I - Decorre do disposto no art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, que: “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as suas alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3, do artigo 721.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”
II - Como resulta do art. 671.º, n.º 1, do CPC, o legislador distingue entre decisões finais e decisões interlocutórias. As primeiras são as que põem termo ao processo; as segundas são as proferidas ao longo da instância e que vão resolvendo as diversas questões suscitas até ser proferida a decisão final.
III - Das decisões interlocutórias cabia recurso de agravo até à revisão do CPC operada pelo DL n.º 303/2007, de 24-08.
IV - Com o desiderato de simplificar o regime de recursos, o DL n.º 303/2007, de 24-08 adotou um regime monista de recursos cíveis, com eliminação da distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo, introduziu a regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso a ser interposto da decisão que põe termo ao processo e procedeu à concentração em momentos processuais únicos dos atos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso, solução mantida no CPC vigente.
V - Quando o acórdão impugnado não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo (estando em causa a elaboração do mapa de partilha que, alegadamente, padece de erro de lógica, lapsos de cálculo e irregularidades várias), já que o processo de inventário só finda com a prolação da sentença homologatória da partilha, está em causa uma decisão interlocutória que não cabe na previsão do art. 671.º, n.º 1, do CPC.
VI - Relativamente a estas decisões, eliminado que foi o recurso de agravo, considerou o legislador suficiente a garantia, por regra, de um duplo grau de jurisdição, assegurando apenas o recurso de revista nos casos em que o mesmo é sempre admissível, contemplados no art. 629.º, n.º 2, do CPC, e naqueles em que o acórdão decisório esteja em oposição com outro já transitado, proferido pelo STJ no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão essencial de direito, salvo se o primeiro estiver em consonância com o decidido em AUJ (als. a) e b), do n.º 2, do art. 671.º).
VII - A admissibilidade excecional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a exceção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado. Estão, por isso, excluídas desta previsão especial as situações em que o juiz afirme a existência da exceção de caso julgado, ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efetivamente, nestes casos não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (art. 629.º, n.º 1, do CPC) e oportunidade da impugnação (arts. 644.º e 671.º do CPC).
VIII - Mesmo concebendo que ao processo de inventário é aplicável o regime emergente do CPC na redação introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, mormente o respetivo art. 1396.º, que estatuía relativamente ao regime dos recursos, importa ter presente o estabelecido no art. 721.º, n.º 5, do mesmo diploma adjetivo civil, ou seja, “As decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 691.º, não podem ser objeto do recurso de revista.”.
I. RELATÓRIO
1. Nos autos de Inventário, instaurados no ano de 2007, a que se procede por óbito de DD e em que é cabeça de casal CC, proferida sentença de homologação do mapa da partilha, vieram os interessados AA e mulher BB interpor recurso, tendo sido proferido acórdão pela Relação que julgou procedente a apelação, revogando a sentença, o despacho da forma da partilha e atos subsequentes, designadamente, o mapa da partilha, para que este fosse elaborado de acordo com a forma da partilha que se deixou enunciada no corpo do acórdão.
2. Foi elaborado novo Mapa de Partilha e, notificado este, veio a interessada EE, devedora de tornas, requerer que lhe seja permitido descontar no valor das tornas a pagar a cada um dos interessados, o passivo da responsabilidade de cada um, tendo logo informado que as interessadas CC e FF não se opõem ao requerido.
3. Os interessados AA e mulher vieram dizer que se opõem ao requerido.
4. Apesar disso, foi deferido o requerido e, em consequência, foi elaborado Mapa de Partilha complementar, a fim de conter o desconto do passivo solicitado e foi o mesmo posto em reclamação.
5. Os interessados AA e mulher vieram reclamar da existência de nulidades, pedindo que se considere nulo o mapa de partilha complementar e atos subsequentes, o que foi indeferido.
6. Interposto recurso de tal despacho intercalar, não foi o mesmo admitido.
7. Foi proferida sentença que homologou a partilha.
8. Os interessados AA e mulher interpuseram recurso cujo objeto se prendia com a existência de nulidades na tramitação subsequente ao Acórdão proferido por este Tribunal em 10/11/2016, nulidades essas com influência na decisão da causa (já reclamadas e com despacho de indeferimento).
9. Foi proferido Acórdão que revogou a sentença recorrida e determinou “a anulação dos actos posteriores ao despacho que ordenou o cumprimento do decidido pelo Tribunal Superior, elaborando-se o mapa da partilha de acordo com a forma à partilha constante do Acórdão em causa – fls. 766 dos autos -, por omissão de formalidades que a lei prescreve, omissão essa susceptível de influir no exame ou decisão da causa e contender com os princípios da igualdade e do contraditório, devendo a secretaria, elaborar mapa informativo, nos termos do disposto no artigo 1376.º do CPC e seguir-se as notificações previstas nos artigos 1377.º e 1378.º do mesmo Código, a fim de os interessados poderem reclamar o pagamento das tornas ou a composição dos quinhões e seguindo-se os ulteriores termos previstos nos artigos seguintes”.
10. O processo seguiu, então, os seus trâmites, tendo sido elaborado mapa informativo e ordenado o cumprimento do disposto no artigo 1377.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
11. O interessado AA veio requerer a composição do seu quinhão com a verba n.º 32.
12. A interessada EE (devedora de tornas) opôs-se por tal verba exceder o montante de tornas a que o interessado AA tem direito e requereu que o seu quinhão fosse preenchido por vários bens em que licitou – raiz dos bens constantes das verbas n.ºs 34, 39 e 40 – deixando livres os bens relacionados sob as verbas n.ºs 30 e 37. Requereu, ainda, que lhe seja adjudicada a raiz dos bens, cujo valor, resultante da licitação, excede o limite do quinhão não preenchido em bens dos interessados que requereram a composição do seu quinhão e estão relacionados como Lote n.º 1, verba n.º 32 e verba n.º 34.
13. Foi proferido despacho onde se decidiu o seguinte: “Nas hipóteses em que os bens licitados excedam a quota do respectivo interessado, deve a secretaria lançar no processo informação, sob a forma de mapa, indicando o montante em excesso, por forma a que, conforme dispõe o artigo 1377.º do Código de Processo Civil, os interessados a quem hajam de caber tornas sejam notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
Assim, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, na hipótese de algum interessado ter licitado mais verbas do que as necessárias para o preenchimento da sua quota, a qualquer dos interessados a quem hajam de caber tornas é permitido requerer que as verbas em excesso ou parte delas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação até ao limite do seu quinhão. Sucede, porém, que além de assistir ao licitante a possibilidade de escolher, de entre as verbas que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, devendo para o efeito ser notificado nos termos do disposto no n.º 3 do citado artigo 1377.º e n.º 2 do artigo 1376.º, ambos do Código de Processo Civil e, apenas nessa sequência, requerer o credor de tornas que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, mais não poderá o credor de tornas requerer que lhe sejam adjudicadas verbas que excedam o limite do seu quinhão, conforme resulta expresso do teor do n.º 2, parte final, do citado artigo 1377.º.
In casu, verificando-se que as tornas de que são credores os interessados AA e BB se cifram no valor de € 6.696,84 (resultante da diferença entre o valor do seu quinhão – € 22.016,84 – e o valor dos bens que licitaram € 15.320,00), concluímos ser legalmente inadmissível a adjudicação da verba pretendida por estes interessados, licitada pela interessada EE pelo valor de € 8.500,00, por exceder o valor desta licitação, o referido valor das tornas devidas aos interessados AA e BB.
Em face do exposto, por ser legalmente inadmissível, indeferido a adjudicação da verba n.º 32 requerida pelos interessados AA e BB. Notifique.”
Em face do supra decidido e uma vez que a interessada EE veio já fazer uso da faculdade concedida no artigo 1377.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, notifique os interessados AA e BB para, no prazo de dez dias, requerem a composição do seu quinhão, através da adjudicação das verbas que foram licitadas em excesso e que não foram escolhidas pela interessada EE, e cujo valor da licitação não ultrapasse o limite do seu quinhão, em conformidade com o n.º 2 do citado artigo 1377.º, ou, em alternativa, reclamar o pagamento das tornas”.
14. Os interessados AA e mulher vieram, então, requerer que lhes fosse adjudicada a verba n.º 30, o que foi deferido, tendo-se elaborado novo mapa informativo já com a verba n.º 30 adjudicada ao interessado AA.
15. Foi ordenada nova notificação para os termos do artigo 1377.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
16. Nessa sequência, vieram os interessados AA e GG requerer a composição dos seus quinhões com a adjudicação da verba n.º 32, a ambos e sem determinação de parte ou direito, prescindindo o interessado AA da verba n.º 30.
Mais peticionaram a retificação do mapa informativo por considerarem que se encontra incorreto o valor das tornas a que têm direito (porquanto no mesmo não se mostra reflectido o valor do passivo de que são credores sobre a herança).
17. A interessada EE respondeu, pugnando pelo indeferimento deste requerimento.
18. Ambos os requerimentos foram indeferidos.
19. Foi elaborado, e posto em reclamação, o mapa da partilha.
20. Os interessados AA e GG vieram invocar nulidades resultantes de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 1377.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC, insistindo no já anteriormente alegado.
21. Respondeu a interessada EE, pugnando pelo indeferimento das nulidades invocadas e peticionando a condenação dos interessados AA e GG como litigantes de má-fé.
22. Foi proferido despacho que julgou improcedente a nulidade processual arguida e indeferiu o pedido de condenação como litigantes de má-fé.
23. Foi proferida sentença homologatória da partilha.
24. Inconformados com o decidido, vieram os interessados, AA e mulher BB, interpor recurso, tendo o Tribunal da Relação ... proferido acórdão, conhecendo da apelação, em cujo dispositivo foi consignado: “Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, à qual se adiciona o seguinte extrato: “condenando os herdeiros no pagamento do passivo reconhecido, na proporção do respetivo quinhão hereditário”.
25. Novamente irresignados, os interessados, AA e mulher BB interpuseram revista, formulando as seguintes conclusões:
“1) Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ... que decidiu: “Assim, e para que nenhuma dúvida subsista quanto à inclusão do passivo na homologação da partilha, decide-se suprir a eventual nulidade que da sua omissão poderia resultar, acrescentando à sentença o seguinte trecho: “o Tribunal homologa (…) nos despachos que lhe sucederam, condenando os herdeiros no pagamento do passivo reconhecido, na proporção do respetivo quinhão hereditário”. (…)
Improcede, assim, a apelação, apenas se rectificando a sentença homologatória nos termos supra referidos.” – (Cfr. com Acórdão recorrido).
2) Absit injuria verbo, não pode o Recorrente conformar-se com tal. Isto porque, entendeu o digníssimo Tribunal “a quo” homologar “pela presente sentença, a partilha constante do mapa de partilha de fls. 914 a 910, adjudicando aos interessados os bens constantes da relação de bens e conforme o acordado/licitado na conferência de interessados e decidido nos despachos que lhe sucederam. Confirmando o Tribunal recorrido aquela sentença com os seguintes fundamentos:
3) Salvo o devido e merecido respeito que é muito, o Acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronuncia, porquanto não conheceu das questões de mérito e de fundo levantadas pelos Recorrentes, limitando-se, no humilde entendimento dos Recorrentes a fazer uma exposição de direito, sem se debruçar sobre o caso concreto.
4) Senão vejamos: Em 10 de Novembro de 2016 foi proferido acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação ... que decidiu, quanto à forma à partilha: “(…) Assim, deve ter-se em conta na forma à partilha o seguinte:
- Somam-se os valores dos bens não doados com o aumento proveniente das licitações e divide-se o total em duas meações, sendo que uma das meações pertencerá à inventariante e, como tal, se lhe adjudicará;
- A outra meação - do inventariado - soma-se a meia conferência dos bens doados ao filho AA e deduz-se o passivo;
Um terço dessa soma constitui a quota disponível e os outros dois terços a quota indisponível - artigo 2159.º, n.º 1 do CC;
Imputa-se na quota disponível a aludida meia conferência do filho AA e o que dela restar junta-se à quota indisponível do inventariado;
O valor assim obtido divide-se por quatro, pertencendo 1/4 à inventariante CC e os restantes 3/4 serão divididos pelos quatro filhos em partes iguais - artigo 2139.º, n.º 1 do CC;
No caso de a meia conferência dos bens doados exceder a quota disponível, imputa-se o excesso na legítima do donatário;
O passivo é pago por todos os interessados, na proporção do respetivo quinhão;
O preenchimento faz-se conforme as adjudicações.
(…)
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, bem como o despacho da forma da partilha e actos subsequente, designadamente, o mapa de partilha (artigo 1373º, n.º 3 do CPC) devendo este ser elaborado de acordo com a forma da partilha supra enunciada.” - (sublinhado nosso).
5) Por acórdão transitado em julgado foi decidido revogar a sentença recorrida, bem como o despacho da forma da partilha e actos subsequente, designadamente, o mapa de partilha (artigo 1373º, n.º 3 do CPC) devendo este ser elaborado de acordo com a forma da partilha supra enunciada. Os ora Interessados tendo sido notificados do mapa de partilha e para os termos e efeitos do artigo 1379º, n.º 2 do Código de Processo Civil, oportunamente, dele reclamaram com fundamento em inobservância do despacho que determinou a partilha e do disposto nos artigos 1377º, n.ºs 2, 3, e 4 do Código de Processo Civil.
6) Salvo o devido e merecido respeito do mapa de partilha constante dos autos resulta que: - não foi dado cumprimento ao Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação ..., em clara violação do princípio do caso julgado; - não foi dado cumprimento ao acordado na conferência de interessados quanto ao passivo; - e não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 1377º do Código de Processo Civil.
7) A sentença objeto do presente recurso homologou o mapa de partilha, que enferma de lapsos e irregularidades evidentes, que viciam os pagamentos resultantes do mesmo.
8) O mapa de partilha sofre de um erro de lógica e/ou raciocínio. Isto porque, as operações da partilha segundo despacho determinativo da partilha traduzem-se no seguinte:
- Somam-se os valores dos bens não doados com o aumento proveniente das licitações e divide-se o total em duas meações, sendo que uma das meações pertencerá à inventariante e, como tal, se lhe adjudicará (127 023, 20 € - 30 000,00 € = 97 022, 20 /2 = 48 511, 65 €);
- A outra meação - do inventariado - soma-se a meia conferência dos bens doados ao filho AA e deduz-se o passivo (48 511, 65 € + 15 000, 00 €) – 11 088, 44 € = 52 423, 16 €;
Um terço dessa soma (17 474, 93 €) constitui a quota disponível e os outros dois terços a quota indisponível (34 948, 77 €) - artigo 2159.º, n.º 1 do CC;
Imputa-se na quota disponível a aludida meia conferência do filho AA e o que dela restar junta-se à quota indisponível do inventariado ((17 474, 39 € - 15 000,00 €) + 34 948, 77 €);
O valor assim obtido divide-se por quatro, pertencendo 1/4 à inventariante CC (9 355, 79 €) e os restantes 3/4 serão divididos pelos quatro filhos em partes iguais (7 016, 84 €) - artigo 2139.º, n.º 1 do CC, com excepção do Interessado AA que receberá 22 016, 84 € (conferencia de metade dos bens doados). Até aqui tudo pacífico.
9) O passivo é pago por todos os interessados, na proporção do respetivo quinhão, ou seja, 11 088, 44 € dividido por quatro, pertencendo ¼ da responsabilidade à inventariante CC (2 772, 11 €) e os restantes ¾ divididos pelos quatro filhos em partes iguais (2 079, 08 €). (NOTA:
TODOS OS CÁLCULOS REFERENTES AO PASSIVO TERÃO EM CONSIDERAÇÃO A PRESENTE)
10) Salvo o devido e merecido respeito, o lapso inicia-se logo aqui, conforme muito bem é dito pelo Acórdão proferido por essa Relação, em 10 de Novembro de 2016: o passivo apenas se reporta à herança do inventariado, e o quinhão hereditário da Inventariada é de ¼ nos termos do artigo 2139º do Código Civil, sendo que o quinhão hereditário não se confunde com meação. A meação não faz parte da herança do inventariado.
11) Logo se o total do passivo é de 11 088, 44 €, a responsabilidade da Inventariante e Cabeça de Casal é de 2 772, 11 €, e dos restantes quatro filhos e herdeiros é de 2 079, 08 €. O mapa de partilha não reflete corretamente a responsabilidade no passivo de cada um dos herdeiros – as dívidas respeitam à herança do Inventariado e não à meação da viúva.
12) O mapa de partilha não calculou o passivo na proporção do respectivo quinhão hereditário nos termos do artigo 2 139º, mas considerou a meação da viúva e um bem doado que apenas deve ser relacionado para efeitos de cálculo da quota disponível e eventual ofensa à legitima.
13) Aqui chegados – “O preenchimento faz-se conforme as adjudicações.”
Cumpre dizer: Quanto ao preenchimento dos quinhões de cada um dos herdeiros, Vide in, Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, II Vol., pág. 460. relembra-se que ficou deliberado, na Conferência de Interessados realizada em 1 de julho de 2015 “reconhecer e aprovar o passivo tal como se encontra discriminado nas verbas nºs 1 a 7, o qual será pago por todos os interessados em proporção ao respetivo quinhão hereditário”.
14) Ou seja, todos os herdeiros (Inventariada e os quatro filhos) acordaram em ficar com o encargo de pagar o passivo, melhor discriminado nas verbas n.ºs 1 a 7, sendo que esse pagamento, seria realizado na proporção do quinhão hereditário de cada um. Ora, o mapa de partilha não reflecte essa realidade, como infra se demonstra.
15) De acordo com o mapa de partilha notificado à Cabeça de Casal CC pertence-lhe a título de meação e quinhão hereditário o montante de 57 867, 39 €, recebeu bens no valor de 20 056, 08 €, e são-lhe devidas tornas no valor de 37 811, 31 € [bens 20 056, 08 € + tornas 37 811, 31 = 57 867, 39 €]. No entanto, aquele mapa de partilha também refere que a responsabilidade no pagamento do passivo é de 6 468, 25 €. Ora se o quinhão hereditário da CC é de 57 867, 39 € (quinhão calculado já líquido de passivo) e se esta afinal ainda tem que pagar 6 468, 25 €, AFINAL SÓ RECEBERÁ A TÍTULO DE MEAÇÃO E QUINHÃO HEREDITÁRIO 51 399, 14 €.
16) Situação idêntica sucede com o interessado AA: De acordo com o mapa de partilha notificado ao Interessado AA pertence-lhe a título de quinhão hereditário o montante de 22 016, 84 €, recebeu bens no valor de 20 520, 00 €, e são-lhe devidas tornas no valor de 1 496, 84 € [bens 20520, 00 € + tornas 1 496,84 = 22 016, 84 €]. No entanto, aquele mapa de partilha também refere que a responsabilidade no passivo é de 2541, 00 (2 255, 23 € + 285, 77 €). Ora se o quinhão hereditário do AA é de 22 016, 84 € (quinhão calculado já líquido de passivo) e se este a final ainda tem que pagar 2541, 00 €, AFINAL SÓ RECEBERÁ A TÍTULO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO 19 475, 84 €.
17) Situação idêntica sucede com a interessada FF: De acordo com o mapa de partilha notificado à Interessada FF pertence-lhe a título de quinhão hereditário o montante de 7016, 84 €, não recebeu quaisquer bens, e são-lhe devidas tornas no valor de 7 016, 84. No entanto, aquele mapa de partilha também refere que a responsabilidade no passivo é de 693, 03. Ora se o quinhão hereditário da FF é de 7 016, 84 € (quinhão calculado já líquido de passivo) e se esta afinal ainda tem que pagar 693,03 €, AFINAL SÓ RECEBERÁ A TÍTULO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO 6 323, 81€.
18) Situação que já não ocorre com a Interessada EE: De acordo com o mapa de partilha notificado à Interessada EE pertence-lhe a título de quinhão hereditário o montante de 7016, 84 €, recebeu bens no valor de 66 995, 00 €, recebe a mais 59 978, 16 €.
19) No entanto, aquele mapa de partilha também refere que a responsabilidade no passivo é de 693, 03. Como está bom de ver, de acordo com o mapa de partilha notificado, existe dinheiro para pagar aos credores, porque cada um dos herdeiros poe do seu bolso a sua alegada quota parte perfazendo o total de passivo – 11 088, 34 €, no entanto, o quinhão hereditário dos herdeiros CC, AA, GG e FF não é respeitado levando a menos o montante global de 10 395, 31 € [6468,25 € +2 541, 00 € +693, 03 € +693, 03€].
20) Ao atribuir o quinhão a cada um dos Interessados (Inventariado e quatro filhos) e embora aí se refira o encargo de pagamento do passivo, o valor do passivo responsabilidade de cada um dos herdeiros não foi descontado ao valor dos bens por si recebidos.
21) Tendo sido acordado que o passivo da herança seria pago por todos os interessados na proporção dos respetivos quinhões hereditários, o respetivo valor terá igualmente de ser abatido ao valor dos bens que lhe são adjudicados. Aliás, não o tendo sido feito, no mapa da partilha verifica-se uma discrepância entre o valor da herança a partilhar – ao qual foi abatido o passivo – e o valor dos quinhões efectivamente recebidos, precisamente, porque nesta sede não foi considerado o valor do passivo.
22) Deveria ter-se procedido à partilha pela seguinte forma: Os quinhões serão preenchidos em conformidade com o acordado na conferência de interessados quanto à composição dos quinhões, abatendo-se ao valor dos bens a receber pelos Interessados CC, EE, AA, GG, o valor do passivo por si assumido, respetivamente; 2 772, 11 €, 2 079, 08 €, 2 079, 08 €, e 2079, 08 €.
23) Ou seja, a Interessada CC recebe bens no valor total de 20 056, 08 €, ao qual haverá que abater o passivo de 2 772, 11€, atingindo-se o valor de 17 283, 97€. Ascendendo a sua meação e quinhão hereditário ao valor global de 57 867, 39 €, terá a mesma de receber a título de tornas a quantia de 40 583, 42 €.
24) O mapa de partilha quanto à Cabeça de Casal imputa-lhe quanto ao passivo uma responsabilidade superior àquela que foi acordada em sede de conferencia de interessados: a responsabilidade da Interessada CC corresponde apenas ao seu quinhão hereditário e não ao seu quinhão hereditário e meação.
25) A título meramente simplista e académico, coloque-se a hipótese de uma herança constituída por um imóvel com o valor de 100 000, 00 € e uma dívida de 10 000, 00 €, com 2 herdeiros A e B que acordaram que o passivo seria pago na proporção dos quinhões (divisão por cabeça), mas que o imóvel foi adjudicado por licitação pelo valor de 100 000, 00 € ao interessado A.
26) De acordo com o mapa de partilha notificado o interessado B cujo quinhão é de 45 000, 00 € (100 000, 00 – 10 0000 = 90 000/2 = 45 0000), não receberia bens, mas sim tornas do interessado A no valor de 45 000, 00 €, e teria que pagar a sua quota parte na dívida, responsabilidade no passivo de 5000, 00 €. Como está bom de ver levaria a menos no seu quinhão 5000, 00 €.
27) Mas o interessado A cujo quinhão é exactamente o mesmo, receberia bens no valor de 100 000, 00 € e teria que pagar a sua quota parte na dívida, responsabilidade no passivo de 5000, 00 €. Como está bom de ver levaria a mais 5000, 00 € (100 000, 00 € (valor do bem) – 45 000, 00 (tornas) – 5 000, 00 (responsabilidade no passivo).
28) A solução correcta seria, uma vez que A recebe bens no montante de 100 000, 00 € ao qual deveria ser abatida a sua quota parte no passivo, atingindo-se o valor de 95 000, 00 €. Ascendendo o seu quinhão hereditário ao valor de 45 000,000 €, levou a mais 50 000, 00 €, que terá que repor: 50 000, 00 devidas a título de tornas a B, porque B tem direito ao seu quinhão hereditário – 45 000, 00 €, e caso não lhe seja pago os 5 000, 00 € a título de tornas tem que por do seu bolso 5000, 00 € para pagar aos credores, ficando prejudicado no seu quinhão hereditário em 5 000, 00 €. Pura matemática!!!!!
29) É esta a situação que acontece nos autos:
A Interessada EE recebe bens no valor total de 66 995, 00 €, LEVANDO A MAIS 59 978, 16 €, que deveriam (naturalmente depois de deduzida a sua responsabilidade no passivo) servir para repor as tornas e pagar aos credores.
30) Não se olvide que o quinhão hereditário da interessada EE é líquido, mas recebe a integralidade do património em bruto. Dito de outra forma é adjudicado património (em bruto ao qual não foi deduzido o passivo) mas os quinhões hereditários já são líquidos!
31) Ora, o mapa de partilha não reflecte estas operações. No mapa de partilha é-lhe deduzido o valor total do passivo (as operações realizadas traduzem-se no seguinte: ((66 995, 00 € - 7016, 84 €) – 11 088, 44 €). E é-lhe imputada a sua quota-parte de responsabilidade no passivo no valor de 693, 03 € (615, 09 €+77,94 €).
32) Ou seja, ao valor dos bens que recebe é-lhe deduzido duas vezes o passivo – o montante global e ainda a sua quota-parte, o que origina, erroneamente uma redução do valor das tornas a serem pagas aos restantes interessados.
33) A Interessada EE não assumiu sozinha o encargo de pagar na integralidade a dívida, mas é a única herdeira que goza de um duplo abatimento ao valor do passivo que recebe (montante total da dívida e alegada quota parte da dívida).
34) O Interessado AA recebe bens no valor total de 20520,00€, ao qual haverá que abater o passivo de 2079,08€, atingindo-se o valor de 18440,92€. Ascendendo o seu quinhão hereditário ao valor de 22 016, 84 €, terá o mesmo de receber a título de tornas a quantia de 3575, 92 €.
35) Estranhamente, e erradamente, conforme explanado supra, é-lhe imputado, a responsabilidade no passivo de 2 541, 00 €, calculada não na proporção do quinhão, conforme já se explanou supra, pois que o bem doado não faz parte do quinhão hereditário, a sua submissão a inventário é para efeitos de mero cálculo de legitima.
36) O Interessado GG recebe bens no valor total de 4 452, 12 €, ao qual haverá que abater o passivo de 2 079, 08 €, atingindo-se o valor de 2 373, 04 €. Ascendendo o seu quinhão hereditário ao valor de 7 016, 84 €, terá o mesmo de receber a título de tornas a quantia de 4 643, 80 €.
37) A Interessada FF não recebe bens. Ascendendo o seu quinhão hereditário ao valor de 7 016, 84 €, terá a mesma de receber a título de tornas a quantia de 9 095, 86 €, ou seja, o valor correspondente ao seu quinhão hereditário, acrescido do valor correspondente à sua quota parte no passivo. Doutra forma, teria que ser a Interessada a pagar do seu bolso uma divida que pertence à herança.
38) Ora, o mapa elaborado nos autos padece de erro de lógica como se disse anteriormente: distribui bens com valor em bruto (o valor dos bens adjudicados e que compõe os quinhões não é um valor líquido de passivo) mas não abate conforme acordado, nos bens recebidos por cada um dos Interessados a sua quota parte de responsabilidade no passivo nos bens recebidos da herança.
Como bem disse o Acórdão recorrido: quem recebe vinte e tem de pagar cinco, apenas incorpora no seu património quinze, seja qual for a forma como esses cinco hajam de ser pagos. Neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 12 de Janeiro de 2016: “Segundo a apelante, ao valor global dos bens relacionados por óbito de F (…) e de A (…) deverá ser abatido o passivo no valor de 48.255,00 €, valor este que deverá igualmente ser deduzido ao quinhão hereditário que lhe é atribuído. (…) Terceiro erro, ao atribuir o quinhão à interessada M (…) e embora aí se refira que esta ficou com o encargo de pagamento do passivo, o valor do passivo não foi descontado ao valor dos bens por si recebidos (…).
39)A douta sentença recorrida ao homologar a partilha constante de fls. …, adjudicando aos interessados os quinhões, de acordo com os valores ali consignados, sendo manifesto a existência de lapsos de cálculo e irregularidades, e o Acórdão ora recorrido violaram o disposto nos artigos 1373º, 1374º, 1375º, 1379º e 1382º do Código de Processo Civil em vigor à data da instauração do presente inventário e aplicado ao presente processo. Deve, pois, ser revogados o acórdão e a sentença recorridos, substituindo-se por outra que determine a correção dos erros e irregularidades constantes do mapa de partilha invocados no presente recurso.
ACRESCE AINDA QUE, em 12-09-2019 e em 18-11-2019 foram os Interessados AA e esposa notificados para entre outros requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
40) Inicialmente os Interessados AA e esposa sugeriram para composição do seu quinhão a verba n.º 30, tendo vindo a desistir da mesma. E requerido, na sequência da notificação realizada em 18-11-2019 o Interessado AA e esposa, bem como o Interessado GG para a composição dos seus quinhões a atribuição em comum sem determinação de parte ou direito a verba n.º 32. Ao que a Interessada EE se opôs.
41) Acresce que a licitante EE não utilizou o seu direito de preferência sobre a verba n.º 32 – “requerendo que o seu quinhão, no montante de 7.016,84€, seja preenchido pela raiz dos bens constantes das verbas nºs 34, 39 e 40, em que licitou, respetivamente pelos valores de 6.800,00€, 100,00€ e 100,00€,”. – cfr. com fls…dos autos.
42) Relembramos que, o Interessado AA é credor de tornas no montante de 3575, 92 e o Interessado GG é credor de tornas no montante global de 4 643, 80 €.
43) Para além das tornas, o Interessado GG é, também, credor da herança no montante de 1 247, 00 €. – (Cfr. com verba n.º 7 do passivo). Entendeu o Tribunal a quo, “(…) Deste modo, tendo a verba n.º 32 (cuja adjudicação ora pretendem os interessados AA e GG) sido licitada pela interessada EE pelo valor de € 8.500,00, verificamos que o valor desta ultrapassa de forma manifesta o valor das tornas a que têm direito os interessados AA e GG, pelo que se impõe, também nesta parte, o indeferimento do requerido, por se revelar legalmente inadmissível. (…)”
44) A decisão encontra-se inquinada à partida pois que assentou numa errada premissa – o somatório do valor das tornas devidas a AA e GG é de 8 219, 72 €.
45) Mas, ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se concebe sem conceder, sempre se diga que: Compulsados os autos os Recorrentes constatam que não foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 1377º, n.ºs 2, 3, e 4 do Código de Processo Civil.
46) Nas palavras de Lopes Cardoso, “O Cód. Proc. Civil reformado em 1961 veio trazer uma inovação - que hoje se mantém - que não existia no Código de 1939, permitindo que os interessados a quem hajam de caber tornas optem pela composição dos seus quinhões em bens pelo valor da licitação (art. 1377. º-2). A iniciativa é de louvar, pois, como acentuou certo aresto, ela “serve melhor a justiça e a equidade, certo como é que a propriedade tende a valorizar-se, ao contrário do que sucede com o dinheiro que, dia a dia, vai diminuindo no seu poder de compra, e porque o juízo do inventário é sobretudo um juízo de equidade onde se deve evitar que uns interessados se locupletem à custa dos outros”.
47) Requerida a composição dos quinhões, na sequência de licitação em excesso e/ou de doação inoficiosa, assiste ao licitante o direito de escolha dos bens que hão-de compor o seu quinhão. Tal direito de escolha não é, porém, absoluto, posto que deverá adequar-se ao preenchimento do seu quinhão (a excedê-lo, terá de ser pelo menor valor possível), bem como ao quinhão do não licitante (de modo a que o credor de tornas não passe a devedor delas, nem o devedor de tornas passe a credor delas).
48) No entanto, tendo a interessada EE licitado em diversos bens, sendo que o valor de um só deles excede manifestamente o respetivo quinhão hereditário e o somatório dos demais fica muito além desse limite, é abusiva a escolha feita no sentido de lhe serem adjudicados todos os bens licitados, pois desse modo lograria frustrar ou impedir o direito que assiste aos interessados a quem hajam de caber tornas de optarem pela composição dos seus quinhões em bens pelo valor da licitação, até ao limite do seu quinhão (art. 1377º, n.º 2 do CPC).
49) O art. 1377º do CPC visa, por via do mecanismo de correção dos efeitos do excesso de licitações, lograr obter uma partilha igualitária e justa, com o possível equilíbrio entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões.
O direito de preenchimento do quinhão em bens pelo credor de tornas pressupõe, sempre, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas, o que acontece in casu.
50) Não se exige que as verbas a escolher pelo credor de tornas tenham que ter o valor exato correspondente ao valor das tornas. A lei não põe (ut art. 1377º do CPC) qualquer restrição ao requerimento de preenchimento do quinhão do credor de tornas com verbas licitadas em excesso, pelo que, independentemente de quem quer que figure no mapa informativo como pagador das tornas do requerente da composição do quinhão, todos os devedores de tornas devem libertar bens licitados em excesso para preencher o quinhão de qualquer interessado que o requeira e seja credor de tornas, até ao limite do seu quinhão.
Neste sentido vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 10/01/2008.
51) Neste particular importa não esquecer que o processo de composição de quinhões tem por fundamento a necessidade, que se considerou de primária justiça, de corrigir a licitação, de acautelar os interesses dos menos afortunados, pondo-os a coberto da própria desvalorização da moeda. Este direito sobreleva, em parte, ao do licitante e na conciliação entre ambos só é possível admitir uma escolha que, afinal de contas, se não traduza num desapossamento.
52) É com subordinação a este critério que a escolha se exerce, tendo sempre presente que o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota, ou, não sendo possível - como raras vezes o será – as que com menos diferença a excedam, pois, as outras deixam de lhe pertencer para se adjudicarem aos que, por preenchidos a menos, requereram a composição quantitativa dos seus quinhões no uso de um inquestionável e justificado direito.
53) Daqui vem que não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, in casu veja-se que o quinhão da interessada EE é de 7 016, 84 € e pretende ver adjudicados bens no valor de 66 995, 00 € (o valor quase total do inventario!) como também lhe fica defesa a escolha restrita a verbas que o não preencham, que no justo equilíbrio das quotas é que está a realidade que a lei protege e não o seria nem num nem noutro caso.
54) Salvo o devido e merecido respeito a oposição e indeferimento da requerida adjudicação da verba n.º 32 aos interessados AA e GG constitui um manifesto abuso de direito.
55) Havendo licitações, o licitante tem preferência na escolha dos bens que hão-de compor o seu quinhão, mas essa escolha não é arbitrária, estando o licitante obrigado a escolher os bens que preencham e excedam em menor quantidade a medida do seu quinhão. Por sua vez, o não licitante, depois de preenchido o quinhão dos licitantes com bens por estes licitados, tem o direito de ver o seu quinhão composto por bens, se os houver disponíveis. Por outro lado, a apregoada vontade dos interessados manifestada na licitação não é argumento decisivo tendente a paralisar o direito dos credores não licitantes, porquanto a mera licitação de um bem não assegura necessariamente a sua adjudicação ao licitante, atenta a faculdade conferida aos preenchidos a menos de virem requerer a composição do seu quinhão em bens.
56) E o facto de os interessados reclamantes se terem abstido de licitar sobre as verbas em causa não consubstancia uma vinculação irreversível de forma a impedi-los de exercer o direito de composição de quinhões através de bens licitados ou doados em excesso. Existe abuso de direito por parte da licitante EE que, pretende que todos os bens licitados lhes sejam adjudicados, sem cuidarem de respeitar os já indicados critérios que presidem ao processo de composição de quinhões.
57) Tendo os não licitantes (ou licitantes por diferença) o direito de reclamar que as verbas (licitadas ou doadas) em excesso ou alguma delas lhes sejam adjudicadas, sempre seria de considerar abusiva a oposição da licitante à adjudicação da verba n.º 32 que, desse modo, lograria frustrar ou impedir por completo o direito dos ora Recorrentes, não sendo despiciendo relembrar que, em caso de colisão de direitos desiguais (o do licitante e o do preenchido a menos), prevaleça o superior, isto é, o deste último (arts. 334º e 335º, n.º 2, ambos do Cód. Civil).
58) A ser de outro modo, estaria encontrado o “remédio” para os interessados devedores de tornas de inutilizarem ou impedirem o direito que assiste aos interessados a quem hajam de caber tornas de optarem pela composição dos seus quinhões em bens pelo valor da licitação (art. 1377º, n.º 2 do CPC).
59) Assim, deveria ter o Tribunal a quo e recorrido entendido pela admissibilidade legal de adjudicação em comum da verba n.º 32 aos Interessados AA e GG, sob pena de manifesto abuso de direito por parte da licitante EE.
60) Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença e os despachos ora recorridos, e acórdão por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1374º, 1375º, 1376º, 1377º e 1378º todos, do Código de Processo Civil, e ofensa ao princípio do caso julgado plasmado no artigo 628º do Código de Processo Civil, devendo ainda o acórdão recorrido ser declarado por omissão de pronúncia, tudo com as legais consequências.
Assim se espera, Venerandos Juízes Conselheiros, por ser de Justiça.”
26. CC, cabeça de casal e interessada, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
27. Entendeu este Tribunal ad quem notificar as partes para, querendo, se pronunciarem acerca da admissibilidade da revista, nos termos e para os efeitos dos artºs. 665º n.º 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, tendo os Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB continuado a pugnar pela admissibilidade do recurso interposto, ao passo que a Recorrida/Cabeça de casal e Interessada/CC, pronunciou-se pela sua inadmissibilidade.
28. Foi proferida decisão singular, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, em razão dos fundamentos aduzidos, rejeito o presente recurso de revista.
Custas pelos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB.”
29. Notificados os litigantes da aludida decisão, os Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB apresentaram requerimento, reclamando para a Conferência da aludida decisão singular, sustentando, com utilidade:
“(…) notificados da decisão liminar de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, proferida por V. Exa. vem nos termos conjugados dos artigos 679º e 652º, n.º 3 do Código de Processo Civil dela vem Reclamar para a Conferência, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1º Foram notificados os Recorrentes da decisão singular de inadmissibilidade do recurso de revista ordinária porquanto e sumariamente entendeu que os Apelantes recorreram não de uma sentença de mérito, mas sim, de “uma decisão interlocutória, que não cabe na previsão do citado art.º 671º n.º 1, do Código de Processo Civil.”, e porquanto, os presentes autos não estão contemplados pelos casos em que é sempre admissível recurso nos termos do art.º 629º n.º 2 do Código de Processo Civil e não tem cabimento nas hipóteses em que o acórdão decisório esteja em oposição com outro já transitado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão essencial de direito, salvo se o primeiro estiver em consonância com o decidido em acórdão uniformizador de jurisprudência (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 671º).
2º Absit injuria verbo não podem os Apelantes conformar-se com tal decisão.
3º Entendeu o Tribunal que: “No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade dos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB, questionando este Tribunal ad quem a admissibilidade da revista interposta.
Tenhamos desde já em atenção, porque ao caso trazido a Juízo interessa, que atenta a data de instauração da presente demanda - autos de inventário - importa considerar o disposto no art.º 7º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que textua: “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 208 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as suas alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.” Assim, conquanto aos processos instaurados antes de 1 de janeiro de 2008, como é o caso presente, não seja aplicável o efeito da dupla conforme, constante do art.º 671º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e verificada a conformidade das decisões das Instâncias, tal não significa que seja de admitir a revista interposta.
O que verdadeiramente se impugna na presente revista é o mapa de partilha elaborado nos autos, ao qual é imputado vício, padecendo de erro de lógica, distribuindo bens com valor em bruto (o valor dos bens adjudicados e que compõe os quinhões não é um valor líquido de passivo), mas não abatendo conforme acordado, nos bens recebidos por cada um dos interessados a sua quota parte de responsabilidade no passivo nos bens recebidos da herança, adjudicando aos interessados, nestes termos, os quinhões, sendo manifesto a existência de lapsos de cálculo e irregularidades, que viciam os pagamentos resultantes do mesmo, em violação do prescrito nos artºs. 1373º, 1374º, 1375º, 1379º e 1382º do Código de Processo Civil em vigor à data da instauração do presente inventário, vindo a impugnação da sentença homologatória da partilha, por mero arrastamento e, por isso, sem qualquer autonomia.
Como resulta do art.º 671º n.º 1 do Código de Processo Civil, o legislador distingue entre decisões finais e decisões interlocutórias. As primeiras são as que põem termo ao processo; as segundas são as proferidas ao longo da instância e que vão resolvendo as diversas questões suscitas até ser proferida a decisão final.
Das decisões interlocutórias cabia recurso de agravo até à revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Com o desiderato de simplificar o regime de recursos, este diploma adotou um regime monista de recursos cíveis, com eliminação da distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo, introduziu a regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso a ser interposto da decisão que põe termo ao processo e procedeu à concentração em momentos processuais únicos dos atos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso, solução mantida no Código de Processo Civil vigente.
O acórdão ora impugnado não conheceu, manifestamente, do mérito da causa, nem pôs termo ao processo (está em causa a elaboração do mapa de partilha que, alegadamente, padece de erro de lógica, lapsos de cálculo e irregularidades várias, distribuindo bens com valor em bruto (o valor dos bens adjudicados e que compõe os quinhões não é um valor líquido de passivo), mas não abatendo, conforme acordado, nos bens recebidos por cada um dos interessados a sua quota parte de responsabilidade no passivo nos bens recebidos da herança, adjudicando aos interessados os quinhões, cujos pagamentos estão viciados), já que o processo de inventário só finda com a prolação da sentença homologatória da partilha.
Está, por conseguinte, em causa uma decisão interlocutória, que não cabe na previsão do citado art.º 671º n.º 1, do Código de Processo Civil.” – (negrito e sublinhado nosso).
4º Salvo o devido e merecido respeito, que é muito por opinião diversa, não assiste razão ao Tribunal.
5º Foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação ... do despacho de fls… e da sentença homologatória da partilha do inventário judicial a que se procede por óbito de DD.
6º Foi impugnada uma decisão final/sentença e os despachos interlocutórios que a sustentam, e acórdão todos por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1374º, 1375º, 1376º, 1377º e 1378º todos, do Código de Processo Civil, e ofensa ao princípio do caso julgado plasmado no artigo 628º do Código de Processo Civil, devendo ainda o acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia, tudo com as legais consequências.
7º O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... conheceu de uma decisão final – sentença homologatória da partilha.
8º O art. 671º, 1, do CPC prescreve: «Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.»
9º Deste normativo resulta que apenas é admissível revista “normal” do acórdão proferido pela Relação cujo conteúdo traduza uma decisão final por (i) conhecer do mérito da causa (nomeadamente por ter decretado a resolução material do litígio, no todo ou em parte, especialmente nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a improcedência ou improcedência de alguma excepção peremptória) ou por (ii) colocar termo ao processo por razões formais (nomeadamente 3 por se ter absolvido da instância sem conhecer do fundo material da causa ou, extensivamente, por se ter posto termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva, nomeadamente por extemporaneidade ou pela falta de pressupostos ou requisitos legais).
10º Os aqui Recorridos apelaram em 2.ª instância para impugnar a sentença homologatória da partilha por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1374º, 1375º, 1376º, 1377º e 1378º todos, do Código de Processo Civil, e ofensa ao princípio do caso julgado plasmado no artigo 628º do Código de Processo Civil,
11º O acórdão recorrido decidiu “(…) julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, à qual se adiciona o seguinte extrato: “condenando os herdeiros no pagamento do passivo reconhecido, na proporção do respetivo quinhão hereditário”.
12º Dúvidas não podem haver que o Acórdão ora recorrido conheceu da sentença homologatória da partilha sustentada naturalmente em todos os despachos antecedentes.
13º Uma vez interposta revista, verifica-se que o conteúdo dispositivo do acórdão recorrido da Relação, ao manter a sentença homologatória da partilha bem como todos os despachos intercorrenciais na tramitação do inventário, para definir o mapa da partilha que foi homologado judicialmente a final e respectiva sentença (logo, com incidência na relação material controvertida em juízo), conheceu do mérito e pôs termo ao processo.
14º Logo, existe uma decisão, material ou formalmente, final da Relação.
15º Assim, o conteúdo da decisão da Relação não é puramente instrumental para a reconstituição dos autos em 1.ª instância e encerra em si mesma uma completude decisória que permite a revista, tal como exigido pelo filtro delimitado pelo art. 671º, 1, do CPC.
16º Determina o artigo 1382º, n.º 1 do CPC que, “O processo é concluso ao juiz para, no prazo de cinco dias, proferir sentença homologando a partilha constante do mapa e as operações de sorteio.
17º Como ensina Lopes Cardoso, in, Partilhas Judiciais, Volume III, páginas 20 e seguintes: “(…) a homologação reporta-se à «partilha», (i) «constante do mapa» e (ii) constante «das operações de sorteio».
(…)´
(…) o Juiz, agora, tem de proceder exactamente nos mesmos termos em que procede um Juiz em qualquer processo ao proferir a sentença de primeira instância, por muito que se tenha almejado esconder a natureza da sua actuação jurisdicional pelo não uso da expressão que caracteriza a sua prolação. É uma sentença que finaliza o processo na 1.ª Instância, a que se chamou «decisão homologatória da partilha».
Quer isso dizer que esta «homologação» carece de uma minuciosa fundamentação (CPCiv., art. 607.º-3 a 5), sob pena de nulidade [art. 615.º-1-b) e c)]. E essa fundamentação tem de conter a apreciação de todos os actos praticados que permitiram a elaboração do mapa de partilha definitivo e das operações de sorteio, vale dizer o rigor dos pressupostos processuais e todos os procedimentos havidos.
(…) a «a decisão homologatória da partilha» é uma sentença.
Mas a questão de saber qual a natureza da «decisão homologatória da partilha», quando era qualificada expressis verbis de «sentença», e seus efeitos – se declarativos se atributivos ou translativos – vem de longas eras.
Quanto a nós, e como já foi deixado dito, o Código Civil vigente veio consagrar a exactidão dos princípios que exornam a natureza declarativa, com os efeitos atrás descritos, ao proclamar que, «feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos» (art. 2119.º).
Estabeleceu, pois, como no próprio preceito acentuou, a retroactividade da partilha e, em coerência com tal princípio, firmou as regras relativas à evicção (idem, art. 2123.º), à alienação da quota na herança (idem, arts. 2124.º, 2130.º, 892.º e 985.º) e sua oneração (idem, art. 690.º)
Assim, a partilha julgada por decisão homologatória com trânsito em julgado produz todos os seus efeitos jurídicos enquanto não for objecto de recurso de revisão com procedência (CPCiv., art. 696.º) 49, ou, mais propriamente, confere aos interessados, desde a abertura da herança, os bens que lhes foram atribuídos.
Cabe recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre recurso de apelação, pois que está em causa decisão que pôs termo ao processo (CPC arts. 671º, n.º 1 e 644º, n.º 1). (…) Interpõe-se para o Supremo Tribunal de Justiça. (CPC 671º, n.º 1).
Feita esta digressão sobre o tipo de recurso, certo é que o recurso de revista foi, porém, muito limitado por força do regime actual da chamada "dupla conforme”:
«Sem prejuízo dos casos cm que o recurso é sempre amissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância», salvo os casos da chamada «revista excepcional, (CPCiv., art. 672.º).
No dizer do ilustre autor, «Como a lei adjectiva distingue bem, na estrutura decisória, a fundamentação de facto, a fundamentação jurídica e a conclusão, sendo esta que define os limites do caso julgado, o importante para efeitos de avaliar da admissibilidade ou não de recurso para o Supremo é a comparação entre o resultado final declarado na decisão da 1ª Instância, salvo os casos da chamada revista excepcional, CPC 672º.
Nos casos em que a parte conclusiva seja integrada por diversos segmentos decisórios, uns favoráveis outros desfavoráveis, no todo ou em parte, a qualquer dos interessados, a admissibilidade ou a delimitação do recurso normal de revista deve fazer-se mediante o confronto de cada um deles com o acórdão recorrido.»
Estas judiciosas considerações, assim como as que definiram o recurso de revista propriamente dito, só muito limitadamente poderão colher no caso do acórdão da Relação sobre a sentença da partilha. Mas, com a extensão de hoje que, como atrás se viu, pode ter a decisão homologatória da partilha, embora reportada aparentemente apenas ao mapa e às operações de sorteio, talvez venham a ser mais os casos em que a revista venha a ser admitida. Deste modo, senão será de admirar voto de vencido na apelação sobre a própria decisão do Juiz, e bem assim sobre os dissídios que tenham ocorrido em algumas decisões interlocutórias, que se reflictam, então, sobre aquela decisão cimeira, na medida em que o mapa e as operações de sorteio homologadas tenham sido postas em causa como consequência daqueloutras decisões. Em tais casos, pois, é sempre a decisão final do inventário que é a visada.”
18º Ou recorrendo às palavras desse Venerando Supremo Tribunal, decisão datada de 11 de Novembro de 2021, “Sendo embora a sentença homologatória da partilha uma verdadeira decisão (na medida em que também ela efectua um julgamento), ela tem uma natureza diferente das demais sentenças, dado que o juiz se limita a fazer um controlo de legalidade e é dispensado de uma exaustiva indagação; daí que normalmente não seja necessária uma fundamentação específica da sentença. (…)
Na sentença homologatória da partilha, o juiz limita-se a fazer um controlo de legalidade, a verificar se o mapa da partilha aparenta conformidade com a lei (capacidade e legitimidade das partes, respeito pela forma à partilha e operações subsequentes e respeito pelas normas legais imperativas), de uma forma perfunctória e sem necessidade de uma exaustiva indagação. Daí que o juízo de conformidade se assuma implícito e, segundo uma antiga prática judicial, a sentença homologatória da partilha surgisse com uma forma tabelar.”
19º Salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, a sentença homologatória da partilha não constitui uma decisão interlocutória - a partilha julgada por decisão homologatória com trânsito em julgado confere aos interessados, desde a abertura da herança, os bens que lhes foram atribuídos, tem natureza declarativa.
20º Neste sentido, a contrario, veja-se Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça datado de 10 de Dezembro de 2019.
21º Ora o presente recurso de revista assenta no não cumprimento do Acórdão proferido Venerando Tribunal da Relação ..., em clara violação do princípio do caso julgado; - não cumprimento ao acordado na conferência de interessados quanto ao passivo; - e não cumprimento do disposto no artigo 1377º do Código de Processo Civil.
22º Foi impugnada a decisão homologatória de partilha de 1ª Instância, bem como os despachos que a sustentaram, naturalmente, bem como tempestivamente, foi impugnado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1374º, 1375º, 1376º, 1377º e 1378º todos, do Código de Processo Civil, e ofensa ao princípio do caso julgado plasmado no artigo 628º do Código de Processo Civil, devendo ainda aquele acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia, tudo com as legais consequências.
23º Sinteticamente é sindicado o respeito pela forma à partilha e operações subsequentes de partilha e respeito pelas normas legais imperativas.
Mais se diga,
24º Ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396º, que estatuía relativamente ao regime dos recursos:
“1. Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha. 2. Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.
25º Conforme é consabido, quer no regime de recursos emergente da alteração introduzida ao CPC pelo citado DL, quer na redacção ora vigente emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, e aplicável ao caso dos autos para efeitos de recurso, o legislador optou por um regime monista de recursos, que se encontra em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, tendo introduzido importantes alterações nas modalidades de impugnação das decisões judiciais proferidas pela 1.ª instância perante o tribunal superior.
26º “Em primeiro lugar, traduz a absorção do anterior recurso de agravo pela apelação. Independentemente de a decisão incidir sobre o mérito ou sobre questões formais, a sua impugnação segue as regras unitárias previstas para a apelação, ainda que com sujeição de determinadas situações a regimes especiais. Em segundo lugar, foi estabelecido um elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando-se para momento ulterior a impugnação das demais”.
27º Situando-nos o caso dos autos no domínio do processo de inventário em que rege o supra citado preceito no que concerne ao regime dos recursos, podemos desde logo concluir que a regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.
28º O que aconteceu in casu - foi impugnada a sentença homologatória da partilha, bem como as decisões interlocutórias proferidas no âmbito desta e que sustentam a decisão de mérito.
29º A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos, tem que considerar-se agora efectuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º.
30º Ora, nenhuma das decisões interlocutórias se enquadra no “elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso de apelação imediato”.
31º Portanto, em face do regime recursório introduzido pelo DL 303/2007, e mantido pela Lei n.º 41/2013, o recurso de apelação cabe agora de toda e qualquer decisão do tribunal de 1.ª instância, quer a mesma seja final, quer se trate de decisão interlocutória, e independentemente de ter ou não decidido do mérito da causa. A distinção legal reportasse apenas quanto ao respectivo momento de subida.
32º Ora, nenhuma das questões em apreço se enquadra no âmbito do 644º do CPC.
33º Neste sentido veja-se, a título de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 15 de Maio de 2018 que entendeu que o incidente de reclamação contra a relação de bens não se enquadra em qualquer das alíneas do artigo 644º do CPC: “É pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário. VII - Quanto a esta matéria seguimos o entendimento que quando tal artigo dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista somente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância - artºs 302 a 380º -A/ artºs 292º a 361º do NCPC (o sublinhado é nosso) - a verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada ou mediante embargos de terceiro, habilitação e liquidação, falsidade de documentos – art. 544º e sgs/ artºs 444º e sgs do NCPC; falsidade de acto judicial – art. 551º-A/451º do NCPC; prestação de 7 caução – artºs. 696º e 697º; e suspeição – 126º e sgs / artº 119º e sgs do NCPC todos do Código de Processo Civil – e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não (ou seja, os meros incidentes processuais), pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo.”
ASSIM,
34º Dispõe o n.º 1 do artigo 7º da Lei 41/2013, de 26 de Julho, que aprova o novo CPC, que “aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrentes do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671º do CPC, aprovado em anexo à presente lei”.
35º Tendo o acórdão sido proferido depois da entrada em vigor da referida lei e tendo a acção sido instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008, aplicam-se ao recurso interposto as regras decorrentes do DL n.º 303/2007, salvo no que respeita à dupla conforme.
36º Assim, embora o acórdão recorrido confirme parcialmente a sentença, o recurso interposto é o de revista normal, uma vez que o princípio da dupla conforme se não aplica ao caso.
37º Porque a verificação da dupla conforme é condição prévia da admissibilidade da revista extraordinária, significa que, não se aplicando ao caso o princípio da dupla conforme, não será admissível o recurso de revista extraordinário, mas antes o de revista normal.
38º Neste sentido veja-se Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça datado de 23 de Outubro de 2014.
39º Refere ainda a decisão singular, ora colocada em crise que, “Uma nota final para sublinhar que mesmo concebendo a bondade do afirmado pelos Recorrente (…) importaria, sempre, ter presente o estabelecido no art.º 721º n.º 5 do mesmo diploma adjetivo civil, ou seja, “As decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 691.º, não podem ser objecto do recurso de revista.”
40º Cumpre referir que, os Apelantes recorrem de uma decisão de mérito – sentença homologatória da partilha e de todas as questões processuais e procedimentais que a sustentam.
41º Os Apelantes não interpuseram recurso apenas e tão só de um despacho interlocutório, recorreram sim de despachos com influência directa na partilha efetuada, pelo que não estamos perante uma decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual, mas perante uma decisão que incide sobre matéria substantiva, tendo natureza material, pelo que não estamos perante uma situação cuja recorribilidade esteja excluída pelo disposto no artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
42º Aliás, como ensina Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 297, “Tratando-se de decisões sobre matéria de natureza adjectiva, considera-se que, em regra, é bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativamente ao recurso de agravo. Porém, foram estabelecidas duas vias excepcionais que permitem que questões emergentes de tais decisões possam ser apreciadas pelo Supremo. Admitem revista (revista "continuada") os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias de conteúdo adjectivo, integrem alguma das previsões constantes do art. 629, nº 2.”
43º Face ao supra exposto conclui-se que o presente recurso de revista ordinária é admissível nos termos conjugados da n.º 1 do artigo 7º da Lei 41/2013, de 26 de Julho e do artigo 671º, n.º 3.
44º Aliás, já em processo similar “mutatis, mutandis” decidiu nesse sentido o Venerando Tribunal de Justiça datada de 26 de Janeiro de 2021: “I. A regra da recorribilidade das decisões judiciais, plasmada no art. 627.º, n.º 1, do CPC, está sujeita aos limites objetivos fixados na lei, prevendo o art. 671.º, n.º 3, do mesmo corpo de normas, um dos obstáculos ao recurso de revista para o STJ: a “dupla conforme”. II. No caso em apreço, tendo o acórdão proferido pela Relação, a 10 de julho de 2019, confirmado, por unanimidade, a decisão da 1.ª Instância que homologou a partilha, não existem dúvidas a respeito da identidade do sentido decisório. TODAVIA, POR FORÇA DO ART. 7.º, N.º 1, DA LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO, SE ESTIVESSE EM CAUSA O RECURSO DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE 10 DE JULHO DE 2019, NÃO PODERIA O STJ DEIXAR DE O ADMITIR COMO REVISTA-REGRA OU NORMAL. 9 III. Contudo, o Interessado interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de 10 de outubro de 2019, que indeferiu a arguição, pelo mesmo Interessado, de nulidade do acórdão de 10 de julho, e não deste acórdão - de 10 de julho -, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo referido Interessado. IV. Também no que toca ao recurso de revista em apreço – do acórdão de 10 de outubro de 2019 – não se coloca a questão da sua (in)admissibilidade em virtude do limite da “dupla conforme”, porquanto a questão da (in)verificação da alegada nulidade do acórdão de 10 de julho foi apreciada, pela 1.ª vez, nesse acórdão, pela Relação. Pode, assim, dizer-se que, estaria, em qualquer caso, arredado o obstáculo da “dupla conformidade decisória” que constitui pressuposto da revista excecional. V. Sendo o acórdão de 10 de julho de 2019, que julgou improcedente o recurso de apelação, suscetível de recurso de revista, a nulidade deveria ter sido nele arguida como fundamento do recurso a endereçar ao STJ (arts. 615.º, n.º 4, 666.º e 679.º do CPC).
Não foi, todavia, deste acórdão que o Interessado interpôs recurso de revista. (…)”.
45º Em face do supra exposto deve a presente revista ser admitida como revista regra nos termos conjugados dos artigos n.º 1 do artigo 7º da Lei 41/2013, de 26 de Julho e do artigo 671º, n.º 3 do CPC.
Da admissibilidade da revista a título excepcional,
46º Conforme já foi dito anteriormente, e como muito bem resulta das alegações de revista cuja admissibilidade se discute, foi impugnada pelos Apelantes uma decisão final/sentença homologatória da partilha e os despachos interlocutórios que a sustentam, e acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., todos, por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1374º, 1375º, 1376º, 1377º e 1378º todos, do Código de Processo Civil, e ofensa ao princípio do caso julgado plasmado no artigo 628º do Código de Processo Civil, devendo ainda o acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia, tudo com as legais consequências.
47º Ora, a questão da alegada ofensa do efeito do caso julgado formado por anteriores decisões judiciais integra uma das hipóteses em que, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, e independentemente da ocorrência de dupla conforme entre as decisões das instâncias (cfr. art. 671.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC), o recurso é sempre admissível.
48º Refere quanto a este aspecto a decisão singular que, “A este propósito importa dizer que relativamente ao caso julgado, como sustenta Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, páginas 50 e 51, a propósito da alínea a) do aludido n.º 2, do art.º 629º do Código de Processo Civil, “a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado. Estão, por isso, excluídas desta previsão especial as situações em que o juiz afirme a existência da excepção de caso julgado, ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (artº 629º nº 1) e oportunidade da impugnação (artºs 644º e 671º)”
(…) Daqui decorre que o Tribunal recorrido adotou, sem reservas, a prevalência do acórdão anteriormente proferido nestes autos, já transitado em julgado, donde, também por aqui se mostra afastada a admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que, apreciando a decisão da 1ª Instância, conheceu do mapa de partilha elaborado, uma vez que não ocorre qualquer circunstancialismo que permita incluir o recurso em qualquer dos casos tipificados no art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil.”
49º Concordando-se inteiramente com a brilhante exposição da lavra do Ilustre Abrantes Geraldes, resta dizer que, a decisão singular não considerou as premissas supra expostas.
50º Os apelantes não invocaram uma qualquer excepção dilatória de caso julgado, nem tão pouco invocaram a autoridade de caso julgado de um qualquer outro processo, os apelantes impugnaram tanto a decisão de 1ª Instância, como o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., porquanto, tanto num como noutro, no humilde entendimento dos Apelantes, foi proferida uma decisão judicial que resulta em “ofensa” ao caso em julgado já constituído (anteriormente formado) nos presentes autos – forma à partilha determinada pelo Tribunal da Relação ... transitada em julgado.
51º Salvo o devido e merecido respeito a decisão singular faz tábua rasa do imperativo legal determinado no artigo 629º, n.º 2, alínea a) do CPC.
52º Foi invocado expressamente pelos Apelantes “ofensa” ao caso em julgado já constituído (anteriormente formado) nos presentes autos, porquanto a decisão de primeira instância, no humilde entendimento não cumpriu com a forma determinada à partilha conforme Acórdão transitado em julgado pelo Tribunal da Relação ..., mais pugnando que o Acórdão ora recorrido padece de nulidade por omissão de pronuncia, porquanto não conheceu das questões de mérito e de fundo levantadas pelos Recorrentes, “ofensa” ao caso em julgado - limitando-se, no humilde entendimento dos Recorrentes a fazer uma exposição de direito, sem se debruçar sobre o caso concreto.
53º Mesmo que assim não se entenda, que o presente o recurso é de revista e ordinário, o que, por mera hipótese académica, se concebe, sem conceder, temos que será a presente revista será sempre admissível face ao que dispõe o art. 629.º, n.º 2, al. a) e art. 671.º, n.º 3, ambos do CPC.
Pelo supra exposto, desde já se requer a V. Exa. que se digne submeter a matéria da decisão à conferência recaindo sobre ela acórdão, nos termos dos artigos 679º e 652º, n.º 3 do Código de Processo Civil, depois de ouvida a parte contrária.
Assim se espera Venerandos Juízes Conselheiros, por ser de JUSTIÇA!”
30. A Recorrida/Cabeça de casal e Interessada/CC não apresentou qualquer resposta.
31. Foram dispensados os vistos.
32. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Cotejada a decisão singular proferida, e confrontada a argumentação esgrimida pelos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB, não encontramos quaisquer razões que infirme, não só o dispositivo da decisão onde se concluiu pela rejeição do presente recurso de revista, bem como, o enquadramento jurídico que o sustenta.
Para sustentar a predita decisão singular este Tribunal ad quem consignou a seguinte fundamentação: “Antes mesmo de conhecer do recurso interposto, impõe-se, pois, a apreciação da questão preliminar consubstanciada na (in)admissibilidade do interposto recurso de revista.
A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
Como direito adjetivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.
No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade dos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB, questionando este Tribunal ad quem a admissibilidade da revista interposta.
Tenhamos desde já em atenção, porque ao caso trazido a Juízo interessa, que atenta a data de instauração da presente demanda - autos de inventário - importa considerar o disposto no art.º 7º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que textua: “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as suas alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”
Assim, conquanto aos processos instaurados antes de 1 de janeiro de 2008, como é o caso presente, não seja aplicável o efeito da dupla conforme, constante do art.º 671º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e verificada a conformidade das decisões das Instâncias, tal não significa que seja de admitir a revista interposta.
O que verdadeiramente se impugna na presente revista é o mapa de partilha elaborado nos autos, ao qual é imputado vício, padecendo de erro de lógica, distribuindo bens com valor em bruto (o valor dos bens adjudicados e que compõe os quinhões não é um valor líquido de passivo), mas não abatendo conforme acordado, nos bens recebidos por cada um dos interessados a sua quota parte de responsabilidade no passivo nos bens recebidos da herança, adjudicando aos interessados, nestes termos, os quinhões, sendo manifesto a existência de lapsos de cálculo e irregularidades, que viciam os pagamentos resultantes do mesmo, em violação do prescrito nos artºs. 1373º, 1374º, 1375º, 1379º e 1382º do Código de Processo Civil em vigor à data da instauração do presente inventário, vindo a impugnação da sentença homologatória da partilha, por mero arrastamento e, por isso, sem qualquer autonomia.
Como resulta do art.º 671º n.º 1 do Código de Processo Civil, o legislador distingue entre decisões finais e decisões interlocutórias. As primeiras são as que põem termo ao processo; as segundas são as proferidas ao longo da instância e que vão resolvendo as diversas questões suscitas até ser proferida a decisão final.
Das decisões interlocutórias cabia recurso de agravo até à revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Com o desiderato de simplificar o regime de recursos, este diploma adotou um regime monista de recursos cíveis, com eliminação da distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo, introduziu a regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso a ser interposto da decisão que põe termo ao processo e procedeu à concentração em momentos processuais únicos dos atos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso, solução mantida no Código de Processo Civil vigente.
O acórdão ora impugnado não conheceu, manifestamente, do mérito da causa, nem pôs termo ao processo (está em causa a elaboração do mapa de partilha que, alegadamente, padece de erro de lógica, lapsos de cálculo e irregularidades várias, distribuindo bens com valor em bruto (o valor dos bens adjudicados e que compõe os quinhões não é um valor líquido de passivo), mas não abatendo, conforme acordado, nos bens recebidos por cada um dos interessados a sua quota parte de responsabilidade no passivo nos bens recebidos da herança, adjudicando aos interessados os quinhões, cujos pagamentos estão viciados), já que o processo de inventário só finda com a prolação da sentença homologatória da partilha.
Está, por conseguinte, em causa uma decisão interlocutória, que não cabe na previsão do citado art.º 671º n.º 1, do Código de Processo Civil.
Relativamente a estas decisões, eliminado que foi o recurso de agravo, considerou o legislador suficiente a garantia, por regra, de um duplo grau de jurisdição, assegurando apenas o recurso de revista nos casos em que o mesmo é sempre admissível contemplados no art.º 629º n.º 2 do Código de Processo Civil e naqueles em que o acórdão decisório esteja em oposição com outro já transitado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão essencial de direito, salvo se o primeiro estiver em consonância com o decidido em acórdão uniformizador de jurisprudência (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 671º).
A situação a que os autos se reportam não cai no âmbito de quaisquer das enunciadas exceções.
Em todo o caso, e seguindo a orientação que vimos de discretear, poder-se-ia questionar se não estaríamos num caso em que sempre seria admissível a revista, enquanto admissibilidade excecional do recurso estando em causa decisões que incidam sobre a exceção dilatória de caso julgado, conforme prevenido no art.º 629º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil.
Ora, cotejada a situação concreta trazida a Juízo, temos de convir que a situação sub iudice não se quadra à excecionalidade prevenida no citado normativo adjetivo civil.
Textua o art.º 629º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil:
“2. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento (…) na ofensa de caso julgado”.
A este propósito importa dizer que relativamente ao caso julgado, como sustenta Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, páginas 50 e 51, a propósito da alínea a) do aludido n.º 2, do art.º 629º do Código de Processo Civil, “a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado. Estão, por isso, excluídas desta previsão especial as situações em que o juiz afirme a existência da excepção de caso julgado, ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (artº 629º nº 1) e oportunidade da impugnação (artºs 644º e 671º)”
No caso dos autos, importa afirmar que o Tribunal recorrido assumiu os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão, no caso, o acórdão anteriormente proferido nos autos, conforme decorre do respetivo enquadramento jurídico, onde a propósito se consignou, com utilidade:
“A questão seguinte prende-se com a violação do caso julgado por o mapa da partilha não refletir a forma à partilha dada no primeiro dos Acórdãos proferido nos autos.
Aqui, não têm razão os apelantes.
No Acórdão proferido por este tribunal, ficou decidido, quanto à forma da partilha, o seguinte:
“- Somam-se os valores dos bens não doados com o aumento proveniente das licitações e divide-se o total em duas meações, sendo que uma das meações pertencerá à inventariante e, como tal, se lhe adjudicará;
- À outra meação – do inventariado – soma-se a meia conferência dos bens doados ao filho AA e deduz-se o passivo;
- Um terço dessa soma constitui a quota disponível e os outros dois terços a quota indisponível – artigo 2159.º, n.º 1 do CC;
- Imputa-se na quota disponível a aludida meia conferência do filho AA e o que dela restar junta-se à quota indisponível do inventariado;
- O valor assim obtido divide-se por quatro, pertencendo ¼ à inventariante CC e os restantes ¾ serão divididos pelos quatro filhos em partes iguais – artigo 2139.º, n.º 1 do CC;
- No caso de a meia conferência dos bens doados exceder a quota disponível, imputa-se o excesso na legítima do donatário;
- O passivo é pago por todos os interessados, na proporção do respetivo quinhão;
- O preenchimento faz-se conforme as adjudicações”.
Ora, se verificarmos o mapa da partilha, ele obedece inteiramente ao que ali ficou decidido.
O passivo, conforme determinado, foi deduzido ao valor total a partilhar. É o que resulta, aliás, do disposto no artigo 1375.º, n.º 2 do CPC. Só após esta operação, se determina o montante da quota de cada interessado e se faz o preenchimento da quota/quinhão com as verbas da descrição.
“O passivo é um valor negativo que tem de deduzir-se aos valores positivos que constituem a herança, quer para determinação da quota disponível, quer para responsabilizar os herdeiros pelo seu pagamento e na devida proporção, quer ainda para fixar concretamente aquilo que cada um recebe, pois quem recebe vinte e tem de pagar cinco, apenas incorpora no seu património quinze, seja qual for a forma como esses cinco hajam de ser pagos. Já daqui se vê que a forma do pagamento dele em nada influi no seu abatimento” - Lopes Cardoso, obra citada, pág. 460.
O passivo não integra o cálculo para se achar o valor do quinhão de cada interessado, nem o cálculo para se determinar o valor das tornas eventualmente devidas, como bem se decidiu no despacho de fls. 912 dos autos. O valor das tornas a que cada interessado tem direito é aquele que resulta da diferença entre o valor da sua quota e o valor dos bens que licitou ou que lhe foram doados ou legados, sendo que um credor de tornas não é o mesmo que um credor da herança. O valor das tornas não inclui o valor do crédito sobre a herança de que seja titular esse mesmo credor de tornas, nem se confunde com ele. O direito a tornas é um direito que um interessado tem sobre outro interessado que licitou em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, enquanto que o direito relativo ao passivo é um direito de crédito do respetivo titular sobre a herança. Conforme ficou determinado na forma à partilha, o passivo é pago por todos os interessados, na proporção do respetivo quinhão e tal está observado no respetivo mapa da partilha, estando incorretas as contas elaboradas pelos apelantes, pois estes confundem valor a partilhar (onde foi deduzido o passivo), com cálculo dos quinhões e valor das tornas, nos termos já supra explicados.
Nada há a censurar, portanto, a esta decisão proferida a 20/01/2020 e repetida a 08/09/2020.
Em face do que fica dito, resulta que o mapa da partilha foi elaborado em consonância com a forma à partilha dada por este Tribunal da Relação, não existindo qualquer violação do caso julgado.”
Daqui decorre que o Tribunal recorrido adotou, sem reservas, a prevalência do acórdão anteriormente proferido nestes autos, já transitado em julgado, donde, também por aqui se mostra afastada a admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que, apreciando a decisão da 1ª Instância, conheceu do mapa de partilha elaborado, uma vez que não ocorre qualquer circunstancialismo que permita incluir o recurso em qualquer dos casos tipificados no art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Uma nota final para sublinhar que mesmo concebendo a bondade do afirmado pelos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB “ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redação introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respetivo artigo 1396º, que estatuía relativamente ao regime dos recursos: “1. Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha. 2. Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”, importaria, sempre, ter presente o estabelecido no art.º 721º n.º 5 do mesmo diploma adjetivo civil, ou seja, “As decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 691.º, não podem ser objecto do recurso de revista.”
Tudo visto, há que reconhecer a inadmissibilidade da revista para o Supremo Tribunal de Justiça.”
Reconhecendo inexistir razão que nos leve a divergir do consignado na decisão singular, restará concluir pela inadmissibilidade da interposta revista.
III. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o pedido de revogação da proferida decisão singular que rejeitou o presente recurso de revista, mantendo-a na íntegra.
Custas pelos Recorrentes/Interessados/AA e mulher BB.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 20 de janeiro de 2022
Oliveira Abreu (relator)
Nuno Pinto Oliveira
Ferreira Lopes