PENSÃO DE REFORMA
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
SUBSÍDIOS
IMPENHORABILIDADE
Sumário

1-Auferindo a executada uma pensão de reforma que, somada aos duodécimos dos “montantes adicionais” (v.g. subsídios de férias e de Natal) a que tem direito nos termos do artº 41º do DL 187/2007, de 10/05, seja inferior ao salário mínimo nacional, os referidos “subsídios/montantes adicionais” e a pensão são impenhoráveis, nos termos do artigo 738º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO.


1–Nos autos de execução para pagamento de quantia certa – valor de 5 747,13€ - em que é exequente Banco, SA e executada MGP e outro, a 29/09/2021, foi proferido despacho a considerar impenhoráveis os Subsídios de Férias e de Natal da pensão de reforma da executada, com o seguinte teor:

“Fls. 33 a 35:
Dispõe o art. 738º, nº 1 do Novo C.P.C. «são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos (…)» do executado, esclarecendo-se no n.º 2 que «para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios», e acrescentando-se no n.º 3 que «a impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional», fixado em 2020 em €635,00 e em 2021 em €665,00.

Compulsada a informação prestada pela AE, verifica-se que a executada aufere, a pensão, mensal de €398,34 (x14).

Temos, assim, que o vencimento mensal da executada é inferior ao salário mínimo nacional, não estando, como tal, sujeito a penhora, sendo que a impenhorabilidade do valor equivalente ao salário mínimo nacional é extensível aos montantes auferidos a título de subsídio de Natal e férias (13º e 14º mês), ainda que pagos conjuntamente com a pensão mensal, pois que, como refere a AE, haverá que somar o montante total dos rendimentos e dividi-los por doze, o que resulta num valor mensal de €464,73.

Pelo exposto, no caso concreto viola a impenhorabilidade relativa a penhora do subsídio de férias e Natal.”

2–Notificada de tal despacho e com ele não se conformando, a exequente interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1.–Vem o presente Recurso sobre o Douto Despacho de fls. 33 a 35, que concedeu provimento ao Requerimento apresentado pela Sra. Agente de Execução para apreciação do Tribunal sobre a alegada impenhorabilidade dos subsídios de férias e natal auferidos pela Executada MGP.
2.–Salvo o devido e merecido respeito, o Tribunal recorrido não fez justiça!
3.–A Executada viu-lhe ser penhorada a sua pensão, auferida pelo Centro Nacional de Pensões, tendo sido disso notificado em 28.01.2021, após elaboração do auto de penhora de pensão de 28.6.2020.
4.–Do auto de penhora expressamente é feita referência à penhorabilidade da pensão nos meses de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, na parte em que exceda o SMN.
5.–Por comunicação do CNP de 2.12.2020 à Agente de Execução, após notificação para penhora do subsídio de Natal, veio aquele informar que não procederia à penhora da parte do subsídio de Natal por entender que “o valor mensal da pensão que a executada recebe ascende a 398,34€, o que, multiplicando-se por catorze, se objetiva num rendimento anual de 5.576,76€. Este rendimento é depois dividido por doze com o que se obtém o montante mensal de 464,73€, inferior ao valor do salário mínimo nacional.”
6.–Perante a informação prestada pelo CNP, veio, a Sra. Agente de Execução, através de requerimento dirigido ao Tribunal Recorrido, adoptar a posição de que, embora, não exista nenhuma previsão legal cimentada, alega que tem sido entendimento dos Tribunais Superiores que o que releva para aferir da impenhorabilidade das verbas atinentes a subsídios de férias e de Natal, será o montante global dos seus rendimentos, onde se incluem os subsídios, e divididos por doze.
7.–E, por consequência, e com base nestes cálculos veio o Tribunal Recorrido declarar a impenhorabilidade dos subsídios de Natal e férias auferidos pela executada, determinando o consequente levantamento da penhora.
8.–Todavia, não se pode concordar com o entendimento do Tribunal “a quo”, sob pena de se criar uma situação de absoluta impenhorabilidade (e não relativa!), prejudicando qualquer possibilidade de recuperação do Exequente, originando um cenário da maior INJUSTIÇA, de todo desadequada às finalidades do processo executivo.
Desde logo,
9.–à Agente de Execução não cabe tal função. Não resulta do escopo das competências da Sra. Agente de Execução, previstas e reguladas no Código de Processo Civil no seu artº 719º, determinar qual o montante do rendimento periódico será suscetível de penhora e, bem assim, qual o valor que deverá ser impenhorável;
10.–Veja-se que na notificação para penhora a própria (e de acordo com o entendimento generalizado da lei, e instruções da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução) é dito: “nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos subsídios de férias e de Natal, abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado”.
11.–S.m.o., a Agente de Execução deveria ter firmado a sua posição manifestada na notificação para penhora, e o CNP havia de o ter acatado.
12.–Cabia, isso sim!, à Executada opor-se à penhora, se o achasse ilegal, e se não salvaguardasse os limites legais., pois que “O Agente de Execução é um profissional liberal que exerce funções públicas” e, por isso, “não atua como mandatário das partes” (ou, pelo menos, não deverá atuar como tal…) - in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 1464/11.2TBEPS.G1, de 16 de Abril de 2015;
13.–Desta forma, no limite, caberia à Executada, através de eventual dedução de oposição à penhora, a faculdade de poder vir defender-se de uma pressuposta (im)penhorabilidade da pensão, mas já não à Sra. Agente de Execução, tanto mais que o n.º 1 do art.º 784.º do CPC “determina que é ao Executado (e só a este!) que cabe opor-se à penhora
14.–Bem como, é só ao executado que cabe, atento o preceituado no n.º 6 do 738.º do CPC requerer a isenção ou redução da penhora de vencimento
15.–E, a atitude do Agente de Execução, bem como a intenção do aresto recorrido pode muito bem ser contrária aquela que é a intenção do Executado, permitindo parcialmente a penhora do que exceda o SMN para que mais rapidamente consiga liquidar a dívida e recomeçar (uma espécie de “fresh start” tal como acontece nas insolvências).
16.–A excepção de ilegitimidade da Agente de Execução deverá, pois, determinar a revogação da decisão recorrida, e o retomar da penhora de pensão a favor do Exequente, em concordância com o preceituado no art.º 278.º alínea d) do CPC, o que se Requer a este Venerando Tribunal.
Ainda que assim não se entenda,
17.–o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, jamais poderá proceder o pedido de impenhorabilidade “requerido” pela Agente de Execução porquanto o somatório da penhora de pensão com os subsídios de férias e de Natal, considerados nos meses em que são auferidos, garantem a subsistência da Executada com o equivalente a um SMN.
18.–Tal entendimento não viola o disposto no art.º 738.º do CPC.
19.–Mal andou o Tribunal recorrido ao decidir “que o vencimento mensal da executada é inferior ao salário mínimo nacional, não estando, como tal, sujeito a penhora, sendo que a impenhorabilidade do valor equivalente ao salário mínimo nacional é extensível aos montantes auferidos a título de subsídio de Natal e férias (13º e 14º mês), ainda que pagos conjuntamente com a pensão mensal (…)” – vide Despacho que se junta como Doc n.º 4 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais
20.–Porém, conforme resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, Processo n.º 485/2013, o mesmo entendeu não dever ser julgada inconstitucional “a penhora de 1/3 das prestações periódicas pagas ao executado a título de regalia social ou de pensão cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante” – in Acórdão na 2.ª secção do Tribunal Constitucional, Processo n.º 485/2013, de 12 de Novembro de 2014; (sublinhado nosso)
21.–E continua: “constituindo o subsídio de férias e o subsídio de Natal um complemento à pensão normalmente devida, não se vislumbra que possam corresponder a uma quantia que deva ser qualificada como garantia desse mínimo essencial à subsistência condigna do recorrente”; (negrito e sublinhado nosso).
22.–Toda a sua envolvente do art.º 738.º do CPC se refere à apreensão/penhora como aferição mensal dos rendimentos e não anual, “(…)são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.” (sublinhado nosso).
23.–A aferição tem obrigatoriamente que ser mensal, uma vez que, as circunstâncias profissionais dos Executados podem mudar drasticamente de um mês para o outro, no sentido mais ou menos favorável;
24.–É este o sentido do artigo 738.º do CPC, analisar mensalmente os rendimentos periódicos auferidos e somá-los com qualquer outro rendimento que, por qualquer meio, advenha ao Executado, permitindo a penhora de 1/3 de tudo o que exceda 1SMN.
25.–E como já abordado, vejamos o exemplo do n.º 6 do art.º 738.º do CPC, que abre portas a que o Executado requeira a redução de penhora ou mesmo a sua isenção, e nestes casos só faz sentido se a aferição dos rendimentos for mensal, e não anual.
26.–Acompanha o Acórdão de 26/10/2020 proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 2165/10.4TBGDM-B.P1, no entendimento que “a natureza e origem dos subsídios de férias e de Natal fazem com os mesmos sejam entendidos como um complemento ou acréscimo – mesmo que obrigatório – à retribuição mensal e a sua definição no Código do Trabalho (artigos 264, n.º 1 e 263, n.º 1) é reveladora dessa natureza.
27.–Por outro lado, a previsão do n.º 3 do artigo 738 do CPC deve ser entendida como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração. (…) Assim, com todo o respeito por outro saber, entendemos que – e citamos Marco Carvalho Gonçalves[4] - “os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço”, sem embargo de se garantir “a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional”, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC.
28.–Ora, seguindo a linha de entendimento destes acórdãos e da doutrina maioritária, os subsídios deverão ser considerados acréscimos e não parte da pensão mensal auferida pela Executada, sendo por isso objecto de penhora.
29.–Assim como, o cálculo deverá ser feito mensalmente, por doze meses e não por catorze.
30.–Se a Executada consegue sobreviver durante 10 meses do ano com a quantia de 398,34€, não será certamente o acréscimo do montante recebido a título de subsídio de férias e Natal que fará diferença relevante na economia da mesma.
31.–Havendo ainda que atender à posição do Recorrente e o seu direito de ser ressarcido, existindo o instituto da Penhora ao seu dispor para ver ressarcido o valor que lhe é devido, através dos bens dos Executados.
32.–Perante os factos aqui vertidos, e atento o valor ainda em dívida, bem como, o lapso temporal decorrido desde o início da execução até ao presente, entende o Recorrente que deve ser feito um juízo de racionalidade que permita aferir da pressuposta penhorabilidade de rendimentos auferidos a título de subsídios, na parte em que somados à pensão excedam o equivalente a 1SMN;
33.–Significa, pois, que entre o meio e o fim deve haver uma relação adequada, necessária e proporcional, traduzida num equilíbrio entre os direitos ou interesses de ambas as partes, conforme prevê o preceituado no artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa;
Em suma,
34.– Entende aqui o Recorrente que o Tribunal “a quo”, e com o devido respeito, não acolheu a posição justa relativamente à (im)penhorabilidade dos subsídios auferidos pela Executada, por entender que a penhora dos subsídios, na parte em que somada à pensão exceda o equivalente a 1 SMN, não viola o disposto no art. 738º, nº 1 do Novo C.P.C..
35.–Devendo os subsídios serem considerados penhoráveis na parte em que somado à pensão exceda o equivalente a um SMN, e assim o Recorrente poder, mesmo que num período de tempo bastante alargado, face à periodicidade dos mesmos, ver o seu crédito ressarcido, atendendo à escassez de outros bens susceptíveis de penhora.
36.–Pelo que assim,
Nestes termos e nos demais em direito permitidos deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a decisão que decretou a impenhorabilidade dos subsídios ser revogada.

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3–Não foram apresentadas contra-alegações.

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IIFUNDAMENTAÇÃO:

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- Se são penhoráveis os montantes adicionais da pensão de reforma da executada pagáveis nos meses de Julho e de Dezembro.

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2- Factualidade relevante.

Com relevância para a decisão da questão em causa, importa ter presente a seguinte factualidade:
a)-Com data de 20/11/2020 a Segurança Social informou a Agente de Execução  que a co-executada MGP aufere uma pensão mensal ilíquida de 398,34€;
b)-Em 28/01/2021, a Agente de Execução colocou, à juíza do processo, dúvida acerca da penhorabilidade da pensão nos meses em que a executada recebe “Subsídios de Natal e de Férias” e que ultrapassam o valor do salário mínimo.
c)-A juíza da 1ª instância decidiu pela impenhorabilidade dos valores relativos aos “Subsídios de Férias e de Natal”.

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3-A Questão enunciada: Se são penhoráveis os montantes adicionais da pensão de reforma da executada pagáveis nos meses de Julho e de Dezembro.

A apelante, baseando-se na opinião de Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo) e, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional, Processo n.º 485/2013, de 12 de Novembro de 2014 e acórdão da Relação do Porto, (de 26/10/2020, relatado por José Eusébio Almeida) defende que os subsídios deverão ser considerados acréscimos e não parte da pensão mensal auferida pela executada, sendo por isso objecto de penhora e, que o cálculo deverá ser feito mensalmente, por doze meses e não por catorze. Conclui que deve ser penhorado o valor que nos meses em que a executada recebe o subsídio de férias e de natal, somados com o valor mensal da pensão, exceda o valor do salário mínimo; e que a penhora dos subsídios, na parte em que somada à pensão exceda o equivalente a 1 SMN, não viola o disposto no art. 738º, nº 1 do Novo CPC.

Será assim?

Uma primeira nota: é de salientar que a questão relativa à penhorabilidade dos montantes adicionais pagáveis aos pensionistas, ou os chamados 13º e 14º meses, ou subsídios de férias e de natal, não é pacífica na doutrina e jurisprudência.
Em termos simples, duas teses se perfilam:
- De um lado, a tese que defende a penhorabilidade desses subsídios ou adicionais quando e se nos meses dos respectivos pagamentos, somados com pensão mensal ou salário mensal, ultrapassem o valor do salário mínimo nacional;
- De outro lado, a tese que defende que é impenhorável a pensão de reforma (ou o salário) quando corresponda a um rendimento anual, incluindo os subsídios de férias e de natal, dividido por 12 meses, apresente um valor inferior ao salário mínimo nacional.

A favor daquela primeira tese, da penhorabilidade, pode ver-se, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 26/10/2020 (José Eusébio Almeida) com o seguinte sumário:            
-I- Tanto o subsídio de férias como o de Natal são prestações que acrescem à retribuição habitual e, por isso, prestações penhoráveis.
II- Assim, a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço, nos termos do n.º 1 do artigo 738º do CPC, desde que esteja garantida a perceção do valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC.”  

Também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 770/2014 (DR 26/2015, Série II de 06/12/2015, processo n.º 485/2013) pronunciando-se sobre a interpretação normativa do art. 824º do anterior CPC e decidiu “…não julgar inconstitucional a norma extraída “da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no n.º 2 do artigo 824º do CPC, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante”.  
                              
Na doutrina, Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, 2ª edição, 2018, pág. 298 e seg.) invoca o artº 41º do DL 187/2007, de 10 de Maio (relativo ao pagamento, aos pensionistas, de um montante adicional à pensão, nos meses de Julho e de Dezembro) e os artºs 263º nº 1 e 264º nº 2 do Código do Trabalho (relativos ao subsidio de férias e de natal) e defende que “ Na nossa perspectiva a resposta a esta questão depende, necessariamente, da qualificação da natureza dos subsídios de férias e de Natal, ou seja, se estas prestações têm a mesma natureza de salários, vencimentos ou de prestações periódicas pagas a título de aposentação – isto é se se destinam a garantir a subsistência do executado – ou se, pelo contrário, revestem a natureza de mero complemento desses rendimentos.”(…) “…Da leitura das disposições citadas extrai-se a conclusão de que as prestações são pagas a título de subsídio de férias e de Natal não revestem a natureza de vencimentos, salários e prestações periódicas pagas a título de aposentação.”(…)“…não podem ser equiparados para efeitos de impenhorabilidade prevista no artº 738º nº 1 aos vencimentos, salários ou prestações periódicas a título de aposentação. É que esses subsídios, ao invés do que sucede com as prestações periódicas salariais ou pensionistas, não são essenciais para garantir a subsistência mínima ou condigna do executado, sendo antes prestações complementares ou suplementares dos salários e das pensões.” (…) “Nesta perspectiva, entendemos, salvo melhor opinião, que os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de Natal, será penhorável na proporção de um terço (artº 738º nº 1), devendo, em todo o caso, garantir a percepção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional, atento o disposto no artº 738º nº 3”.

A favor da segunda tese, podem encontrar-se diversos acórdãos, entre outros:
-RG, de 25/10/2018 (Margarida Sousa) que sumaria:
 “II– Não auferindo o oponente/executado uma pensão que, somada aos duodécimos dos subsídios de férias e de Natal a que tem direito, seja superior ao salário mínimo nacional, os referidos subsídios são impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil;
- RP, 28/06/2017 (Pedro Vaz Pato):
I- Os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.
II- Mesmo que assim não se entenda, há que considerar o seguinte: se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis.
-RP, de 24/09/2020 (Rodrigues Pires):
I-Para aferir da impenhorabilidade das verbas atinentes a subsídios de férias e de Natal que são recebidas pelo executado, que aufere uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, teremos que considerar o montante global dos seus rendimentos, onde se incluem tais subsídios, e dividi-lo por doze.
II- Se o montante apurado com tal divisão for inferior ao salário mínimo nacional tais subsídios de férias e de Natal também serão impenhoráveis.
-RL, de 21/05/2020 (Laurinda Gemas):
I- Para efeitos do disposto no art. 738.º do CPC, o subsídio de Natal integra o conceito de vencimentos ou salários em sentido amplo ou, pelo menos, quando o executado aufira o salário mínimo nacional, o conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, sendo, em regra, impenhorável 2/3 da parte líquida do rendimento a que se refere esse artigo.
II- Ademais, atento o limite previsto no n.º 3 desse artigo, o rendimento mensal líquido ou disponível do executado, incluindo, quando seja caso disso, o valor duodecimal do subsídio de Natal, não pode nunca ficar abaixo do montante equivalente ao salário mínimo nacional ilíquido, à data da (pretendida) penhora; se isso acontecer, não pode ser efetuada a penhora (a menos que o executado tenha outra fonte de rendimento).
-RL, de 23/02/2021 (Cristina Silva Maximiano):
- Não tendo o devedor executado outros rendimentos, os subsídios de Natal e de férias que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o “salário mínimo regional” serão impenhoráveis, nos termos do art. 738º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
-RE, de 12/09/2019 (Jaime Pestana):
É impenhorável a pensão de reforma quando o correspondente rendimento anual (incluindo o subsídio de Natal e de férias), dividido por doze meses, apresenta um valor inferior ao salário mínimo nacional.

Cumpre tomar posição sobre a questão.

Pois bem, de acordo com o artº 738º do CPC, sob epigrafe “Bens parcialmente penhoráveis”, é estabelecido que:
“1-São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2-…
3- A impenhorabilidade prescrita no nº 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
(…)”

Como salienta Januário Gomes (Penhora de direitos de crédito. Breves notas, Themis 4, VII (2003), pág. 123), a lei impede a penhora de parte de um crédito pecuniário que cumpra a função de sustento de uma pessoa singular.
Esta função de sustento do rendimento constitui uma solução que decorre de uma longa evolução legislativa.

Refira-se a lição de Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 493 e segs.): antes da Reforma de 2003, os rendimentos periódicos podiam ser penhorados entre um sexto e um terço do valor líquido segundo o prudente arbítrio do juiz (artº 824º nº 1 e 2 do CPC/95). Era duvidoso que esta norma respeitasse os valores do salário mínimo nacional, das pensões de reforma e do rendimento mínimo garantido, como exigido pelo Princípio da Dignidade Humana decorrente do princípio do Estado de Direito (artºs 59º nº 1, al. a) e 62º da CRP). Por isso, o Tribunal Constitucional em diversos acórdãos declarou inconstitucional a penhora que não deixasse um rendimento disponível pelo menos igual ao salário mínimo nacional.
A Reforma de 2003 procurou ter em conta essas orientações do Tribunal Constitucional. Nessa sequência, a Reforma de 2013 estabeleceu limites à penhorabilidade de dois terços dos créditos de sustento do executado, sendo penhorável um terço da parte líquida dos créditos de sustento do executado.
E continua este Professor: “ Assim, quanto ao limite mínimo o escopo da lei é garantir que, por causa da penhora, o executado não fique com um rendimento disponível inferior ao salário em que o executado aufira, apenas rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo (v.g., como pensão de sobrevivência, ou como rendimento de reinserção social) nenhuma parte do salário será penhorada.” E dá como exemplo: “partindo de um salário mínimo de 557€…num salário de apenas 557€ nem sequer um euro pode ser penhorado.” (…) “Deste modo, o mínimo de dignidade do executado prevalece sobre o à execução do credor.(A. e ob. cit., pág. 495).

No mesmo sentido, veja-se Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, pág. 260) segundo os quais, se o valor do subsídio for igual ou inferior ao salário mínimo nacional, o subsídio é impenhorável, ainda que seja pago numa única prestação ou em duodécimos juntamente com o vencimento, resultando da soma do subsídio e do vencimento um valor superior ao do salário mínimo nacional.
Pois bem, concordamos com este entendimento.
E, segundo cremos, a questão deve ser analisada sob o ponto de vista da natureza domontante adicional a ser pago aos pensionistas, nos meses de Julho e de Dezembro, de valor igual ao da pensão mensal, previsto no artº 41º do DL 187/2007, de 10/05, com epígrafe “Montantes adicionais das pensões” e com a seguinte redacção:
Nos meses de Julho e Dezembro de cada ano, os pensionistas têm direito a receber, além da pensão mensal que lhes corresponda, um montante adicional de igual quantitativo”.

Ora, o que neste preceito se estabelece são as datas de vencimento dessas duas prestações adicionais e não a constituição do direito do pensionista a essas prestações adicionais. Quer dizer aquelas duas prestações adicionais integram o direito do pensionista a receber 14 prestações mensais de reforma.

Tanto assim é que o legislador pode determinar que o pagamento dessas prestações adicionais aos pensionistas possa ter lugar em duodécimos, como sucedeu, por exemplo, com o artº 37º da Lei 82-B/2014, de 21/12 (Lei do Orçamento do Estado de 2015), precisamente relativo ao pagamento do montante adicional atribuído aos pensionistas do sistema de segurança social, determinando que:
1-Em 2015, o pagamento do montante adicional das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência atribuídas pelo sistema de segurança social, referente ao mês de dezembro, é realizado em duodécimos.
2-Para as pensões iniciadas durante o ano, o primeiro pagamento inclui obrigatoriamente o montante referente aos duodécimos do montante adicional que já se tenham vencido.”

Ou ainda com o Decreto-lei n.º 3/2013 de 10 de Janeiro, relativo a aposentados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações, que determinou no seu artº 3º que:
1-Os aposentados, reformados e demais pensionistas da CGA, bem como o pessoal na reserva e o desligado do serviço a aguardar aposentação ou reforma, independentemente da data de passagem a essas situações e do valor da sua pensão, têm direito a receber mensalmente, no ano de 2013, a título de subsídio de Natal, um valor correspondente a 1/12 da pensão que lhes couber nesse mês.
2-O direito a cada duodécimo do subsídio de Natal vence-se no dia 1 do mês respetivo.”

A circunstância de o Legislador mandar pagar os duodécimosvencidos nas situações em que as pensões se iniciam durante o ano é elucidativa de que os montantes adicionais”, que se normalmente se vencem em Julho e Dezembro, se integram nas prestações pagas a título de reforma.

Inexiste, pois, por isso, a nosso ver, razão para afirmar que os “montantes adicionais pagáveis aos pensionistas, em Julho e Dezembro têm, para efeitos, do disposto no art. 738.º do CPC, natureza diferente das pensões de reforma.

De resto, não obstante a decisão do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 770/2014 (DR 26/2015, Série II de 06/12/2015, processo n.º 485/2013) supra referido, ter entendido “…não julgar inconstitucional a norma extraída “da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no n.º 2 do artigo 824º do CPC, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante”, a verdade é que esse acórdão teve dois votos de vencido, dos Conselheiros Cura Mariano e Joaquim Sousa Ribeiro, em que, além do mais, foi afirmado: “…quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais.” (sublinhado nosso).

Aliás, semelhantemente, se passa no âmbito do Direito do Trabalho relativamente aos subsídios de férias e de natal: o trabalhador tem direito aos duodécimos proporcionais pelo tempo de serviços (artºs 245º nº 1, al. b) e, 263º nº 2, al. b) do Código do Trabalho). De resto, Bernardo da Gama Lobo Xavier refere que os subsídios de férias e de natal constituem um “…salário diferido, que se vai amontoando mensalmente a favor do trabalhador…” o que afasta “…uma outra concepção desta prestação em que o subsidio de Natal era visto como uma prestação com carácter de prémio que se vencia no fim do ano.” (Manual de Direito do Trabalho, 2ª edição, 2014, pág. 591).

A esta luz, podemos concluir que auferindo a executada uma pensão de reforma que, somada aos duodécimos dos “montantes adicionais” (v.g. subsídios de férias e de Natal) a que tem direito nos termos do artº 41º do DL 187/2007, de 10/05, seja inferior ao salário mínimo nacional, os referidos “subsídios/montantes adicionaissão impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.

É o que sucede no caso dos autos em que a executada recebe uma pensão de reforma de 398,34€ mensais a que acrescem os dois “subsídios/montantes adicionais” de igual montante, o que corresponde a 14x398,34€ = 5 576,76€ que, a dividir por 12 meses, perfaz um valor mensal 464,73€, portanto, inferior ao salário mínimo nacional que, em 2021 era de 665€.

Por conseguinte, não resultando dos autos que a executada tenha outra fonte de rendimentos para além da pensão de reforma, temos de concluir como na 1ª instância: é impenhorável qualquer quantia da pensão de reforma da executada.

Uma última nota: a exequente insurge-se contra a circunstância de a Agente de Execução ter suscitado perante o juiz a questão da impenhorabilidade da pensão de reforma, dizendo que apenas a executada poderia suscitar a questão em sede de incidente de oposição à penhora.
Pois bem, segundo entendemos, não é assim. Transcreve-se o elucidativo trecho do Prof. Rui Pinto “…A impenhorabilidade prevista no nº 1 do artº 738º supõe que a função de assegurar a subsistência do executado foi conhecida oficiosamente pelo agente de execução ou, mais raramente, foi carreada pelo executado, antes da penhora.” (A Ação Executiva…cit., pág. 493).

Sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que o recurso não pode proceder.

***

IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas no recurso, pela recorrente.



Lisboa, 03/02/2022



(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Aguiar Pereira)