RECURSO PER SALTUM
PORNOGRAFIA DE MENORES
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NULIDADE DE SENTENÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Sumário


O n.º 3, do art. 358.º, do CPP foi introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25-08, e veio colocar termo a uma divisão que, em rigor, se registava mais na doutrina, do que na jurisprudência, consagrando o legislador, com o aditamento ao art. 358.º, do CPP do mencionado n.º 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento.

Texto Integral


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



   I. 1. No Juízo central criminal ..., J..., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi acusado e julgado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c), do Código Penal, dois crimes de pornografia de menores, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 7, do Código Penal, um crime de pornografia de menores, p.p. pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal e um crime de pornografia de menores, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e n.º 5, e 177.º, n.º 7, do Código Penal.

     Por acórdão proferido em ... de Junho de 2021 foi decidido:

«a) Absolver o arguido AA, pela prática de um crime de abuso sexual, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, al. c), do Código Penal que lhe era imputado [na pessoa da menor BB], que lhe era imputado.

b) Absolver o arguido AA, pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, que lhe era imputado.

c) Absolver o arguido AA da qualificativa prevista e punível pelo artigo 171.º, n.º 3, al. c), do Código Penal que lhe era imputada [na pessoa da menor CC].

d) Absolver o arguido AA da previsão normativa descrita no n.º 5, do artigo 176.º, do Código Penal, que lhe era imputada.

e) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. c), agravado, nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 3 [três anos] e 6 [seis] meses de prisão.

f) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), agravado por aplicação do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

g) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal, na pena de 8 [oito] meses de prisão [na pessoa da menor CC].

h) Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n. º 1, al. b), agravados, nos termos no artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, nas penas de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão por cada um dos crimes.

i) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

j) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses e prisão.

k) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

l) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, ponderando os limites abstractos e a personalidade do arguido, condenar pela prática dos crimes acima descritos, AA, na pena única de 6 [seis] anos de prisão.

(…)

n) Condenar oficiosamente o arguido AA, nos termos dos artigos 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04.09 e 82.º-A, n.º 1 do Código de Processo Penal, no pagamento às menores CC e BB, a título de danos não patrimoniais o valor de € 7.500,00 [sete mil e quinhentos euros] que são devidos a cada uma das menores».


  2. Inconformado, recorreu o arguido directamente para este Supremo Tribunal, pedindo que seja “revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido dos cinco crimes imputados por força da alteração da qualificação jurídica, bem como do respectivo pedido de indemnização civil e condenado em pena suspensa pela prática dos três crimes validados, constantes da acusação” e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«I – O direito penal e o processo penal são ramos do direito bastante complexos, uma vez que são eles que conferem tutela aos bens jurídicos que a sociedade toma como mais preciosos. É nessa tutela que surgem os mais diversos desafios, uma vez que a mesma terá de ser feita com a devida garantia dos direitos fundamentais.

II – Entendeu o nosso legislador que a melhor forma de conciliar essas duas perspetivas antagónicas – de tutela dos bens jurídicos, mas com respeito pelos direitos fundamentais – seria através de um processo de estrutura acusatória.

III – Assim, o processo penal português pauta-se por uma estrutura em que é a acusação ou pronúncia que define o objeto do processo, dando depois oportunidade ao arguido, com o princípio do contraditório, para se pronunciar sobre essa acusação.

IV – Desta feita, a acusação ou pronúncia revelam ter um papel preponderante no processo penal, uma vez que fixam aquele que é o thema decidendum.

V – Ora, a qualificação jurídica dos factos pelos quais se acusa, é fundamental, sobretudo porque é a qualificação que baliza a pena que poderá ser aplicada.

VI – Assim, dúvidas não há que “a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquele o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado."

VII – É, pois, neste contexto que se levantam várias questões de ordem prática. A primeira grande questão foi, sem dúvida, a possibilidade de o tribunal qualificar na sentença de modo diferente daquela que tinha sido a qualificação da acusação, sendo que essa discussão ficou resolvida aquando da tomada de posição do legislador pela consagração da livre qualificação jurídica. Ora, esta possibilidade deu lugar a outras novas questões que se foram impondo, designadamente quanto à interpretação do artigo 358.º do CPP, mais concretamente, quanto à obrigação de comunicação ao arguido no âmbito do n.º 3 do referido artigo, ou seja, por alteração da qualificação jurídica.

VIII – Se é verdade que "Na alteração da qualificação jurídica, não há uma alteração de factos. A factualidade permanece intactamente inalterada". Verdade é também que a matéria da qualificação jurídica se encontra inevitavelmente ligada à matéria da alteração dos factos. É na articulação e aplicação do regime da alteração substancial ou não substancial que surgem muitas das dificuldades interpretativas.

IX – Desde logo, não sendo a doutrina unânime na interpretação do princípio da livre qualificação jurídica pelo tribunal. Há Autores que entendem que existe essa possibilidade, mas que ela está limitada pela pena abstracta que resultaria da acusação do Ministério Público. Por outro lado, há doutrina que entende de modo oposto, i.é., que considera que a alteração da qualificação jurídica pelo tribunal é livre, não se encontrando limitada ou vinculada à acusação.

X – Como já referido, a qualificação jurídica integra as garantias de defesa do arguido, devendo por isso ser encarada de forma a não prejudicar essas garantias.

Além disso, é muitas vezes pela qualificação jurídica que se desenha a estratégia de defesa. Se se confessa os factos de que se é acusado, no caso da moldura penal ser baixa, esperando por uma pena suspensa. Ou se, por outro lado, se opta pelo silêncio, no caso de estarmos perante uma moldura mais gravosa, em que a suspensão não poderá ser uma possibilidade.

XI – Portanto, “a escolha da melhor estratégia de defesa pertence exclusivamente ao arguido, não podendo o tribunal intrometer-se na mesma.”. Conclui-se que não existe, hoje, uma consagração legal que resolva esta questão não deixando margem para dúvidas.

XII – Por outra banda, a jurisprudência também não tem sido muito elucidativa por não concretizar efectivamente a sua interpretação do artigo 358.º do CPP, esclarecendo qual o sentido, alcance e efeitos práticos que daí advenham, não se revelando unânime, havendo, antes pelo contrário, opiniões dissidentes. Sendo, contudo, indiscutível que está é uma questão controversa e muito relevante, dado que contende directa e necessariamente com as garantias de defesa do arguido.

XIII – Não obstante a complexidade do tema em questão e percebendo as diferentes posições doutrinais, conferindo-lhes todo o mérito, o recorrente, por considerar que a interpretação que melhor defende os princípios processuais penais e garantias de defesa é aquela em que uma nova qualificação jurídica por parte do tribunal, não possa prejudicar essas mesmas garantias de defesa do arguido ora recorrente.

XIV – Deste modo, o recorrente adere às interpretações de GERMANO MARQUES DA SILVA e DAMIÃO DA CUNHA, por entender que as mesmas têm por base uma construção simples mas muito lógica e que é aquela que melhor concilia os princípios de processo penal com as garantias de defesa do arguido.

XV – Pelo que, as alterações da qualificação jurídica dos factos levas a cabo pelo Tribunal a quo, não devem produzir efeitos por mais desfavoráveis ao recorrente e, em consequência, ser julgado pelos factos descritos na acusação e traduzidos pela fixação do objecto da mesma acusação pela imputação da prática daqueles (e não outros) seis crimes de que vem acusado.

XVI – E, consequentemente, pela diminuição da medida da pena em resultado do decaimento, por nulidade, da qualificação jurídica promovida pelo Tribunal a quo, ser aplicada, ao recorrente, pena suspensa pela condenação dos três crimes constantes da acusação validados».


     3. Respondeu a Exmª Procuradora da República, pugnando pelo não provimento do recurso:

«O arguido recorre, invocando, em síntese, que as alterações da qualificação jurídica dos factos da acusação “não devem produzir efeitos por mais desfavoráveis ao recorrente” e que o mesmo só deve ser julgado pelos factos descritos na acusação.

Ora, desde logo decorre que o arguido foi efectivamente julgado apenas e só pelos factos descritos na Acusação.

O que aconteceu foi que o tribunal qualificou de forma diversa tais factos – SEMPRE OS MESMOS DA ACUSAÇÃO – e tirou as consequências jurídicas de tal alteração da qualificação jurídica. O Tribunal comunicou tal alteração, conforme se constata da acta de Julgamento, nada tendo a defesa requerido.

O Tribunal cumpriu escrupulosamente o disposto no artº 358 do CPP.

Sobre a interpretação do artº 358 nº 3 do CPP veja-se por todos as anotações ao mesmo referidas no “Código de Processo penal – Comentado, Henriques Gaspar e outros, Ed. Almedina, 2006, pág. 1081 a 1086.

A sua decisão não deve merecer, pois, censura».


  II. 1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pugna, igualmente e no seu douto parecer, pelo não provimento do recurso:

«(…)

2. Inconformado, traz o arguido recurso per saltum ao Supremo Tribunal de Justiça, no qual, como melhor se colhe da leitura das conclusões suscita a seguinte questão, se bem entendemos:

- “Nulidade da qualificação jurídica promovida pelo Tribunal a quo, ao ser aplicada, ao recorrente”, com a consequente, «diminuição da medida da pena em resultado do decaimento, aplicando-se, «pena suspensa pela condenação dos três crimes constantes da acusação validados». cf. conclusão XVI.

3. O MP na 1ª instância na sua resposta consignou que o recorrente foi tão só julgado pelos factos constantes da acusação, tendo sido comunicada à defesa a alteração da sua qualificação jurídica, nos termos do art.º 358º, n º s 1 e 3, do Código Penal, que nada requereu, como se vê da acta de julgamento.

Conclui, no sentido que o acórdão recorrido deve ser mantido.

4. Na acta da audiência de discussão e julgamento de …-06-2021, pode ler-se, o seguinte:

“Em seguida, pela Mm. ª Juiz Presidente foi proferido a seguinte:

DELIBERAÇÂO

O arguido AA encontra-se acusado, da prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c], do Código Penal, dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea b], e 177.º, n.º 7, do Código Penal, um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea c], do Código Penal e um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea c], e n.º 5, e 177.º, n.º 7, do Código Penal.

Tendo em conta os factos descritos na acusação, entende este Tribunal Colectivo que é susceptível de ser imputada a prática de uma pluralidade crimes, em concurso efectivo.

Pelo exposto, nos termos do artigo 358.º, n.º 3, ex vi n.º 1, do Código Penal, determina-se a alteração da qualificação jurídica, imputando-se ainda ao arguido:

- quatro crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), agravado por aplicação do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal.

- um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal.

Notifique e comunique.

(…)

Dada a palavra ao Ilustre Defensor constituído, o qual no seu uso, disse nada ter a opor, face ao despacho que antecede, e que prescinde do prazo de defesa.

Tudo conforme consta do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 22 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 22 minutos.”

Nos termos do supratranscrito despacho, deu-se nota da possível alteração da qualificação jurídica dos factos, o que foi de imediato, comunicado pelo tribunal ao defensor do arguido, que tomou a posição supra descrita.

Vale isto por dizer, que o tribunal colectivo, deu cabal cumprimento ao disposto no art.º 358º, nºs 3 e 1, do CPP, com o que respeitou, integralmente, a estrutura tendencialmente acusatória do processo penal, entre nós vigente, pelo que não pode a defesa considerar estar-se, com essa nova qualificação jurídica, isto é, sobre o direito aplicável aos factos, perante algo de novo perante o qual sendo colhida de surpresa, não pode organizar a sua defesa.

Surpresa, para quem, afinal não estava de acordo com tal qualificação enunciada, foi a posição da defesa na pessoa seu representante- de resto, o mesmo que subscreve o recurso- declarar que nada tinha a opor e que prescindia do prazo para a preparação da defesa. Se tomou, tal posição em audiência, sibi imputet!

4.1. Daí que inexista qualquer «nulidade» da sentença, que embora o recorrente, não a especifique seria a prevista no art.º 379º, n º 1, alínea b) do CPP, conquanto a alteração da qualificação jurídica dos factos é tratada como uma alteração não substancial dos mesmos- ut CPP 358º, n º s 3 e 1.

No acórdão do STJ proferido em 17-09-2009, no proc. n º 169/07.3GCBNV.S1-5ª Secção / Rodrigues da Costa, expende-se nos pontos do sumário que seguem:

XIII - O objecto do processo é a acusação, enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer.

XIV - Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns deles. Não ocorre uma alteração dos factos quando o tribunal qualifique de maneira diversa, sem os modificar, os factos descritos na acusação.

XV - A alteração de qualificação jurídica tem de ser comunicada ao arguido nos termos do n.º 1 do art.º 358.º do CPP, uma vez que o n.º 3 desse artigo manda aplicar esse regime. Tal comunicação é oficiosa ou efectuada a requerimento e, se o arguido o requerer, é-lhe concedido prazo para preparação da defesa, pelo tempo estritamente necessário.

XVI - O facto de a alteração implicar uma incriminação por crime de homicídio, que não estava prevista na acusação, em substituição de uma incriminação por roubo qualificado pela morte, que desapareceu, e de resultar dessa operação um agravamento das sanções aplicáveis, não é óbice a que o tribunal possa qualificar de maneira diversa os factos constantes da acusação ou da pronúncia, desde que respeitado o condicionalismo do n.º 1 do art.º 358.º do CPP.

XVII - Se ao MP compete fazer a acusação, ao tribunal (e só a ele) compete constitucionalmente aplicar a lei e dizer o direito, decidindo os casos que lhe são apresentados e sendo independente nessa função (art.º 203.º da CRP). Estando vinculado à lei e sendo independente, o tribunal tem liberdade para qualificar juridicamente de maneira diversa os factos descritos na acusação, apenas devendo prevenir o arguido de qualquer alteração de qualificação.

Como se sabe, a problemática da alteração de factos e bem assim da alteração da sua qualificação jurídica, constituiu objecto de largas considerações doutrinais, de decisões dos tribunais, maxime do STJ e do TC, dando origem à alteração da redacção do texto original do CPP87.

Escreve o Conselheiro Oliveira Mendes em anotação ao art.º 358º do CPP, in “Código de Processo Penal” de António Henriques Gaspar et alii Almedina- 2ª edição, Julho de 2016, págs. 1083, nota 3:

“Com as alterações introduzidas pela Lei n º 59/ 98, de 25 de Agosto, o legislador entendeu dever tomar posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via do aumento de um número ao artigo 358º, n º 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa- n º 2 do artigo 358º.

E com a publicação da Lei n º 48 / 2007, de 29 de Agosto, através de um aditamento de um número ao artigo 424º, n º 3, alargou a possibilidade de a alteração da qualificação jurídica poder ser feita no tribunal de recurso (bem como da alteração poder incidir sobre os factos descritos na decisão em recurso, desde que não substancial), alteração que, obviamente, no caso de ser desconhecida do arguido, terá de lhe ser comunicada para o mesmo, querendo, sobre ela se pronunciar”.

Por seu turno, a invocada alínea b) do n º 1 do art.º 379º do CPP, preceitua:

1. É nula a sentença:

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;

Do que vem de se dizer, logo se vê que, nolens volens falece, desde logo, a verificação da premissa de onde se poderia extrair o vício da nulidade da sentença por violação da alínea b), do n º1 do artigo 379º do CPP, in casu condenação fora das condições previstas no art.º 358º do CPP.

Na verdade, o tribunal colectivo, como se vem de dizer, não alterou a matéria de facto, seja por adição, redução ou modificação dos factos. Tão só e apenas, modificou a qualificação jurídica de alguns desses factos, e procedeu em consonância dando cumprimento ao n º1 do art.º 358º do CPP, por força do disposto no seu n º 3. De resto, o tribunal, ainda que de recurso, é livre de alterar a qualificação jurídica dos factos, conquanto dê cumprimento ao art.º 358º, n º s 3 e 1, do CPP. Naturalmente se tal acontecer na fase do recurso, essa liberdade de qualificação, terá de respeitar, se caso disso for, a proibição da reformatio in pejus.

4.2. Ainda que o recorrente, funde, essencialmente, a sua crítica ao que diz ser o carácter excessivo das penas que se mostram aplicadas, na modificação da qualificação jurídica dos factos, sempre aqui deixaremos, algumas palavras sobre a determinação da medida das penas.

4.2.1. Penas parcelares

A moldura penal abstracta do crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, n º 1, alínea b) e 177º, n º 7 do Código Penal, vai de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses de prisão; por seu turno, o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n º 3, alínea b), do Código Penal, como moldura penal abstracta prisão até 3 anos. Do ponto V do acórdão-determinação da medida da pena- resulta ter o tribunal, partindo do binómio culpa / prevenção, ponderado, igualmente, os parâmetros constantes do n º 2 do art.º 71º, do Código Penal. Na verdade, como bem se salienta na fundamentação das penas parcelares, verificam-se em relação a estes crimes, muito elevadas exigências de prevenção geral, perante a reiterada violação dos bens jurídicos tutelados, que geram uma natural repulsa na comunidade, impondo uma clara reafirmação perante ela, da vigência e da validade das normas infringidas. É consabido que estes crimes, reclamam também, de igual modo, uma intervenção decidida dos órgãos de controlo formal, no campo da prevenção especial de socialização, dada a personalidade viciosa de quem os comete. Também o período de tempo em que os crimes foram praticados, vindo as condutas em apreço, a serem interrompidas, apenas aquando da busca realizada a casa do recorrente, a manipulação ardilosa das menores através da internet fazendo-se passar por quem não era, adequada a enganá-las, bem como a muito elevada ilicitude implicada na detenção de mais de dois mil ficheiros, pelo carácter altamente repugnante das imagens neles contidas, que foi coleccionando sem demonstrar qualquer estado de alma em relação aos sofrimentos e danos irreparáveis no seu são desenvolvimento das crianças, envolvidas, militam claramente no sentido do agravamento da responsabilidade penal do arguido. Daí que, não se vê que as penas parcelares decretadas, evidenciem qualquer falta ou desadequada ponderação dos critérios legais da sua determinação, ou que violem os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade da pena.

4.2.2. Pena única

Nos termos do art.º 77º, n º 2 do Código Penal, a moldura do concurso vai de 3 anos e 6 meses a 19 anos e 2 meses de prisão, tendo o Tribunal Colectivo ponderado em conjunto os factos e a personalidade do agente, observando, assim, o art.º 77º, n º 1 do Código Penal. A imagem global do facto, evidencia uma personalidade desvaliosa, indiferente aos sofrimentos que as suas condutas implicam, com particular relevo para a exploração de menores para obtenção de materiais pornográficos, mostrando-se os crimes perfeitamente interligados. Neste conspecto, não é vemos que seja possível qualificar, também a pena única de seis anos, como excessiva.

Somos assim de parecer, que o recurso deve ser julgado improcedente».


    2. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou resposta.


III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

1. São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.

   E em causa neste recurso está o saber se a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo tribunal recorrido enferma de nulidade e, em caso afirmativo, se deve ser aplicada pena única, relativa aos três crimes constantes da acusação que foram “validados”, inferior à aplicada e suspensa na sua execução.


       2. No tribunal a quo foram fixados os seguintes factos:


[NUIPC 1002/18....]

1. No dia … de Fevereiro de 2018, na sua residência sita na Rua ..., em ..., o arguido remeteu a pessoa não identificada, através da rede facebook, um ficheiro informático contendo uma fotografia de uma criança de sexo feminino pré-adolescente, deitada, vestida com uma camisola e uma saia, em posição que permitia a visualização da sua região púbica.

2. O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito concretizado de ceder a terceiros um filme pornográfico com um menor, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

[autos principais]

3. Em data não apurada do mês de Agosto de 2018, a partir da sua residência, o arguido começou a contactar CC, nascida a .../.../2006, através da plataforma de internet Instagram, e, posteriormente, através da aplicação Whatsapp.

4. No decorrer das conversas mantidas com a CC, o arguido, em diversas ocasiões, remeteu-lhe fotografias ou vídeos em que eram visíveis menores de 18 anos exibindo os órgãos genitais, ou mantendo relações de cópula, coito oral, ou coito anal.

5. Assim, no dia …. de Setembro de 2018, o arguido remeteu a CC, através da internet, um ficheiro de vídeo onde era visível um homem adulto a introduzir o pénis erecto na vagina de uma criança do sexo feminino com idade inferior a 14 anos.

6. Na mesma data, o arguido enviou mensagens de texto a CC com os dizeres “Ela gostava de chupar a minha pissa. Dizia que era grande e grossa”,

“Quem me dera. Fodíamos o dia todo”.

7. Ainda na mesma data, o arguido solicitou pela mesma via a CC que lhe remetesse um vídeo onde estivesse nua, e enviou-lhe uma mensagem de texto dizendo “Abre bem a cona e mete dois dedos bem dentro. Ok mor”.

8. No dia … de Setembro de 2018, o arguido enviou a CC uma mensagem de texto dizendo “Hoje mando-te vídeos comigo a foder uma menina da tua idade ok”, e remeteu-lhe um ficheiro de vídeo onde era visível um homem adulto a introduzir o pénis erecto no ânus de uma criança de sexo feminino com idade inferior a 14 anos.

9. Na mesma ocasião, o arguido enviou a CC uma mensagem dizendo “Tou a foder o rabo dela”.

10. Durante o mês de Setembro de 2018, em datas não apuradas, o arguido solicitou a CC que lhe enviasse vídeos em que estivesse nua, e que se filmasse a introduzir os dedos na vagina, e depois na boca.

11. Em pelo menos três ocasiões CC filmou-se nua, a praticar tais actos, e remeteu os vídeos ao arguido.

12. O arguido agiu com o propósito concretizado de manter com CC as conversações referidas, e de lhe remeter as fotografias e os vídeos descritos, ciente da natureza sexual e do conteúdo pornográfico dos mesmos, bem sabendo que aquela tinha idade inferior a 14 anos.

13. Do mesmo modo, agiu com o propósito de remeter a CC as fotografias e vídeos referidos, cientes de que nos mesmos eram visíveis crianças de idade inferior a 18 anos, e em alguns casos de idade inferior a 14 anos, exibindo os órgãos genitais e mantendo relações de cópula, coito oral, ou coito anal.

14. Agiu ainda com o propósito concretizado de, da forma descrita, aliciar e convencer CC a filmar-se nos termos já descritos, e enviar-lhe tais vídeos, em que a mesma exibia o seu corpo nu e os seus órgãos genitais, e inseria os dedos na vagina, bem sabendo que aquela tinha idade inferior a 14 anos.

15. Em tudo agiu o arguido livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

[NUIPC 110/19....]

15.a) No dia … de Abril de 2019, a partir da sua residência, o arguido contactou através da plataforma WhatsApp BB, nascida a .../.../2007, e enviou-lhe mensagens com os dizeres “Olá sou o DD do Insta, bj, manda uma foto linda como és. Gosto do teu tipo de mulher”, e “eu tenho 19 anos faz-te confusão a minha idade eu n tenho namorada sou solteiro mas a tua mãe não precisa de saber”.

16. Na mesma data, o arguido remeteu solicitou pela mesma via a BB que puxasse o pijama para cima e que lhe enviasse uma fotografia da barriga, o que esta fez.

17. De seguida o arguido remeteu a BB uma mensagem dizendo “És bem feita de corpo, amo”, enviou-lhe uma fotografia de um jovem do sexo masculino deitado na cama, com as nádegas visíveis, e remeteu-lhe novas mensagens de texto dizendo “Gostas? Na foto que mandas te vira te ao contrario e mostra me o reu rabo. Pode ser”, “Primeiro mostra o teu rabinho, ok”, “Eu já mostrei o meu rabo. N precisas de despir toda. Pucha para baixo as calças e as cuecas”, “Vá manda, tou desejoso”.

18. Na sequência de tais mensagens, BB acabou por enviar ao arguido uma fotografia das suas nádegas despidas.

19. Ainda na mesma data o arguido remeteu a BB uma imagem de um pénis erecto, e uma mensagem de texto dizendo “Vira-te de frente pra te ver a tua cona, ok”, tendo BB remetido então ao arguido uma fotografia da sua zona genital.

20. O arguido remeteu novas mensagens de texto a BB com os dizeres “Dava te tantos beijinhos na tua cona e metia te a língua lá dentro”, e “Mostra me as maminhas. Ok mor”, tendo BB remetido então ao arguido uma fotografia do seu peito nu, ao que o arguido respondeu com mensagens dizendo “És tão boa. Quero comer te toda”, “Eu quero te é a ti querida. Amo te”.

21. No dia … de Abril de 2019 o arguido remeteu a BB uma mensagem dizendo “Queres ver uma amiga minha a agarrar a minha pixa”, e, mais tarde, enviou-lhe uma fotografia onde é visível uma criança do sexo feminino, de idade inferior a 14 anos, com o peito nu, segurando um pénis erecto.

22. Na mesma ocasião, o arguido remeteu a BB mensagens dizendo “Amava que me fizesses o mesmo. Gostavas de me agarrar na pila como ela?”, “É minha amiga, a minha mulher és tu”, “Quero ver te toda nua. Tu já me viste todo nu”, “Quero ver o teu corpo todo amor. Já me viste a mim”. “Não me amas??”, “Mostra o teu pipi primeiro”.

23. BB enviou então ao arguido uma fotografia semi-nua, mostrando o abdómen, a zona genital, e as coxas.

24. No dia … de Abril de 2019 o arguido enviou a BB um vídeo de um homem adulto a introduzir o pénis erecto na vagina e na boca de uma criança do sexo feminino com idade inferior a 14 anos, e remeteu-lhe uma mensagem dizendo “Fazias o mesmo a mim?

25. Na mesma data, o arguido enviou a BB uma fotografia de uma criança de sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, nua, sentada, mostrando o peito e a vulva, e escreveu-lhe “Faz como ela. Centa te no chão. OK”.

26. BB enviou então ao arguido uma fotografia onde surge despida da cintura para baixo, mostrando a vulva e as nádegas.

27. No mesmo dia, o arguido remeteu a BB um vídeo de uma criança de sexo feminino com idade inferior a 14 anos, sem roupa, a introduzir um vibrador na vagina, e enviou-lhe mensagens de texto dizendo “Faz um vídeo como este da minha amiga EE, amote”, “Metes só os dedos na cona. Mas se queres eu arranjo aquele tubo que ela usa e mando pelo correio. Só tenho que saber a tua morada. É contigo. Bj”.

28. No dia … de Junho de 2019, o arguido detinha consigo, na sua residência sita na Rua ..., em ..., um disco rígido externo de marca ..., com o número de série ..., onde constavam 1779 ficheiros de imagem ou de vídeo onde eram visíveis crianças, algumas das quais com idade inferior a 14 anos, em roupa interior ou nuas e exibindo os órgãos genitais, algumas das quais mantendo relações sexuais de cópula, coito oral, ou coito anal.

29. Na mesma ocasião, o arguido detinha consigo um disco rígido de marca ..., com o número de série ..., contendo 268 ficheiros de imagem ou de vídeo onde eram visíveis crianças, algumas das quais com idade inferior a 14 anos, em roupa interior ou nuas e exibindo os órgãos genitais, algumas das quais mantendo relações sexuais de cópula, coito oral, ou coito anal.

30. O arguido detinha ainda, naquelas circunstâncias, um computador de marca ..., no qual estava instalado um disco rígido ... com o número de série ..., contendo 133 ficheiros de imagem ou de vídeo onde eram visíveis crianças, algumas das quais com idade inferior a 14 anos, em roupa interior ou nuas e exibindo os órgãos genitais, algumas das quais mantendo relações sexuais de cópula, coito oral, ou coito anal.

31. Detinha ainda o arguido, naquela ocasião, um telemóvel ..., com o IMEI ...33, onde estavam armazenados 102 ficheiros de imagem ou de vídeo onde eram visíveis crianças, algumas das quais com idade inferior a 14 anos, em roupa interior ou nuas e exibindo os órgãos genitais, algumas das quais mantendo relações sexuais de cópula, coito oral, ou coito anal.

32. O arguido agiu com o propósito concretizado de manter com BB as conversações referidas, e de lhe remeter as fotografias e os vídeos descritos, ciente da natureza sexual e do conteúdo pornográfico dos mesmos, bem sabendo que aquela tinha idade inferior a 14 anos.

33. Do mesmo modo, agiu com o propósito de remeter a BB as fotografias e vídeos referidos, cientes de que nos mesmos eram visíveis crianças de idade inferior a 18 anos, e em alguns casos de idade inferior a 14 anos, exibindo os órgãos genitais e mantendo relações de cópula, coito oral, ou coito anal.

34. Agiu ainda com o propósito concretizado de, da forma descrita, aliciar e convencer BB a fotografar-se nos termos já descritos, e enviar-lhe tais fotografias, em que a mesma exibia o seu corpo nu e os seus órgãos genitais, bem sabendo que aquela tinha idade inferior a 14 anos.

35. Agiu igualmente com o propósito concretizado de deter os ficheiros informáticos descritos, bem sabendo que os mesmos continham fotografias e vídeos com teor pornográfico, onde eram visíveis crianças, algumas das quais menores de 14 anos, em roupa interior ou nuas e exibindo os órgãos genitais, ou mantendo relações sexuais de cópula, coito oral, ou coito anal.

36. Em tudo agiu o arguido livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou que:

37. O arguido AA cresceu no agregado dos progenitores e dos três irmãos mais novos, relatando laços familiares coesos. A progenitora dedicava-se às tarefas do lar e o progenitor desenvolvia funções na área da ..., sendo um agregado economicamente estável, e propiciador de estímulos intelectuais. Não obstante, AA narra uma infância marcada pela elevada fragilidade da sua saúde, até aos sete anos de idade, traduzindo-se em crises convulsivas e febres elevadas, situação entretanto debelada.

38. Aos dezassete anos de idade foi para ... com o intuito de aperfeiçoar o idioma e de estudar nesse contexto pelo período de um ano, tendo permanecido apenas quatro meses, tendo sido retido em Portugal nessa altura, de forma a não se subtrair ao cumprimento de serviço militar obrigatório.

39. Foi destacado para a …., tendo combatido em ..., entre os vinte e um e os vinte e três anos de idade, período que coincidiu com o nascimento do seu primeiro filho. O arguido AA relata sintomas sugestivos de Perturbação de Stress Pós-Traumático [pesadelos, memórias], não tendo recorrido a um acompanhamento específico no domínio da saúde mental, embora aos cinquenta anos tenha recorrido a suporte psiquiátrico por sentir um maior descontrolo comportamental [pesadelos] e por insistência do cônjuge, avaliando esse acompanhamento como infrutífero.

40. Quando regressou a Portugal, o arguido AA investiu a nível académico, tendo-se licenciado em .... Nessa altura desempenhava funções com o progenitor, numa exploração de ..., em terrenos que pertenciam à família até à Revolução de 25 de Abril de 1974 tendo-se o progenitor do arguido refugiado no ....

41. Após a conclusão do curso superior, o arguido AA iniciou funções como ..., inicialmente na área das ... e, posteriormente, como ..., actividade à qual se dedicou durante mais de trinta anos. O arguido reformou-se há onze anos.

42. A nível afectivo, o arguido AA contraiu matrimónio aos vinte e um anos de idade, na sequência de uma gravidez não planeada, relacionamento que perdurou onze anos e da qual nasceram dois filhos, actualmente com cinquenta e dois e quarenta e nove anos de idade. O casal residia, à época, no ... e a relação é descrita como complexa, tendo terminado.

43. Há quarenta anos que o arguido AA se encontra casado, relacionamento do qual tem um filho de trinta e nove anos de idade, relação que qualifica como gratificante, embora reconheça que a relação foi impactada pela presente sujeição a julgamento, situação com a qual o cônjuge lida com dificuldade.

44. O arguido iniciou a sua vida sexual aos dezanove anos de idade, no contexto da primeira relação de intimidade. Avalia a sua vida sexual como satisfatória.

45. O arguido AA reside em habitação própria, encontrando-se a liquidar a prestação referente ao crédito bancário, no valor mensal de 770 euros. Aufere uma reforma de 2.274 euros mensais e o cônjuge aufere, aproximadamente, 1.800 euros líquidos, valor que é beneficiado pela sua condição de doente oncológica. A situação económica do arguido é estável, não se identificando outros encargos significativos.

46. No período de transição para a reforma, AA ... de forma voluntária em algumas …, tendo cessado essa actividade por considerar que a mesma atingiu um volume considerável que não lhe possibilitava momentos de descanso.

47. No domínio da saúde, o arguido é acompanhado há alguns anos numa instituição especializada em doenças oncológicas, problemática que aparentemente está controlada.

48. Do certificado de registo criminal do arguido AA não constam condenações.


  IV. Decidindo:

  1. No início da sessão de julgamento que teve lugar em …/06/2021 [1], a Exmª Srª Juíza Presidente do tribunal colectivo ditou para a acta a seguinte deliberação:

«O arguido AA encontra-se acusado, da prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c], do Código Penal, dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea b], e 177.º, n.º 7, do Código Penal, um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea c], do Código Penal e um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea c], e n.º 5, e 177.º, n.º 7, do Código Penal.

Tendo em conta os factos descritos na acusação, entende este Tribunal Colectivo que é susceptível de ser imputada a prática de uma pluralidade crimes em concurso efectivo.

Pelo exposto, nos termos do artigo 358.º, n.º 3, ex vi n.º 1, do Código Penal, determina-se a alteração da qualificação jurídica, imputando-se ainda ao arguido:

- quatro crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), agravado por aplicação do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal.

- um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal.

Notifique e comunique».

   Esta deliberação foi, efectivamente, notificada ao arguido, presente nessa sessão, e dada a palavra ao seu defensor constituído, pelo mesmo foi dito “nada ter a opor, face ao despacho que antecede, e que prescinde do prazo de defesa”.

            Posto isto:

    Lida a acusação pública proferida nestes autos e comparada com a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, a conclusão a retirar é que este não alterou, numa vírgula que fosse, a factualidade constante da acusação: não acrescentou, não retirou, nem modificou a matéria constante dos artºs 1º a 36º, a qual transitou, sob a mesma numeração, para a factualidade provada (à insignificante excepção de se ter mencionado, nalguns artigos, o nome completo de uma das ofendidas, quando na acusação constava apenas o seu nome próprio).

   Não se regista, pois, no acórdão recorrido, qualquer alteração dos factos descritos na acusação.

   Distintamente, o que ocorreu foi uma simples e clara alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido (e que o tribunal a quo considerou provados), tendo sido dado oportuno cumprimento ao disposto no artº 358º, nº 3 do CPP, onde se considera correspondentemente aplicável o disposto no nº 1 do mesmo artigo, “quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”.

    E dispõe-se no nº 1 do mencionado artº 358º do CPP que, “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.

     O nº 3 do artº 358º do CPP foi, como é sabido, introduzido pela Lei 59/98, de 25/8 e veio colocar termo a uma divisão que, em rigor, se registava mais na doutrina do que na jurisprudência[2], consagrando o legislador, com o aditamento ao artigo 358º do CPP do mencionado nº 3, “a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa”[3].

     Mas foi precisamente isso que o tribunal recorrido fez, como resulta do acabado de expor: entendendo que os factos descritos na acusação – esses e não quaisquer outros, aditados ou modificados – eram susceptíveis de um enquadramento jurídico diverso do constante da acusação, notificou o arguido dessa possibilidade; e o arguido, através do seu defensor constituído, declarou nada ter a opor, prescindindo de prazo para defesa.

   Não deixa, pois, de constituir motivo de alguma perplexidade constatar que o arguido, que nada opôs e prescindiu de prazo para organizar a sua defesa em face da referida alteração da qualificação jurídica, pretenda agora assacar ao acórdão recorrido uma nulidade, de todo em todo inexistente.

    Aparentemente, o recorrente pretende imputar ao acórdão recorrido a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, al. b) do CPP:

«É nula a sentença:

(…) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º».

      Porém – e como já referimos e enfatizámos – o tribunal a quo não condenou o arguido por factos que não constavam da acusação, apenas os qualificando juridicamente de forma diversa, dando cumprimento ao estatuído no artº 358º, nºs 1 e 3 do CPP.

    Lembrando a lição sempre avisada de Beleza dos Santos [4]: “Quanto à qualificação jurídica – isto é, à aplicação e à interpretação da lei – é manifesto que o réu não pode contar com aquela que o despacho de pronúncia adoptou. Ela pode evidentemente ser alterada, sem que se prejudiquem os legítimos interesses do réu, a quem fica sempre aberto o caminho de discutir livremente a qualificação jurídica dos factos e de recorrer contra sentenças que façam uma apreciação ou interpretação da lei que julgue erróneas”. “Seria exorbitante e injustificado que se atribuísse ao réu a vantagem de beneficiar com qualquer erro de apreciação jurídica feita no despacho de pronúncia ou equivalente. Da mesma maneira seria injustificado e vexatório que se vinculasse o tribunal que tem de julgar a certa interpretação da lei seguida pelo juiz que pronunciou”.

  Ora, o recorrente sempre poderia questionar, em recurso, a qualificação jurídica dos factos apurados (que são, repete-se, os mesmos por cuja autoria vinha acusado). Não o fez, contudo. Diversamente, enveredou pela arguição de uma nulidade que, manifestamente, não ocorre, razão pela qual improcede esta sua pretensão.


        2. No demais:

      Aparentemente, o recorrente apenas questiona a medida concreta da pena única aplicada, na sequência e em consequência da pretendida nulidade:

«XV – Pelo que, as alterações da qualificação jurídica dos factos levas a cabo pelo Tribunal a quo, não devem produzir efeitos por mais desfavoráveis ao recorrente e, em consequência, ser julgado pelos factos descritos na acusação e traduzidos pela fixação do objecto da mesma acusação pela imputação da prática daqueles (e não outros) seis crimes de que vem acusado.

XVI – E, consequentemente, pela diminuição da medida da pena em resultado do decaimento, por nulidade, da qualificação jurídica promovida pelo Tribunal a quo, ser aplicada, ao recorrente, pena suspensa pela condenação dos três crimes constantes da acusação validados».

E a ser assim, improcedente a arguida nulidade do acórdão, prejudicado fica, naturalmente, o pedido do recorrente no sentido de ser “absolvido dos cinco crimes imputados por força da alteração da qualificação jurídica, bem como do respectivo pedido de indemnização civil” mas, também, prejudicada fica a questão relativa à medida da pena única e à possibilidade de suspensão da sua execução, pretensão formulada em decorrência e como consequência da procedência da primeira.

   Porém, dado que nas suas motivações de recurso o recorrente aborda esta última questão, considerando a pena única excessiva e entendendo que a mesma deve ser fixada em medida que permita a suspensão da sua execução, passaremos de seguida a tecer algumas considerações sobre a mesma (note-se que o recorrente não questiona, em momento algum, a medida concreta das penas parcelares aplicadas, antes e tão somente o quantum da pena única).

       A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido:

«Tudo ponderado, julga este Tribunal Colectivo adequadas, justas e proporcionais as seguintes penas parcelares a aplicar ao arguido AA, pela prática:

- de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. c), agravado, nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, a pena de 3 [três anos] e 6 [seis] meses de prisão.

- de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b) agravado por aplicação do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, a pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

- de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal, a pena de 8 [oito] meses de prisão.

- de dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n. º 1, al. b), agravados, nos termos no artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, as penas de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão por cada um dos crimes.

- de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

- de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses e prisão.

- de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

Do cúmulo jurídico:

Considerando que os arguidos vão condenados pela prática, em concurso real e efectivo, dos crimes acima aludidos, em penas da mesma natureza, penas de prisão, importa efectuar o cúmulo e condenar o arguido numa pena única.

A pena aplicável à punição do concurso será encontrada dentro de uma moldura abstracta fixada entre um mínimo igual à pena parcelar mais elevada e o máximo igual ao somatório das penas parcelares, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão e 900 dias de multa.

O cúmulo jurídico terá de ser encontrado entre o limite mínimo de 3 [três] anos e 6 [seis] meses de prisão, a pena mais elevada concretamente aplicada, e o limite máximo correspondente à soma de todas penas concretamente aplicadas – 19 [dezanove] anos e 2 [dois] meses de prisão [cfr. artigo 77.º, do Código Penal].

Por força do n.º, 1 do artigo 77.º do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.

Na determinação da medida da pena única, no que tange à aferição do nível da culpa e das exigências de prevenção especial e geral, é fundamental que se tenha em conta algo que é evidente e do conhecimento de qualquer pessoa de mediano entendimento: os crimes relacionados com o abuso de menores, como o de pornografia de menores, são, em regra e como se verifica no presente caso, determinados pela personalidade de quem os comete e pela fragilidade das vítimas; é por isso que quem os pratica tende à sua prática, sem que lhe cause impressão o horror, a desumanização de que se “alimenta”, apresentando-se a punição de tais condutas, obviamente com respeito pelo inultrapassável limite da culpa - no caso concreto, elevada, pela insensibilidade manifestada relativamente às vítimas, suas características e circunstâncias descritas como o único instrumento apto a, na perspectiva do agente, causar algum entrave à sua insistente vontade de prosseguir no cometimento de tais crimes, que, porque resultam de algo inerente à pessoa que é, não são travados pelo surgimento de um efectivo juízo crítico respeitante ao mal decorrente da respectiva prática e não o são porque tal juízo não surge.

Daqui resulta a necessidade actual de uma punição severa, sem complacência, desde logo, dos crimes de pornografia de menores.

À luz dos critérios supra expostos, considerando o conjunto de todos os factos e a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais registados, o seu mediano juízo crítico e insensibilidade relativamente às correspondentes vítimas [referindo na audiência de discussão e julgamento não ter medido as consequências dos seus actos], não se mostrando no essencial alteradas as condições de vida no contexto das quais praticou os factos, considera o Tribunal como adequada a pena única de 6 [seis] anos de prisão».

      Ora,

  “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º, nº 1 do Cod. Penal – sendo certo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.

    Assim sendo, a moldura legal onde há-de ser encontrada a pena única resultante do cúmulo jurídico situa-se entre um mínimo de 3 anos e 6 meses e um máximo de 19 anos e 2 meses de prisão.

    Como bem se refere no Ac. deste STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I. A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”.

      É que, como ensina Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única «tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma ‘carreira’) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

     Na consideração conjunta dos factos e da personalidade do arguido, haverá que ter em conta que os mesmos se traduzem, todos eles, na prática de crimes contra a autodeterminação sexual, praticados sobre menores de 14 anos. São, de outro lado, muito elevadas as necessidades de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter a confiança da sociedade nos bens jurídico-penais violados. Como bem se refere no acórdão recorrido:

«No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral.

Este tipo de crimes pela sua ínsita violência [física e psíquica], assume relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade, as quais provocam grande alarme social e sentimento generalizado de repulsa para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, o que abala a confiança que a sociedade deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes. É por demais conhecida a danosidade e o alarme social e o sentimento de aversão e repugnância que provoca este tipo de condutas de natureza sexual praticadas perante e com menores, face ao irreversível comprometimento do livre desenvolvimento sexual.

A pornografia infantil é uma indústria repugnante que se alimenta da vida de incontáveis crianças, muitas delas de países sub-desenvolvidos, e/ou que são retiradas a quem as devia proteger, e a quem lhes foi negado o direito de ser criança para se tornarem objectos e escravos sexuais para satisfazer disfunções, pulsões de adultos que as violam, humilham e lhes subtraem a dignidade humana. A propagação e perpetuação desta actividade deve ser por isso ter uma firme resposta do sistema legal e judicial».

    Não assumem idêntico relevo as necessidades de prevenção especial, atenta a estabilidade familiar, económica e social do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a sua confissão, produzida em julgamento.

   Os crimes praticados pelo arguido estenderam-se por um período temporal de pelo menos 1 ano e 4 meses, sendo certo que o mesmo agiu, sempre, com dolo directo, daí que intenso, manifestamente insensível às nefastas consequências para o desenvolvimento afectivo e sexual das vítimas, crianças com idades inferiores a 14 anos.

      Numa moldura penal que parte de um mínimo de 3 anos e 6 meses e encontra o seu máximo nos 19 anos e 2 meses de prisão, a pena única encontrada pelo tribunal a quo – 6 (seis) anos de prisão -, situada no primeiro quinto da pena abstractamente aplicável, está longe de ser excessiva, mostrando-se outrossim justa e adequada à realização das finalidades da punição sendo, por isso, de manter.


    V. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o douto acórdão recorrido.

      Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – artº 513º, nº 1 do CPP e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 12 de Janeiro de 2022 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)


Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)

______

[1][1] Trata-se da segunda sessão da audiência, onde viria a ser lido o acórdão ora recorrido. Por outras palavras: não é correcto o afirmado pelo recorrente nos artigos 47º e 48º da sua motivação de recurso, onde alega que a alteração da qualificação jurídica lhe foi dada a conhecer “logo no início da audiência de julgamento”, contrariando a “tese doutrinária” de Damião da Cunha, de que a alteração há-de ocorrer num momento em que já tenha decorrido, ao menos parcialmente, a audiência de julgamento.
[2] O STJ havia fixado jurisprudência, através do seu Assento 2/93, nos seguintes termos: “Para os fins dos artigos 1º, al. f), 120, 284º, nº 1, 303º, nº 4, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 3, do CPP, não constitui alteração substancial dos facos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave”. Na sequência da declaração de inconstitucionalidade daquela interpretação assumida no Assento 2/93, declarada no Ac. TC 279/95, de 31/5/95, o STJ reformulou aquele Assento 2/93, nos seguintes termos: “Ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta exista, o Tribunal pode proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente dê conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo possa organizar a sua defesa jurídica”.
[3] Oliveira Mendes, “Código de Processo Penal comentado”, 3ª ed. revista, de Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 1102.
[4] RLJ, ano 63, 385/387 e 401/404 e ano 64, 17/20, reproduzida por Oliveira Mendes, op. cit., 1101.