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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
VENDA A FILHOS OU NETOS
INTANGIBILIDADE DAS LEGÍTIMAS DOS DESCENDENTES
PRAZO DE CADUCIDADE
ANULAÇÃO PARCIAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I) - A razão de ser da proibição contida no preceito do artº. 877º do Código Civil é a de obstar à prática de vendas simuladas em prejuízo das legítimas dos descendentes (filhos ou netos) nos casos em que se entende que a simulação seria mais difícil de provar, isto é, de evitar que, através de doações encobertas, se lesassem as legítimas dos filhos ou netos, nas situações em que venham a ser prejudicados mediante vantagem ou favorecimento de outro descendente, seja filho, neto ou até bisneto. II) - A venda a filho (ou neto) sem o consentimento do(s) outro(s) filho(s) determina a anulabilidade do negócio (artº 877º, nº. 2 do Código Civil), podendo ser arguido pelos filhos que não deram o seu consentimento, no prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato. III) - A norma do artº. 877º do Código Civil apenas veda (se não houver o necessário consentimento) a venda a filhos ou netos, mas já não quando a venda é feita a outros sujeitos, como é o caso da venda a genro ou nora, nem por interposta pessoa, sendo que a venda a namorada ou namorado do filho ou neto do vendedor não é violadora de tal norma legal. IV) - A venda de um prédio efectuada pela mãe dos autores, em comum, a uma neta e ao seu namorado, sem o consentimento dos autores, não é anulável nos termos do artº. 877º do Código Civil em relação ao namorado, uma vez que à data da celebração da escritura de compra e venda o mesmo não tinha (como não teve) qualquer relação de parentesco com a vendedora, mesmo que os compradores, posteriormente, tenham casado sob o regime da comunhão geral de bens. V) - Neste caso, não há lugar a qualquer interpretação extensiva do artº. 877º do Código Civil, como acontece para os cônjuges dos filhos ou netos, porque não se verificando a situação de casamento à data do negócio, não existe o benefício que existiria se fossem casados, ou seja, a neta da vendedora passar a ser proprietária da totalidade do prédio, tendo a venda ao namorado da mesma, no momento em que se realizou e considerando as circunstâncias que então se verificavam, os mesmos efeitos que a venda a qualquer terceiro. VI) - Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº. 1 do artº. 609º do NCPC.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
F. R. e esposa A. R., R. T. e marido A. C., F. T. e esposa M. S. intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
1. A. S. e marido P. D.,
2. Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. P., representada pela cabeça de casal M. R., pedindo que:
A) Se declare anulada e sem qualquer efeito a venda dos prédios identificados no artigo 2º da petição inicial efectuada por M. P., entretanto falecida, aos Réus A. S. e P. D. e, consequentemente, o regresso do direito em causa ao património da Ré Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. P.;
B) Se declarem, consequentemente, anulados e de nenhum efeito quaisquer negócios jurídicos, actos ou factos levados a efeito pelos Réus A. S. e P. D. que tenham por objecto quaisquer bens que integrassem o património hereditário da falecida M. P., à data da abertura da respectiva sucessão;
C) Se condene os Réus no pagamento das custas do processo e mais legais acréscimos.
Alegam, em síntese, que os AA. F. R., R. T. e F. T. são filhos de M. P., falecida em 13/10/2018, e tios da Ré A. S., sendo esta filha da irmã daqueles, M. R. que é, por sua vez, a cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe.
A falecida M. P., por escritura outorgada em 3/01/2014, vendeu em comum à sua neta A. S. e ao então companheiro P. D. dois prédios urbanos identificados no artº. 2º da petição inicial, pelo preço global de € 29.540,00, que corresponde à soma do valor patrimonial daqueles prédios: artigo matricial 101 - € 18.100,00 e artigo matricial 102 - € 11.440,00.
Após a venda dos mencionados prédios, em 26/08/2018 a Ré A. S. casou com o R. P. D. sob o regime da comunhão geral de bens.
A referida venda foi realizada sem o consentimento dos AA., os quais apenas tiveram conhecimento da mesma no âmbito do processo de inventário n.º 2404/19, que corre termos no Cartório Notarial do Dr. P. C., em Barcelos.
Quando os AA. foram notificados da relação de bens apresentada no referido processo de inventário, verificaram que da mesma não constavam relacionados os prédios identificados no artº. 2º da petição inicial e, desconhecendo a aludida venda, reclamaram aqueles bens que não haviam sido relacionados.
Só quando receberam a resposta à reclamação da relação de bens, em 5/09/2019, é que tiveram conhecimento da venda.
Neste caso, os RR. pretenderam que os AA. fossem lesados nos seus direitos sucessórios, pois os prédios têm um valor de mercado superior a mais de metade pelo qual foram vendidos, sendo que a referida venda foi efectuada pelo valor simbólico, se não totalmente irrisório, de € 29.540,00, sendo este um valor muito inferior ao valor real.
A venda foi efectuada, em comum, aos RR. A. S. e P. D., porque todos os RR. sabiam que nunca os AA. iriam consentir na venda em tais moldes e que, caso tivessem conhecimento da mesma, pediriam a sua anulação.
O facto do R. P. D. intervir na escritura quando ainda era apenas companheiro da Ré A. S., foi uma “artimanha” preparada pelos RR. para quando os tios, os aqui Autores, pedissem a anulação da venda, ficarem em parte salvaguardados.
Os RR. bem sabiam que o negócio era anulável, uma vez que faltava o consentimento dos filhos da vendedora e respectivos cônjuges, e que implicava uma diminuição do património da vendedora e da legítima dos herdeiros não intervenientes na escritura, razão pela qual alguns dos filhos da vendedora (como é o caso dos Autores) não dariam o necessário consentimento.
Os RR. A. S. e P. D. apresentaram contestação, na qual defendem-se por excepção, arguindo a falta de personalidade/ilegitimidade dos AA., pois a presente acção deveria ser intentada por todos os herdeiros de M. P., não tendo uma das filhas da vendedora instaurado a acção, devendo do lado passivo permanecer apenas os RR. contestantes.
Invocam, ainda, a caducidade do direito dos AA. de arguirem a anulabilidade do contrato de compra e venda em causa, pois aqueles sabiam em 2010, e em data anterior a esta, da intenção de venda dos referidos prédios e ainda em 2013 souberam da intenção de venda em concreto aos Réus, e tiveram conhecimento da realização da escritura nas semanas seguintes à mesma. Os AA. sabiam, pelo menos desde 2010, que a sua mãe tinha os prédios à venda, existindo placas publicitárias para venda no prédio, tendo igualmente alienado outros prédios.
Acrescentam que os AA. sempre mantiveram, e mantêm, entre si um estreito relacionamento e têm terrenos próximos dos prédios que os RR. adquiriram, sendo que o A. F. T. é confrontante pelo lado poente. Antes da venda, os AA. depositavam objectos no prédio, o que deixou de suceder após a venda, tendo em 30/12/2015 o A. F. T. sido notificado, por carta registada com aviso de recepção, para proceder à retirada de um veículo que depositava na propriedade dos RR., o que este fez.
Os pedidos formulados pelos AA. não podem proceder quanto ao R. P. D., pois o mesmo não tinha qualquer laço de parentesco com a vendedora, o que determinará a sua absolvição do pedido, ficando a presente acção reduzida a ½ dos prédios, ou seja, a parte adquirida pela neta da vendedora.
Invocam a existência de abuso de direito por parte dos AA., pois souberam da realização da escritura nas semanas seguintes à sua outorga e a ela não se opuseram. Pelo contrário, os AA. sempre agiram de forma a respeitar a propriedade dos RR., deixando de entrar nos prédios como faziam até então.
Referem, ainda, que os AA. sabem que a venda efectuada aos RR. não tinha intenção de os prejudicar, como não prejudicou, pois as construções existentes nos prédios datam de 1937, já estavam devolutas pelo menos desde o ano de 2007, não tinham condições de habitabilidade e os RR. pagaram à vendedora € 40.000,00, valor esse superior ao declarado na escritura, o que os AA. não ignoram.
A partir da compra, os RR. passaram a agir como donos e legítimos proprietários dos prédios, praticando os actos de posse que descrevem no seu articulado, o que sempre fizeram à vista de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente dos AA., sendo que tais prédios constituem a habitação própria e permanente dos RR. e do seu filho. Em virtude das obras realizadas pelos Réus, cujo valor ascende a € 119.246,68, os prédios têm, actualmente, um valor muito superior.
De qualquer forma, sempre seria abusiva a actuação dos AA. de arguirem a anulabilidade do negócio, tanto mais que, ao longo dos anos já decorridos, sempre criaram nos RR. a convicção de que nunca arguiriam tal anulabilidade, conduzindo a eventual procedência da acção a um injusto locupletamento dos AA. e a um prejuízo injustificado dos Réus. Subsidiariamente, na hipótese de a acção ser julgada procedente, os RR. deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que desde a compra dos imóveis, e por via da mesma, gastaram as quantias que discriminam nos artºs 90 a 93º da contestação e realizaram diversas obras quer no interior dos imóveis, quer arranjos nos exteriores, que descrevem no seu articulado e cujo valor ascende a € 119.246,68, pelo que os prédios têm, actualmente, um valor muito superior ao que tinham aquando da compra.
Concluem, pedindo que:
a) As excepções invocadas sejam julgadas procedentes e a acção julgada totalmente improcedente com as consequências legais;
b) Os AA. sejam condenados como litigantes de má-fé em multa a arbitrar pelo Tribunal e em indemnização ao RR., a qual deverá incluir todas as despesas do pleito, a liquidar nos termos do artº. 543º do CPC, mas nunca inferior ao montante global € 22.500,00 (€ 7.500,00 a cada um dos 1ºs, 2ºs e 3ºs Autores);
c) Subsidiariamente, deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida e:
- reconhecer-se os RR. como donos e legítimos proprietários dos prédios descritos sob os nºs ... e 293/..., concelho de Barcelos, por acessão imobiliária;
- ou serem os AA. condenados a pagar aos RR. a quantia correspondente a benfeitorias realizadas nos imóveis no valor de € 119.246,68, que seria acrescido por decorrência da anulação, das quantias referidas nos artºs 90º a 93º, no valor de € 42.254,50, num total de € 161.501,19.
Os AA. apresentaram réplica, onde responderam às excepções e se pronunciaram sobre a reconvenção.
Quanto às excepções, pugnam pela improcedência da invocada falta de personalidade/ilegitimidade dos AA., alegando que bastaria um dos AA. não consentir na venda para que a mesma fosse anulada, pelo que não estamos perante um caso de litisconsórcio necessário ou obrigatório, para além de que a herança ilíquida e indivisa aqui Ré goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
Relativamente à caducidade, defendem que apenas tiveram conhecimento da venda em 5/09/2019, data em que receberam a resposta à reclamação da relação de bens, impugnando tudo o que os RR. alegam acerca do conhecimento anterior dos Autores, tendo a carta endereçada ao A. F. T. sido apenas assinada pelo R. P. D., o que não permitia saber da venda à Ré A. S., para além de que o A. F. T. nunca deu conhecimento da aludida carta aos demais Autores.
No que concerne ao pedido reconvencional, alegam que o mesmo deveria ser deduzido contra a herança ilíquida e indivisa e todos os herdeiros, e não apenas contra os aqui Autores, pois no caso de procedência da acção, os prédios regressam ao património da herança aqui Ré e todos os herdeiros daí retiram benefícios.
Como tal, defendem que a reconvenção não deve ser admitida; no entanto, caso assim não se entenda, impugnam os factos alegados em sede de contestação/reconvenção, pois os RR. não despenderam com o imóvel o valor que referem, nem o mesmo tinha o valor diminuto que alegam, sendo que nunca teve valor não inferior a € 100.000,00.
Terminam, pugnando pela:
A) improcedência das excepções deduzidas, concluindo-se como na petição inicial quanto à matéria da contestação;
B) inadmissibilidade da reconvenção ou, caso assim não seja entendido, pela total improcedência do pedido reconvencional, com a absolvição dos AA./reconvindos e decidindo-se como o peticionado inicialmente, com as legais consequências.
Os RR./reconvintes, em resposta, vieram defender que a reconvenção é legítima, fundada e admissível, preenche os requisitos de ordem processual e substantiva legalmente exigidos, já que emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção.
Terminam, pedindo que seja julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da reconvenção arguida pelos AA./reconvindos.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de falta de personalidade/ilegitimidade invocada pelos RR., não foi admitida a reconvenção, fixou-se o valor da causa e procedeu-se ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,decidiu:
I. Anular a venda do prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, sito no lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e do prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, sito no lugar de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … com o valor patrimonial de € 11.440,00 efectuada por M. P. à ré A. S. pela escritura pública outorgada no dia 3 de Janeiro de 2014, no Cartório Notarial do Notário A. D., em Ponte da Barca, lavrada de folhas ... verso, do livro número cento e sessenta A de escrituras diversas.
II. Ordenar o cancelamento do registo da aquisição a favor de A. S. por compra a M. P., averbado pela apresentação n.º … de 2014.01.06, relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs ... e 293 da freguesia de ....
III. Absolver o réu P. D. do pedido de anulação.
IV. No mais, absolvem-se os réus A. S., P. D. e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. P. do peticionado.
V. Absolvem-se os autores F. R. e esposa A. R., R. T. e marido A. C. e F. T. e esposa M. S. do pedido de condenação como litigante de má fé.
Inconformada com tal decisão, a Ré A. S. dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães; vem o presente recurso interposto pela Ré Recorrente A. S. de Sentença que julgou parcialmente procedente a ação, na parte que a si diz respeito, e ordenou anular a venda a si efetuada e o cancelamento do seu registo de aquisição, pelo facto de ser neta da vendedora.
Decisão que, no caso concreto, esta Ré, entende violar os factos e o direito, nos termos que respeitosamente concluem:
I - Questão de facto de alteração/ampliação da matéria de facto e consequências na decisão em recurso, maxime valor pago e caducidade da ação. II - Questão de direito, sobre a interpretação e violação, entre outras, da norma do art. 877 do C.C. e art. 287, 288, 289 e 290 do Código Civil e art. 334, abuso de direito. III - Conduta dos AA. integradora de má-fé.
Assim:
I – QUESTÃO DE FACTO
1. Julgam-se incorretamente julgados quanto à matéria de facto os Factos Não Provados c), g), h), l) e m) devendo ser aditado à matéria de facto provada:
27).Em 10.01.2014, a quantia de 29.540,00€ foi creditada, em conta da vendedora, M. P. com o n.º ...........
2. Os factos aditados resultam diretamente da prova documental junta aos autos e dos depoimentos dos AA. prestados em sede de Audiência de julgamento nos termos supra, ademais conjugados com a prova testemunhal produzida e com o alegado pelos próprios AA. na petição.
3. Quanto aos factos aditados de 27) a 30), em consonância com a alteração dos não provados c), g), h), l) e m), resultam diretamente da prova documental junta, nomeadamente da escritura e dos comprovativos de transferência constantes dos autos, doc. 16 com a Contestação.
4. Os AA. não negam que as transferências hajam sido efetuadas, nem que a conta .......... não fosse pertença da vendedora.
5. Foram os próprios AA., que juntaram na sua petição, como doc. 9, Relação de Bens de Inventário por óbito da falecida vendedora (Doc. 9 Activo – Depósitos Bancários - Verba Número Um), em que consta a indicada conta, como da falecida;
6. Foram os próprios AA., que juntarem na sua petição, como doc. 10, Reclamação, não reclamando da dita conta nem impugnando a sua titularidade pela de cujus.
7. Foram os AA. que alegaram na sua petição a venda dos prédios pelo preço de 29.540,00€.
8. Os AA. nunca alegaram na sua petição que o preço não foi pago.
9. Os AA. não impugnaram o teor da escritura de compra e venda.
10. Perante a alegação dos RR. que efetivamente terão pago pelos prédios valor superior a 29.540,00€, i.é a quantia de 40.000,00€, juntando para o efeito os comprovativos de transferência nos termos de doc. 16, limitaram-se os AA. a alegar que desconheciam que tais transferências se destinavam “(…) ao imóvel em questão nos autos”.
11. Todavia, não impugnando o teor de documento autêntico, os AA., quer nessa altura nos articulados, quer nos depoimentos em tribunal, não alegam ou sequer indiciam que as transferências operadas serviram qualquer outro propósito que não o pagamento do valor da compra e venda dos imóveis.
12. Não existe qualquer tipo de indício ou alegação de que as duas transferências para a indicada conta da vendedora n.º .........., uma no valor de 29.540,00€ e outra no valor de 10.460,00€, serviam outro qualquer propósito, diferente do pagamento do preço.
13. Note-se que toda ação foi estruturada pelos AA. no sentido de se limitarem a alegar que o valor de venda era um valor baixo e nunca que tal valor não foi recebido.
14. Resultando o facto não provado do pagamento do preço como uma decisão surpresa.
15. Resulta diretamente do Depoimento do A. F. R., nos termos supra, que admite uma transferência e confrontado com a segunda, aceitou-a. A. F. R.- Uma,nãoseisetemoutra…MmaJuíz- Temduastem. A. F. R.-Entãoaceito.
16. Assim, ainda que sem outras questões a ser apreciadas por este Douto Superior Tribunal, sempre a procedência parcial da ação contra a Ré Recorrente, imporia a restituição das quantias pagas, sob pena de a Ré recorrente se ver confrontada sem o dinheiro pago pelo mesmo e sem o bem ou qualquer tipo de garantia, face ao cancelamento do registo determinado pela 1.ª instância.
17. Quanto aos factos aditados de 31) a 42) resultam diretamente da prova documental junta na contestação como doc. 6 e 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, aliás refletidos na sentença em 2.3 Motivação da Decisão de Facto, todavia não constando os factos que os mesmos espelham na matéria de facto então elencada.
18. Quanto aos factos aditados de 43) a 45); resulta o 45) diretamente da petição dos autos, e o 42) e 43) do depoimento do A. F. R., confessando que a irmã lhe disse na missa de 7.º dia por óbito da mãe, que inexistiam quaisquer prédios a partilhar.
(…) 24:20a25:43mm Mandatária daRé:Diga-memaisumacoisaporfavor…OSr.dissequesósoubedistonaconferênciaéisso?Em2019?MaslogoapósoóbitodasuamãeosSenhorestiveramalgumareunião? A.F. R. - Nãotivemosnenhumareunião…sóaminhairmã,logonamissade7.ºdiaveio-medizerquenãohavianada…sódissequetínhamosdepagarasdespesasdofuneral. MandatáriasdaRé:Olhe...namissadesétimodia,amãefaleceuem13outubrode2018easuairmãdisselhenessaalturaquenãohaviabensnenhuns,éisso? A.F. R. -É…maselasabiaperfeitamentequehavia.
19. Assim, resulta objetivamente:
· A presente ação foi intentada pelos três irmãos F. R., R. T. e F. T. em 21.02.2020.
· A Autora R. T. soube da intenção e posteriormente da venda, porque a sua mãe lhe transmitiu, que tinha vendido o imóvel.
· O Autor F. T. sabia pelo menos desde a notificação do facto provado 23), i.é., desde 30.12.2015 que o prédio havia sido vendido, aliás como confessado no depoimento supra transcrito.
· O Autor F. R. soube, porque lhe transmitido pela irmã, na missa de 7 dia da mãe, falecida em 13.10.2018, que não existiam bens, nomeadamente prédios, por óbito da mãe.
· Resulta igual e objetivamente provado conforme 6) e 7) dos factos provados que os prédios se encontravam publicamente registados a favor dos RR. P. D. e de A. S. desde 06.01.2014.
20. A sentença em crise julgou improcedente a exceção de caducidade alegada, porquanto “não se fez prova cabal, isto é, suficientemente segura e consistente de que os autores F. T. e F. R. tiveram tal conhecimento em data anterior a Fevereiro de 2019.”
21. Da prova produzida resultou à evidência que desde a compra ocorrida em 03.01.2014 até ao casamento ocorrido em 26.08.2018, ocorreram mudanças radicais no imóvel, vistas publicamente do seu exterior, com janelas e portas novas, fachada pintada a vermelho ou tendo o prédio sido vedado, inclusivé com colocação de correntes. Cfr. fotos juntas aos autos - fotos google maps com fotos juntas e depoimentos prestados.
22. Da conjugação da prova produzida, salvo o devido respeito, a decisão não pode manter, tendo por certo que os três AA. souberam, por referência à morte e missa de 7.º dia da vendedora, pelo menos até ao final do mês de outubro de 2018, que o prédio tinha sido vendido, não tendo a falecida deixado bens imóveis.
23. A passividade dos AA. perante o conhecimento da venda e as alterações ocorridas, significaram no caso concreto, um alheamento propositado ao destino do prédio e traduziram-se na intempestiva arguição judicial.
24. Factos que esta Superior Instância melhor apreciará, na justeza do caso, de forma a alterar a sentença recorrida, melhor julgando de facto e de direito e julgando-se que a Ré A. S. provou de forma suficiente o conhecimento da venda e verificando-se caducidade do direito dos AA. aquando da interposição da presente ação.
II - QUESTÃO DE DIREITO
25. Ademais, NO QUE CONCERNE À MATÉRIA DE DIREITO, igualmente se discorda da fundamentação vertida na sentença recorrida, por violação, entre outras, das normas do 877 do Código Civil e dos 287, 288, 289 e 290 do mesmo diploma legal, ocorrendo abuso de direito – art. 334 C.C.
26. A razão de ser do normativo do art. 877 do C.P.C. é a proteção da legitima dos filhos ou netos, crê-se, nas situações em que venham a ser prejudicados na vantagem ou favorecimento de outro descendente(s).
27. Como resulta dos factos não provados em a), b), c) “simbólico” d), e) e f) os AA. não foram prejudicados pela venda efetuada.
28. Resulta provado por não impugnado, do confronto do teor da escritura de compra e venda, que o valor de venda correspondeu ao valor matricial dos prédios, respetivamente de 18.100,00€ e 11.440,00€, no total de 29.540,00€.
29. Conforme facto provado 25) e 26), resulta igualmente provado que 2018 os prédios tinham o valor patrimonial de 18.371,50€ e 11.611,60€.
30. No caso concreto, provadas a transferências questiona-se que diferença existiu para os AA. entre prédio ter sido vendido a terceiro ou à Ré sua neta?
31. Da sentença decretada parece resultar que tal discussão seria uma não discussão, inócua ao desfecho dos autos, porquanto face à falta de consentimento, sempre a escritura seria anulada na parte correspondente à neta.
32. Cremos não ter sido esse o espírito da norma, que desde as Ordenações Filipinas, manteve a previsão de suprimento judicial.
33. Sufraga-se, assim, que tal norma se encontra em relação direta com a ideia de prejuízo, que se pretende evitar, pois que de outra forma não admitiria suprimento.
34. A norma não encerra ou reprova em si a venda de pais a filhos e de avós a netos antes pretendendo acautelar eventual acordo simulatório em prejuízo dos descendentes.
35. A norma do art. 877 do C.C. é uma norma preventiva e não repressiva.
36. No caso verificou-se uma venda perfeita em comum e em partes iguais a um terceiro e a uma neta da vendedora, com efetiva entrega do preço ao ascendente e mediante registo e tradição do bem aos compradores, desde 2014.
37. Pelo que sempre se deveria admitir a validade do negócio.
38. A inexistência de qualquer prejuízo dos AA. e a motivação singular de simplesmente não quererem o prédio vendido à sobrinha, aqui Ré Recorrente, sempre traduziria uma invocação abusiva da norma.
39. Note-se que o A. F. R. declarou no seu depoimento transcrito supra, que nunca consentiria na venda efetuada por sua mãe à neta A. S., sua sobrinha, fosse ela porque preço fosse,
40. E a A. R. T., refere ter intentado a ação porque ter ficado ofendida por a sua sobrinha não ter falado pessoalmente consigo.
41. E o A. F. T. não conseguiu precisar como foi lesado admitindo no seu depoimento não saber o preço da venda ou sequer qual o valor constante da escritura.
42. Da prova produzida, mormente dos depoimentos prestados pelos AA. afere-se a forma leve e leviana de atuação INEXISTINDO FUNDAMENTO SÉRIO PARA PEDIDO DE ANULAÇÃO.
43. Pelo que sempre a anulação peticionada seria no caso abusiva.
III - MÁ-FÉ DOS AA.
44. No mais, os AA. ACTUARAM NOS AUTOS COM MÁ-FÉ processual.
45. Os três Autores foram perentórios em afirmar na sua petição no item 7.º, “A referida venda (…) foi efetuada sem o consentimento dos Autores, que para além de não intervirem na escritura pública, dela não tiveram conhecimento.”
46. Remontam ainda todos os AA. o conhecimento da venda a 05.09.2019, no âmbito de processo de inventário, o que se revela falso face aos factos apurados.
47. A A. R. T. confessou que a mãe lhe comunicou a venda, o A. F. T. recebeu carta de terceiro a arrogar-se proprietário e o A. F. R. confessou que a irmã lhe disse na missa de sétimo dia que inexistiam bens, nomeadamente prédios.
48. Se mais não houvesse, verifica-se que TODOS OS AA. FALTARAM À VERDADE, neste facto objetivo do alegado desconhecimento da venda, vertendo na petição factos contrários à verdade.
49. E fizeram-no de forma a obstar à caducidade.
50. O tribunal de primeira instância não valorou corretamente os depoimentos dos AA.
51. Pois apesar de ter detetado as incongruências e postura dos AA., não a valorou em conjugação com a demais prova produzida, pois que todos AA. “depuseram de forma comprometida e respondendo de forma defensiva, evitando determinadas respostas, dando desculpas, invocando distâncias e silêncios, ausências de contactos e diálogos entre todos e tentando guardar o que sabiam para não se implicarem.”
52. A Ré Recorrente havia peticionado no item 143.º da Contestação que provando-se a alteração de factos, mormente as datas em que tiveram conhecimento da venda, os AA. deviam ser condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização, que por justa e proporcional à natureza e gravidade da matéria discutida deveria equacionar-se no montante de 7.500,00€ a cada um dos RR.
53. Ao resultar da prova documental e testemunhal e dos depoimentos prestados pelos próprios AA. F. R., R. T. e F. T., diferente versão e contrária ao vertido na petição, aí alegando pretenso conhecimento apenas em 2019 no âmbito de um inventário, temos que que os AA. alteraram conscientemente a verdade dos factos, manipulando os mesmos em situação determinante para o desfecho dos autos.
54. Salvo respeito por diferente opinião, deverão os AA. serem condenados como litigantes de má fé em multa e nos montantes que este Douto Superior Tribunal melhor determinará.
Face a todo o exposto e ao melhor que esta Superior Instância apreciará, pelos poderes que lhe são conferidos e da melhor audição dos depoimentos prestados,
Requer-se, assim, a Vossas Excelências se dignem apreciar os factos e o direito em discussão, e que pelos amplos poderes conferidos a esta Relação se dignem apreciar a prova produzida e o direito aplicado de forma a se alcançar solução conforme aos fins do direito e justa.
Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 253.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Ré A. S., delimitado pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) – Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa;
III) – Da condenação dos AA. por litigância de má fé.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:
1) Os Autores F. R., R. T. e F. T. e ainda M. R. são filhos de M. P., falecida em -.10.2018, no estado de viúva. [fls. 10v e 11] 2) A Ré A. S. é filha de M. R. e R. A.. [fls. 12 a 13] 3) M. R. é cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe M. P.. [fls. 10v e 119] 4) A Ré A. S. casou catolicamente e com convenção antenupcial no regime de comunhão geral de bens, com o Réu P. D., no dia 26 de Agosto de 2018. [fls. 14 e 14v] 5) Por escritura pública outorgada no dia 3 de Janeiro de 2014, no Cartório Notarial do Notário A. D., em Ponte da Barca, lavrada de folhas ... verso, do livro número cento e sessenta A de escrituras diversas, M. P. declarou vender, em comum, pelo preço global de €29.540,00, que declara já ter recebido, os seguintes imóveis: o prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, sito no lugar de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 101, com o valor patrimonial de €18.100,00 e o prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, sito no lugar de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … com o valor patrimonial de €11.440,00 e os segundos outorgantes A. S. e P. D. declararam que aceitam este contrato nos termos exarados. 6) O prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, com a área de 572 m2, sendo 102m2 de área coberta e 470 m2 de área descoberta, sito no lugar de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20051104 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, está averbado a favor de A. S. e P. D., por compra a M. P., pela apresentação n.º 536 de 2014.01.06. [fls. 18 e 18v] 7) O prédio urbano composto por casa de um pavimento e logradouro, com a área de 429 m2, sendo 64m2 de área coberta e 365 m2 de área descoberta, sito no lugar de ... , descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/19930401 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, está averbado a favor de A. S. e P. D., por compra a M. P., pela apresentação n.º 536 de 2014.01.06. [fls. 20 e 20v] 8) O negócio referido em 5) foi efectuado sem o consentimento dos Autores. 9) Os autores não intervieram na escritura referida em 5). 10) Em consequência do óbito de M. P., foi requerido processo de inventário no Cartório Notarial do Dr. P. C., na cidade de Barcelos, o qual tem o n.º 2404/19. [fls. 22 e ss.] 11) No âmbito do processo de inventário referido em 9) são interessados os Autores F. R., R. T., F. T. e M. R., que aí desempenha as funções de cabeça de casal. [fls. 22 a 25] 12) A cabeça de casal M. R. apresentou a relação de bens por óbito de M. P. no dia 11.06.2019, a qual foi notificada aos aqui autores. [fls. 26 e ss.] 13) Os aqui autores, em 28.06.2019, reclamaram da relação de bens e aí invocaram, para além do mais, a falta de relacionamento de três imóveis, entre os quais os dois referidos em 5). [fls. 31 e ss.] 14) A cabeça de casal M. R. veio responder à reclamação por requerimento de 05.09.2019, e aí refere que «(…) Os reclamantes (…) têm perfeito conhecimento, porque acompanharam a venda dos imóveis, inscritos na matriz sob os artigos 101 e 102 urbanos da freguesia de ..., concelho de Barcelos, que os mesmos não pertencem à herança, dado terem sido vendidos pela autora da herança a P. D., solteiro, maior e a A. S., solteira, maior, por volta do ano de 2014. (…)» [fls. 34 e ss.] 15) No processo de inventário referido em 9), os Autores receberam a resposta à reclamação à relação de bens referida em 14), no dia 05.09.2019. [fls. 34] 16) Por escritura de 07.09.2007, M. P. declarou vender e F. R. declarou comprar o prédio rústico constituído por terreno de cultura arvense e regadio, situado no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/.... [fls. 67v a 68v] 17) Os prédios referidos em 5) – dois artigos matriciais e duas descrições prediais - constituem uma única casa. 18) Os autores F. R., F. T. e R. T. sabiam que a mãe, M. P. tinha os prédios identificados em 5) à venda, tendo inclusive placas publicitárias para venda no prédio em período temporal não concretamente apurado. 19) A Autora R. T., em data não concretamente apurada mas depois de 03.01.2014, soube que M. P. vendeu os prédios referidos em 5), pelo menos, ao Réu P. D.. 20) Os autores F. T. e F. R. têm terrenos próximos dos prédios referidos em 5). 21) O autor F. T. é confrontante com os prédios referidos em 5). 22) O autor F. T., ainda antes de 2014, tinha um carro depositado nos prédios referidos em 5). 23) O Réu P. D., em 30 Dezembro de 2015, enviou ao Autor F. T., carta registada com aviso de recepção, que foi recebida pelo réu [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “pelo Autor”, em face da matéria de facto alegada na contestação, do teor do documento junto a fls. 69vº e 70 e dos factos provados em 22) e 24) da sentença ora em recurso] em 09.01.2016, com o seguinte teor: «Eu, P. D., venho por este meio, solicitar ao Exmo. Sr. F. T., que proceda à remoção do veículo de que é proprietário da marca Ford e modelo Fiesta, que se encontra na minha propriedade, localizada na Rua …, em ..., Barcelos. Peço que proceda à remoção do mesmo até ao dia 15 de Janeiro de 2016, impreterivelmente. Caso isso não se verifique, serei forçado a tomar as medidas legais necessárias. Agradeço a sua colaboração e compreensão. (…)» 24) Após a recepção da carta referida em 22), o Autor F. T. removeu o veículo. 25) As construções existentes nos prédios referidos em 5) estão descritas na caderneta predial urbana como inscritas na matriz no ano de 1937. [fls. 69v a 70v] 26) Na caderneta predial urbana, o artigo … tem o valor patrimonial de €18.371,50 e o artigo 102 tem o valor patrimonial de €11.611,60, ambos determinados no ano de 2018. [fls. 69v a 70v]
Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:
a) Com o negócio referido em 5), pretenderam os Réus que os Autores fossem lesados nos seus direitos sucessórios. b) Os prédios referidos em 5) têm um valor de mercado de valor superior a mais de metade pelo qual foram vendidos. c) A referida venda foi efectuada pelo valor simbólico de €29.540,00. d) O valor de €29.540,00 é um valor muito inferior ao valor real dos prédios. e) A venda referida em 5), foi efectuada em comum à Ré A. S. e ao Réu P. D., que na altura era seu companheiro porque todos os Réus sabiam que nunca os Autores iriam consentir na venda naqueles moldes. f) A intervenção do Réu P. D. na escritura referida em 5) quando ainda era apenas companheiro da Ré A. S., foi uma “artimanha” preparada pelos Réus para quando os tios, aqui Autores pedissem a anulação da venda, ficarem em parte “salvaguardados”. g) Os Autores sabem que o preço pago foi superior ao declarado na escritura. h) Os Réus pagaram à vendedora a quantia de €40.000,00. i) Os Autores sempre mantiveram e mantêm entre si estreito relacionamento, conversando frequentemente entre si e seus familiares sobre todos os assuntos. j) Conversando e comentando entre si e seus familiares, vizinhos e amigos sobre a intencionada venda e sobre a compra que acabou por sei feita. k) As placas publicitárias referidas em 18) existiam desde 2010. l) Os Autores souberam da intenção de M. P. vender aos Réus A. S. e P. D. antes da realização do negócio. m) Para além do referido em 19), os Autores tiveram conhecimento da compra e venda nas semanas seguintes à mesma. n) E ela não se opuseram. o) A Autora R. T. tem terrenos próximos dos referidos em 5). p) Para além do referido em 22), os Autores depositavam no prédio objetos. q) Os Autores sempre agiram de forma respeitar a propriedade dos Réus A. S. e P. D., tendo deixado de entrar nos prédios identificados em 5), como faziam até então. r) Os Autores sabem que a venda efetuada aos Réus A. S. e P. D. não teve qualquer intuito em os prejudicar e não os prejudicou. s) Os Autores, ao longo dos anos, sempre criaram nos Réus A. S. e P. D. a convicção de que nunca arguiriam a anulação do negócio referido em 5).
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O demais alegado pelos autores e pelos réus constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão atendendo ao objecto do processo e às regras do ónus da prova.
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Apreciando e decidindo.
I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Vem a Ré A. S., ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, alegando que:
a) – foram incorrectamente julgados os factos não provados nas alíneas c), g) e h) e, em consonância, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 27) Em 10.01.2014, a quantia de 29.540,00€ foi creditada, em conta da vendedora, M. P. com o n.º ...........
30)Aquantiade10.460,00€foitransferidaem29.04.2015paraaindicadacontadavendedoracomon.º..........;
que resultam directamente da prova documental junta, nomeadamente da escritura de compra e venda e dos comprovativos de transferências bancárias constantes do doc. 16 junto com a contestação, bem como do depoimento/declarações de parte do A. F. R. e do depoimento de parte do A. F. T., os quais deviam ter sido valorados na ligação com a demais prova produzida, conforme teoricamente vertido na sentença;
b) – “em consonância”, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 31)Àdatadacompraepelomenosdesdeoanode2007osprédiosencontravam-sedevolutos
42)Residindonoimóvel,fazendodoadquiridoparaalémdasuahabitaçãoprópriaepermanenteasuacasamoradadefamília.
que resultam directamente da prova documental junta na contestação como doc. 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, aliás reflectidos na sentença em “2.3 Motivação da Decisão de Facto”, não constando na matéria de facto então elencada, os factos que os mesmos espelham;
c) – foram incorrectamente julgados os factos não provados nas alíneas l) e m) e, em consonância, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 43)Quenamissade7.ºdiaporfalecimentodamãedosAA.ocorridoem13.10.2018,conforme1)dosF.P.,airmãdoA.F. R.lhetransmitiuqueamãenãodeixoubens,nomeadamenteprédios.
44)OsRR. [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “os Autores”, em face da matéria de facto alegada pelas partes nos respectivos articulados e do teor das alíneas l) e m) dos factos não provados enunciadas na sentença ora em recurso] tiveramconhecimentodavendadoprédiopelomenosatéaofinaldomêsdeoutubrode2018.
que resultam do depoimento/declarações de parte do A. F. R.; e
45)Apresenteaçãodeanulaçãodeuentradaemjuízoem21.02.2020;
conforme resulta directamente do formulário da petição inicial.
No âmbito da sua pretensão, entende a Ré/recorrente que resulta objectivamente dos depoimentos de parte dos AA. acima referidos, da prova documental e da prova testemunhal vertida na sentença e que repristina, o seguinte:
A presente acção foi intentada pelos três irmãos em 21/02/2020;
A Autora R. T. soube da intenção e posteriormente da venda, porque a sua mãe lhe transmitiu que tinha vendido o imóvel;
O Autor F. T. sabia pelo menos desde a notificação do facto provado 23), isto é, desde 30/12/2015, que o prédio havia sido vendido, como aliás confessou no seu depoimento;
O Autor F. R. soube, porque lhe foi transmitido pela irmã na missa de 7º dia da mãe, falecida em 13/10/2018, que não existiam bens, nomeadamente prédios, por óbito da mãe;
Resulta igual e objectivamente provado, conforme 6) e 7) dos factos provados, que os prédios se encontravam publicamente registados a favor dos RR. P. D. e A. S. desde 6/01/2014.
Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:
(…)
Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. M. P. Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLS, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente cumpriu minimamente os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos do depoimento/declarações de parte do A. F. R. e de dois pequeníssimos excertos do depoimento de parte do A. F. T., por ela mencionados para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental e as fotografias juntas com a contestação, que retratam os prédios em causa nos autos e as edificações neles existentes – elementos estes tidos em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pela ora recorrente.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para o depoimento/declarações de parte do Autor F. R. e o depoimento de parte do Autor F. T., ambos mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos não provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente e à matéria que esta pretende aditar aos Factos Provados - e sopesando-a com a matéria alegada pelos AA. e pelos RR. nos respectivos articulados e a restante prova existente no processo, designadamente com o depoimento de parte da Autora R. T., os depoimentos das testemunhas inquiridas referidas na “motivação de facto”, e os seguintes documentos:
- certidão da escritura de compra e venda (doc. 3 da petição inicial - fls. 15 a 17);
- relação de bens apresentada no processo de inventário por óbito de M. P. (doc. 9 da petição inicial - fls. 26 a 30);
- reclamação dos AA. à relação de bens e resposta da cabeça de casal (doc. 10 e 11 da petição inicial - fls. 31 e 32 e 34 a 36vº);
- carta do R. P. D. endereçada ao A. F. T. (doc. 4 da contestação - fls. 69vº e 70);
- requerimentos à Câmara Municipal e às Águas de … de fls. 72vº e 73, fotografias retiradas do Google Maps de fls. 73vº e 74, fotografias de fls. 74vº, 75 e 83, documentos de IMI de fls. 75vº a 80, projecto da habitação de fls. 80vº a 81vº, atestado de residência de fls. 82 e recibo da Junta de Freguesia de ... de fls. 82vº (doc. 6 a 14 da contestação);
- comprovativos de transferências bancárias (doc. 16 da contestação - fls. 85vº e 86);
referidos na “motivação de facto” e nas alegações de recurso, e ainda com a descrição e análise da prova testemunhal feita pelo Tribunal “a quo” na fundamentação de facto e que não foi posta em causa pela recorrente, constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação e análise crítica e minuciosa de todos os elementos de prova constantes do processo, confrontando-os, ainda, com as regras da experiência comum e do ónus da prova, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos e que merece a nossa concordância.
Entende a Ré/recorrente que foram incorrectamente julgados:
a) - os factos não provados nas alíneas c), g) e h) e, em consonância, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 27) Em 10.01.2014, a quantia de 29.540,00€ foi creditada, em conta da vendedora, M. P. com o n.º ..........; 28)Opreçorealdevendafoisuperioraoconstantedaescritura; 29)OsRR.pagaramàvendedoraaquantiatotalde40.000,00€; 30)Aquantiade10.460,00€foitransferidaem29.04.2015paraaindicadacontadavendedoracomon.º..........; 31)Àdatadacompraepelomenosdesdeoanode2007osprédiosencontravam-sedevolutos; 32)Nãotendocondiçõesdehabitabilidade; 33)Nãodispondodeáguaouelectricidade; 34)DesdeaescrituraosRR.agiramcomoproprietários; 35)Limpandooterreno; 36)Vedandooacessoaoprédioecolocandocorrentesnoseuacesso; 37)Fazendoobrasàvistadetodosesemoposiçãodeninguém,nomeadamentedosAutores; 38)Porsieporterceirosautorizados; 39)Pagandoosimpostos; 40)ElaborandoEstudosparaprojetosaedificar; 41)Obtendonúmerodeportaparaoprédioeafixandoomesmo; 42)Residindonoimóvel,fazendodoadquiridoparaalémdasuahabitaçãoprópriaepermanenteasuacasamoradadefamília;
b) – foram incorrectamente julgados os factos não provados nas alíneas l) e m) e, em consonância, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 43)Quenamissade7.ºdiaporfalecimentodamãedosAA.ocorridoem13.10.2018,conforme1)dosF.P.,airmãdoA.F. R.lhetransmitiuqueamãenãodeixoubens,nomeadamenteprédios; 44)OsAA. (tendo já em atenção a correcção efectuada supra) tiveramconhecimentodavendadoprédiopelomenosatéaofinaldomêsdeoutubrode2018; 45)Apresenteaçãodeanulaçãodeuentradaemjuízoem21.02.2020.
Embora a recorrente mencione apenas nas suas alegações e respectivas conclusões que considera incorrectamente julgados os factos não provados nas alíneas c), g), h), l) e m) e, em consonância, devem ser aditados à matéria de facto provada os factos supra enunciados sob os nºs 27 a 45, retira-se da sua leitura que a mesma pretende que as referidas alíneas c), g), h), l) e m) sejam eliminadas dos factos não provados e, em conformidade com isso, sejam dados como provados os factos 27 a 45 supra descritos, por entender que “resultam diretamente da prova documental junta aos autos e dos depoimentos dos AA. prestados em sede de audiência de julgamento (…), conjugados com a prova testemunhal produzida e com o alegado pelos próprios AA. na petição.”
As alíneas c), g), h), l) e m) dos factos não provados que a recorrente considera terem sido incorrectamente julgados têm a seguinte redacção: c) A referida venda foi efectuada pelo valor simbólico de € 29.540,00 (cfr. artº. 19º da petição inicial); g) Os Autores sabem que o preço pago foi superior ao declarado na escritura (cfr. artº. 72º da contestação); h) Os Réus pagaram à vendedora a quantia de € 40.000,00 (cfr. artº. 73º da contestação); l) Os Autores souberam da intenção de M. P. vender aos Réus A. S. e P. D. antes da realização do negócio (cfr. artº. 17º da contestação); m) Para além do referido em 19), os Autores tiveram conhecimento da compra e venda nas semanas seguintes à mesma (cfr. artºs 18º e 38º da contestação).
E em consonância com isso, pretende a recorrente que sejam aditados à matéria de facto provada os factos supra descritos sob os nºs 27 a 45, não constando estes (com excepção dos factos 28 e 29) da matéria de facto (provada e não provada) elencada na sentença recorrida.
A recorrente fundamenta a sua pretensão, quanto aos factos supra referidos, numa apreciação subjectiva e deturpada de determinadas passagens da gravação e alguns trechos do depoimento/declarações de parte do A. F. R. e de dois pequeníssimos excertos do depoimento de parte do A. F. T., que transcreve nas suas alegações, isoladamente considerados e completamente desenquadrados do contexto em que foram prestados, da escritura de compra e venda junta a fls. 15 a 17 e dos documentos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 16 da contestação acima enunciados, ignorando completamente a restante parte daqueles depoimentos e a demais prova existente no processo, bem como a apreciação e análise crítica da prova constante da “motivação de facto” da decisão recorrida, tendo a recorrente extraído, ainda, determinadas ilações sem qualquer base de sustentação nos elementos de prova por ela invocados e separados da restante prova produzida.
Como é sabido, a análise crítica da prova impõe uma ponderação objectiva e global de toda a prova produzida e não apenas de alguns depoimentos analisados separadamente e valorados apenas na parte que interessa ao recorrente, tendo sido do conjunto de todos os elementos de prova conjugados com as regras da experiência comum e do ónus da prova que resultou a convicção do Tribunal “a quo” no sentido plasmado na sentença sob censura.
O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, tem de ser ponderado em conjugação com os das outras testemunhas e todos conjugados com os demais elementos de prova (cfr. acórdãos da RG de 4/02/2016, proc. nº. 283/08.8TBCHV-A e de 18/12/2017, proc. nº. 4601/13.9TBBRG, acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, revisitados os depoimentos dos AA. F. R. e F. T. mencionados pela Ré/recorrente, conjugados com os restantes meios de prova produzidos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto”, não se vislumbra que tais depoimentos (designadamente nos excertos transcritos) e os elementos documentais constantes dos autos (nomeadamente a escritura de compra e venda de fls. 15 a 17, a carta do R. P. D. de fls. 69vº e 70, os comprovativos de transferências bancárias de fls. 85vº e 86, os documentos 9 a 11 da petição inicial e os documentos 6 a 14 e 16 da contestação), sejam de molde a permitir a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Com efeito, os factos dados como provados e não provados são o resultado da análise cuidadosa de toda a prova produzida e respectiva valoração feita pelo Tribunal “a quo”, tal como consta da motivação de facto supra transcrita, na qual explicitou detalhadamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos e declarações de parte, depoimentos das testemunhas e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, sendo certo que os argumentos aduzidos pela recorrente não se mostraram compatíveis com a prova produzida nos autos de forma a infirmar a apreciação feita pelo Tribunal.
No que se refere aos factos 27 a 30 supra descritos, alega a Ré/recorrente que o preço dos prédios vendidos pela falecida M. P. aos RR. A. S. e P. D. não foi o declarado na escritura junta aos autos, mas sim um valor superior – ou seja, € 40.000,00 – quantia esta que os RR. compradores efectivamente pagaram à vendedora, o que resulta directamente da prova documental junta, nomeadamente da escritura de compra e venda de fls. 15 a 17 e dos comprovativos das transferências bancárias efectuadas para a conta da vendedora que integram o doc. 16 junto com a contestação (fls. 85vº e 86).
Argumenta, ainda, a recorrente que os AA. não negam que aquelas transferências tenham sido efectuadas, nem que a conta nº. .......... (para a qual foram feitas) não fosse pertença da vendedora, tendo sido eles que alegaram na petição inicial a venda dos prédios pelo preço de € 29.540,00 que consta da escritura de compra e venda, e perante a alegação dos RR. de que terão pago pelos prédios valor superior ao declarado na escritura, isto é, a quantia de € 40.000,00, juntando para o efeito os comprovativos das aludidas transferências bancárias, limitaram-se os AA. na réplica a impugnar o doc. 16 da contestação e a alegar desconhecer se tais transferências se destinavam ao pagamento do preço da compra e venda, para além de que os AA. nunca alegaram na sua petição que o preço não foi pago e que a vendedora não o tenha recebido, nem impugnaram o teor da escritura de compra e venda e não alegam ou sequer indiciam que as transferências operadas serviram qualquer outro propósito que não o pagamento do valor da compra e venda dos imóveis.
Em primeiro lugar, importa referir que a matéria vertida nos mencionados pontos 28 e 30 ora aditados pela recorrente, embora esteja baseada no documento 16 junto com a contestação, não foi sequer alegada pelas partes nos respectivos articulados, tendo aquele documento sido impugnado (juntamente com outros apresentados com a contestação) pelos AA., na réplica, “por desconhecerem se os mesmos se referem ao imóvel em questão nos autos”.
Ora, analisando os documentos juntos a fls. 85vº e 86 (que constituem o doc. 16 da contestação) constatamos que apenas comprovam duas transferências bancárias efectuadas de uma conta bancária titulada pelo R. P. D. para a conta nº. .........., pertencente a M. P. (sendo essa conta indicada na relação de bens do processo de inventário por óbito da vendedora M. P., como pertencendo à falecida, não sendo impugnada a sua titularidade na reclamação apresentada pelos AA. – cfr. doc. 9 e 10 da petição inicial), sendo uma transferência efectuada em 10/01/2014, no valor de € 29.540,00 e a outra efectuada em 29/04/2015, no valor de € 10.460,00.
Quanto à questão do valor da venda, refere-se na “motivação de facto” da sentença recorrida o seguinte: «Relativamente ao valor da venda – factos não provados em c), g) e h), também nenhuma prova se fez do valor da venda dos imóveis. Valoraram-se os documentos de fls. 85v e 86, mas a verdade é que se o valor constante do documento de fls. 85v corresponde ao valor declarado na escritura e é de uns dias após a mesma, o de fls. 86 remonta já a um ano e três meses após o negócio e ninguém confirmou que essa transferência da conta do réu para a conta da falecida M. P. foi para pagamento do remanescente do preço. Deste modo, na ausência de prova de qual foi o preço efectivamente pago, demos como não provados tais factos.»
Repare-se que, tal como consta referido na sentença (e, a nosso ver, bem), a primeira transferência no valor de € 29.540,00 (doc. de fls. 85vº) foi efectuada 7 dias após a data de outorga da escritura e a segunda transferência no valor de € 10.460,00 foi efectuada 1 ano e 3 meses depois da outorga da escritura, sendo que os RR. não lograram provar por qualquer meio, nem sequer por prova testemunhal, que essas supostas transferências tivessem sido para pagamento do preço da venda dos prédios identificados em 5 a 7 dos factos provados e que estão em discussão nos presentes autos.
Aliás, contrariamente ao referido pela Ré/recorrente nas suas alegações, os AA., na réplica, impugnaram os factos alegados pelos RR. nos artºs 71º a 73º da contestação atinentes ao valor da venda dos prédios e ao pagamento à vendedora de um preço superior ao declarado na escritura, bem assim como o documento 16 da contestação referente às aludidas transferências bancárias.
Ademais, os AA. não negam que as transferências tenham sido efectuadas, nem que a conta para a qual foram feitas não fosse da vendedora, porquanto tal matéria nem sequer foi alegada pelos RR. na contestação - daí os AA. não se terem pronunciado sobre a mesma nos seus articulados.
Deste modo, os AA. não só não reconheceram as transferências que a Ré/recorrente vem agora, em sede de recurso, alegar terem sido efectuadas, como também não reconheceram que as mesmas se referiam ao pagamento do preço da venda dos prédios, nem o poderiam fazer uma vez que estes factos nem sequer foram alegados pelos Réus.
Os AA. em nenhum dos seus articulados afirmaram que os RR. haviam pago o preço que consta da escritura ou qualquer outro valor. Limitaram-se a alegar e a reproduzir, nos seus articulados, o que consta da escritura de compra e venda, o que é uma situação diferente de aceitarem que houve qualquer pagamento do preço ali referido.
Com efeito, consta da aludida escritura outorgada em 3/01/2014, e foi dado como assente no ponto 5 dos factos provados, que M. P. declarou vender, em comum, os dois prédios urbanos identificados no artº. 2º da petição inicial, pelo preço global de € 29.540,00 que declarou já ter recebido, e que A. S. e P. D. declararam aceitar esse contrato nos termos exarados – o que é bem diferente de alegar e dar como provado que a referida venda foi efectuada pelo valor de € 29.540,00 e que este preço (ou o outro valor alegado pelos RR.) foi efectivamente pago pelos compradores.
O facto dos AA. não terem alegado na sua petição que o preço da venda não foi pago e que a vendedora não o recebeu, não tem o alcance que a recorrente lhe pretende dar, pois isso não significa que se provou o contrário, ou seja, que os RR. procederam ao pagamento do preço.
E o facto dos AA. alegarem que os prédios em questão têm um valor de mercado superior àquele que consta da escritura de compra e venda não significa a aceitação por parte destes que tenha sido pago qualquer valor.
Por outro lado, perante o facto dos AA. não terem impugnado a escritura de compra e venda, a recorrente retira a ilação de que os AA., quer nos articulados, quer nos depoimentos em Tribunal, não alegam ou sequer indiciam que as transferências bancárias efectuadas serviram qualquer outro propósito que não o pagamento do preço da venda dos imóveis.
Em primeiro lugar, os AA. nada disseram sobre as aludidas transferências bancárias, porquanto, como já referimos, tal matéria nem sequer foi alegada pelos RR. na sua contestação. Além disso, se os AA., na réplica, alegaram desconhecer se o documento 16 da contestação se referia aos prédios em discussão nos autos (tendo inclusive impugnado tal documento), daí não se poderá retirar que os mesmos tinham de saber e, portanto, de alegar para que finalidade foram efectuadas tais transferências.
Embora o valor constante do documento de fls. 85vº corresponda ao valor declarado na escritura, o facto da vendedora ter declarado na escritura de compra e venda que, à data da outorga da mesma, já havia recebido o pagamento do preço, não se coaduna com a circunstância de 7 dias após aquela data (ou seja, em 10/01/2014) ter sido efectuada uma transferência da conta do R. P. D. para a conta da falecida M. P., no valor de € 29.540,00, para pagamento do preço da venda que a vendedora supostamente já tinha recebido, de acordo com o que foi declarado na escritura de compra e venda. Acompanhando o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de 1ª instância, os RR. não lograram provar, por qualquer meio, se procederam ao pagamento do preço da venda e qual o preço que foi por eles efectivamente pago, desconhecendo-se se a transferência de € 29.540,00 para a conta da vendedora diz, na verdade, respeito ao pagamento do preço da venda dos prédios (ou se não se tratou apenas de um “subterfúgio” dos RR. para dar a ideia de que aquele valor era referente ao pagamento do preço), tanto mais que estes não juntaram aos autos quaisquer extractos bancários da conta da vendedora por forma a verificar os movimentos efectuados naquela conta, nem nenhuma das testemunhas por eles arroladas depôs sobre esta matéria.
O mesmo se poderá dizer em relação à transferência bancária de € 10.460,00 efectuada da conta do R. P. D. para a conta da vendedora M. P.. Entendemos que não se poderá concluir, como parece fazer a recorrente, que a mesma tivesse outra finalidade que não fosse o pagamento do valor da venda dos prédios, tanto mais que aquela quantia transferida um ano e três meses após a venda poderia dizer respeito a outra situação, como por exemplo, ao pagamento de um empréstimo da falecida ao R. P. D., para além de que, como se refere na sentença recorrida, ninguém confirmou que essa transferência foi para pagamento do remanescente do preço.
Ademais, contrariamente ao pretendido pela recorrente, do depoimento de parte do Autor F. R. não resulta qualquer confissão, nem se extrai nada de relevante que permita infirmar o que vem sendo referido. Aliás, do mesmo resulta que aquele Autor não sabia se foi efectuado algum pagamento por conta do preço da venda dos prédios, tendo referido apenas que o valor declarado na escritura é inferior ao valor de mercado, admitindo, no entanto, não saber qual o valor de mercado.
E idêntico raciocínio se infere do depoimento de parte do Autor F. T., relativamente ao qual a Ré transcreve nas alegações apenas duas perguntas soltas e as respectivas respostas, que nada têm a ver com a questão do pagamento do preço de venda dos prédios em causa nos autos.
Em face do acima exposto, conjugado com o que se mostra explanado na “motivação de facto” inserta na sentença recorrida, entendemos que se devem manter como não provados os factos vertidos nas alíneas c), g) e h), não se aditando à matéria de facto provada os factos 27 a 30 acima descritos, soçobrando, nesta parte, a pretensão da Ré/recorrente.
Relativamente aos factos 31 a 42 que a recorrente pretende acrescentar à matéria de facto provada, alega a mesma que tais factos resultam directamente dos documentos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 da contestação, todavia não constam da matéria de facto elencada na sentença recorrida.
Tais factos correspondem à matéria alegada nos artºs 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 58º a 60º, 61º, 62º, 63º, 65º e 66º da contestação, respectivamente, e não constam enunciados na matéria de facto elencada na sentença recorrida, uma vez não têm relevância para o objecto do presente litígio e não estão relacionados com as alíneas c), g), h), l) e m) dos factos provados que a recorrente considera terem sido incorrectamente julgadas.
Como é referido na sentença recorrida, com a presente acção pretendem os AA. a anulação da escritura pública de compra e venda de dois prédios identificados no artº. 2º da petição inicial, celebrada entre a sua mãe M. P., na qualidade de vendedora, e os RR. A. S. e P. D., como compradores.
Devemos, ainda, ter em atenção o objecto do litígio definido no despacho de fls. 169 e vº, que se encontra circunscrito a saber se:
- Os Autores, na qualidade de filhos da falecida M. P., consentiram, ou não, na venda dos prédios aos Réus A. S., neta da vendedora, e P. D., companheiro de A. S., nos termos do artº. 877º do Código Civil;
- Caducou o direito dos Autores pedirem a anulação da venda, por terem conhecimento do negócio há mais de um ano;
- Existe uma situação de abuso de direito por parte dos Autores;
- Os Autores litigam de má fé.
Não se vislumbra, pois, que os aludidos factos 31 a 42 se enquadrem em alguma das questões objecto de discussão na presente acção; quando muito, tais factos poderiam ter interesse em sede de apreciação da reconvenção deduzida pelos RR., mas esta não foi admitida por despacho de fls. 167 a 169. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que os documentos 6 a 14 da contestação mencionados pela recorrente, só por si, sem articulação com quaisquer outros meios de prova, designadamente testemunhal, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada, designadamente com o aditamento dos factos 31 a 42 nos termos pretendidos pela recorrente. Tais documentos foram impugnados pelos AA. na réplica, por não terem o efeito probatório pretendido pelos RR. (os doc. 6 a 13) e se desconhecer se o doc. 14 diz respeito aos prédios em discussão nestes autos, não tendo os AA. F. R., F. T. e R. T., nos respectivos depoimentos de parte, revelado qualquer conhecimento sobre a matéria constante dos factos 31 a 42 aditados pela recorrente, para além de que não foi produzida prova testemunhal suficientemente sólida para dar como provados aqueles factos com o alcance que a Ré/recorrente lhes pretende dar (ou seja, que os mesmos demonstram a publicidade e não ocultação pelos RR., mormente pela Ré A. S., do negócio realizado), como se mostra explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida, nos termos que passamos a explicar.
Com efeito, consta da sentença sob escrutínio que a testemunha M. M. (vizinha da falecida M. P.) referiu que se a falecida M. P. não lhe tivesse falado da venda, não daria pela mesma, pois não viu, na casa, alterações de fundo (para além da retirada das placas) que permitisse concluir pela venda, uma vez que aquilo estava “ao Deus dará”, sendo que quando os RR. A. S. e P. D. vinham de Angola “limpavam o terreno, mas o Sr. F. R. que tinha lá uma pequena horta e uns trepos, também limpava o terreno (aquilo estava tudo limpinho…). Apenas se viram diferenças no prédio cerca de 2/3 meses antes do casamento dos réus, porque foram feitas obras (obras essas essencialmente no interior e depressa), sendo que a principal diferença foi a pintura de uma parede. Os réus puseram correntes.”
Por sua vez, a testemunha L. C. (vizinha da falecida M. P.) afirmou que “quando compraram, os réus passaram a limpar o terreno (era a primeira coisa que faziam quando vinham de Angola) e ainda deixavam o Sr. F. R. colocar trepos e plantar uma pequena horta, o qual só limpava a parte que cultivava. Chegou a ver correntes.”
A testemunha M. G. (vizinha da falecida M. P.) disse também que “os réus quando compraram começaram a limpar, limpavam os dois e até faziam queimadas. O Sr. F. R. colocava lá trepos e plantava uma pequena horta, mas só limpava a parte que cultivava. Os Réus puseram correntes.”
A testemunha Manuel (que foi Presidente da Junta de Freguesia entre 2013/2017 e desde então é Secretário da Junta) referiu que “os réus depois de comprarem fizeram limpeza, porque estava com ar de abandono e fizeram obras, há cerca de 3 anos, mas foram praticamente no interior e mudaram portas e janelas. Havia um Sr. que cultivava o terreno e partia trepos, na zona mais próxima da rua e estava mais limpo.”
A testemunha N. B. (funcionário administrativo da Junta de Freguesia) disse que depois da venda, “o terreno foi cultivado na parte virada para a Rua e o prédio passou a estar cuidado.”
A testemunha F. R. (que mora próximo do local e é a pessoa que cultivava o terreno e tinha lá os trepos) referiu que “(…) os réus quando vinham também limpavam. Quando falou com os réus a primeira vez, já lá tinha batatas plantadas. Plantou a horta junto à via pública (…).”
A testemunha J. B. (que fez as obras na casa dos RR. no ano de 2018) afirmou que “as obras duraram para aí 4 meses, e do exterior foi mudar portas e janelas (fechar e abrir) e pintar (última coisa a ser feita). Foram realizadas diversas obras no interior (…).”
É ainda mencionado na “motivação de facto” que «os réus estavam e continuaram emigrados em Angola e vinham a Portugal, uma a duas vezes por ano (do que não duvidamos) e limpavam o terreno quando vinham de férias (estamos a falar desde a venda até ao casamento de cerca de 4 anos). Ora, já quanto à limpeza, também aqui a prova não é muito clara, pois a testemunha M. M. disse que F. R. mantinha o prédio todo limpo, mas já L. C. e M. G. disseram que ele só limpava a parte que cultivava. E mesmo que limpassem, considerando a relação familiar existente – a falecida vivia com a neta e a filha – poderia tratar-se de um favor à avó. Não é de tal acto, realizado 4 ou 5 vezes no mesmo número de anos, que se pode concluir que os autores ou outras pessoas soubessem da venda à neta, a ré A. S.», ou que fosse evidente para os AA. ou outras pessoas, acrescentamos nós, que os RR. ao praticarem tais actos o fizessem como sendo verdadeiros donos e possuidores dos prédios em questão, sendo certo que poderiam considerar que se tratava de um favor que os RR. faziam à M. P., uma vez que esta vivia com a sua neta A. S. e com a filha M. R..
Deste modo, entendemos que não devem ser aditados à matéria de facto provada os factos 31 a 42 supra referidos, uma vez que não revestem qualquer interesse para a decisão do presente litígio.
Quanto aos factos 43 e 44 que a recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto provada, por contraponto com as alíneas l) e m) dos factos não provados que considera terem sido incorrectamente julgados, e que têm a ver com o alegado conhecimento dos Autores da venda efectuada pela sua mãe M. P. aos RR. A. S. e P. D., a Ré/recorrente sustenta a sua pretensão num pequeno trecho do depoimento de parte do Autor F. R., que transcreve nas suas alegações, argumentando que o mesmo confessou que a sua irmã lhe disse na missa de 7º dia por morte da mãe, que não havia nenhuns bens a partilhar, extraindo daqui a conclusão de que o A. F. R. teve conhecimento, pelo menos logo após a morte da sua mãe (ocorrida em 13/10/2018), que inexistiam quaisquer prédios na titularidade da falecida aquando do óbito.
Entende, ainda, a recorrente que para além do facto provado em 19., extrai-se do facto provado em 23. que o A. F. T. igualmente soube da venda (pelo menos desde a carta que lhe foi enviada pelo R. P. D.) e que um terceiro, em 30/12/2015, se arrogava proprietário do imóvel em discussão nos autos, concluindo também que resultou objectivamente da prova produzida que a A. R. T. soube da intenção e posteriormente da venda, porque a sua mãe lhe transmitiu que tinha vendido o imóvel.
Em primeiro lugar, importa referir que a matéria vertida nos mencionados pontos 43 e 44 ora aditados pela recorrente, não foi sequer alegada pelas partes nos respectivos articulados (designadamente na contestação), tendo o facto descrito no ponto 43 sido apenas mencionado pelo A. F. R. no âmbito do seu depoimento de parte prestado em audiência de julgamento.
No que concerne ao valor probatório das declarações de parte (e também do depoimento de parte), vem sendo defendido na nossa jurisprudência que o actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) introduziu, com o normativo do artº. 466º, “um novo e autónomo meio de prova, tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente”, sendo tais declarações sempre livremente apreciadas pelo Tribunal, nos termos do nº. 3 do artº. 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão (cfr. acórdãos da RL de 10/04/2014, proc. nº. 2022/07.1TBCSC-B e da RG de 29/05/2014, proc, nº. 2797/12.6TBBCL-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
Relativamente ao depoimento de parte a que aludem os artºs 352º e 356º, nº. 2 do Código Civil, refere o citado acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014 que “é já hoje aceite por numeR. T. jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios”.
Ademais, no citado acórdão da Relação de Guimarães de 29/05/2014 refere-se que “actualmente, e perante o que dispõe o artº. 466º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção”, acrescentando, ainda, no que concerne ao depoimento de parte, que já não fará sentido reduzir tal depoimento aos factos que sejam desfavoráveis ao depoente, “integrando também o domínio da livre apreciação do juiz os factos declarados pela parte que lhe sejam favoráveis, ainda que se reconheça que esta apreciação terá de ser mais rigorosa e apertada que a parte do relato dos factos desfavoráveis, impondo-se a conjugação com outros elementos de prova que apontem no sentido da corroboração da realidade daqueles factos”.
Defende o Prof. José Lebre de Freitas (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278) que a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Por outro lado, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.
Como é sabido, as declarações/depoimento de parte (quando este último não se traduza em confissão) contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, tendo sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório.
Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações/depoimento de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis.
Como vem sendo defendido na jurisprudência, a relevância das declarações de parte (e também do depoimento de parte) poderá justificar-se pela possibilidade de vir a fornecer elementos relevantes para a apreciação da prova, particularmente se forem confirmadas por outros elementos probatórios relevantes.
Importa, assim, nas declarações da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja corroborado por outros meios de prova, designadamente que tais declarações sejam confirmadas por outros dados que, ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração.
Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a confirmação por algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes (cfr. acórdão da RG de 18/01/2018, proc. nº. 294/16.0Y3BRG, disponível em www.dgsi.pt).
Como bem resulta da motivação de facto, o Tribunal “a quo” analisou o depoimento/declarações de parte do Autor F. R. e os depoimentos de parte dos Autores F. T. e R. T. de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse directo que os mesmos têm na decisão da causa.
Na sequência da apreciação e análise crítica feita pelo Tribunal “a quo” dos depoimentos de parte dos AA. (e declarações de parte apenas do A. F. R.) para a qual remetemos, por com ela concordarmos, a fim de evitar repetições inúteis, tivemos oportunidade de constatar, pela audição dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, que os AA. F. R. e F. T. estavam de relações cortadas com a sua mãe há vários anos, não falavam com a sua sobrinha A. S., nem com a sua irmã M. R. (mãe da A. S.) e não conheciam o R. P. D., ao passo que a A. R. T. apenas fazia visitas esporádicas e breves à mãe, tendo a própria referido que falava com a irmã M. R. (com quem a mãe residia) o estritamente necessário “só bom dia, boa tarde” quando ia visitar a mãe, tendo todos os AA. afirmado que não existe um relacionamento estreito entre os irmãos (uma vez que moram longe uns dos outros), não conversam uns com os outros, nem com os vizinhos ou as outras pessoas da localidade - o que aliás foi confirmado pelas testemunhas M. M., L. C. e M. G. (todas vizinhas da falecida M. P.) nos termos expendidos na “motivação de facto” da sentença recorrida, resultando evidente para o Tribunal que os AA. não se davam com as pessoas da freguesia e não havia entre eles, a mãe M. P., a irmã M. R. e a sobrinha A. S. uma relação “de família”, não falando sequer uns com os outros.
Por outro lado, o A. F. R. referiu, no seu depoimento, que quando a irmã lhe disse na missa de 7º dia da sua mãe que não havia bens a partilhar, não acreditou, tendo retorquido, tal como se mostra transcrito, que “ela (irmã) sabia perfeitamente que havia (referindo-se aos bens, designadamente aos prédios aqui em causa)”, afirmando que só soube da venda dos prédios aos RR. P. D. e A. S. em 2019 quando os irmãos tiveram numa reunião para conferência dos bens da herança da mãe, em data que não soube precisar (“achando que foi em Setembro de 2019”), e que nunca soube da intenção da mãe de vender os prédios ao P. D. e à sobrinha A. S..
Ademais, contrariamente ao que conclui a recorrente, o que a A. R. T. referiu, no seu depoimento, foi que a sua mãe lhe transmitiu, numa das visitas que lhe fez, que tinha vendido os prédios ao P. D., que na altura já namorava com a sua sobrinha A. S., referindo-se apenas ao R. P. D., e não à Ré/recorrente, não sabendo precisar quando ocorreu essa conversa, sendo que daqui não se pode inferir que esta Autora tivesse tido conhecimento da venda à Ré A. S. antes de Fevereiro de 2019, como pretende a recorrente.
Acresce referir, ainda, que embora o A. F. T. tenha reconhecido que tinha um carro, que não andava, depositado no prédio em causa e confirmado que recebeu a carta junta a fls. 69vº e 70 e mencionada no ponto 23 dos factos provados, que lhe foi enviada por “um senhor chamado P. D. a dizer que o terreno era dele” e a dar-lhe um prazo para proceder à remoção do veículo da sua propriedade, tendo na sequência disso retirado o mesmo do prédio, não se pode concluir que o A. F. T. teve conhecimento da venda dos prédios à Ré A. S. por força daquele documento que recebeu, tanto mais que a dita carta foi endereçada e subscrita apenas pelo R. P. D., não transparecendo do respectivo conteúdo, transcrito no ponto 23 dos factos provados, que a Ré A. S. também fosse proprietária dos prédios em discussão.
Salienta-se também o facto de que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e indicadas pelos RR., corroborou a tese defendida pela recorrente, tanto assim é que a mesma, nas suas alegações, não faz referência, nem transcreve qualquer depoimento de algumas das várias testemunhas ouvidas no processo.
Como é referido expressamente na “motivação de facto” da sentença em apreço, as testemunhas arroladas pelos RR., M. M., L. C. e M. G., todas vizinhas da falecida M. P., referiram que os AA., à excepção da Autora R. T., já não falavam com a mãe há vários anos, inclusive, não se cumprimentando.
A propósito desta venda efectuada pela falecida M. P., consta da sentença que a testemunha M. M. disse: “que se a falecida M. P. não lhe dissesse da venda, não daria pela mesma, pois não se viu, na casa, alterações de fundo (para além da retirada das placas) que permitisse concluir pela venda, pois aquilo estava «ao Deus dará», tendo referindo, ainda, que a falecida M. P. lhe contou que havia dito à filha R. T. que tinha vendido os prédios ao R. P. D., mas não sabe se a R. T. contou aos irmãos e se os AA. F. R. e F. T. sabiam da venda.
Já quanto à testemunha Manuel, que inclusive foi Presidente da Junta de Freguesia entre 2013 e 2017 e desde então é Secretário da Junta, é referido na sentença que o mesmo disse que apenas ficou a saber da venda da casa na sequência da aproximação ocorrida por força da morte do pai do R. P. D., que era seu colega de trabalho, esclarecendo que não sabia se o resto da freguesia tinha conhecimento do negócio.
Refere-se também na sentença que a testemunha F. R., que mora próximo do local (e é a pessoa que cultivava o terreno), disse que “há cerca de cinco anos, foi falar com a M. P. para pedir para cultivar o terreno (que constitui o prédio objecto da venda) e quando chegou a casa da M. R. (onde aquela vivia), esta informou-o de que podia cultivar pois o terreno pertencia à filha e ao P. D..” O que significa que se esta testemunha, que até morava próximo do local, não sabia da venda feita aos RR. e por isso foi falar com a M. P., julgando-a ainda a proprietária dos prédios, é porque não havia qualquer sinal exterior que permitisse a quem quer que fosse, designadamente aos Autores, concluir que os prédios haviam sido alienados.
Por último, a testemunha M. G., como é referido na sentença, “(…) começou logo por dizer «venho dizer que o P. D. comprou aquilo», «quando o P. D. comprou para aí há 5 anos», «qualquer pessoa soube que aquilo foi vendido ao P. D.». O F. R. sabia porque a freguesia sabia toda. Quando questionada sobre quem comprou disse não saber se compraram os dois ou só um.”
Ora, contrariamente ao alegado pela recorrente, dos factos provados em 19 e 23 e da prova produzida nos autos, não se extrai que os AA. souberam da intenção da M. P. vender os prédios aos RR. A. S. e P. D. antes da realização do negócio e que, para além do referido em 19 dos factos provados, os AA. tiveram conhecimento da venda dos prédios nas semanas seguintes à mesma, ou pelo menos até ao final do mês de Outubro de 2018.
Como bem refere o Tribunal “a quo” na sentença recorrida «o problema probatório está, então, em saber se os autores tiveram ou não conhecimento da intenção da falecida vendedora M. P. vender os dois prédios à neta e da efectiva venda à neta e quando é que tal ocorreu (uma vez que os réus invocam a caducidade do direito, e sendo esse um facto extintivo, compete-lhes a prova de que o conhecimento remonta a período anterior ao ano que antecedeu a propositura da acção). E, em nosso entender, não se fez prova cabal, isto é, suficientemente segura e consistente de que os autores F. T. e F. R., tiveram tal conhecimento em data anterior a Fevereiro de 2019», pelas razões amplamente explanadas na “motivação de facto”, para as quais remetemos por com elas concordarmos.
Com efeito, resultou genericamente da prova testemunhal que se sabia que os prédios foram vendidos ao R. P. D., sendo também evidente que a A. R. T. teve conhecimento disso na altura e que o A. F. T. soube quando recebeu a carta que lhe foi enviada pelo R. P. D., não resultando claro que se soubesse que a M. P. havia vendido também à Ré A. S..
Em face do acima exposto e do que se mostra explanado na “motivação de facto”, concluímos, tal como fez o Tribunal recorrido, que para além dos depoimentos dos AA. não merecerem credibilidade (nomeadamente quanto ao conhecimento da venda efectuada pela sua mãe ao R. P. D.), tendo sido pouco colaborantes no apuramento dos factos, depondo de forma defensiva e, em alguns momentos, evasiva, evitando determinadas respostas ou até mesmo não respondendo a determinadas perguntas, o que foi mais evidente em relação à A. R. T. (pois era a que estava mais exposta aos contactos com a mãe e o negócio, uma vez que era a única que não estava de relações cortadas com a mãe e que a visitava, embora ocasionalmente), que se apresentou com uma postura comprometida, não respondendo a certas perguntas que lhe foram feitas, ou respondeu que não sabia ou que não se recordava para não se implicar, a que acresce toda a situação e relação familiar bastante invulgar, praticamente inexistente, a verdade é que as incoerências da prova testemunhal apontadas na “motivação de facto”, também não fornecem a consistência e a solidez necessária para que se possa considerar que os AA. tiveram conhecimento da venda à Ré A. S..
Por fim, é ainda de realçar que a descrição que foi feita dos AA. pelas testemunhas M. M. e M. G. - de que não falavam com ninguém, não eram sociáveis – é congruente com a ausência de perguntas às pessoas que andaram a trabalhar no prédio - F. R. e J. B. - e com a ausência de conhecimento do negócio e da concreta venda da M. P. à neta A. S..
Nesta conformidade, entendemos que se devem manter como não provados os factos vertidos nas alíneas l) e m), não se aditando à matéria de facto provada os factos 43 e 44 acima descritos, revelando-se, ainda, manifestamente inútil o aditamento do facto 45 (A presente acção de anulação deu entrada em juízo em 21/02/2020), uma vez que se trata de um dado objectivo que resulta directamente da própria petição inicial.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pela recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos por ela pretendidos.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
De acordo, pois, com o citado artº. 607º, nº. 5 do NCPC, o Tribunal “a quo”, neste caso, apreciou livremente os depoimentos/declarações de parte e os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, em conjugação com as demais provas produzidas, designadamente a prova documental, sopesando-as com as regras da experiência comum e do ónus da prova, tendo decidido segundo a sua prudente convicção acerca da factualidade ora colocada em crise.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com os documentos mencionados e as regras da experiência comum e do ónus da prova, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente à matéria de facto que a recorrente pretende ver alterada, inexistem quaisquer elementos de prova que permitam formar uma convicção diferente.
É certo que a recorrente não concorda com o decidido, mas não carreou para os autos prova consistente que imponha decisão diversa.
Deste modo, porque a decisão sobre a matéria de facto não merece reparo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pela Ré A. S..
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II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:
Ora, mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal “a quo”, ter-se-á de manter, em nosso entender, a decisão jurídica da causa, tendo aquele Tribunal feito uma correcta integração da aludida factualidade apurada nas normas jurídicas aplicáveis ao caso em apreço, tal como consta clara e exaustivamente explanado na “fundamentação de direito”, à qual aderimos integralmente e que aqui damos por reproduzida a fim de evitar repetições inúteis.
Em face da factualidade dada como provada e não provada na sentença sob escrutínio, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal “a quo”, quanto aos pedidos formulados pelos Autores, senão a que consta do dispositivo da sentença recorrida.
Todavia, entende a Ré/recorrente que, não obstante a discordância em relação à matéria de facto dada como provada e não provada, sempre discordaria, no caso concreto, da fundamentação de direito, argumentando, para tanto, que a razão de ser do normativo do artº. 877º do Código Civil é a protecção da legítima dos filhos ou netos, “crê-se, nas situações em que venham a ser prejudicados na vantagem ou favorecimento de outro descendente”, sendo que dos factos não provados nas alíneas a), b), c) ”simbólico” e d) e de toda a matéria constante dos autos, não se vislumbra que os AA. tenham ficado prejudicados pela venda efectuada.
Defende a recorrente que a norma do citado artº. 877º se encontra em relação directa com a ideia de prejuízo, que se pretende evitar, pois que de outra forma não admitiria suprimento, e no caso os AA. não tiveram nenhum prejuízo, sendo que tal norma não reprova em si a venda de pais a filhos e de avós a netos, antes pretende acautelar eventual acordo simulatório em prejuízo dos descendentes.
Considera a recorrente que se verificou, “in casu”, uma venda perfeita em comum e em partes iguais a um terceiro e a uma neta da vendedora, com efectiva entrega do preço ao ascendente e mediante registo e tradição do bem aos compradores, pelo que sempre se deveria admitir a validade do negócio.
Argumenta, ainda, que a inexistência de qualquer prejuízo por parte dos AA. e a motivação singular de simplesmente não quererem o prédio vendido à sobrinha, ora Ré/recorrente, sempre traduziria uma invocação abusiva da norma, sustentando a sua tese na parte do depoimento do A. F. R. em que declarou que nunca consentiria na venda efectuada por sua mãe à neta A. S., sua sobrinha, fosse ela porque preço fosse, e da A. R. T. em que refere ter intentado a acção por ter ficado ofendida por a sua sobrinha não ter falado pessoalmente consigo, bem como no facto do A. F. T. não ter conseguido precisar como foi lesado, admitindo no seu depoimento não saber o preço da venda ou sequer qual o valor constante da escritura.
Conclui a recorrente que da prova produzida, mormente dos depoimentos prestados pelos AA., é possível aferir a forma leve e leviana da sua actuação ao intentarem a presente acção, inexistindo, em seu entender, fundamento sério para o pedido de anulação da venda, pelo que a conduta dos AA. seria sempre abusiva.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o artº. 877º do Código Civil que: 1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial. 2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes. 3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente.
Como vem sendo pacificamente defendido pela doutrina e jurisprudência, o dispositivo legal do art.º 877º do Código Civil, que estabelece uma limitação ao basilar princípio da liberdade contratual (art.º 405º do mesmo Código), no concernente à liberdade de estipulação ou celebração de contratos, princípio ancorado na ideia de autonomia privada, enraizada esta no valor da autodeterminação individual e na própria dignidade da pessoa humana, limitação essa traduzida na exigência do consentimento de terceiros (outros descendentes) relativamente à celebração de negócio jurídico, tem uma finalidade preventiva, visando evitar situações de simulação relativa, difíceis de provar, em prejuízo das legítimas dos descendentes alheios ao negócio (celebração simulada de contratos de compra e venda para realizar doações) - cfr. Raul Ventura, Contrato de Compra e Venda no Código Civil, in ROA, Ano 43, 1983, pág. 272.
Dito de outro modo, a razão de ser da proibição contida naquele preceito legal é a de obstar à prática de vendas simuladas em prejuízo das legítimas dos descendentes (filhos ou netos) nos casos em que se entende que a simulação seria mais difícil de provar, isto é, de evitar que, através de doações encobertas, se lesassem as legítimas dos filhos ou netos, nas situações em que venham a ser prejudicados mediante vantagem ou favorecimento de outro descendente, seja filho, neto ou até bisneto (acórdão do STJ de 27/11/2007, proc. nº. 07B3618; acórdãos da RL de 13/12/2012, proc. nº. 689/10.2TCFUN e de 24/04/2019, proc. nº. 1954/18.6T8ALM, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Visa-se, pois, assegurar a intangibilidade das legítimas dos descendentes, proibindo-se as vendas por pais e avós a filhos e netos, sem o consentimento dos demais descendentes, por se presumir que essas vendas são relativamente simuladas.
Assim, a venda a filho (ou neto) sem o consentimento do(s) outro(s) filho(s) determina a anulabilidade do negócio. Os filhos que não deram o seu consentimento têm legitimidade para arguir a anulabilidade dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato.
Deve entender-se que a falta de consentimento para a venda a filho (ou neto) configura verdadeiro facto constitutivo do direito de arguir a respectiva anulabilidade, cujo ónus de alegação e prova compete aos autores, conforme o disposto no artº. 342º, n.º 1 do Código Civil (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 1997, Coimbra Editora, pág. 166; Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, pág. 59; acórdãos do STJ de 29/05/2012, proc. n.º 4146/07.6TVLSB e da RL de 26/06/2008, proc. nº. 6575/2008-6, disponíveis em www.dgsi.pt).
Reportemo-nos, agora, ao caso sub judice.
Na sentença recorrida, o Tribunal “a quo” fez uma clara e exaustiva interpretação do normativo do citado artº. 877º do Código Civil, enunciando as diferentes correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre a ratio deste preceito legal e o seu âmbito de aplicação, tendo concluído que importa que o parentesco visado pela norma exista na data da celebração do negócio.
Tendo, em seguida, apreciado o caso concreto da venda a “namorada ou namorado” do filho ou neto do vendedor, apoiando-se na Dissertação de Mestrado de Diogo André Silva Melo, “A Proibição de Venda a Filhos ou Netos – artº. 877º do Código Civil”, da Universidade de Coimbra, 2019 (obra não publicada e à qual a Mª Juíza “a quo” teve acesso por solicitação à Universidade de Coimbra e que lhe foi enviada pelo próprio autor, como é referido na sentença), nos termos que passamos a transcrever: «Este autor defende que o art. 877º do Código Civil é uma norma excepcional e não admite a sua interpretação analógica nem extensiva, e por isso considera que a norma apenas veda (se não houver o necessário consentimento) a venda a filhos ou netos, mas já não quando a venda é feita a outros sujeitos, como é o caso da venda a genro ou nora, nem por interposta pessoa e, por isso, defende que a venda ao namorado não é violadora de tal norma legal (ainda que o autor conclua pela necessidade de actualização da norma e de uma melhoria da sua redacção para evitar as dúvidas que a interpretação da mesma gera). Posto isto, e no caso concreto, verifica-se desde logo dos factos provados em 1) a 5) que M. P. declarou vender e A. S. e P. D. declararam comprar os dois prédios melhor identificados em 5) dos factos provados. Mais se provou que a vendedora é avó materna da compradora e ré A. S.. Dos factos provados não resultou a existência de qualquer parentesco entre a vendedora e o comprador P. D.. Provou-se ainda que a dita compra e venda dos dois prédios foi efectuada sem o consentimento dos Autores e que os autores não intervieram na escritura referida (cfr. factos provados em 8) e 9)). Posto isto, e quanto à venda à ré A. S., inexistem quaisquer dúvidas de que a venda dos dois prédios urbanos identificados em 5) é anulável nos termos do art. 877.º do Código Civil. Mas será que a venda ao réu P. D. também é anulável? Entendemos, sem prejuízo de melhor entendimento, que não. O réu P. D., à data da celebração da escritura de compra e venda, ou seja, em 03.01.2014, não tinha (como não teve) qualquer relação de parentesco, não era filho ou neto da vendedora M. P. e logo por aí não está preenchido o tipo legal do art. 877.º do Código Civil. Mas atentando ainda ao facto provado em 4), ou seja, de que a Ré A. S. casou catolicamente e com convenção antenupcial no regime de comunhão geral de bens, com o Réu P. D., no dia 26 de Agosto de 2018, será que por via da interpretação extensiva da norma, se deve considerar que a situação/a venda a P. D., está igualmente abrangida pela proibição legal do art. 877.º do Código Civil? Também neste caso, consideramos que não. A norma e a sua aplicação extensiva visa impedir que através de meios indirectos se consiga o mesmo efeito que a norma quis proibir. Mas não sendo o réu P. D., à data do negócio, casado com a ré A. S., a venda dos prédios também ao dito P. D., nesta parte, não transformou a ré A. S., neta da vendedora, proprietária da totalidade do prédio. Ela com o negócio apenas adquiriu uma quota ideal de ½ dos dois prédios, e não a sua totalidade (como aconteceria se, nesse momento, já fossem casados num dos regimes da comunhão de bens). É certo que em 26.08.2018, os réus casaram no regime da comunhão geral de bens e a partir desse momento, todos os bens próprios de cada um dos cônjuges, passam a integrar a massa conjugal e são considerados bens comuns. Mas isso não ocorria na data do negócio, e tal como o grau de parentesco tem de existir na data em que o negócio é celebrado para que o mesmo seja anulável, também aqui, consideramos que só se os réus já fossem casados no momento da compra e venda, é que se poderia considerar que a venda ao réu P. D. também seria anulável. E não há lugar a qualquer interpretação extensiva, como acontece para os cônjuges dos filhos ou netos, porque não se verificando essa situação – casamento – à data do negócio, não existe o benefício que existiria se fossem casados, que era a neta/ré A. S. passar a ser proprietária da totalidade do prédio. É certo que neste caso, os réus casaram, e casaram no regime da comunhão geral, mas tal poderia não ter acontecido – os réus podiam zangar-se e não casar, ou podiam casar no regime da separação – e nesse caso, a ré A. S. em nada beneficiaria da venda também ao réu P. D.. Ou seja, a venda ao réu P. D., no momento em que se realizou e considerando as circunstâncias que então se verificavam, tinha e teve os mesmos efeitos que a venda a qualquer terceiro, e por isso em nosso entender, não se pode considerar que a venda nesta parte é anulável nos termos do art. 877º do Código Civil. Se os autores pretendiam a anulação da venda ao réu P. D. deveriam ter alegado e pedido que o negócio foi simulado e tal não resulta convenientemente alegado e menos ainda provado.»
E em consonância com tal posição plasmada na decisão recorrida, concluiu o Tribunal “a quo” (a nosso ver, bem) que a compra e venda outorgada na escritura de 3/01/2014 é apenas parcialmente anulável ao abrigo do disposto no artº. 877º do Código Civil – ou seja, tal negócio é anulável apenas em relação à Ré A. S..
Em face da factualidade dada como provada e de acordo com o disposto no artº. 877º, nº. 2 do Código Civil, os AA. podiam arguir a anulabilidade do contrato de compra e venda no prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do negócio.
Trata-se de um prazo de caducidade (artº. 298º, n.º 2 do Código Civil) e sendo tal facto, um facto extintivo do direito dos autores, compete aos réus a prova do mesmo, nos termos do artº. 342º, n.º 2 do Código Civil.
Ora, relativamente à caducidade do direito dos AA. arguirem a anulabilidade do contrato de compra e venda invocada pelos RR., e tendo em atenção os factos provados, bem andou o Tribunal recorrido ao decidir que “os réus não lograram provar – ver factos não provados em l) e m) - que os autores tiveram conhecimento da celebração do contrato de compra e venda por M. P. a A. S. e P. D., em data anterior a 21.02.2019 (ano que antecedeu a propositura da acção). E não tendo os réus provado tal factualidade, não pode a dita excepção de caducidade proceder.”
No entanto, discorda a Ré/recorrente deste entendimento plasmado na decisão recorrida, argumentando que os AA. não foram prejudicados com a venda dos prédios porque, segundo diz (embora não tenha provado), o preço constante da respectiva escritura (correspondente ao valor patrimonial dos prédios) teria sido efectivamente pago.
A recorrente até questiona, provadas as transferências bancárias, que diferença faria na prática para os AA. se os prédios, em vez de serem vendidos à Ré A. S. (neta da vendedora) fossem vendidos a terceiros? Ora, tendo em atenção as relações familiares próximas entre a vendedora M. P. e a Ré A. S. (sua neta) e de acordo com as regras da experiência comum, facilmente se infere que os prédios, a serem vendidos a um terceiro, certamente não seria pelo valor patrimonial, mas sim pelo seu valor real ou de mercado, ou por um valor mais próximo deste.
Aliás, foi referido pelo A. F. R., quando prestou depoimento (que a recorrente nessa parte não transcreveu nas alegações), que a sua mãe, em tempos, já havia publicitado a venda de tais prédios, tendo chegado a pedir a terceiros € 120.000,00 pelos mesmos.
De qualquer forma, o facto de não ter resultado provada a matéria vertida nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados [sendo as alíneas e) e f) mencionadas apenas nas conclusões do recurso, não constando do corpo das alegações] não tem a relevância que a recorrente lhe pretende atribuir, retirando daí a conclusão que os AA. não foram prejudicados com a venda dos prédios efectuada pela sua mãe aos Réus.
É que neste caso, não interessa tanto saber se os AA. foram efectivamente prejudicados com tal venda, sendo, em nosso entender, prematuro nesta fase (pois ainda está a correr termos o processo de inventário por óbito de M. P. – cfr. pontos 10 a 15 dos factos provados) extrair tal ilação, tanto mais que o artº. 877º do Código Civil tem uma finalidade preventiva, como a própria recorrente reconhece, visando com este preceito legal evitar situações em que as legítimas dos descendentes (filhos ou netos) alheios ao negócio venham a ser prejudicadas mediante vantagem ou favorecimento de outro descendente. O que verdadeiramente importa, “in casu”, é acautelar os interesses dos filhos da falecida M. P. e evitar que ocorram situações de simulação relativa que possam prejudicar as respectivas legítimas.
Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, não procede o argumento utilizado pela recorrente de que os AA. não ficaram prejudicados nos seus direitos sucessórios, pois na verdade os RR. não lograram provar, como lhes competia (uma vez que se tratava de matéria controvertida), que tivessem efectivamente pago à vendedora a quantia mencionada na escritura de compra e venda ou qualquer outra, pelas razões atrás expendidas [cfr. alíneas c), g) e h) dos factos não provados].
Daqui resulta também, salvo o devido respeito, que a recorrente não tem razão quando alega que se deveria admitir a validade do negócio, uma vez que se verificou uma venda perfeita em comum e em partes iguais a um terceiro e a uma neta da vendedora, com efectiva entrega do preço ao ascendente e mediante registo e tradição do bem aos compradores, e que não existe fundamento sério para o pedido de anulação formulado pelos AA., considerando a actuação destes abusiva.
Para sustentar esta sua tese, a recorrente invoca o acórdão do STJ de 8/10/2019 (proferido no proc. nº. 3138/10.2TJVNF, disponível em www.dgsi.pt), transcrevendo uma parte do mesmo em que aquele tribunal superior considera a conduta da autora, naqueles autos, susceptível de consubstanciar um exercício abusivo do direito potestativo de arguir a anulabilidade do negócio, na modalidade de “supressio” nos termos do artº. 334º do Código Civil, por aquela não ter exercido o seu direito durante um período de tempo de tal forma longo que criou nos réus a representação de que esse direito não mais seria exercido, conduzindo o seu exercício tardio a uma desvantagem injustificada para aqueles.
Embora naquele acórdão esteja também em causa a anulação da venda de um prédio feita pelos pais da autora a uma das suas filhas, com o consentimento de todos os filhos dos vendedores, com excepção da ali autora, a verdade é que a situação nele contemplada é bem diferente do caso que agora nos ocupa, porquanto naquela acção resultou provado que:
- a autora foi avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria celebrada a escritura de compra e venda entre os seus pais (como vendedores) e a sua irmã (como compradora);
- quando foram notificados da relação de bens no processo de inventário por óbito de seu pai, os autores tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo hereditário e embora tivessem constatado que não constava relacionado, como bem da herança do falecido pai, o imóvel que havia sido vendido pelos pais à irmã, os autores nada disseram.
Tendo-se concluído naquele processo que a autora teve efectivamente conhecimento da celebração do contrato de compra e venda e deixou decorrer o prazo legal de um ano para pedir a anulação do negócio, tendo aquele tribunal superior confirmado o acórdão da Relação de Guimarães, que por sua vez confirmou a decisão da 1ª instância, que julgou caducado o direito da autora de pedir a anulação do contrato de compra e venda e a condenou como litigante de má fé.
Ao passo que nos presentes autos, provou-se apenas que a mãe do AA. vendeu os prédios em causa à Ré A. S. (sua neta) e ao R. P. D., sem o consentimento daqueles, que a A. R. T. soube em data não concretamente apurada, mas depois da realização da escritura, que a sua mãe M. P. tinha vendido os prédios, pelo menos, ao R. P. D., que o R. P. D. enviou ao A. F. T., em 30/12/2015, uma carta registada com aviso de recepção, que foi recebida por este em 9/01/2016, na qual o R. se arrogou proprietário do prédio onde o A. F. T. tinha depositado um carro e lhe concedeu um prazo para este proceder à remoção do dito veículo da sua propriedade, o que este fez (inferindo-se daqui que o A. F. T. teve conhecimento, pelo menos naquela data, que o prédio tinha sido vendido, mas apenas ao R. P. D.), não se tendo provado que os AA. souberam da intenção de M. P. vender os prédios aos RR. A. S. e P. D. antes da realização do negócio; que, para além do referido no facto provado em 19 (relacionado com o conhecimento do negócio pela A. R. T.), os AA. tiveram conhecimento da compra e venda nas semanas seguintes à mesma e a ela não se opuseram e que os AA., ao longo dos anos, sempre criaram nos RR. A. S. e P. D. a convicção de que nunca arguiriam a anulação do negócio em causa.
Com efeito, tendo em atenção toda a factualidade dada como provada e não provada, não se vislumbra, contrariamente ao pretendido pela recorrente, que os AA. tenham actuado de forma abusiva ao peticionarem a anulação da venda dos prédios pela sua mãe M. P. ao RR. P. D. e A. S. e por não inexistir fundamento sério para esse pedido.
Na situação em apreço nestes autos, não se mostram provados quaisquer factos que permitam concluir que os AA. actuaram em abuso do direito, nos termos consagrados nos artº. 334º do Código Civil, conclusão a que também chegou o Tribunal de 1ª instância na sentença recorrida, após analisar detalhadamente esta figura jurídica à luz do que é defendido pela nossa doutrina.
Por último, a recorrente alega, no âmbito da impugnação da matéria de facto, que ainda que se mantivesse a procedência da acção no que à Ré A. S. diz respeito, a não ordenação de devolução do preço pago pela Ré A. S., conduziria a um prejuízo injustificado, pois ficava sem o dinheiro pago à sua avó e sem a quota parte do bem que lhe pertencia (uma vez que ½ do prédio regressa juridicamente à propriedade da herança da vendedora, entretanto falecida), ou qualquer tipo de garantia, face ao cancelamento do registo de aquisição da Ré A. S. determinado pela 1ª instância.
Ou seja, entende a Ré/recorrente que, mantendo-se a procedência parcial da presente acção, e consequentemente, a anulação da venda que lhe foi feita pela sua avó M. P., decretada pelo Tribunal de 1ª instância, sempre deveria ter sido condenada a Ré Herança à devolução do preço por ela alegadamente pago.
No que respeita à anulação do negócio objecto dos presentes autos, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao declarar a anulação da compra e venda dos prédios em causa efectuada por M. P. à Ré A. S., tratando-se de uma anulação parcial, uma vez que não houve anulação da venda feita ao R. P. D..
Relativamente à parte do negócio que não foi anulada, entendeu aquele Tribunal que, em face do disposto no artº. 292º do Código Civil, segundo o qual a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada, «a invalidade, a anulabilidade parcial do negócio/compra e venda realizada em 03.01.2014, não determina a invalidade de todo o negócio, ou seja, não determina a invalidade da venda dos dois identificados prédios, que foi feita por M. P., em comum, ao réu P. D..
Salvo se se demonstrar que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.
Contudo, os autores não alegaram qualquer facto nesse sentido e por isso não se pode dizer que há fundamento para a anulação de todo o negócio», tendo, por isso e além do mais, julgado parcialmente procedente o primeiro pedido formulado pelos AA. e anulado a venda dos prédios efectuada por M. P. à Ré A. S. pela escritura pública outorgada em 3/01/2014, decisão esta que merece a concordância deste tribunal de recurso.
Ora, mantendo-se a procedência parcial da presente acção nos moldes decididos pelo Tribunal de 1ª instância, coloca-se a questão de saber se assiste razão à recorrente em pretender que lhe seja restituída a quantia alegadamente paga pela aquisição dos prédios.
Resulta dos autos que esta pretensão da Ré/recorrente estava contemplada na reconvenção deduzida pelos RR., e que não foi admitida por despacho de fls. 165 a 171, na qual peticionavam a condenação dos AA. a pagar-lhes o montante correspondente às benfeitorias realizadas nos imóveis, acrescido da quantia que alegam ter pago pela aquisição dos prédios (€ 40.000,00) e dos valores que gastaram com a escritura e registos, em impostos pela compra e a título de IMI, por decorrência da anulação da venda.
Decorre do disposto no artº. 287º do Código Civil que a anulabilidade de um negócio jurídico implica a arguição do vício pelo interessado legítimo, divergindo, nesta parte, da figura da nulidade do negócio jurídico que, nos termos do artº. 286º do mesmo Código, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”. No entanto, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio “têm feitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” (artº. 289º do Código Civil).
Ora, não tendo o Tribunal “a quo” admitido o pedido reconvencional, teremos de concluir que não se encontra formulada qualquer pretensão que directamente tivesse como objecto a restituição à Ré A. S. da quantia alegadamente paga pela aquisição dos prédios.
Confrontamo-nos, pois, com a inexistência de um pedido por parte dos RR. de condenação dos AA. na restituição da quantia alegadamente paga pela aquisição dos imóveis, em caso de anulação da venda, não se afigurando viável suprir oficiosamente a referida ausência de formulação de um pedido de condenação na restituição da quantia que a Ré A. S. alega ter pago, decorrente da não admissão da reconvenção pelo Tribunal.
Como se refere no acórdão do STJ de 5/11/2009 (proc. nº. 308/1999, relator Lopes do rego, disponível em www.dgsi.pt), o qual embora tenha sido proferido no âmbito do artº. 661º do anterior CPC (correspondente ao artº. 609º do actual CPC) continua a revestir interesse no actual quadro legislativo: “Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº 1 do art. 661º do CPC.”
Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que não se provou que os RR. tivessem procedido ao pagamento do preço da venda dos prédios, nem mesmo o preço pelo qual os ditos prédios lhes foram vendidos, não tendo os RR. sequer alegado (e, como é óbvio, provado) qual a comparticipação de cada um no pagamento do referido preço.
Ora, para haver restituição do valor alegadamente pago é, desde logo, necessário que esse valor esteja quantificado. E só depois de estar comprovado quanto é que a parte que peticiona a restituição pagou pelo negócio, é que se pode condenar a contraparte a restituir-lhe o que assim recebeu, o que não se verificou “in casu”, pelo que sempre teria de improceder a aludida pretensão da Ré/recorrente (cfr. acórdão da RC de 10/05/2016, proc. nº. 2008/10.9TBACB, disponível em www.dgsi.pt).
Por tudo o que se deixou exposto, improcede, também nesta parte, o recurso interposto pela Ré A. S..
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III) – Da condenação dos AA. por litigância de má fé:
Insurge-se, ainda, a recorrente contra a sentença recorrida na parte em que decidiu absolver os AA. do pedido de condenação como litigantes de má-fé, alegando que o Tribunal de 1ª instância não valorou correctamente os depoimentos dos AA. em conjugação com a demais prova produzida, tendo todos os AA. faltado conscientemente à verdade quanto ao alegado desconhecimento da venda, manipulando os factos em situação determinante para o desfecho dos autos.
Vejamos se lhe assiste razão.
Nos termos do disposto no artº. 542º, nº. 2 do NCPC, litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A propósito deste tema, referem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2ª ed., pág. 219 e segtes) que “se passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má-fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.”
Na pág. 220 da supra citada obra, fornecem-se alguns elementos que permitem esclarecer alguns dos conceitos da previsão legal referida.
Assim, refere-se que “o autor visa, por exemplo, objectivo ilegal quando quer atingir, com a acção, uma finalidade não tutelada por lei, em vez da correspondente à função que lhe é própria; o autor ou o réu visa, também por exemplo, objectivo ilegal quando utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimentos, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes. Visa impedir a descoberta da verdade a parte que oculta ou procura impedir que sejam produzidos meios de prova, ou produz ou provoca a produção de meios de prova falsos. Visa entorpecer a acção da justiça a parte que actua usando meios dilatórios. Por exemplo, o réu procura, de todo o modo, atrasar o processo: requer a expedição de várias cartas para a inquirição de testemunhas e a seguir desiste delas, ou suscita incidentes a que não dá seguimento. Cabe aqui também a actuação da parte no sentido de desviar a actuação do tribunal das questões essenciais para pontos sem qualquer interesse para o processo. Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão.”
Assim, para haver má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores de tal litigância acolhidos nas mencionadas alíneas do nº. 2 do artº. 542º do NCPC; é indispensável ainda que a parte tenha actuado com dolo ou negligência grave.
Como refere José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 263), na base da má fé está este requisito essencial: “a consciência de não ter razão”.
Por outro lado, refere António Abrantes Geraldes (in Temas Judiciários, Vol. I, pág. 313), “é neste contexto, com certeza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa-fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má-fé”.
Importa também ter presente que não se deve confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada.
No sentido de que “mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos para se concluir pela existência de dolo, a condenação como litigante de má-fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador, exigindo-se para existir condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte” (cfr. acórdão da RL de 2/03/2010, proc. nº. 6145/09.4TBCSC; neste sentido, vide também acórdão da RP de 6/10/2005, proc. nº. 0534447, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito, quando se está perante situações que envolvem um elevado grau de reprovação e de censura, assume especial acuidade o julgamento da litigância de má fé, de molde a que se acautelem aquelas situações de manifesto lapso, de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e em os interpretar, de diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer.
Daqui resulta que a simples propositura de uma acção, que venha a ser julgada sem fundamento, não constitui, só por si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o mesmo valendo para a contestação em que foi deduzido pedido reconvencional que venha a ser julgado procedente.
Nesta linha de entendimento se pronunciou o acórdão do STJ de 28/05/2009 (proc. nº. 09B0681, disponível em www.dgsi.pt), onde se diz o seguinte: “Este Supremo Tribunal decidiu no seu acórdão de 11.01.2001 que «a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo ou de grave negligência, não bastando uma lide temerária ousada, ou uma conduta meramente culposa» (Ac. STJ 11.01.2001, Pº nº 3155/00-7ª, Sumários, 47º) e este entendimento é de sufragar inteiramente, desde logo porque em íntima consonância com a littera legis do nº 2 do artº 456º do CPC.
Efectivamente, já no recuado ano de 1975 este Supremo Tribunal havia decidido, por unanimidade, em acórdão relatado pelo Exmº e saudoso Conselheiro Almeida Borges, «a falta de razão com que uma das partes litiga não basta para justificar a má fé, apenas podendo provocar a improcedência de pedido».
Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nas expressões literais do nº 2 do artº 456º do CPC.
Assim sendo, a simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte, sobretudo quando tal prova se alicerça em depoimentos testemunhais que se confrontam com outros de sentido contrário, não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé.
Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nas expressões literais do nº 2 do artº 456º do CPC.” (cfr. também neste sentido, acórdãos do STJ de 14/03/2002, proc. nº. 02B428 e da RP de 27/01/2009, proc. nº. 0827486, disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito, não se pode coarctar o legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadram, por mais minoritárias (em termos jurisprudenciais) ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas.
Reportando-nos ao caso dos autos, entendeu o Tribunal “a quo” na decisão recorrida que “considerando a factualidade provada e não provada e a actuação dos intervenientes processuais, temos de concluir que nada resulta no sentido de que os autores tenham actuado com má-fé processual, pois efectivamente trata-se de uma questão de prova, e por isso não resulta dos autos que os mesmos tenham deduzido pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar ou tenham alterado a verdade dos factos, nem se pode dizer que tenham feito um uso manifestamente improvável do processo, ainda que a acção apenas proceda em parte”, razão pela qual absolveu os AA. do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Conforme se alcança dos autos, não se vislumbra qualquer circunstância susceptível de integrar o conceito de litigância de má fé por parte dos Autores, no sentido de terem adoptado um comportamento processual manifestamente reprovável, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar ou alterando de forma intencional e consciente a verdade dos factos, como alega a Ré/recorrente, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.
O facto de os Autores não terem logrado provar a totalidade dos factos por eles alegados não nos permite concluir que os mesmos não ignoravam a falta de fundamento da sua pretensão.
A pretensão dos Autores é legítima e está devidamente fundamentada, tendo inclusive obtido provimento parcial, dando assim lugar à pretendida anulação da venda dos imóveis apenas em relação à Ré/recorrente A. S. e à procedência parcial da presente acção.
Deste modo, podemos concluir que a conduta dos Autores não excedeu as regras normais da litigância, onde é normal que as partes apresentem versões divergentes dos factos e se prove uma dessas versões.
Como tal, andou bem o Tribunal “a quo” ao não condenar os Autores como litigantes de má fé, improcedendo, também nesta parte, o recurso interposto pela Ré A. S..
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SUMÁRIO:
I) - A razão de ser da proibição contida no preceito do artº. 877º do Código Civil é a de obstar à prática de vendas simuladas em prejuízo das legítimas dos descendentes (filhos ou netos) nos casos em que se entende que a simulação seria mais difícil de provar, isto é, de evitar que, através de doações encobertas, se lesassem as legítimas dos filhos ou netos, nas situações em que venham a ser prejudicados mediante vantagem ou favorecimento de outro descendente, seja filho, neto ou até bisneto.
II) - A venda a filho (ou neto) sem o consentimento do(s) outro(s) filho(s) determina a anulabilidade do negócio (artº 877º, nº. 2 do Código Civil), podendo ser arguido pelos filhos que não deram o seu consentimento, no prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato.
III) - A norma do artº. 877º do Código Civil apenas veda (se não houver o necessário consentimento) a venda a filhos ou netos, mas já não quando a venda é feita a outros sujeitos, como é o caso da venda a genro ou nora, nem por interposta pessoa, sendo que a venda a namorada ou namorado do filho ou neto do vendedor não é violadora de tal norma legal.
IV) - A venda de um prédio efectuada pela mãe dos autores, em comum, a uma neta e ao seu namorado, sem o consentimento dos autores, não é anulável nos termos do artº. 877º do Código Civil em relação ao namorado, uma vez que à data da celebração da escritura de compra e venda o mesmo não tinha (como não teve) qualquer relação de parentesco com a vendedora, mesmo que os compradores, posteriormente, tenham casado sob o regime da comunhão geral de bens.
V) - Neste caso, não há lugar a qualquer interpretação extensiva do artº. 877º do Código Civil, como acontece para os cônjuges dos filhos ou netos, porque não se verificando a situação de casamento à data do negócio, não existe o benefício que existiria se fossem casados, ou seja, a neta da vendedora passar a ser proprietária da totalidade do prédio, tendo a venda ao namorado da mesma, no momento em que se realizou e considerando as circunstâncias que então se verificavam, os mesmos efeitos que a venda a qualquer terceiro.
VI) - Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº. 1 do artº. 609º do NCPC.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré A. S. e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 27 de Janeiro de 2022
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)