EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEMNIZAÇÃO PELA NÃO ENTREGA DO LOCADO
SUBARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário


1 – O artigo 14-A do NRAU abrange as rendas e a indemnização devida por o locatário, após findar o contrato, não restituir a coisa locada.
2 – A indemnização prevista no artigo 1045º, nº 2, do Código Civil não é abrangida pela exequibilidade do título previsto no artigo 14-A do NRAU.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – Relatório

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que X Piscinas, Lda., move a Y Automóveis, Lda., veio a Executada deduzir oposição mediante embargos, pedindo que sejam julgados «procedentes os presentes embargos julgando, considerando procedentes as exceções invocadas e, em consequência, absolver o embargante da instância executiva e determinar a extinção da execução».
Para o efeito alegou a inexistência ou inexequibilidade do título executivo (arts. 1-15), a nulidade do contrato de subarrendamento (arts. 16-24) e a excepção de não cumprimento do contrato (arts. 25-51).

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Contestou a Exequente, concluindo pela improcedência dos embargos.
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1.2. Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença, onde se julgaram os «embargos totalmente procedentes e, em consequência determino[u-se] a extinção da execução, com o subsequente levantamento das penhoras».
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1.3. Inconformada, a Embargada interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1.- A douta sentença proferida, julgou, sem fundamento legal bastante, no douto despacho saneador sentença, provados e procedentes os Embargos de Executado deduzidos pela executada/embargante, com fundamento em que o Título Executivo, ao abrigo do artigo 14º - A do NRAU (Novo Regime Arrendamento Urbano), com a redacção atual, criado na 1ª Execução instaurada contra esta, nº 4449/20.9TBVNF, que correu termos no mesmo Tribunal - Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juíz-3, não podia, na presente Execução, estender-se à indemnização equivalente ao dobro das rendas vencidas até à entrega do arrendado.
2.- Nessa Execução a embargante aceitou a resolução extrajudicial do contrato de subarrendamento comercial em 17/03/2020, pagou as rendas vencidas e exigidas na mesma e entregou em 28/08/2020 o arrendado e a única questão, de direito, a decidir nos presente recurso, é apenas esta: saber se na presente Execução, a embargada tem, como está convencida de que tem, ou não um título executivo, que pudesse e possa dar, como deu, à execução, prosseguindo esta até final;
3.- A matéria de facto dada indiciariamente como provado consta do artigo 9, concretamente do nº 3, onde se fez constar expressamente o seguinte:
O exequente junta com o requerimento executivo o contrato de subarrendamento, documentos extraídos da Execução instaurada contra a executada, notificação à executada, cujo teor se dá por reproduzido.
4.- Nesse ponto 3, consta que se dão como provados os documentos juntos com o Requerimento Executivo, sendo que um deles e o mais importante é a notificação/carta, de 20/02/2020, através da qual o contrato de subarrendamento comercial foi resolvido por falta de pagamentos de rendas, o que foi feito nos seguintes termos:
X-PISCINAS Lda
Travessa ..., nº ..

À
Y AUTOMÓVEIS Lda
Travessa ..., nº …
….
…, 14 de fevereiro de 2020
Exmos. Senhores:
Vimos por este meio comunicar a V. Exas. que, por falta de pagamento das rendas - a qual se vence até ao dia 8 do mês anterior ao que disser respeito - relativas aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019 e janeiro, fevereiro e março de 2020, no montante global de 4.000,00 euros, vimos comunicar a RESOLUÇÃO, com todas as consequências legais o CONTRATO DE SUBARRENDAMENTO, que celebramos por escrito no dia 01/04/2018 e pelo prazo de 5 anos, com início de vigência nessa mesma data e que tem como objeto o escritório/armazém que se encontra inserido numa faixa de terreno com cerca de 800 m2, devidamente delimitada, que integra o prédio urbano - tomado de arrendamento por esta sociedade - sito no lugar do ..., União de Freguesias de …, Braga, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., com os seguintes fundamentos e consequências:
1.- Nesta data - 14/02/2020 -, apesar de devidamente interpelados para tal, verbalmente e por escrito, nomeadamente por carta do advogado, senhor Dr. A. A., advogado, titular da cédula profissional nº …, NIF, ………, com domicílio profissional na Rua … Braga, ainda não foram pagas as rendas dos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019 e janeiro, fevereiro e março de 2020, no montante global de 4.000,00 euros;
2.- tais rendas nos termos contratuais deveriam ser pagas até ao dia 8 do o mês anterior, pelo que a partir do dia 9 do mês em que deveriam ser pagas, vencem juros de mora, á taxa legal e até ao dia em que o pagamento venha a ocorrer.
3.- Ao abrigo nomeadamente do disposto nos artigos ..., ...º e ..., do Código Civil, se no prazo de 1 mês não procederem ao pagamento das aludidas rendas em dívida, acrescidas de 20%, o contrato de arrendamento em vigor, fica imediata e automaticamente RESOLVIDO, com todas as consequências legais, e sem necessidade de qualquer outro aviso/comunicação/interpelação, deixando de produzir qualquer efeito na esfera jurídica das partes contraentes;
4.- e deverão proceder no prazo de 1 mês após a resolução, à entrega do local subarrendado, livre de pessoa e de coisas, sob pena de ser instaurada uma Acção Executiva para Entrega de Coisa Certa e ainda uma Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa, relativas aos montantes em dívida.
5.- Caso não venham a ser pagas as rendas vincendas a partir desta data, esta sociedade tem ainda direito às rendas vincendas ou indenização, conforme o caso, até à entrega do local, também acrescidas de juros moratórios.
6.- Ao abrigo do artigo ..., nº 3 do Código Civil, encontrando-se em dívida aqueles meses de rendas, torna-se inexigível a esta sociedade a manutenção do contrato de arrendamento,
7.- e daí a razão de ser da presente resolução.
8.- A comunicação destinada à cessação do contrato por resolução carece de ser efetuada por um dos meios referidos no artigo 9, nº 7 da Lei º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção atualmente em vigor, entre as quais o ora utilizado, ou seja, uma comunicação extrajudicial, e com observância do disposto no artigo 1084º, nº 2 do mesmo Código.
9.- Esta sociedade declara, com todos as consequências legais, que, resolvido o contrato de arrendamento nos termos referidos e tem ainda o direito a receber o valor das rendas, vencidas e vincendas.
10.- Em consequência da resolução do contrato, tem ainda direito à entrega do subarrendado, livre e desocupado de pessoas e bens, sendo exigível a sua desocupação após o decurso de 1 mês a contar da resolução do contrato, nos termos do artigo 1087º daquele Código.
11.- Até à efetiva desocupação do local devem, a título de indemnização, o correspondente ao dobro da renda mensal por cada mês de ocupação indevida do imóvel, nos termos do artigo 1045º, nsº 1 e 2 do citado diploma.
12.- Mais se comunica que ao abrigo da cláusula 8ª do contrato, as despesas, nomeadamente taxas de justiça e honorários e despesas de advogado e de agente de execução, tendo em vista obter o pagamento das rendas em dívida, a resolução do contrato e a entrega do arrendado, serão suportadas por V. Exas. e ser-lhes-á exigido o respetivo pagamento, logo que se conheça o seu valor total e final.
Sem outro assunto de momento, apresento a V. Exas. os meus melhores cumprimentos.
Anexo: contrato de subarrendamento.
O sócio gerente“;
5.- na carta, nos nsº 9, 10 e 11 comunicou-se expressamente à executada/embargante o seguinte:
“(...) 9.- Esta sociedade declara, com todos as consequências legais, que, resolvido o contrato de arrendamento nos termos referidos e tem ainda o direito a receber o valor das rendas, vencidas e vincendas.
10.- Em consequência da resolução do contrato, tem ainda direito à entrega do subarrendado, livre e desocupado de pessoas e bens, sendo exigível a sua desocupação após o decurso de 1 mês a contar da resolução do contrato, nos termos do artigo 1087º daquele Código.
11.- Até à efetiva desocupação do local devem, a título de indemnização, o correspondente ao dobro da renda mensal por cada mês de ocupação indevida do imóvel, nos termos do artigo 1045º, nsº 1 e 2 do citado diploma. (...)”;
6.- o contrato foi efetivamente resolvido no dia 17/03/2020 e a partir da entrada em mora, 30 dias depois, o valor a pagar pela ocupação indevida seria de 1.000,00 euros, por mês, correspondente ao dobro da renda de 500,00 euros, por mês;
7.- a embargada por uma questão de cautela, razoabilidade e prudência, comunicou à embargante as consequências decorrentes da não entrega do arrendado e do não pagamento de qualquer quantia a titulo de renda ou indemnização;
8.- não faz qualquer sentido obrigar a embargada, como pretende a douta sentença recorrida, a instaurar uma nova acção declarativa para cobrança da dívida, quando esta possui um título executivo, com as caraterísticas a que a lei obriga;
9.- deve o recurso ser julgado procedente e provido, revogando-se a douta sentença e substituindo-a por outra que julgue os Embargos de Executado improcedentes, prosseguindo a Execução os seus trâmites normais até final;
subsidiariamente,
para o caso de que se venha a entender que o recurso não pode ser julgado totalmente procedente - o que não se aceita, nem acredita, levantando-se a questão por necessidades processuais das presentes Alegações -, pelo menos, deve sê-lo parcialmente, no que respeita a indemnização correspondente às rendas em singelo, acrescida de juros de mora, que não em dobro e podem ser cobradas na Execução, ao abrigo do título executivo de que a embargante é legítima titular, revogando a sentença nessa parte, prosseguindo a Execução os seus trâmites normais até final;
10.- a douta sentença decidindo no sentido em que o fez, violou, pelo menos, o citado artigo 14º-A do NRAU e o artigo 1045º do Código Civil, pelo que se impõe a revogação total ou pelo parcial da sentença recorrida, no sentido expresso no nº anterior.
PELO EXPOSTO
- requer-se a V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores se dignem:
I.- julgar procedente e provido o presente recurso, revogando a douta sentença e substituindo-a por outra que julgue os Embargos de Executado improcedentes, prosseguindo a Execução os seus trâmites normais até final;
subsidiariamente
para o caso de que se venha a entender que o recurso não pode ser julgado totalmente procedente, pelo menos, deve sê-lo parcialmente, no que respeita a indemnização correspondente às rendas em singelo, acrescida de juros de mora, que não em dobro e podem ser cobradas na Execução, ao abrigo do título executivo de que a embargante é legítima titular, revogando a sentença nessa parte, prosseguindo a Execução os seus trâmites normais até final».
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A Embargante não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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1.4. Questão a decidir

Atentas as conclusões da apelação, as quais delimitam o objecto do recurso (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC) a questão a decidir consiste em determinar se os documentos juntos com o requerimento executivo constituem título executivo.
No fundo, trata-se de saber se o contrato de subarrendamento, acompanhado de comprovativo da comunicação ao subarrendatário, constitui título executivo para o arrendatário, nas vestes de exequente, obter daquele os valores devidos a título de indemnização pela não entrega do locado.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se demonstrados os seguintes factos:
«1. Para instaurar a presente acção executiva o Exequente invocou que detém um título executivo previsto no artigo 14º-A, nº 1 do NRAU.
2. Alega o exequente no requerimento executivo:
“Por contrato de subarrendamento celebrado no dia 1 de abril de 2018 a exequente deu de subarrendamento à executada, com inicio de vigência nesse dia, e pelo prazo de 5 anos, o seguinte bem imóvel, escritório/armazém, onde instalou um stand automóvel, para compra e venda de veículos automóveis, acessórios e prestação de serviços de lavagem e manutenção mecânica, prédio que se encontra inserido numa faixa de terreno com cerca de 800m2, identificada com um X a vermelho na fotografia anexa, do prédio urbano sito no lugar do ..., União das Freguesias de …, Braga, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória sob o nº 00..., mediante a renda mensal de 500,00 euros, a pagar até ao dia 8 do mês anterior aquele a que respeitar, para a conta com o IBAN ……………….28 ou por cheque.
Na cláusula 8ª do contrato estabeleceram as partes que a executada pagaria todas as despesas e honorários, concretamente de Agente de Execução e Advogado, para resolver todos os litígios emergentes da execução/extinção do contrato.
Sucede que desde agosto de 2019, apesar de variadas vezes instada para tal, a executada, voluntariamente, não pagou qualquer quantia a título de renda.
Por carta registada com aviso de recepção, meio legitimo e legal para resolver o contrato celebrado, a exequente no dia 14 de fevereiro de 2020, que a executada recebeu no dia 17 desse mesmo mês, notificou esta por causa do não pagamento de rendas vencidas, concretamente das rendas dos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019 e janeiro, fevereiro e março de 2020, no montante global de 4.000,00 mil euros, exigindo esse pagamento e caso o mesmo não fosse efetuado no prazo de um mês, nos termos dos artigos ..., 1043º e ... do Código Civil, acrescida da indemnização de 20%, o contrato ficava RESOLVIDO, com todas as consequências legais e decorrido mais um mês, a executada tinha que proceder a entrega do imóvel ocupado.

Desde então a executada NADA fez, nomeadamente:
- nada pagou, nomeadamente a título de rendas, juros de mora ou indemnização de 20%
- não entregou o imóvel
- não efetuou qualquer notificação à exequente.
Assim, nos termos legais, o contrato de subarrendamento ficou resolvido e extinto, com toda as consequências legais, no dia 17 de março de 2020 e assim, a executada ocupa sem titulo o imóvel, devendo, mensalmente, à exequente quantia equivalente a o DOBRO da aludida renda mensal de 500,00 euros.
Oportunamente a exequente instaurará Acção Executiva para Entrega de Coisa Certa, pois apesar de em final de julho de 2020, ter abandonado o antigo arrendado, não procedeu à sua entrega.
A exequente para cobrança coerciva daquelas rendas, instaurou no dia 01/07/2020, contra a executada, a Execução Sumária nº 3449/20.9TBVNF, que corre termos no TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA -JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VILA NOVA DE FAMALICÃO - JUÍZ 3.
Neste processo, a executada, uma vez citada, não deduziu Oposição e no dia 27/07/2020, reconheceu a dívida, requereu o pagamento parcial desta e, atenta a penhora de saldos bancários previamente feita, a final, pagou a quantia global de 7.087,58 euros, incluindo custas de parte e despesas e honorários da Agente de Execução aqui nomeada.
A Execução será extinta após o termo das férias judiciais em curso.
Em virtude de a executada não ter pago qualquer quantia a título de rendas, ou valor equivalente à renda mensal, relativas ao período posterior a fim de março de 2020, a exequente vê-se na necessidade de instaurar nova Execução, como aliás lhe foi comunicado por cartas que recebeu nos dias 29 e 30 de julho de 2020, quer no arrendado, quer na nova sede, situada na Rua …, Póvoa de Lanhoso.
Assim, desde 31/03/2020, data em que o contrato já se encontrava extinto, a executada deve à exequente:
I.- a quantia de 266,66 euros, correspondente aos primeiros 17 dias do valor equivalente à renda do mês de abril;
II.- a quantia mensal de 1.000,00 euros, correspondente ao dobro do valor equivalente à renda, dos 13 últimos dias de abril, dos meses de maio, junho, julho e 10 de dias de agosto de 2020, num total de 5.161,99 euros, na data da instauração da presente Execução - 11/08/2020 -
III.- a estas quantias acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, desde o dia 9 de cada mês, até integral pagamento, sobre cada valor mensal.
IV.- A executada deve ainda à exequente, ao abrigo da cláusula 8ª do contrato os honorários do advogado subscritor do presente Requerimento Executivo, os quais se fixam no montante de 500,00 euros, acrescido de IVA, acrescidos de juros de mora vencidos desde esta data até integral pagamento.
V.- A partir de 11/08/2020, a executada deverá ainda à exequente as quantias mensais, ou seja, um valor mensal equivalente às rendas mensais, vincendas até à entrega do arrendado.
A executada deve ainda a quantia paga a título de taxa de justiça, despesas e honorários da Agente de Execução nomeada, senhora Drª S. P..”
3. O exequente junta com o requerimento executivo o contrato de subarrendamento, documentos extraídos da Execução instaurada contra a executada, notificação à executada, cujo teor se dá por reproduzido.».
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Da (in)existência de título executivo

Os embargos de executado foram julgados procedentes com base exclusivamente no argumento exposto no último parágrafo da fundamentação: «neste caso, o que são peticionadas não são rendas em dívida, mas sim valores a título de indemnização pela não entrega do locado, as quais não se incluem na previsão do art. 14º -A do NRAU».
Deste modo, a decisão da presente apelação depende essencialmente da interpretação do artigo 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (corresponde ao anterior artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal). Trata-se apenas de saber se a quantia correspondente ao dobro da renda mensal, legalmente devida pela não entrega da coisa locada, se inclui ou não na previsão do preceito invocado na decisão recorrida.

Dispõe o mencionado artigo 14º-A, com a epígrafe “título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”:
«O contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário».

Por outro lado, estabelece o artigo 1045º do Código Civil (CCiv.):
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.».

Releva ainda para a decisão da questão atrás identificada que a desocupação do locado, no caso de operar a resolução pelo senhorio (v. artigo ... do CCiv.), «é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado entre as partes» - artigo 1087º do CCiv.

A título preliminar, como no caso dos autos estamos perante um subarrendamento e o artigo 14º-A se refere ao “contrato de arrendamento” e ao “arrendatário”, poder-se-ia suscitar a questão de saber se tal preceito é também aplicável ao subarrendamento. Caso se concluísse que é inaplicável ao subarrendatário, nem sequer seria necessário apreciar se a comunicação, acompanhada do contrato, forma título executivo quanto às indemnizações a que se refere o artigo 1045º do CCiv.
Trata-se de uma questão insusceptível de conduzir à conclusão de que inexiste título executivo.
Tal como refere Luís Menezes Leitão (2), «o subarrendamento consiste assim num subcontrato, já que, tendo por base o anterior contrato de arrendamento em que é arrendatário, o sublocador celebra um novo contrato de arrendamento com pessoa diferente (o subarrendatário), contrato esse que se sobrepõe ao anterior, mas que dele fica dependente e portanto a ele se subordina».
O subarrendamento rege-se pelas disposições gerais da locação e pelo regime especial do arrendamento, desde que compatíveis com a sua natureza. Como subcontrato que é, o subarrendamento é influenciado no seu regime e subsistência pelo contrato base – o contrato de arrendamento – por cuja disciplina fundamental se pauta, naquilo em que a lei for omissa especificamente quanto ao subarrendamento.
Nenhuma das especialidades do subarrendamento afasta a aplicação da norma do artigo 1045º do CCiv. ou do artigo 14º-A do NRAU.
O subarrendamento é uma relação de arrendamento como qualquer outra, mas com a especificidade assinalada. Em virtude da celebração de um contrato de subarrendamento passam a existir duas relações (ou uma relação tripartida, como também alguns autores qualificam): uma entre o senhorio e o arrendatário, e outra entre este último e o subarrendatário. Ambas são relações de arrendamento, embora com a especificidade de a segunda ser um subcontrato. No âmbito desta segunda relação de arrendamento são aplicáveis as regras gerais relativas ao pagamento das rendas e às consequências do incumprimento, designadamente as da resolução e exigibilidade das prestações devidas.
É perfeitamente pacífico que o contrato de subarrendamento pode ser resolvido pelo arrendatário com fundamento na falta de pagamento de rendas do subarrendatário e que aquele tem relativamente a este o direito de exigir as rendas em dívida bem como as prestações previstas no artigo 1045º do CCiv.
Sendo uma relação de arrendamento, é aplicável o disposto no artigo 14º-A do NRAU.

Posto isto, importa enfrentar a questão fundamental suscitada no recurso.
Tem sido objecto de controvérsia a questão de saber se a indemnização pelo atraso na restituição da coisa se encontra contemplada na previsão da norma do artigo 14º-A do NRAU.
Todavia, como bem se salienta no acórdão da Relação de Lisboa de 05.11.2020 (3), proferido no processo 11006/14.2T8LSB-A.L1-2, relatado por Carlos Castelo Branco, «se é certo que, existiu alguma jurisprudência que decidiu diversamente (cfr., Acs. da Relação do Porto de 12-05-2009, P.º 1358/07.6YYPRT-B.P1, rel. GUERRA BANHA e de 18-10-2011, P.º 8436/09.5TBVNG-A.P1, rel. CECÍLIA AGANTE), a posição largamente maioritária da jurisprudência é a de que o legislador equipara as quantias devidas nos termos do art.º 1045.º do CC, pelo menos nos termos do n.º 1 do preceito, a rendas.
Neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26-07-2010, (P.º 8595/08.4YYLSB-B.L1-1, rel. JOÃO AVEIRO PEREIRA) concluiu, nos seguintes termos: “(…) apesar de o contrato de arrendamento ter findado, a lei continua a designar por locatário o obrigado a pagar a renda ou o aluguer, que as partes tenham estipulado. Portanto, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, é a própria lei que usa termos jurídicos decorrentes do contrato, como locatário, o mesmo que arrendatário (locatário de imóvel), e renda. Isto permite desde logo concluir pela ocorrência de uma espécie de ultravigência do contrato extinto, para efeitos de cobrança de todas as rendas devidas e que com ele estão conexionadas. Não se trata de uma solução única no nosso ordenamento jurídico, pois, algo semelhante acontece no tocante às sociedades comerciais, quando uma sociedade dissolvida mantém a sua personalidade jurídica tão-só para efeitos da sua liquidação. No caso presente o n.º 2 do supra referido art.º 15.º não restringe a formação de título executivo à acção para pagamento de renda na pendência do contrato de arrendamento. Portanto, afigura-se não dever ser o intérprete e aplicador a fazer uma tal distinção restritiva.”

Em semelhante sentido, decidiram, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2012 (Pº 1105/12.0YRLSB-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante da dívida, a que alude o nº 2 do artigo 15º do NRAU constitui título executivo também para as quantias devidas pelo uso do locado para além do termo do contrato (…). Não podendo ser negada exequibilidade extrínseca ao contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante da dívida, e não sendo controvertido o fundamento de resolução do contrato, há inutilidade do recurso ao Tribunal Arbitral, em conformidade com a convenção de arbitragem inserta no contrato de arrendamento, com vista à definição do direito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-05-2014 (Pº 8960/12.2 TCLRS-B.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “Fundando-se a acção executiva para cobrança do pagamento de rendas no título executivo previsto artigo 15º nº2 do NRAU (constituído pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação do montante em dívida) e tendo sido também comunicada a resolução do contrato ao abrigo dos artigos ... nº 3 e 1084º nº 1 do CC, o referido título, para além do “montante em dívida” à data da comunicação, pode abranger também as rendas vincendas até à resolução do contrato e as indemnizações devidas depois da resolução e até à entrega do locado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-05-2014 (Pº 8960/12.2TCLRS-B.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “1. Fundando-se a acção executiva para cobrança do pagamento de rendas no título executivo previsto artigo 15º nº2 do NRAU (constituído pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação do montante em dívida) e tendo sido também comunicada a resolução do contrato ao abrigo dos artigos ... nº3 e 1084º nº1 do CC, o referido título, para além do “montante em dívida” à data da comunicação, pode abranger também as rendas vincendas até à resolução do contrato e as indemnizações devidas depois da resolução e até à entrega do locado. 2. Para a fixação das rendas e indemnizações vincendas haverá que recorrer ao incidente de liquidação previsto no artigo 805º do CPC (actual 716º), quer esteja dependente de simples operação aritmética ou não, devendo, se necessário, convidar-se o exequente a sanar os vícios da exposição nessa matéria existentes no requerimento executivo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-01-2018 (P.º 10087/16.9T8LRS-B.L1-6, rel. CRISTINA NEVES): “A responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artº 631, nº 1 do C.C.), molda-se pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado: não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (artº 798 do C.C.) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigo 810 do C.C.). Estando ambos vinculados pelo contrato de arrendamento e constando efectuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador deste título executivo. O artº 14-A do NRAU abrange quer as rendas vencidas quer as rendas vincendas e a indemnização devida pela mora na entrega do locado, contendo a comunicação remetida todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos, sem que seja imprescindível uma prévia liquidação, a qual se resume a uma operação aritmética”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22-03-2012 (Pº 5644/11.2TBMAI-A.P1, rel. PEDRO LIMA COSTA): “O título executivo a que alude o art.º 15.º, n.º 2 do NRAU abrange as rendas que se vencerem na pendência da execução instaurada para pagamento de quantia certa e em dívida até ao fim do contrato de arrendamento, bem como a indemnização prevista no art.º 1045.º, n.º 1, do Código Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05-02-2013 (Pº 643/11.7TBTND-A.C1, rel. ARLINDO OLIVEIRA): “1. Reúne os requisitos de título executivo a comunicação, por carta registada remetida ao arrendatário, acompanhada do contrato de arrendamento, na qual se refere quais os meses cuja renda não foi paga e a intenção de pretender cobrar uma indemnização igual a 50% das mesmas por não terem sido pagas em 8 dias e computando-se o total das quantias em dívida. 2. O que a lei pretende é que esteja comprovada a comunicação ao arrendatário dos montantes de renda em dívida, pelo que apenas é de exigir que tal comunicação se encontre comprovada, por qualquer meio, desde que suficiente para garantir que ao arrendatário foi feita a comunicação com indicação/especificação dos montantes em dívida”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-02-2014 (Pº 182/13.1TBCTB-A.C1, rel. FERNANDO MONTEIRO): “1.- A comunicação prevista no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, de 27.2, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano, pode ter subjacente a cobrança de rendas em caso de resolução do contrato. 2.- Esta extinção contratual pode provocar diferentes situações de cobrança da renda e de indemnizações (liquidadas pela lei) a ela ligadas. 3.- Neste caso, a lei exige mais (e diferente) do que aquilo que já resultava do previsto no art.46º, nº1, c), do Código de Processo Civil, sendo que a maior exigência está na referida comunicação, na qual o interessado fica obrigado, para obter título executivo, a definir o pressuposto da cobrança e a liquidação que confirma o pressuposto. 4. O valor admitido na execução não é apenas o valor contado no momento da comunicação porque o próprio pressuposto, apresentado e comunicado, pode incluir o decurso do tempo como contabilizador do valor a cobrar a final, possível por simples cálculo aritmético”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2019 (Pº 7285/18.4T8CBR-B.C1, rel. LUÍS CRAVO): “O título executivo do dito art. 14º-A do NRAU confere ao exequente suporte para a realização coativa do valor inerente às rendas “em dobro”, rectius, “indemnização” pela mora na restituição do locado, a que se refere o art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil, a par das “rendas” singulares igualmente em dívida. Não obstante, tem de constar da comunicação feita [ao arrendatário e a eventual fiador] que serão peticionados valores respeitantes a rendas vincendas e a indemnização, em ordem a que tais valores estejam abrangidos pelo título executivo, contendo este todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos”;
Em particular, sublinhou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-02-2019 (P.º 3855/17.6T8OER-A.L1-2, rel. JORGE LEAL) que “cremos que o legislador não recusa, aos montantes devidos pelo uso indevido do locado, a supra referida equiparação às rendas em sentido estrito. Veja-se o n.º 3 do art.º 15.º-N do NRAU: no caso de resolução do contrato de arrendamento para habitação determinada por falta de pagamento de rendas, em que a falta de pagamento se tenha devido a carência de meios do arrendatário, pode ser determinado o diferimento da desocupação do imóvel (art.º 15.º-N, n.º 2 al. a); nos termos do n.º 3 do art.º 15.º-N, nesse caso de diferimento da desocupação do locado, caberá ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social “pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.” No caso dos autos, os embargados liquidaram, no requerimento executivo, um montante devido pelo atraso na restituição do locado, calculado nos termos do n.º 1 do art.º 1045.º do CC, o qual, aliás, tinha sido objeto de menção na notificação judicial avulsa que promoveram junto dos fiadores (conforme se refere na decisão recorrida, a este respeito: “(…) da notificação judicial avulsa junta aos autos de execução, e que, conjuntamente com o contrato de arrendamento, constitui o título executivo da presente acção executiva, verifica-se que os fiadores foram, não só notificados da cessação do contrato, ou melhor, da sua não renovação, bem como da não entrega do locado na data devida, e ainda da liquidação da indemnização prevista no art. 1045.º do Código Civil [conforme decorre dos artigos 14.º a 23.º do requerimento de notificação judicial avulsa].”)».

Podem ainda mencionar-se, no mesmo sentido, os seguintes acórdãos:
- Acórdão da Relação do Porto de 06.10.2009, proc. 2789/09.2YYPRT.P1 - Henrique Antunes: «A obrigação de remunerar o senhorio, apesar da extinção do contrato de arrendamento por denúncia do arrendatário, decorrente da declaração de denúncia, configura simplesmente, no tocante à obrigação de pagamento da renda, um caso de ultractividade do vínculo contratual. A obrigação de pagamento da renda, no caso figurado, é decerto uma obrigação post pactum finitum, mas é ainda a obrigação de remuneração, embora referida, já não ao gozo efectivo da coisa, mas à mera susceptibilidade desse gozo, a que o arrendatário renunciou voluntariamente, e não, ainda que imperfeitamente, uma obrigação de indemnização»;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 19.11.2020, proc. 5508/20.9T8SNT-A.L1-2 – Pedro Martins, onde se defende que o título executivo abrange a indemnização do valor da renda simples referido no nº 1 do artigo 1045º do CCiv., mas não a indemnização do nº 2, correspondente ao dobro da renda;
- Acórdão da Relação do Porto de 22.03.2012, proc. 5644/11.2TBMAI-A.P1 - Pedro Lima Costa 22-03-2012, em cujo sumário consta que «o título executivo a que alude o art.º 15.º, n.º 2 do NRAU abrange as rendas que se vencerem na pendência da execução instaurada para pagamento de quantia certa e em dívida até ao fim do contrato de arrendamento, bem como a indemnização prevista no art.º 1045.º, n.º 1, do Código Civil»;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2019, proc. 15962/17.0T8LSB-A.L1-7 – Cristina Coelho, onde se sustenta que «o termo “renda” utilizado no mencionado preceito legal abrange, ainda, a indemnização pelo atraso na restituição do locado, prevista no art. 1045º do CC» (importa notar que naqueles autos apenas estava em causa a indemnização prevista no nº 1 do artigo 1045º, pelo que o referido extracto se circunscreve a essa situação).

Da análise dos citados acórdãos resulta que é agora absolutamente dominante na jurisprudência o entendimento de que a indemnização a que se refere o nº 1 do artigo 1045º do CCiv. está abrangida pelo disposto no artigo 14º-A do NRAU. Da pesquisa que efectuamos, nem sequer encontramos qualquer aresto de um tribunal superior, produzido nos últimos três anos, a recusar a formação de título executivo quanto a tal indemnização, desde que observados os demais requisitos previstos naquele diploma.
Só muito esparsamente se vê defendido semelhante entendimento relativamente à indemnização a que alude o nº 2 do artigo 1045º do CCiv., posição ampliativa que não merece a nossa adesão.
No nosso entender existe justificação para distinguir entre as duas indemnizações previstas no artigo 1045º do CCiv., atenta a sua diferente natureza, em face do concreto âmbito delimitado pela utilização do vocábulo “rendas” no artigo 14º-A do NRAU.
Na expressa previsão normativa, o título executivo é constituído pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida e forma-se relativamente às rendas. As “rendas”, bem como os encargos ou as despesas que corram por conta do arrendatário, estão abrangidas pelo título executivo.
Pergunta-se: que “rendas” são estas, assim como quais são os encargos e despesas que correm «por conta do arrendatário»?
Os encargos e despesas são os previstos no artigo 1078º do CCiv., estando aí regulados os casos em que «correm por conta do arrendatário».
Também o âmbito da acepção de “rendas” há-de ser encontrado, desde logo, nas normas do Código Civil, no capítulo relativo à locação.
A “renda” é a retribuição a que o locatário fica obrigado, em contrapartida do gozo temporário da coisa, que lhe é facultado pelo locador (v. artigos 1022º e 1038º, nº 1, al. a), do CCiv.).
Sucede que o Código Civil não utiliza sempre esse vocábulo no sentido rigoroso a que aludimos, mas também num sentido mais amplo.
Numa acepção restrita, se o contrato de arrendamento findou, designadamente por resolução, já não é possível falar, com propriedade, em “renda” no apontado sentido, assim como em “coisa locada”, “locador” ou “locatário”, ou em expressões equivalentes, especificamente quanto ao arrendamento – “arrendado”, “senhorio” ou “arrendatário”.
Sucede que basta ler o artigo 1045º, nº 1, do CCiv. para chegar à conclusão que o termo “renda” aí utilizado não tem o apontado sentido estrito. Nessa disposição, apesar de se partir do pressuposto de que o contrato se mostra findo, continuam a utilizar-se os termos “renda”, “coisa locada” ou “locatário”. Essa mesma terminologia ou outra equivalente, como é o caso de ”arrendatário”, “senhorio” e “locado”, é utilizada no NRAU mesmo nas situações em que o contrato de arrendamento já se mostra extinto.
Sendo dever do intérprete, aquando da fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do CCiv.), então é legítimo concluir que as “rendas” a que se refere o artigo 14º-A do NRAU são todas aquelas prestações que o Código Civil, no âmbito do arrendamento urbano, considera como rendas ou equipara a tal. Daí que a “renda” referida no nº 1 do artigo 1045º do CCiv. esteja abrangida na previsão daquela norma que permite a formação de título executivo. Embora seja uma indemnização («é obrigado, a título de indemnização, a pagar») é, para o aludido efeito, uma “renda” e, por isso, constitui um “montante em dívida”.
Como bem se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 26.07.2010, proferido no processo 8595/08.4YYLSB-B.L1-1 (João Aveiro Pereira), «é a própria lei que usa termos jurídicos decorrentes do contrato, como locatário, o mesmo que arrendatário (locatário de imóvel), e renda. Isto permite desde logo concluir pela ocorrência de uma espécie de ultravigência do contrato extinto, para efeitos de cobrança de todas as rendas devidas e que com ele estão conexionadas».
Como o legislador equipara as quantias devidas nos termos do artigo 1045º, nº 1, do CCiv. a rendas é legítimo concluir que o termo “rendas” foi utilizado no artigo 14º-A do NRAU em sentido amplo, pretendendo também integrar a sucedânea quantia devida a título de compensação pelo atraso na restituição da coisa (art. 1045º, nº 1, do CCiv.), cuja desocupação é exigível, em regra, após o decurso de um mês a contar da resolução (art. 1087º do CCiv.). Aliás, nesse mês subsequente à resolução do contrato, estando operada esta, continua a ser devida a “renda” – obrigação de pagamento que nunca qualquer autor pôs em causa – também aqui na sua acepção ampla. Em rigor, o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras rendas – em sentido restrito – ao abrigo do artigo 14º-A é idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que constituam puro sucedâneo – legal e económico – daquelas.
Porém, se a situação nos parece clara relativamente às rendas previstas no nº 1 do artigo 1045º, já o mesmo não sucede relativamente à indemnização “elevada ao dobro” prevista no nº 2 do mesmo preceito.
Poder-se-á ser tentado a considerar que se trata, ao fim e ao cabo, de indemnizações e que devem merecer o mesmo tratamento. Mas, se apreciarmos a questão de forma mais detalhada, chegamos à conclusão que têm uma diferente natureza e finalidade.
Desde logo, a indemnização do nº 2 do artigo 1045º do CCiv. tem uma natureza sancionatória e injuntiva, enquanto a indemnização prevista no nº 1 constitui apenas uma forma específica de contrapartida pelo proporcionado gozo da coisa, aproximando-se mais de um mecanismo retributivo do que de um meio de reparação de um dano, pois não visa propriamente a reconstituição da situação que existiria se o imóvel tivesse sido restituído na sequência da cessação do contrato. Esta última é um puro e directo sucedâneo da renda, que tem a sua exacta medida e representa uma mera continuidade desta até à restituição efectiva da coisa, sendo que a sua exigibilidade não depende de qualquer acto complementar de definição do direito.
Por outro lado, a indemnização do valor da renda, pelo quantitativo que vigorava à data da extinção do contrato, tem como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que, por qualquer razão e independentemente desta, permanece no prédio “arrendado”. A indemnização em dobro, além da apontada vertente sancionatória, visa compelir o “arrendatário” a cumprir a obrigação que lhe é imposta pelo artigo 1038º, al. i), do CCiv., aproximando-se mais de uma indemnização em sentido próprio, embora o respectivo quantitativo seja legalmente tarifado, em virtude de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja, de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
Segundo Maria Olinda Garcia (4) «[a]o incumprimento deste dever corresponde uma sanção indemnizatória específica: a prevista no n.º 2 do art. 1045 do CC, ou seja, logo que o arrendatário entre em mora fica obrigado a pagar a título indemnizatório, o dobro da quantia que correspondia à renda vigente aquando da extinção do contrato. No n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por "indemnização”».
Em suma, a específica forma de remuneração pelo gozo das utilidades do prédio prevista no nº 1 do artigo 1045º do CCiv. é ainda uma renda, enquanto retribuição por o arrendatário permanecer transitoriamente no gozo do prédio, pelo que sem qualquer esforço interpretativo, no sentido de alargamento do âmbito da norma através de interpretação extensiva, se integra na previsão do artigo 14º-A do NRAU.
Já a indemnização fixada no nº 2 do artigo 1045º do CCiv. dificilmente se pode considerar uma realidade equiparável a uma renda, atenta a sua diferente natureza e finalidades. Só por interpretação extensiva ou recorrendo à analogia se conseguiria integrar tal indemnização na norma do artigo 14º-A do NRAU.
Ora, as normas que prevêem a criação dos títulos executivos devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo ir além da sua literalidade. Não podem ser interpretadas extensivamente e muito menos pode ser criada uma nova norma por analogia, de forma a que onde na letra da lei consta “rendas” passasse a considerar-se “rendas e indemnizações”.

Volvendo ao caso dos autos, concluiu-se que a indemnização do dobro do valor das “rendas” não podia ser englobada na quantia exequenda; o título dado à execução não comporta a realização coactiva do valor inerente à indemnização pela mora na restituição do locado, a que se refere o artigo 1045º, nº 2, do CCiv., mas somente para o pagamento do valor das “rendas” em singelo (v. conclusões 9ª e 10ª das alegações).
A Exequente não podia exigir da Executada, no âmbito da execução, a indemnização pelo valor correspondente ao dobro da renda (€ 500,00 x 2, por mês), no período entre a data em que se operou a resolução do contrato (17.03.2020) e a data em que ocorreu a restituição do imóvel (sendo controvertido nos autos, além do mais, se ocorreu a entrega do imóvel no dia 31.07.2020 – v. art. 38º da oposição à execução – ou no dia 28.08.2020 – art. 7º da contestação). Apenas podia exigir, nesse período, o valor da renda simples (€ 500,00 por mês).
Portanto, procede parcialmente a apelação, relativamente a metade do que a Exequente reclamou na execução a esse título, mas os autos devem prosseguir para a apreciação das demais questões suscitadas na oposição à execução, que contendem com a pretensão na parte em que procedeu o recurso, recordando-se que está invocada matéria que depende de prova a produzir, designadamente a alegada impossibilidade, decorrente de uma queda de um muro ocorrida em Janeiro de 2019, da qual resultou que a Executada ficou «impossibilitada de utilizar a faixa de terreno» objecto do contrato de subarrendamento.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, importa revogar parcialmente a decisão recorrida e substituí-la por outra que determina o prosseguimento dos autos de embargos de executado para apreciação das demais questões suscitadas na oposição à execução, parte das quais depende de prova a produzir.
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2.3. Sumário

1 – O artigo 14-A do NRAU abrange as rendas e a indemnização devida por o locatário, após findar o contrato, não restituir a coisa locada.
2 – A indemnização prevista no artigo 1045º, nº 2, do Código Civil não é abrangida pela exequibilidade do título previsto no artigo 14-A do NRAU.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, que se substitui por outra que determina o prosseguimento da oposição mediante embargos, embora restrita ao valor das rendas em singelo.
Custas na proporção do decaimento.
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Guimarães, 27.01.2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Arrendamento Urbano, 8ª edição, Almedina, pág. 120.
3. Disponível em www.dgsi.pt, assim como todos os demais que de ora em diante se mencionarem sem indicação do respectivo suporte.
4. Arrendamentos para comércio e fins equiparados, 2ª edição, 2006, Coimbra Editora, pág. 59.