida:

- na parte em que se qualificou o crédito detido pelo credor Banco Santander Totta, S.A. emergente de contrato de mútuo, no valor global de € 25.791,11 (vinte e sete mil setecentos e noventa e um euros e onze cêntimos), como crédito comum sujeito a condição resolutiva, que se substitui por outra que declara que o mesmo não está sujeito a condição resolutiva e;
- lhe reconheceu o crédito no montante de 23.775,24 € (vinte e três mil setecentos e setenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), decorrente do descoberto em conta DO; que se substitui por outra que lhe reconhece um crédito que ascende ao montante global de 25.322,27 € (vinte e cinco mil trezentos e vinte e dois euros e setenta e sete cêntimos (correspondendo a 23.775,24 €, [vinte e três mil setecentos e setenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos] de capital e 1.547,53 € [mil quinhentos e quarenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos] de juros, tal como reconhecido pelo A. I.)., a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, sobre o capital, desde a data de declaração da insolvência e até efectivo e integral pagamento e imposto de selo”;
e
“Mantendo-a, quanto ao mais.”

5. Novamente inconformada, a sociedade insolvente interpôs recurso de revista para o STJ nos segmentos em que não se verificaria a regra da dupla conforme, sendo subsidiariamente (“cautelarmente”, assim a denominou) excepcional para o objecto recursivo em que não se entenda admissível essa revista, tendo por fundamento as als. a), b) e c) do art. 672º, 1, do CPC.

Foi proferido nos autos acórdão que decidiu:

1) não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista normal interposta a título principal quanto ao segmento decisório mantido pelo acórdão recorrido e, quanto a este, ordenar a remessa dos autos à Formação Especial deste STJ, a que alude o art. 672º, 3, do CPC, para o efeito de julgamento dos fundamentos específicos da revista excepcional interposta a título subsidiário, após o trânsito desta decisão;

2) julgar improcedente a revista normal quanto ao segmento decisório julgado improcedente pelo acórdão recorrido e impugnado pela Recorrente, confirmando-se a decisão da Relação que declarou “o crédito detido pelo credor Banco Santander Totta, S.A. emergente de contrato de mútuo, no valor global de € 25.791,11 (vinte e sete mil setecentos e noventa e um euros e onze cêntimos), como crédito comum (…) que (…) não está sujeito a condição resolutiva”;

3) julgar improcedente e absolver a Recorrente do pedido de condenação em litigância de má fé pela interposição da revista.

6. Remetidos os autos, a Formação do STJ proferiu acórdão que admitiu a revista excepcional para o efeito de apreciar e julgar, no que respeita ao segmento decidido pela Relação quanto à “eficácia da resolução do contrato de locação financeira imobiliária operada por parte do banco, credor reclamante, e dirigida à insolvente, tendo em vista a sua consequência na qualificação de tal contrato como «negócio em curso» para efeitos do disposto pelo art. 102º do CIRE”, a interpretação e aplicação a tal questão do art. 224º, 2, do CCiv.

Assim, relevam as seguintes Conclusões que finalizam as alegações da revista:

“A. Foi proferida Decisão pelo Douto Tribunal da Relação ... julgou improcedente o recurso interposto pela Insolvente no que à resolução do contrato de locação diz respeito e julgou procedente o recurso interposto pelo Banco Santander Totta referindo, em suma que o crédito deve ser reconhecido sem qualquer condição.

B. Ora, não se pode conformar a Recorrente com essa decisão, nem com os fundamentos apresentados pelo douto Tribunal uma vez que se encontram em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado, como a seguir se alegará.

C. A Insolvente entende que não se verificou a resolução do contrato porque nunca rececionou a carta cuja cópia foi junta pelo Banco Santander Totta.

D. O douto acórdão baseia-se em facto que, salvo devido respeito, não corresponde à realidade.

E. Na verdade, o que importa é aferir do valor do crédito decorrente do contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre o banco e a insolvente, o que pressupõe que se determine previamente se o contrato foi resolvido antes da declaração da insolvência, como defendido pelo banco, ou, ao invés, se trata de um negócio em curso, a submeter às regras previstas no art. 102.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

F. A Recorrente questiona a eficácia da resolução, em virtude da alegada carta não ter sido por si rececionada.

G. Isto porque a resolução, podendo fazer-se mediante declaração à outra parte, nos termos do art. 436.º, n.º 1, do Código Civil, opera mediante declaração unilateral receptícia.

H. Assim, e de acordo com o princípio geral estabelecido no art. 224.º, n.º 1, do Código Civil, que acolheu a chamada teoria da recepção, apenas produz efeitos a partir do momento em que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (cfr. os Acs. do TRL de 9.05.2006, proc. n.º 1979/2006-7, e do TRC de 28.04.2017, proc. n.º 176/16.5T8LMG.C1).

I. A verdade é que a Insolvente nunca recebeu tal carta (e não foi por culpa sua).

J. Não se aplica qui o número 2 do artigo 224.º CC que refere que é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

K. O alegado comprovativo de que a carta foi efetivamente enviada é, no mínimo estranho.

L. É que na sua reclamação de créditos – enviada a 09.09.2019 – o Banco Santander refere o seguinte: a Reclamante interpelou a Insolvente para proceder ao pagamento das rendas em atraso, por forma a precludir o direito à resolução – doc. n.º 6. 31º Não obstante, a Insolvente não regularizou as prestações vencidas. 32º O Reclamante, por meio da mesma carta, interpelou também a Insolvente para proceder à entrega do imóvel objecto do contrato. 33º Contudo, a Insolvente não o fez até à presente data. 34º Assim, a resolução do contrato produziu os seus efeitos.

M. O referido documento 6 mais não é que uma cópia de um aviso de recepção que, na opinião da Recorrente, nunca chegou a ser enviado juntamente com a carta.

N. Na verdade no campo superior direito onde refere “reservado à colagem da etiqueta” nada consta.

O. Local onde naturalmente os CTT deveriam colocar o número do registo e onde consta local onde foi colada a carta para ser enviada, a hora e o dia!

P. E no alegado documento 6, nada consta!

Q. O que significada que a carta nunca chegou a ser enviada.

R. E muito menos poderia ser recebida pela Insolvente.

S. Portanto, não foi por culpa sua que a carta não foi recebida quando na verdade ela nunca chegou a ser enviada.

T. O contrato não está resolvido, a entrega do bem é inexigível.

U. No caso de se tratar, como tratava, de declaração negocial, que tem destinatário, a sua eficácia ficava dependente da sua chegada ao poder do destinatário ou de ser dele conhecida – art. 224º nº 1 CCiv.

V. Será também eficaz se só por culpa do destinatário não foi recebida – art. 224º nº 2.

W. Nos presentes autos, não haverá dúvidas de que se trata de uma declaração recipienda ou receptícia, uma vez que se destina a dar a conhecer à Insolvente a concessão de um prazo para cumprimento das rendas em mora, sob pena de incumprimento definitivo, bem como da resolução do contrato.

X. Devolvida a carta registada com a.r., através da qual foi comunicada a resolução do contrato à outra parte, a eficácia dessa resolução só opera se a não recepção da carte se tiver ficado a dever exclusivamente a comportamento culposo do seu destinatário.

Y. Assim, e sem prejuízo de melhor entendimento, deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que considere que a resolução não operou por a carta nunca ter chegado ao conhecimento da Insolvente sem culpa do destinatário e consequente se determine que estamos perante um negócio em curso a submeter às regras previstas no artigo 102.º do CIRE.

(…)

LL. Nestes termos, deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que revogando-se o acórdão recorrido na parte em que considerou válida a resolução operada pelo Banco Santander Totta (…).”

Foram consignados os vistos nos termos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS

1. Objecto e factualidade relevante

1.1. O objecto recursivo encontra-se delimitado no acórdão proferido pela Formação do STJ e identificado supra, ponto 6. do Relatório.

1.2. Para o tema recursivo consideram-se relevantes os seguintes factos provados pelas instâncias:


“a) Por escritura pública, outorgada no dia 27/12/2017, o Banco Popular Portugal, S.A., anteriormente designado por Banco Nacional de Crédito, foi objeto de fusão por incorporação, com transmissão integral de património, no Banco Santander Totta, S.A.
(…)
m) Ainda no exercício da sua atividade, o Banco Popular Portugal, S.A. celebrou com a sociedade insolvente, em 02.07.2010, um contrato de locação financeira imobiliária, com o n.º 0046-02..., tendo por objeto a locação da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ..., letra ..., destinada a café snack-bar e restaurante, do prédio urbano sito na Av. ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ...40 sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ....20
n) O contrato foi celebrado pelo prazo de 120 meses, obrigando-se a locatária ao pagamento das rendas mensais, bem como o valor residual.
o) O valor total do mencionado contrato, sem impostos, foi fixado em € 480.412,60.
p) O referido bem foi adquirido pelo banco por expressa indicação da insolvente e com o único intuito de lho dar em regime de locação financeira.
q) A cláusula 23.º, n.º 2, do contrato convenciona que, em caso de não cumprimento pontual pelo locatário das suas obrigações, o locador teria o direito de resolver o contrato no prazo de trinta dias após a notificação do locatário para pagar ou satisfazer as obrigações contratuais em causa.
r) De acordo com a cláusula 24.º, n.º 1, resolvido o contrato, se o locatário não entregasse de imediato o imóvel ao locador, este teria direito a receber, até à entrega, um valor igual ao dobro da renda que seria devida se o contrato estivesse em vigor.
s) Estipulando a cláusula 24.º, n.º 2, alínea b), que, o locador, em caso de resolução por falta imputável ao locatário, teria direito a, como compensação pelos lucros cessantes, que o locatário lhe pagasse um valor igual ao menor dos seguintes: a) vinte e cinco por cento das rendas vincendas à data da resolução; b) o décuplo da primeira renda vincenda à data da resolução.
t) A insolvente deixou de liquidar as prestações vencidas a partir do mês de fevereiro de 2018.
u) Com data de 19 de fevereiro de 2019, [a]o Banco Santander Totta, S.A. enviou à requerida uma carta registada com aviso de receção, da qual consta «No seguimento das nossas anteriores solicitações e dado que V. Ex.ªas ainda não procederam a referido pagamento, vimos por este meio informá-los que procedemos à resolução do vosso contrato n.º ….20, nos termos das condições gerais do contrato de locação financeira, com o consequente recurso à via judicial para recuperação do bem, objeto do contrato e, ainda, para a obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas, nos termos das referidas cláusulas. Mais informamos que os valores vencidos e não pagos ascendem a € 29.541,81, referentes às seguintes rendas (…). Caso não seja efetuado o respetivo pagamento, deverão V. Exas. proceder à entrega do bem, objeto do contrato, dentro do prazo de 8 dias».
v) A carta, enviada para a morada correspondente à sede da requerida, e constante do contrato, não foi rececionada por esta.
w) Corre termos o processo executivo n.º 370/11.... no Juízo de Execução ..., no valor de € 41.580,38, contra os avalistas AA e BB, com base na livrança supra referida.
x) Nesse mesmo processo executivo estão penhorados dois imóveis, nomeadamente a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... do ... e logradouro com a área de 44 m2, este na parte posterior e com acesso único pelo interior da fração, que faz parte do prédio urbano denominado ..., situado na ..., na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...48 A, da freguesia de ... e inscrito sob o artigo ….73.º da respetiva matriz predial.
y) Este prédio esteve à venda, através da plataforma e-leilões até ao dia 30.10.2019, tendo no âmbito do leilão eletrónico sido apresentada uma proposta de compra no valor de € 90.000,00.”


2. Aplicação do direito


2.1. A questão da eficácia da resolução do contrato de locação financeira imobiliária celebrada com a sociedade declarada insolvente pela credora reclamante-instituição bancária foi decidida de forma coincidente pelas instâncias, tendo em vista aferir se estaria ou não abrangido tal contrato pelo regime do art. 102º do CIRE e respectivos poderes do administrador da insolvência para os “negócios em curso”.

No que respeita à sentença de 1.ª instância, avulta o seguinte trecho:

“(…) importa aferir do valor do crédito decorrente do contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre o banco e a insolvente, o que pressupõe que se determine previamente se o contrato foi resolvido antes da declaração da insolvência, como defendido pelo banco, ou, ao invés, se trata de um negócio em curso, a submeter às regras previstas no art. 102.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
De acordo com a definição fornecida pelo art. 1.º do Dec. Lei n.º 149/95, de 24 de junho, a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação (art. 17.º do Dec. Lei n.º 149/95). Pode, pois, o contrato ser resolvido pelo locador em caso de impossibilidade definitiva da prestação ou de perda do interesse contratual na prestação decorrente da mora ou do decurso de um termo fixo essencial (arts. 801.º, n.º 2, e 808.º, n.º 1, do Código Civil).
A insolvente deixou de cumprir a obrigação de pagamento das rendas devidas por força do contrato de locação financeira imobiliária a partir de fevereiro de 2018. Por esse motivo, e na sequência de prévias interpelações para pagamento, em fevereiro de 2019 o banco locador remeteu à insolvente uma carta comunicando a intenção de resolver imediatamente o contrato com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação de pagamento das rendas.
Questiona a insolvente a eficácia desta resolução, em virtude de a referida carta não ter sido por si rececionada. Isto porque a resolução, podendo fazer-se mediante declaração à outra parte, nos termos do art. 436.º, n.º 1, do Código Civil, opera mediante declaração unilateral receptícia. Assim, e de acordo com o princípio geral estabelecido no art. 224.º, n.º 1, do Código Civil, que acolheu a chamada teoria da recepção, apenas produz efeitos a partir do momento em que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (cfr. os Acs. do TR de 9.05.2006, proc. n.º 1979/2006-7, e do TRC de 28.04.2017, proc. n.º 176/16....).
Esquece, contudo, a insolvente que o n.º 2 do art. 224.º do Código Civil atribui também eficácia à declaração apenas remetida nos casos em que a sua não receção se deve a culpa exclusiva do destinatário, dispondo para o efeito que “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”. Assim sucede, de acordo com a doutrina, quando o destinatário “se ausentar para parte incerta ou se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta restante como o fazia usualmente” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 214),
Este regime visa, como referido no Ac. do STJ de 14.11.2006, CJSTJ, Ano XIV, tomo 3, págs. 109 e segs., “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respetivos remetentes. Por isso se compreende que a não receção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz. Havendo culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma. Consequentemente, haverá que demonstrar, em cada caso, que sem ação ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração”.
No caso, sabe-se que a carta através da qual foi comunicada a resolução do contrato foi remetida, sob registo e com aviso de receção, para a morada que constitui a sede da insolvente, e que correspondia igualmente à morada constante do contrato celebrado. Nada foi alegado que indicie que o não recebimento da carta terá resultado de ato do locador, de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, havendo por isso que concluir que não foi rececionada porque a insolvente não quis receber a carta. De outro modo dito, a declaração resolutória não foi rececionada por exclusiva culpa da insolvente, sendo por isso eficaz.

Conclui-se, pois, que o contrato foi resolvido pela locadora antes da declaração da insolvência, não consistindo num negócio em curso à data da insolvência, e não assistindo por isso ao administrador da insolvência o direito de optar pelo cumprimento ou pela recusa de cumprimento do contrato, que se encontra extinto.
Resolvido o contrato, assistia à locadora o direito de reclamar as rendas vencidas até à data da resolução, respetivo IVA e juros moratórios, conforme arts. 434.º, n.º 2, e 804.º a 806.º do Código Civil, bem como uma indemnização pelos prejuízos causados pela celebração do contrato, nos termos dos arts. 798.º e 801.º, n.º 2, do Código Civil. Indemnização esta cujo montante foi previamente fixado no contrato (art. 810.º do Código Civil), correspondendo ao dobro da renda que seria devida se o contrato estivesse em vigor até entrega do imóvel, acrescido de um valor igual ao menor dos seguintes: 25% das rendas vincendas ou o décuplo da primeira renda vincenda à data da resolução.
Deste modo, e no que concerne ao aludido contrato, tem o banco a haver € 29.159,25 de rendas vencidas até à resolução, € 6.706,63 do IVA respetivo e € 2.251,99 de juros de mora à taxa contratual contados desde a data da resolução até à data da declaração da insolvência, e ainda € 2.279,36 de despesas contratualmente previstas, num total de € 40.397,23. A este valor acrescerá a indemnização referente ao dobro da renda que seria devida desde a data da resolução, visto o imóvel não ter sido entregue, até à data da declaração da insolvência, nos termos da cláusula 24.ª, ponto 1, valor este que, atendendo a que as rendas eram de € 1.943,95, e que a insolvência foi declarada a 16.08.2019, correspondem a € 23.327,40 [(€ 1.943,95 x 6 meses) x 2], e não aos € 100.424,52 reclamados pelo banco. Acresce ainda o montante de € 19.439,50, e não de € 23.910,60, correspondente ao décuplo da primeira vincenda à data da resolução, na medida em que, havendo resolução do contrato de locação financeira por incumprimento do locatário, não há lugar à incidência do IVA sobre as rendas vincendas, mas apenas sobre as rendas vencidas, à data da resolução (cfr. o Ac. do TRG de 20.02.2014, proc. n.º 3988/11.2TBGMR-B.G1).
Em súmula, deverão ser reconhecidos ao Banco Santander Totta, S.A. créditos emergentes (…) do contrato de locação financeira no valor de € 83.164,13 (…).”

Pelo mesmo diapasão afinou o acórdão recorrido do TR..., uma vez circunscrita a questão (“A. Se a resolução do contrato de locação financeira em apreço nos autos[,] não operou por a carta enviada pelo Santander Totta nunca ter chegado ao conhecimento da insolvente, sem culpa sua, pelo que estamos perante um negócio em curso, a submeter ao disposto no artigo 102.º do CIRE”):


“(…) alega a aqui recorrente que a resolução não operou, em virtude de não ter recepcionado a carta que para tal lhe foi alegadamente enviada, sem culpa sua, pelo que é inexigível a entrega do bem, tratando-se, em consequência, de negócio em curso, a reger pelo disposto no artigo 102.º do CIRE.
A recorrida, estribando-se nos argumentos expendidos na decisão recorrida, pugna pela respectiva manutenção.

Na sentença recorrida, considerou-se ser de aplicar o disposto no artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil e que a resolução foi eficaz, porque a recorrente não recebeu a dita carta, por culpa sua, ali se referindo, em conclusão, o seguinte:
“No caso, sabe-se que a carta através da qual foi comunicada a resolução do contrato foi remetida, sob registo e com aviso de receção, para a morada que constitui a sede da insolvente, e que correspondia igualmente à morada constante do contrato celebrado. Nada foi alegado que indicie que o não recebimento da carta terá resultado de ato do locador, de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, havendo por isso que concluir que não foi rececionada porque a insolvente não quis receber a carta. De outro modo dito, a declaração resolutória não foi rececionada por exclusiva culpa da insolvente, sendo por isso eficaz.
Conclui-se, pois, que o contrato foi resolvido pela locadora antes da declaração da insolvência, não consistindo num negócio em curso à data da insolvência, e não assistindo por isso ao administrador da insolvência o direito de optar pelo cumprimento ou pela recusa de cumprimento do contrato, que se encontra extinto.”.


Impõe-se, pois, que se averigue da eficácia da carta enviada a comunicar a intenção de resolver o contrato de locação financeira, pelo banco à insolvente, no que passaremos a seguir de perto, o que este Colectivo já decidiu, em situação semelhante, na Apelação n.º 53/14...., de 16 de Setembro de 2014, disponível no sítio do ITIJ, deste Tribunal da Relação.
(…)
É igualmente consensual que em conformidade com o estipulado na cláusula 23.ª, das respectivas condições gerais, foi prevista a resolução do contrato, nas condições ali explicitadas, entre as quais consta, o não pagamento das rendas por parte do locatário, sendo que a resolução deveria ser comunicada através do envio de carta registada com aviso de recepção e indicando a respectiva dívida.
Foi igualmente contratado/previsto, cf. cláusulas 23.ª e 24.ª, quais as consequências que decorreriam para a insolvente do não cumprimento do contrato, designadamente, em caso de não pagamento das rendas devidas.
Conforme consta da alínea t), da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida (devendo notar-se que o recurso ora interposto não incide sobre a matéria de facto) a ora insolvente deixou de pagar as prestações vencidas a partir de Fevereiro de 2018, o que consubstancia para o requerente o direito a resolver o contrato, com esse fundamento.
E foi, precisamente, para exercer o direito à resolução do contrato que o requerente, com data de 19 de Fevereiro de 2019, enviou à requerida uma carta registada com aviso de recepção, dirigida para as instalações/sede da requerida, constando essa morada no contrato de locação financeira, dando conta da sua intenção de considerar resolvido tal contrato, se no prazo de 8 dias, contados da respectiva data, não fosse paga a quantia em dívida, cf. alíneas u) e v), dos factos provados.
Acontece que, cf. alínea v), tal carta não foi recepcionada pela requerida.
Assim, tudo se reconduz em averiguar da eficácia desta carta, ou seja, se a mesma se deve ou não, considerar como não recebida por culpa exclusiva do destinatário.
Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CC:


“A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.
Acrescentando-se, todavia, no seu n.º 2 que:


“É também considerada eficaz a declaração que por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”

Estabelece-se no n.º 1 deste preceito a distinção entre declarações “receptícias e não receptícias”, considerando-se como receptícias as que se dirigem a um destinatário ou declaratário e como não receptícias as que não se dirigem a um destinatário.
Como refere Heinrich Ewald Horster, in Sobre a formação do contrato Segundo os arts. 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil, na Revista de Direito e Economia, Ano IX, N.os 1-2, 1983, a pág.s 135 e 136, “é necessário e suficiente que se verifique um dos dois pressupostos enunciados ou a chegada ao poder ou o conhecimento para que a declaração se torne eficaz. Consequentemente, esta solução legal relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando nesta medida a teoria da recepção («… logo que chega ao poder …») com a teoria do conhecimento («… logo que é dele conhecida»).”.
Ali acrescentando que, no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário, partindo a lei da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento e bastando para tal o depósito no local indicado para o efeito em condições normais ou a entrega a pessoa autorizada para tal.
E adiantando, ainda, que a previsão do n.º 2 do artigo 224.º do CC, tem em vista a protecção do declarante, em caso de não recebimento de uma declaração que só por culpa do destinatário, não foi por este recebida, no sentido de «chegada ao poder», esclarecendo que “a declaração é tida como eficaz apesar de não ter chegado ao poder, quando isso foi culposamente impedido pelo destinatário. P. ex., o destinatário recusa-se a receber a carta do carteiro ou não vai levantá-la à posta restante, como costumava fazer.” – ob. cit., a págs. 137 e 138.
(…)
Como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de Novembro de 2006, in CJ, STJ, Ano XIV, tomo 3, págs. 109 a 111, o regime legal previsto no n.º 2 do art. 224.º do CC visa “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes. Por isso se compreende que a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz.”.
Ali se acrescentando que se houver culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma, pelo que se impõe demonstrar em cada caso que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime “um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração”, citando-se, em abono deste entendimento, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, a pág. 296.
Igualmente no Acórdão do STJ, de 09 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, se refere que no juízo de culpabilidade do destinatário deve ponderar-se a situação de as partes terem estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais e na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para efeitos do n.º 2 do artigo 224.º do CC, teremos de nos socorrer do disposto nos artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.
Como se refere neste último Aresto, “a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual”, acrescentando-se que um de tais elementos a considerar é o de as partes terem “estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais”.
Reforçando que “o critério de um devedor criterioso e diligente”, tem em vista contrariar as práticas vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhes são dirigidas, devendo demonstrar-se que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida.
Mais ali se mencionando o seguinte:

“a diversidade de respostas não se funda tanto numa diversa interpretação do preceituado no artigo 224.º, n.º 2, do CC, antes na diversidade das circunstâncias relevantes em cada um dos casos e da necessidade de preencher conceitos indeterminados.
Neste contexto, parece evidente que deve estabelecer-se uma distinção entre uma situação em que as partes nada previram acerca da efectivação das comunicações, de outra, como a dos autos, em que, por razões de certeza e de segurança jurídica, deixaram expresso um certo endereço postal.
Também deve ponderar-se o facto de os devedores estarem cientes de que se encontravam em situação de incumprimento capaz de despoletar da parte do credor reacções tendentes à defesa dos seus direitos, designadamente a emissão de uma declaração resolutiva que no contrato ficou prevista.
(…)
Assim, ponderando o clausulado contratual a respeito da eventual resolução (…) era legítimo imputar aos devedores e potenciais destinatários de uma tal comunicação um especial dever de diligência no sentido de assegurarem que a correspondência respeitante a tal contrato e que seria dirigida para os endereços indicados seria recebida sem mais impedimentos.
Não seria, com efeito, compreensível que, em tal contexto, os devedores se alheassem do local para onde as comunicações deveriam ser dirigidas, invocando, posteriormente, o desconhecimento do seu teor.”.
Sem esquecer que também as obrigações acessórias dos contratos devem ser pontualmente cumpridas (cf. artigo 406.º, n.º 1, CC), o que implicava que o requerente enviasse a carta com a declaração resolutiva para a morada constante do contrato e, igualmente, faz impender sobre a requerida e ora insolvente a diligência devida de molde que fosse efectivamente assegurada a recepção e conhecimento das comunicações relevantes e atinentes, que lhe fossem enviadas pelo credor.
Por outro lado, como resulta das supra citadas alíneas da matéria de facto provada, apenas se demonstrou que a referida carta “não foi recepcionada” pela insolvente, desconhecendo-se as razões, em concreto, que motivaram que se verificasse a tal “não recepção”.
Ora, como ensinou Vaz Serra, in Provas, BMJ n.º 103, a pág. 32, não é quem envia uma carta para o domicílio de uma pessoa, que tem o ónus de saber se a mesma chegou ou não ao seu conhecimento, bastando que pratique todos os actos para que a mesma chegue ao seu destinatário, que leve a cabo a prática de actos necessários e suficientes que coloque o destinatário em condições de a receber e ter acesso ao respectivo conteúdo – neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Abril de 2006, Processo n.º 1827/2006-6, (citado pelo recorrido) disponível no respectivo sítio do ITIJ.
Ora, reitera-se, no caso em apreço, o credor enviou para as instalações da requerida, identificadas no próprio contrato de locação, carta registada com aviso de recepção, dando conta da sua intenção de proceder à resolução do contrato se, no prazo nela referido, não fosse liquidada a quantificada dívida, que a requerida não recepcionou, sem que se tenha demonstrado a efectiva razão para tal.
O contrato impunha que a resolução fosse comunicada através de carta registada com aviso de recepção e o normal e lógico é a mesma ser enviada para o endereço do respectivo destinatário, para mais quando o mesmo consta do próprio contrato de locação celebrado entre as partes (para as instalações deste, como o foi).
A insolvente sabia que estava em dívida para com o credor, pelo que bem deveria saber qual a razão do envio de tal carta.
Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que, tendo sido a mesma enviada, nos moldes já expostos, a recepcionasse e tomasse conhecimento do respectivo conteúdo, o que não fez por culpa sua ou incúria, pelo que a resolução se tornou eficaz, nos termos do disposto no artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil, sufragando-se a solução a que se chegou na decisão recorrida. Não o fazendo, como não o fez, tem de considerar-se, em conformidade com o disposto no ora citado preceito, que só por sua culpa não recebeu a carta em questão, em função do que se tem de considerar como eficaz a declaração que lhe foi dirigida por parte do requerente com vista a operar a resolução do contrato, nos moldes contratados e em obediência ao disposto no artigo 436.º do CC.
A insolvente, como se refere na decisão recorrida, não alegou qualquer facto que inculque a ideia de que tal não recebimento se ficou a dever a acto de terceiro, fortuito ou de força maior que isso justificasse.
Por último, apenas de referir que a insistência com que a ora recorrente, nas suas alegações e conclusões, faz acerca do não envio de tal carta, são irrelevantes.
Como acima já se assinalou, o presente recurso não abrange a matéria de facto dada como provada e nos termos constantes das alíneas u) e v), dos factos provados, está assente que o credor procedeu ao envio de tal carta.
Consequentemente, tendo a resolução operado, de forma eficaz, antes da declaração de insolvência, não se trata de “negócio em curso”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 102.º do CIRE, o qual, por isso, não tem aqui aplicação.

Pelo que, nesta parte, não merece censura a decisão recorrida.”

2.2. Consideramos ser de determinar os seguintes pontos essenciais de interpretação do art. 224º, 1, e 2, do CCiv., quanto à eficácia (em rigor, “vinculatividade”) da declaração negocial:


a) a declaração negocial com um destinatário (receptícia ou recepienda) ganha eficácia se chegar à sua esfera de disponibilidade material ou de acção (recepção) ou se chegar ao seu conhecimento, verificando-se logo na primeira circunstância que ocorrer com prioridade cronológica, uma vez que, chegada ao “local” de poder do declaratário-destinatário (caixa do correio postal, caixa de um dispositivo automático de recepção de chamadas telefónicas ou fax, caixa digital do correio electrónico) ou entregue a pessoa com competência para a recepção (representantes, trabalhadores, auxiliares, etc.), é irrelevante que não a venha a conhecer efectivamente[1], assim como é irrelevante que não chegue ao seu poder se a conheceu efectivamente em momento anterior (art. 224º, 1, 1ª parte);
b) a chegada à esfera de disponibilidade material ou de acção integra a cognoscibilidade (possibilidade ou susceptibilidade de conhecimento) da declaração pelo destinatário, independentemente do conhecimento efectivo, esfera essa aferida de acordo com as circunstâncias normais que envolvem o destinatário – “em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v. g., apartado, local de negócios, casa)” assim como com “as concepções reinantes do tráfico jurídico para os negócios em causa” – e correndo contra si os riscos que, de forma previsível e antecipada, impossibilitam (sibi imputet) que a cognoscibilidade se converta em conhecimento efectivo – como “uma enfermidade, uma ausência transitória de casa ou do estabelecimento”[2] –, desde que, como é óbvio, essa esfera esteja sob o controlo do destinatário[3];
c) ao declarante incumbe o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário (antecipadamente conhecido e/ou acordado)[4] e, se for o caso, o conhecimento efectivo; incumbe ao declaratário-destinatário a contra-prova da falta de concretização da expedição (isto é, a recepção) no destino ou, se for o caso, do conhecimento efectivo (ou ainda a impossibilidade de conhecimento nos termos do art. 224º, 3[5]);
d) a declaração negocial receptícia é ainda eficaz se a recepção na sua esfera de disponibilidade – ou recepção tardia – foi obstada por culpa exclusiva (acção ou por omissão) do declaratário-destinatário («só por culpa», diz a lei), em referência (seja para a não recepção definitiva como seja para a recepção tardia) ao momento e ao lugar em que deveria ter sido recebida não fosse o comportamento culposo[6], equivalendo esse momento e esse lugar ao momento e ao lugar de uma consumação efectiva da entrega («oportunamente recebida», diz a lei)[7];
e) a “culpa do destinatário” prevista no art. 224º, 2, do CCiv. traduz um juízo de censura subjectiva para a falta de diligência devida, isto é, aquela que, de entre os cenários existentes em concreto após a expedição adequada da declaração, o levariam a actuar de maneira diferente – como se exigiria a um “bom pai de família”: art. 487º, 2, CCiv. – e não o fez, merecendo que não possa opor-se à eficácia da declaração a si dirigida e não consumada por causa (dolosa ou negligente) que apenas a si é imputável no contexto das circunstâncias relevantes (por ex., “a natureza e o teor do contrato a que respeita a declaração”, “em contraposição com as regras de experiência”, sendo, nesta vertente, de diferenciar o “contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais” e “o facto de os devedores estarem cientes de que se encontravam em situação de incumprimento capaz de despoletar da parte do credor reacções tendentes à defesa dos seus direitos, designadamente a emissão de uma declaração resolutiva que no contrato ficou prevista”[8]);
f) nas situações de legítima expectativa de recepção efectiva e tempestiva das declarações expedidas, incumbe, em caso de não recepção ou recepção tardia,  a quem pretende lograr o efeito impeditivo da eficácia (em rigor, do direito incorporado na declaração que se invoca eficaz e vinculativa) – isto é, ao declaratário-destinatário – o ónus de alegação e prova da falta de culpa ou, pelo menos, de falta de culpa exclusiva, ou seja, a demonstração de que a não recepção ou a recepção tardia se deveu, disjuntiva ou copulativamente, exclusivamente ou em concurso com a sua conduta, a facto culposo do declarante emissor ou de terceiro (nomeadamente factos respeitantes à tramitação da expedição postal) e/ou a factos tradutores de “caso fortuito” ou de “força maior” (nos termos do art. 342º, 2, CCiv.)[9], sob pena de – como “medida de protecção do declarante”[10] – se considerar que houve recepção efectiva no momento e lugar da entrega frustrada ou não consumada[11] (em rigor, bastando nessas situações a prova da expedição correcta rumo ao destinatário a cargo do declarante[12]);
g) nas demais situações não qualificadas pela referida expectativa, cabe ao declarante o ónus da prova da culpa exclusiva pelo não oportuno recebimento da declaração expedida, tendo em vista a demonstração da factualidade necessária (por ex., quanto ao “aviso” depositado na caixa do correio para levantamento da encomenda postal, à existência de “recibo de entrega” ou “recibo de leitura” da correspondência electrónica, etc.[13]) à eficácia decretada pelo art. 224º, 2, do CCiv. (art. 342º, 1, CCiv.) e consequente vinculação ao direito incorporado no conteúdo dessa mesma declaração.

2.3. Fazendo a subsunção jurídica deste regime aos factos provados que são pertinentes – em especial (com ênfase nosso):


m) Ainda no exercício da sua atividade, o Banco Popular Portugal, S.A. celebrou com a sociedade insolvente, em 02.07.2010, um contrato de locação financeira imobiliária, com o n.º ...30, tendo por objeto a locação da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ..., letra ..., destinada a café snack-bar e restaurante, do prédio urbano sito na Av. ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ...40 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ....20.
n) O contrato foi celebrado pelo prazo de 120 meses, obrigando-se a locatária ao pagamento das rendas mensais, bem como o valor residual.
q) A cláusula 23.º, n.º 2, do contrato convenciona que, em caso de não cumprimento pontual pelo locatário das suas obrigações, o locador teria o direito de resolver o contrato no prazo de trinta dias após a notificação do locatário para pagar ou satisfazer as obrigações contratuais em causa.
r) De acordo com a cláusula 24.º, n.º 1, resolvido o contrato, se o locatário não entregasse de imediato o imóvel ao locador, este teria direito a receber, até à entrega, um valor igual ao dobro da renda que seria devida se o contrato estivesse em vigor.
s) Estipulando a cláusula 24.º, n.º 2, alínea b), que, o locador, em caso de resolução por falta imputável ao locatário, teria direito a, como compensação pelos lucros cessantes, que o locatário lhe pagasse um valor igual ao menor dos seguintes: a) vinte e cinco por cento das rendas vincendas à data da resolução; b) o décuplo da primeira renda vincenda à data da resolução.
t) A insolvente deixou de liquidar as prestações vencidas a partir do mês de fevereiro de 2018.
u) Com data de 19 de fevereiro de 2019, ao Banco Santander Totta, S.A. enviou à requerida uma carta registada com aviso de receção, da qual consta «No seguimento das nossas anteriores solicitações e dado que V. Ex.as ainda não procederam a referido pagamento, vimos por este meio informá-los que procedemos à resolução do vosso contrato n.º …..20, nos termos das condições gerais do contrato de locação financeira, com o consequente recurso à via judicial para recuperação do bem, objeto do contrato e, ainda, para a obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas, nos termos das referidas cláusulas. Mais informamos que os valores vencidos e não pagos ascendem a € 29.541,81, referentes às seguintes rendas (…). Caso não seja efetuado o respetivo pagamento, deverão V. Exas. proceder à entrega do bem, objeto do contrato, dentro do prazo de 8 dias».
v) A carta, enviada para a morada correspondente à sede da requerida, e constante do contrato, não foi rececionada por esta. –,

ressalta que:

— ficou provada a expedição da declaração resolutiva e a expedição para o destino correspondente à sede da sociedade declaratária-destinatária;

— por outro lado, ficou provado que não foi recebida a carta enviada (registada com “aviso de recepção”) nesse mesmo endereço postal.

Assim, estamos no domínio do n.º 2 do art. 224º do CCiv., pois estamos perante um caso de não recepção da declaração no destino correspondente ao domicílio-sede da sociedade destinatária.

Acontece que, de acordo com os factos provados:

— a carta com a declaração resolutiva foi enviada cerca de um ano depois de a sociedade destinatária-locatária estar em incumprimento contratual, motivador de resolução e demais direitos restitutivos e indemnizatórios a favor do locador;

— a carta com a declaração resolutiva e consequências do incumprimento contratual foi remetida para o domicílio correspondente à sede da sociedade, como tal constante do contrato de locação financeira.

Estas são circunstâncias que obrigariam a sociedade declaratária da resolução a provar, como é seu ónus, quais as circunstâncias e causas para que uma correspondência postal com “aviso de recepção” não tivesse sido recebida pelo destinatário, a fim de, numa situação de legítima expectativa de recepção efectiva, esta não tenha ocorrido. Só assim afastaria a sua culpa exclusiva nessa não recepção.

Ora, tal prova não se logrou fazer, não podendo deixar o julgador de daí retirar as devidas ilações quanto ao sentido sobre a falta de diligência devida da sociedade declarada insolvente não sendo feita essa prova, com a aplicação correspondente do art. 224º, 2, do CCiv. – eficácia da declaração resolutiva do contrato celebrado com a insolvente – e subsequente não aplicação ao contrato de locação resolvido o regime do art. 102º do CIRE.

Neste quadro, merecem ser sufragadas a fundamentação e as conclusões do acórdão recorrido, ainda que com argumentação adicional.

Improcedem, destarte, as Conclusões identificadas como respeitantes à revista excepcional.

III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista, admitida como excepcional pela Formação do STJ (art. 672º, 3, CPC), quanto ao segmento decisório mantido pelo acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.



STJ/Lisboa, 16 de Dezembro de 2021



Ricardo Costa (Relator)




António Barateiro Martins




Luís Espírito Santo

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

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[1] Na verdade, perante os cada vez mais modernos meios de comunicação, “a chegada ao poder e a correspondente eficácia verificam-se no preciso momento em que, teoricamente, o conhecimento se tornou possível, de acordo com a organização dos serviços do lado do destinatário” (HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil português. Teoria geral do direito civil, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 450).
[2] V., para as transcrições, CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 440, 648 e ss, HEINRICH HÖRSTER, A parte geral… cit., pág. 449.
[3] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 224º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord.: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 660.
[4] V. o Ac. do STJ de 11/7/2019, processo n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1, Rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, in www.dgsi.pt.
Claro que o declarante poderá ter também ao seu dispor a prova de que a declaração expedida para o destino da esfera de poder do destinatário-declaratário foi mesmo recebida (por ex., a certificação pelos serviços dos correios, a existência de “recibo de leitura” do correio electrónico, a comunicação do recebimento do “SMS”); mas o que a lei prevê é «logo que chega ao seu poder», o que inculca ser suficiente que, a não ser possível essa prova, o declarante prove o facto de ter cumprido o exigido, no que respeita à transmissão para atingir de acordo com a normalidade a esfera de domínio do destinatário-declaratário, a fim de colocar a declaração à disposição e ao alcance do destinatário-declaratário, portanto, para a declaração ser levada aos meios de recepção ao dispor do destinatário-declaratário (v., para este efeito, as reflexões de ADRIANO VAZ SERRA, “Perfeição da declaração de vontade – Eficácia da emissão da declaração – Requisitos especiais da conclusão do contrato, BMJ n.º 103, 1961, págs. 11 e ss, 36 e ss, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos, I, Conceito. Fontes. Formação, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 129-130).
Para este ponto, v. ainda o art. 31º do DL 7/2004, de 7 de Janeiro (comércio electrónico): «1 – Os termos contratuais e as cláusulas gerais, bem como o aviso de recepção, devem ser sempre comunicados de maneira que permita ao destinatário armazená-los e reproduzi-los. / 2 – A ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da encomenda consideram-se recebidos logo que os destinatários têm a possibilidade de aceder a eles
[5] Neste contexto, o n.º 3 do art. 224º («A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.») é subsequente e complementar ao previsto no do n.º 1 do art. 224º.
[6] V. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 461, 462, 463.
[7] Ac. do STJ de 28/11/2013, processo n.º 7915/11.9TBBRG.G1.S1, Rel. SILVA GONÇALVES, ponto IV. do Sumário (“É certo que o conteúdo da carta, onde a ré concretizava a resolução do contrato, porque veio a ser devolvida, não chegou ao conhecimento do seu destinatário; todavia, porque esta carta com
A/R só por culpa do autor, seu destinatário, não lhe foi oportunamente entregue, já que foi
endereçada para a morada indiciada pelo demandante no contrato, por força do art. 224.º, n.º 2, do CC, tudo se passa como se esta missiva fosse por ele efectivamente recebida.”), in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2013.pdf, pág. 739.
[8] Neste sentido, o Ac. do STJ de 9/2/2012, processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação aqui seguimos, tal como foi seguida e transcrita pelo acórdão recorrido. Antes, v. o Ac. da Relação de Coimbra de 11/1/2001, Rel. ALBERTO RUÇO, processo n.º 4250/07.0TVLSB.C1, in www.dgsi.pt.
[9] V. Acs. do STJ de 14/11/2006, processo n.º 06A3291, Rel. ALVES VELHO, in www.dgsi.pt, e, nomeadamente, de 15/5/2008, processo n.º 1183/08, Rel. FERREIRA DE SOUSA, ponto V do Sumário (“(…) não tendo logrado fazer prova de que não lhe fora deixado aviso para levantamento da carta em que a autora comunicava a morte do primitivo arrendatário e, pois, que não teve culpa pela não recepção da mesma, impõe-se a conclusão, a que chegou a 1.ª instância, de que tal comunicação é de considerar eficaz, por aplicação do disposto no citado art. 224.º, n.º 2 – não valendo a posterior comunicação da senhoria a denunciar o contrato nem a subsequente proposta condicional de renda no montante de 498,80 €.”), in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2008.pdf, págs. 368-369.
[10] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 224º”, Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 214.
[11] Na realidade, é para este cosmos factual que o regime do art. 224º, 2, verdadeiramente se justifica, isto é, um regime que “contraria as práticas relativamente vulgares, por parte de destinatários de declarações negociais e não negociais, se de furtarem à receção das comunicações que lhes são dirigidas”, em particular “no que respeita a cartas registadas que os seus destinatários se recusam a receber e acabam por ser devolvidas aos respetivos remetentes” (PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil cit., pág. 461). Em geral, estamos perante um preceito para obviar a “actos de má fé, de quem manda desligar telefones ou não recebe telegramas, por exemplo, para impedir a eficácia a declarações alheias” (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Teoria Geral, Volume II, Acções e Factos Jurídicos, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 179.
[12] Assim, reconhecendo no art. 224º, 2, a “teoria da expedição”, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 224º”, loc. cit., pág. 660.
[13] Na verdade, perante os cada vez mais modernos meios de comunicação, “a chegada ao poder e a correspondente eficácia verificam-se no preciso momento em que, teoricamente, o conhecimento se tornou possível, de acordo com a organização dos serviços do lado do destinatário” (HEINRICH HÖRSTER, A parte geral… cit., pág. 450).